
★★★
Sausage Party, EUA, 2016 | Duração: 1h29 | Lançado no Brasil em 6 de outubro de 2016, nos cinemas | História de Seth Rogen & Evan Goldberg & Jonah Hill. Roteiro de Kyle Hunter & Ariel Shaffir & Seth Rogen & Evan Goldberg | Dirigido por Greg Tiernan e Conrad Vernon | Com as vozes de Seth Rogen, Kristen Wiig, Jonah Hill, Bill Hader, Michael Cera, James Franco, Danny McBride, Craig Robinson, Paul Rudd, Nick Kroll, David Krumholtz, Edward Norton e Salma Hayek.
Diferentemente do que ocorre na TV, é possível contar nos dedos as animações adultas que, ao longo das últimas décadas, tiveram lançamentos cinematográficos que possam ser considerados expressivos. Concebido pelos responsáveis por comédias escrachadas como É O Fim e A Entrevista, Festa da Salsicha é uma dessas raridades que, produzida em animação tridimensional computadorizada, arrisca-se a levar sexo, drogas, palavrões, violência e vulgaridade a um universo tradicionalmente dominado por bichinhos falantes, valores familiares, lições de moral e outras patetices mais brandas.
Escrito por Kyle Hunter, Ariel Shaffir, Seth Rogen e Evan Goldberg a partir de um argumento desenvolvido também por Jonah Hill, o filme é ambientado em um supermercado cujas mercadorias endeusam os seres humanos e anseiam pelo momento em que serão escolhidas, compradas e levadas embora dali, rumo a um lugar que acreditam se tratar do paraíso. Entretanto, os produtos vivem em absoluta negação quanto ao destino hediondo que os aguarda nas residências dos clientes - e, quando descobre que o paraíso é uma falácia, a salsicha Frank (Seth Rogen) tenta de todas as formas alertar seus companheiros de prateleira, que preferem ignorá-lo e acreditar na crendice reconfortante que lhes fora passada por produtos ancestrais.
Eis o primeiro destaque óbvio de Festa da Salsicha: estabelecendo um paralelo evidente com as religiões, o roteiro aborda criticamente desde o uso da doutrina como arma de manipulação até os eventuais danos oriundos da intolerância religiosa, encontrando espaço ainda para repreender o discurso pudico das igrejas, expresso no sentimento de culpa que aflige constantemente o pão de cachorro quente Brenda (Kristen Wiig) em relação a seu desejo sexual latente. Ainda nesse sentido, o filme também faz bom proveito da dinâmica entre o pão Lavash (David Krumholtz) e Sammy Bagel Jr. (Edward Norton), cujo impasse faz clara alusão ao conflito entre palestinos e judeus.
Nem todas as sacadas, entretanto, são tão inspiradas: o humor fundamentalmente nonsense do longa não justifica, por exemplo, a sugestão de que determinados produtos do supermercado são ilegais simplesmente por serem mexicanos, soando como uma piada solta e gratuita envolvendo a situação dos imigrantes nos EUA. A forma como os roteiristas e os diretores Greg Tiernan e Conrad Vernon brincam com a violência, por outro lado, é responsável pelas melhores sequências da projeção: as mutilações exibidas no filme certamente seriam chocantes caso não fossem sofridas por meros produtos de consumo, tornando-se instantaneamente tolas - com destaque absoluto para a sequência em que a colisão entre dois carrinhos transforma um corredor do supermercado num cenário de guerra pós-bombardeio, perturbador na teoria, mas hilário na prática. Para completar, é preciso tirar o chapéu para a vitoriosa renúncia do bom gosto de um filme cujo vilão é nada menos que uma chuqueira (ducha vaginal/anal, para os que desconhecem a denominação popular) - ou Douche (Nick Kroll), no original, em um dos grandes trocadilhos perdidos na tradução.
E já que toquei nesse ponto, é impossível ignorar as perdas sofridas pelo filme na transposição do texto original para o português. Por motivos muito mais promocionais do que criativos, a adaptação do roteiro ficou a cargo do Porta dos Fundos, que surpreendentemente evita firulas e distrações (tirando a cena em que um portal interdimensional, em uma manobra ridícula, ganha o nome do grupo de comediantes) e realiza um trabalho infinitamente melhor que a adaptação datada e vexaminosa assinada por um de seus integrantes, Gregório Duvivier, para Aviões 2 - Heróis do Fogo ao Resgate. Infelizmente, o sucesso e a conformidade da tradução independem da contribuição da equipe de humoristas (que também emprestam vozes para alguns personagens): muito do humor concebido pelos realizadores é perdido quando artistas como Seth Rogen, Michael Cera, James Franco e Kristen Wiig são substituídos por composições caricatas vociferando um sem número de palavrões, ofensas e vulgaridades que, embora condizentes com a proposta do projeto e imprescindíveis para uma adaptação coerente, raramente soam orgânicos na versão em português - sem desmerecer, absolutamente, a competência dos dubladores profissionais.
Com uma qualidade técnica condizente com o baixo orçamento (menos de 20 milhões de dólares, que se convertem em uma animação sem versão em 3D e com visual barato e anacrônico), Festa da Salsicha é um filme cuja alma transgressora acaba, em última instância, sabotada por personagens predominantemente ingênuos inseridos em uma trama desconjuntada e excessivamente tola, tornando desarmônicas muitas das inserções de conteúdo adulto e, automaticamente, comprometendo sua tarefa primordial: a de satisfazer seu público-alvo.
Escrito por Kyle Hunter, Ariel Shaffir, Seth Rogen e Evan Goldberg a partir de um argumento desenvolvido também por Jonah Hill, o filme é ambientado em um supermercado cujas mercadorias endeusam os seres humanos e anseiam pelo momento em que serão escolhidas, compradas e levadas embora dali, rumo a um lugar que acreditam se tratar do paraíso. Entretanto, os produtos vivem em absoluta negação quanto ao destino hediondo que os aguarda nas residências dos clientes - e, quando descobre que o paraíso é uma falácia, a salsicha Frank (Seth Rogen) tenta de todas as formas alertar seus companheiros de prateleira, que preferem ignorá-lo e acreditar na crendice reconfortante que lhes fora passada por produtos ancestrais.
Eis o primeiro destaque óbvio de Festa da Salsicha: estabelecendo um paralelo evidente com as religiões, o roteiro aborda criticamente desde o uso da doutrina como arma de manipulação até os eventuais danos oriundos da intolerância religiosa, encontrando espaço ainda para repreender o discurso pudico das igrejas, expresso no sentimento de culpa que aflige constantemente o pão de cachorro quente Brenda (Kristen Wiig) em relação a seu desejo sexual latente. Ainda nesse sentido, o filme também faz bom proveito da dinâmica entre o pão Lavash (David Krumholtz) e Sammy Bagel Jr. (Edward Norton), cujo impasse faz clara alusão ao conflito entre palestinos e judeus.

Nem todas as sacadas, entretanto, são tão inspiradas: o humor fundamentalmente nonsense do longa não justifica, por exemplo, a sugestão de que determinados produtos do supermercado são ilegais simplesmente por serem mexicanos, soando como uma piada solta e gratuita envolvendo a situação dos imigrantes nos EUA. A forma como os roteiristas e os diretores Greg Tiernan e Conrad Vernon brincam com a violência, por outro lado, é responsável pelas melhores sequências da projeção: as mutilações exibidas no filme certamente seriam chocantes caso não fossem sofridas por meros produtos de consumo, tornando-se instantaneamente tolas - com destaque absoluto para a sequência em que a colisão entre dois carrinhos transforma um corredor do supermercado num cenário de guerra pós-bombardeio, perturbador na teoria, mas hilário na prática. Para completar, é preciso tirar o chapéu para a vitoriosa renúncia do bom gosto de um filme cujo vilão é nada menos que uma chuqueira (ducha vaginal/anal, para os que desconhecem a denominação popular) - ou Douche (Nick Kroll), no original, em um dos grandes trocadilhos perdidos na tradução.
E já que toquei nesse ponto, é impossível ignorar as perdas sofridas pelo filme na transposição do texto original para o português. Por motivos muito mais promocionais do que criativos, a adaptação do roteiro ficou a cargo do Porta dos Fundos, que surpreendentemente evita firulas e distrações (tirando a cena em que um portal interdimensional, em uma manobra ridícula, ganha o nome do grupo de comediantes) e realiza um trabalho infinitamente melhor que a adaptação datada e vexaminosa assinada por um de seus integrantes, Gregório Duvivier, para Aviões 2 - Heróis do Fogo ao Resgate. Infelizmente, o sucesso e a conformidade da tradução independem da contribuição da equipe de humoristas (que também emprestam vozes para alguns personagens): muito do humor concebido pelos realizadores é perdido quando artistas como Seth Rogen, Michael Cera, James Franco e Kristen Wiig são substituídos por composições caricatas vociferando um sem número de palavrões, ofensas e vulgaridades que, embora condizentes com a proposta do projeto e imprescindíveis para uma adaptação coerente, raramente soam orgânicos na versão em português - sem desmerecer, absolutamente, a competência dos dubladores profissionais.
Com uma qualidade técnica condizente com o baixo orçamento (menos de 20 milhões de dólares, que se convertem em uma animação sem versão em 3D e com visual barato e anacrônico), Festa da Salsicha é um filme cuja alma transgressora acaba, em última instância, sabotada por personagens predominantemente ingênuos inseridos em uma trama desconjuntada e excessivamente tola, tornando desarmônicas muitas das inserções de conteúdo adulto e, automaticamente, comprometendo sua tarefa primordial: a de satisfazer seu público-alvo.
