28 de setembro de 2016

Crítica | O Lar das Crianças Peculiares

Lauren McCrostie, Pixie Davies, Thomas e Joseph Odwell e Ella Purnell em O LAR DAS CRIANÇAS PECULIARES (Miss Peregrine's Home for Peculiar Children)

★★★

Miss Peregrine's Home For Peculiar Children, Reino Unido/Bélgica/EUA, 2016 | Duração: 2h06m46s | Lançado no Brasil em 29 de setembro de 2016, nos cinemas | Baseado no romance de Ransom Riggs. Roteiro de Jane Goldman | Dirigido por Tim Burton | Com Asa Butterfield, Eva Green, Samuel L. Jackson, Ella Purnell, Terence Stamp, Chris O'Dowd, Rupert Everett, Allison Janney, Finlay MacMillan, Lauren McCrostie, Hayden Keeler-Stone, Georgia Pemberton, Milo Parker, Raffiella Chapman, Pixie Davies, Joseph Odwell, Thomas Odwell, Cameron King, Kim Dickens e Judi Dench.

Pôster/capa/cartaz nacional de O LAR DAS CRIANÇAS PECULIARES (Miss Peregrine's Home for Peculiar Children)
Concebido pelo escritor americano Ransom Riggs como fruto de sua paixão por fotografia vernacular e histórias bizarras, O Lar das Crianças Peculiares soa como uma versão infanto-juvenil fantasiosa de X-Men que, nas mãos do cineasta Tim Burton, ganha uma abordagem sombria mais que apropriada e bem-vinda. Entretanto, diferentemente do que ocorria nas histórias dos mutantes da Marvel ou em produções que abraçam paradoxos temporais, o filme abre mão de grande parte do potencial da premissa e dos elementos fantasiosos que definem seu universo ao manter o foco na tradicional disputa entre o bem e o mal, que ao menos é imaginativa o bastante para manter o espectador entretido.

No roteiro, escrito por Jane Goldman (Kingsman: Serviço Secreto), o garoto Jake (Asa Butterfield) decide viajar para uma pequena e remota ilha galesa depois que seu avô, Abe (Terence Stamp), à beira da morte, tenta convencê-lo que as histórias de ninar que lhe contara durante a infância envolvendo um orfanato repleto de crianças com habilidades especiais eram, de fato, reais. Esquivando-se da incredulidade de seu pai (Chris O'Dowd), Jake acaba atravessando um fenda temporal e retorna a 3 de setembro de 1943, dia que a senhora Peregrine (Eva Green) e suas crianças peculiares revivem incessantemente como meio de se proteger de ameaças externas. Entretanto, a segurança daquela fenda é comprometida pelo senhor Barron (Samuel L. Jackson) e um grupo de seres peculiares nefastos e inescrupulosos que desejam transferir a imortalidade própria da vida em loops temporais para a linha cronológica convencional, condição que supostamente seria alcançada através de um experimento perigoso que coloca ymbrynes - peculiares capazes de manipular o tempo, como a senhora Peregrine - na posição de cobaias.

Pra início de conversa, O Lar das Crianças Peculiares peca por apresentar um grupo de personagens que, embora presos a um mesmo espaço-tempo por mais de 70 anos, não apresentam qualquer tipo de consternação em decorrência do confinamento ou da reiteração - sem mencionar, é claro, a incoerência de vermos figuras cujas personalidades são compatíveis com suas idades biológicas, e não com suas experiências e tempo de vida. Além disso, a arbitrariedade e a conveniência das habilidades especiais dos personagens chega a causar desconforto - incluindo a revelação absolutamente frustrante da peculiaridade do protagonista, que depende diretamente do fracasso do primeiro experimento de imortalidade dos vilões mesmo sem possuir qualquer conexão com o evento em si.

Eva Green, Georgia Pemberton e Asa Butterfield em O LAR DAS CRIANÇAS PECULIARES (Miss Peregrine's Home for Peculiar Children)

Por outro lado, o filme ganha pontos ao se manter fiel a seus conceitos particulares e ao tom sombrio, mesmo quando ambos desafiam as expectativas normalmente estabelecidas para produções com público-alvo mais jovem: a forma como o roteiro explora a dinâmica dos loops temporais no terceiro ato, por exemplo, pode soar confusa até mesmo para os mais crescidinhos, ao passo que passagens como aquelas que trazem um cadáver de criança sendo usado como marionete ou os vilões devorando uma tigela de olhos conseguem ser impactantes a seu modo, mas sem traumatizar a rapaziada. Ainda nesse sentido, Burton e a direção de arte oferecem diversas contribuições acertadas a essa atmosfera mais soturna: repare, por exemplo, a casualidade com que Peregrine e as crianças vestem sisudas máscaras de gás para assistir a determinado espetáculo de destruição lúgubre por excelência, ou o modo como o visual sutilmente sinistro do figurino dos gêmeos, vividos por Joseph e Thomas Odwell, torna a inofensiva dupla uma presença levemente incômoda e perturbadora.

Embora menos espalhafatoso que em lançamentos anteriores do cineasta, o design de produção não merece menos elogios, que se estendem tanto aos departamentos de maquiagem e figurino (mesmo quando sugestivos num nível que às vezes flerta com a obviedade), por exemplo, quanto ao de efeitos especiais - com destaque para a sequência em que o funcionamento de determinada embarcação é restabelecido. Por fim, também vale apontar o efeito 3D é até bastante eficaz (especialmente considerando que a conversão foi feita na pós-produção) e que o uso notável de stop-motion na cena em que dois bonecos animados por Enoch (Finlay MacMillan) se enfrentam surge como um lembrete divertido e inofensivo do homem que está por trás das câmeras.

Com um Asa Butterfield esforçado, uma Eva Green contrabalanceando firmeza, zelo, mistério e excentricidade com excelência e um Samuel L. Jackson que se diverte mais do que o próprio público, O Lar das Crianças Peculiares é um passatempo mediano que, com o perdão pelo trocadilho, carece justamente de peculiaridades capazes de destacá-lo de tantas outras produções semelhantes ou equivalentes.

Asa Butterfield e Ella Purnell em O LAR DAS CRIANÇAS PECULIARES (Miss Peregrine's Home for Peculiar Children)

14 de setembro de 2016

Crítica | Bruxa de Blair



Blair Witch, EUA, 2016 | Duração: 1h29 | Lançado no Brasil em 15 de setembro de 2016, nos cinemas | Escrito por Simon Barrett | Dirigido por Adam Wingard | Com James Allen McCune, Callie Hernandez, Corbin Reid, Brandon Scott, Wes Robinson e Valorie Curry.

Lançado em 1999, A Bruxa de Blair se tornou um marcante fenômeno cultural por um somatório de razões. Amparada por uma campanha de marketing viral consistente e ambiciosa para a época, a obra de baixíssimo orçamento conquistou público e crítica graças ao eficiente uso de seus poucos recursos: a visceralidade do elenco estreante (dos diálogos improvisados às famigeradas estratégias dos realizadores para apavorar os atores durante o período de filmagens) e a intencional precariedade técnica casaram perfeitamente bem com a linguagem do found footage, subgênero ainda pouco popular na época.

Ao longo da década seguinte e respaldados pelo sucesso de A Bruxa de Blair, filmes como Cloverfield - Monstro e [REC] foram capazes de injetar novo gás aos falsos documentários com as tais "filmagens encontradas" - mas o desgaste da fórmula, a negligência de certos roteiros e até mesmo a completa incompreensão dos princípios básicos do subgênero acarretaram em uma leva de produções deploráveis, de modo que para cada triunfo como Poder Sem Limites ou Creep, fomos penalizados com desastres na linha de Filha do Mal, Projeto Dinossauro ou da penca de continuações do ótimo Atividade Paranormal.

Assim, foi com grande frustração que saí cabisbaixo da sessão deste novo Bruxa de Blair, depois de testemunhar uma marca de sucesso sendo ressuscitada após 17 anos às custas de um projeto que parece disposto a abdicar praticamente tudo que tornava o longa original uma obra tão marcante. Mais nova parceria entre o roteirista Simon Barrett e o diretor Adam Wingard (Você é o Próximo), a produção parece ignorar o vergonhoso e absurdo Bruxa de Blair 2: O Livro das Sombras e traz um grupo de jovens se metendo na floresta de Burkittsville, em Maryland, depois que James (James Allen McCune) é levado a crer por um vídeo da internet que sua irmã, Heather Donahue, ainda estaria perdida no local vinte longos anos após os incidentes retratados no primeiro longa. Guiado por dois nativos excêntricos, o grupo obviamente acaba descobrindo da pior maneira que a maldição da Bruxa de Blair é real.


As filmagens, por outro lado, são de uma artificialidade ímpar: como tem sido comum no subgênero, os diálogos são demasiadamente claros e limpos, os sons ambientes se distribuem com destreza entre os vários canais do sistema de som e as imagens produzidas até mesmo por câmeras minúsculas contam com qualidade exemplar - menos, claro, quando sofrem interferências, recurso também bastante batido. Ainda nesse sentido, o longa peca pelo excesso de cortes: a alternância entre as várias câmeras utilizadas pelo grupo compromete severamente a pretendida naturalidade das imagens - especialmente se compararmos com o filme de 99, que contava com apenas duas câmeras, operadas de fato pelos próprios atores, e uma edição mais simples, com planos mais longos.

Pra piorar, os realizadores também divergem criativamente em relação a alguns dos maiores êxitos do primeiro filme. Enquanto o original abria mão dos sustos, efeitos especiais e trilha sonora pra apostar todas as fichas no poder da sugestão, esta continuação acha conveniente exibir certas entidades, martelar o teor tenebroso de deteminadas passagens com acordes sonoros alheios ao universo diegético e assustar o público da forma mais gratuita possível: com elevação abrupta do som nas inúmeras aparições inexplicavelmente repentinas de praticamente todos os personagens (em certo momento, um deles até reconhece o problema e alega que "vocês têm que parar de fazer isso [aparecer de supetão]", o que não redime a falha).

Como se não bastasse, o roteiro de Barrett é um festival desregulado de clichês: quem ficaria remotamente espantado ao constatar, por exemplo, que o personagem mais incrédulo e desdenhoso em relação à maldição é também sua primeira vítima? Aliás, vale apontar que nenhum dos novos elementos apresentados surge como um complemento interessante à lenda da Bruxa de Blair: aquele envolvendo lapsos temporais, aliás, é particularmente danoso e, fatalmente, prejudica o ritmo da narrativa, quando estende demasiada e inadvertidamente a duração de certa noite. Pra piorar, a produção consegue se comprometer até mesmo na escolha das locações - e não há nada mais frustrante do que perceber que as características físicas da floresta desse novo filme destoam enormemente das paisagens vistas no original, o que arrebenta a conexão entre suas tramas (além de ter me causado calafrios pela recordação do brasileiro Desaparecidos, provavelmente o pior found footage já produzido na História).

Prejudicado, ainda, por um elenco insosso, Bruxa de Blair consegue se aproximar da produção original em ao menos um aspecto: ter contado com uma campanha de marketing cuja estratégia obteve algum êxito - mas, dessa vez, atraindo atenção para um projeto que lamentavelmente não a merecia.