1 de agosto de 2016

Crítica | Looking: The Movie

Jonathan Groff, Murray Bartlett e Frankie J. Alvarez em LOOKING: THE MOVIE

★★★★

Looking: The Movie, EUA, 2016 | Duração: 1h24m35s | Lançado no Brasil em 30 de julho de 2016, na HBO | Baseado na série criada por Michael Lannan. Escrito por Andrew Haigh & Michael Lannan | Dirigido por Andrew Haigh | Com Jonathan Groff, Frankie J. Alvarez, Murray Bartlett, Lauren Weedman, Raúl Castillo, Russell Tovey, Daniel Franzese, O-T Fagbenle, Bashir Salahuddin, Chris Perfetti, Derek Phillips, Michael Rosen.

Pôster/capa/cartaz de LOOKING: THE MOVIE
Embora ainda estejam longe de definir um cenário ideal, a discriminação e a repressão históricas sofridas pela comunidade LGBT vêm regredindo expressivamente ao longo das últimas décadas, permitindo, por exemplo, que a presença de figuras queer na indústria cultural se torne cada vez mais comum e, sobretudo, mais naturalizada. Entretanto, por maiores que sejam esses avanços, ainda persiste uma enorme carência de produções culturais que foquem e mergulhem em questões que, embora relacionáveis e universais em sua essência, são próprias de uma comunidade ainda mal compreendida.

E é com um pesar incontornável e a sensibilidade habitual que Patrick, Agustín, Dom, Doris e Kevin se despedem do público em Looking: The Movie, telefilme que arremata o arco da série homônima precocemente cancelada pela HBO no último ano por falta de audiência e que, ao longo de apenas 18 episódios de meia hora de duração, lançou um olhar acurado sobre os anseios, expectativas, frustrações e decepções do homem gay contemporâneo em questões relacionadas a amizade, relacionamentos, sexo, saúde, carreira e família.

No filme, escrito pelo diretor e produtor Andrew Haigh (Weekend) ao lado do criador da série Michael Lannan, descobrimos que o designer de videogames Patrick (Jonathan Groff), frustrado com os rumos que sua vida vinha tomando, mudou-se para Denver em busca de algum tipo de recomeço catártico. De volta a São Francisco para o casamento de Agustín (Frankie J. Alvarez) e Eddie (Daniel Franzese), o rapaz reencontra figuras de seu passado (recente) e acaba se dando conta de que a decisão de abandonar a cidade tratava-se, na realidade, de uma estratégia para fugir dos conflitos emocionais mal resolvidos que ainda o afligiam, em vez de enfrentá-los de frente.

Jonathan Groff e Russell Tovey em LOOKING: THE MOVIE

Levemente prejudicado pela carga de diálogos expositivos, que visam tanto dar alguma orientação ao público que não acompanhou a série quanto preencher a lacuna entre a segunda temporada e o filme, Looking apresenta versões mais maduras de seus personagens, mas concentra as maiores atenções no arco do protagonista: visivelmente empenhado em reprimir parte de suas emoções, Patrick surge como um sujeito menos impulsivo e autodestrutivo que, mais do que nunca, parece disposto a compreender o lado de seus interlocutores e a reconhecer seus próprios e múltiplos erros em assuntos não resolvidos ao longo das temporadas.

Aliás, a excelência da construção dos personagens é um dos grandes méritos de Looking, fazendo com que a narrativa seja amplamente enriquecida pela simples interação entre suas figuras imperfeitas e erráticas - o que fica evidente, por exemplo, na eficácia da sequência em que Patrick e seu ex-patrão e ex-amante Kevin (Russell Tovey) acertam suas pendências pessoais, quando o roteiro não se rende à tentação de soluções fáceis, frágeis e piegas. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito da passagem próxima ao desfecho em que o protagonista e sua antiga paixão, Richie (Raúl Castillo), debatem sobre o futuro, numa tentativa atrapalhada e infeliz de oferecer ao público uma perspectiva palpável, mas não muito concreta sobre o destino de ambos, que se estabelece como uma das maiores decepções do longa.

Como era de se esperar, Looking: The Movie ainda merece aplausos por inserir na narrativa breves reflexões sobre temas que dialogam diretamente com o público gay e que ainda não haviam sido abordados na série - a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou como se assumir precoce ou tardiamente pode influenciar de maneiras distintas a formação da personalidade de um indivíduo são alguns exemplos. Por fim, os realizadores mais uma vez chamam a atenção pela veracidade e visceralidade das relações sexuais vistas em tela - exatamente o que deveríamos esperar de uma cena pensada, escrita, coreografada, dirigida e protagonizada por homens homossexuais.

Celebrando com eficiência ímpar o valor de amizades legítimas e merecendo aplausos por toda a discussão em torno da inexistência de respostas fáceis para questões sentimentais complexas e da importância de, nesses casos, ter culhões para assumir riscos em busca da felicidade (com destaque para a estranhamente eficiente cena em que Patrick e Dom exploram com espontaneidade, naturalidade e sem neuras a barreira que separa a amizade da sexualidade), Looking: The Movie é um encerramento à altura de uma série extremamente subestimada que, além de saudades e melancolia, deixará uma legião de órfãos de uma representatividade que não se vê todo dia por aí.

Jonathan Groff e Raúl Castillo em LOOKING: THE MOVIE