
★★★★
10 Cloverfield Lane, EUA, 2016 | Duração: 1h43 | Lançado no Brasil em 7 de abril de 2016, nos cinemas | História de Josh Campbell & Matthew Stuecken. Roteiro de Josh Campbell & Matthew Stuecken e Damien Chazelle | Dirigido por Dan Trachtenberg | Com Mary Elizabeth Winstead, John Goodman e John Gallagher Jr.
Do topo do meu privilégio masculino, por muito tempo rejeitei a ideia da corrente feminista que defende que "todo homem é um estuprador em potencial". O discurso só passou a fazer sentido para mim quando fiz a leitura correta e entendi que, em situações criticas, a figura masculina, por si só, pode representar uma ameaça palpável para mulheres e despertar nelas um instinto de autopreservação; em outras palavras, é perfeitamente compreensível que uma mulher adote uma postura defensiva, por exemplo, ao cruzar com um homem desconhecido em uma rua deserta, já que a estabilidade mental do sujeito é uma incógnita e agressões misóginas são muitíssimo mais comuns do que gostaríamos.
Entretanto, mesmo já tendo ajustado minha perspectiva em relação ao assunto, continuo sendo e sempre serei um privilegiado indivíduo do sexo masculino - e por maiores que sejam a compaixão e a empatia que nutro pela causa feminista, elas jamais me trarão uma compreensão satisfatória do que é estar no papel oprimido em uma situação dessa natureza. Mencionei tudo isso para destacar que Rua Cloverfield, 10 é, sem dúvidas, um thriller aterrador para todas as audiências, mas deve representar uma experiência ainda mais tensa e penosa para o público feminino.
No filme, escrito por Josh Campbell, Matthew Stuecken e Damien Chazelle, a aspirante a estilista Michelle (Mary Elizabeth Winstead) sofre um acidente automobilístico e acorda horas depois acorrentada ao encanamento de um calabouço. Já suficientemente apavorada, a mulher descobre que o cativeiro é mantido por Howard (John Goodman), um homem mais velho, corpulento e ligeiramente sombrio - e quando ela reivindica sua liberdade e implora que sua integridade seja preservada, o sujeito anuncia misteriosamente que o objetivo daquele cárcere é "mantê-la viva".
A ambiguidade do personagem de John Goodman é a espinha dorsal do suspense do filme, trabalho esse que o ator veterano desempenha com imensa competência: embora consiga tranquilizar gradualmente a desconfiada Michelle conferindo-lhe certas liberdades, apresentando o abrigo subterrâneo que ambos e o alvoroçado Emmett (John Gallagher Jr.) compartilham e dividindo com ela sua teoria e evidências sobre o suposto ataque químico que assolou a superfície terrestre, o homem exibe uma série de comportamentos ambíguos que, vistos sob um prisma mais pessimista, são perfeitamente dignos de desconfiança - e confesso que, na maior parte do tempo, fui mais otimista e apostei na possibilidade de Howard ser um sujeito com boas intenções.
(Atenção!: o restante do texto contém spoilers)
Todavia, tratava-se de um posicionamento involuntariamente tendencioso (e um pouco machista, preciso admitir) de minha parte e teria sido um imenso erro e um tremendo desserviço caso os roteiristas tivessem seguido por essa vertente: caso o personagem de Goodman tivesse, de fato, boa índole, a postura defensiva de Michelle acabaria soando inoportunamente como equivocada histeria feminina. Assim, quando Howard assassina abruptamente Emmett na virada do segundo para o terceiro ato e ressurge, na cena seguinte, de barba feita, qualquer ambiguidade cai por terra e todas as atitudes suspeitas do homem ganham um contorno mais definido: Howard não é só um homem instável, perigoso e paranoico, mas um legítimo predador sexual, tão ou mais assustador que os inimigos que supostamente aguardam a protagonista do lado de fora do bunker.
Dividindo características remotas com o primo Cloverfield - Monstro, de 2008, Rua Cloverfield, 10 prova que não são necessários grandes recursos para a produção de um suspense de ficção científica eficiente e tematicamente relevante - e não é à toa que a parte mais ordinária e menos interessante do longa é justamente aquela transcorrida no exterior do abrigo, culminando em um desfecho substancialmente menos extasiante que o esperado. Um mero pecadilho para uma junção de esforços artísticos tão bem sucedida.
Entretanto, mesmo já tendo ajustado minha perspectiva em relação ao assunto, continuo sendo e sempre serei um privilegiado indivíduo do sexo masculino - e por maiores que sejam a compaixão e a empatia que nutro pela causa feminista, elas jamais me trarão uma compreensão satisfatória do que é estar no papel oprimido em uma situação dessa natureza. Mencionei tudo isso para destacar que Rua Cloverfield, 10 é, sem dúvidas, um thriller aterrador para todas as audiências, mas deve representar uma experiência ainda mais tensa e penosa para o público feminino.
No filme, escrito por Josh Campbell, Matthew Stuecken e Damien Chazelle, a aspirante a estilista Michelle (Mary Elizabeth Winstead) sofre um acidente automobilístico e acorda horas depois acorrentada ao encanamento de um calabouço. Já suficientemente apavorada, a mulher descobre que o cativeiro é mantido por Howard (John Goodman), um homem mais velho, corpulento e ligeiramente sombrio - e quando ela reivindica sua liberdade e implora que sua integridade seja preservada, o sujeito anuncia misteriosamente que o objetivo daquele cárcere é "mantê-la viva".

A ambiguidade do personagem de John Goodman é a espinha dorsal do suspense do filme, trabalho esse que o ator veterano desempenha com imensa competência: embora consiga tranquilizar gradualmente a desconfiada Michelle conferindo-lhe certas liberdades, apresentando o abrigo subterrâneo que ambos e o alvoroçado Emmett (John Gallagher Jr.) compartilham e dividindo com ela sua teoria e evidências sobre o suposto ataque químico que assolou a superfície terrestre, o homem exibe uma série de comportamentos ambíguos que, vistos sob um prisma mais pessimista, são perfeitamente dignos de desconfiança - e confesso que, na maior parte do tempo, fui mais otimista e apostei na possibilidade de Howard ser um sujeito com boas intenções.
(Atenção!: o restante do texto contém spoilers)
Todavia, tratava-se de um posicionamento involuntariamente tendencioso (e um pouco machista, preciso admitir) de minha parte e teria sido um imenso erro e um tremendo desserviço caso os roteiristas tivessem seguido por essa vertente: caso o personagem de Goodman tivesse, de fato, boa índole, a postura defensiva de Michelle acabaria soando inoportunamente como equivocada histeria feminina. Assim, quando Howard assassina abruptamente Emmett na virada do segundo para o terceiro ato e ressurge, na cena seguinte, de barba feita, qualquer ambiguidade cai por terra e todas as atitudes suspeitas do homem ganham um contorno mais definido: Howard não é só um homem instável, perigoso e paranoico, mas um legítimo predador sexual, tão ou mais assustador que os inimigos que supostamente aguardam a protagonista do lado de fora do bunker.
Dividindo características remotas com o primo Cloverfield - Monstro, de 2008, Rua Cloverfield, 10 prova que não são necessários grandes recursos para a produção de um suspense de ficção científica eficiente e tematicamente relevante - e não é à toa que a parte mais ordinária e menos interessante do longa é justamente aquela transcorrida no exterior do abrigo, culminando em um desfecho substancialmente menos extasiante que o esperado. Um mero pecadilho para uma junção de esforços artísticos tão bem sucedida.
