24 de junho de 2015

Crítica | Minions

MINIONS

★★

Minions, EUA, 2015 | Duração: 1h31 | Lançado no Brasil em 25 de junho de 2015, nos cinemas | Escrito por Brian Lynch | Dirigido por Kyle Balda e Pierre Coffin | Com as vozes de Sandra Bullock, Jon Hamm, Michael Keaton, Allison Janney, Steve Coogan, Jennifer Saunders, Geoffrey Rush, Steve Carell e Pierre Coffin.

Pôster/capa/cartaz nacional de MINIONS
Sempre que tento entender o inexplicável e estrondoso sucesso do fraco Meu Malvado Favorito e de sua horrorosa continuação, lembro da ocasião em que estive presente em uma sessão de Dredd em que o teaser trailer em 3D do segundo filme foi exibido para uma plateia formada exclusivamente por adultos, cujas reações à peça de divulgação (que foi exaustivamente exibida ao longo de meses nos cinemas) chamaram muito minha atenção: primeiro, a incapacidade dos espectadores de esconder o deslumbramento infantil com a língua-de-sogra que parecia invadir a sala na direção das poltronas e, segundo, a explosão de gargalhadas (adultas, repito e enfatizo) que inundou o ambiente quando um dos minions esmurra e derruba um dos companheiros no desfecho da cena.

Trata-se de um fenômeno, no mínimo, curioso: alívios cômicos (ou sidekicks) por excelência, os seres amarelos unicelulares (?) dotados de um design pouquíssimo elegante e de um humor óbvio e rasteiro (que até funciona em várias ocasiões) caíram como um meteoro na graça do público e se tornaram a maior, senão única razão do sucesso da franquia - e não é à toa que, mesmo sendo personagens secundários, eles estão presentes de forma esmagadora em qualquer material relacionado aos filmes (cartazes, trailers, capa do DVD e do Blu-ray, brinquedos, etc) e nos principais argumentos utilizados pelos defensores das obras. Entretanto, já está mais do que provado que a bagunça inócua e lançadora-de-objetos-na-direção-da-plateia que caracteriza qualquer segmento audiovisual estrelado pelos minions não é capaz de sustentar ou sequer contribuir para uma construção narrativa satisfatória - o que, fatalmente, condena essa ascensão dos coadjuvantes engraçadinhos a protagonistas.

Escrito por Brian Lynch e dirigido por Kyle Balda e Pierre Coffin (este último responsável pelas vozes dos bichinhos), Minions introduz os personagens-título como seres fadados a servir mestres perversos e apresenta suas consecutivas e fracassadas tentativas de colaborar com grandes vilões ao longo da História. Derrotados e desiludidos, os pequeninos decidem se refugiar em uma gélida e remota caverna, onde se organizam em uma comunidade que rapidamente é afligida pelo abatimento oriundo do descumprimento de suas funções naturais. É então que três deles - o destemido líder Kevin, o músico e fã de bananas Stuart e o ingênuo Bob - decidem sair do esconderijo em busca de um vilão digno da servidão daquela tribo. Assim, o trio logo é cativado pela supervilã Scarlett Overkill (Sandra Bullock), que encomenda um grande roubo para testar as habilidades e a lealdade de seus novos capangas.

MINIONS

Apenas alguns tons menos histriônico que os dois Meu Malvado Favorito, este spin-off (ou prequel) volta os holofotes para o que havia de melhor e mais tolerável naqueles filmes sem qualquer propósito artístico ou ambição narrativa. Assim, a frágil trama é inteiramente estruturada como suporte para esquetes dos seres amarelos, que carecem de personalidades compatíveis com a centralidade dos papéis e cujo humor, predominantemente físico, flerta demasiadamente com o pastelão, saturando o espectador com tombos, sopapos e um bocado de histeria. Ainda nesse sentido, os realizadores pecam ao amontoar o filme com referências culturais que, abraçando a ambientação sessentista da trama, parecem apostar mais na vaidade dos espectadores capazes de identificá-las e compreendê-las do que na organicidade com que poderiam se encaixar na narrativa.

Por outro lado, o filme consegue arrancar uma ou outra risada quando explora aquilo que os minions possuem de melhor: a seriedade e o comprometimento nonsense com que assumem personalidades distintas ou se envolvem em atividades diversificadas, como ocorre em algumas passagens musicais, na hilária sequência em que Bob é coroado rei da Inglaterra ou na divertida montagem que exibe a jornada do restante da tribo rumo ao Reino Unido. Infelizmente, os realizadores são incapazes de identificar o potencial dessas investidas e desperdiçam a maior parte do tempo tentando conferir credibilidade à trama - que, por sinal, é repleta de arbitrariedades e inconsistências, característica marcante da franquia.

Preguiçoso a ponto de recorrer frequentemente à narração em off para que a trama seja compreendida (já que a língua própria dos minions mistura de forma imprevisível diversos idiomas humanos e fazer um trabalho genial como o de WALL•E é um desafio grande demais para os realizadores), Minions reflete a cada minuto o esforço inútil de uma equipe que, caso pudesse abandonar o pouco de dignidade que ainda lhe resta e atender às reais demandas do público, transformaria o longa em uma versão estendida da cena que surge após o fim dos créditos - uma bagunça musical, histérica, caótica e sem sentido, com toda a sorte de objetos voando na direção do público e os minions fazendo aquilo que sabem fazer de melhor: ser minions e alojar-se, sorrateiros, na mente dos consumidores. As empresas de brinquedos, guloseimas, material escolar, roupas de cama e as redes de fast food que ostentam os personagens em seus produtos e vitrines agradecem enfaticamente e mandam lembranças.

MINIONS

16 de junho de 2015

Crítica | Divertida Mente

DIVERTIDA MENTE (Inside Out)

★★★★★

Inside Out, EUA, 2015 | Duração: 1h34 | Lançado no Brasil em 18 de junho de 2015, nos cinemas | História de Pete Docter e Josh Cooley. Roteiro de Pete Docter & Meg LeFauve & Josh Cooley | Dirigido por Peter Docter e Ronaldo Del Carmen | Com as vozes de Amy Poehler, Phyllis Smith, Richard Kind, Bill Hader, Lewis Black, Mindy Kaling, Kaitlyn Dias, Diane Lane, Kyle MacLachlan e John Ratzenberger.

Pôster/capa/cartaz nacional de DIVERTIDA MENTE (Inside Out)
"Este filme é dedicado às nossas crianças. Por favor, não cresçam. Nunca.". Posicionada em algum ponto próximo à tradicional lista de production babies - bebês de envolvidos no projeto que nasceram durante a produção - nos créditos finais de Divertida Mente, esta dedicatória atravessou meus olhos ainda marejados ao final da sessão para se estabelecer como o golpe final da sucessão de bordoadas emocionais deferidas pela mais nova animação dos estúdios Pixar, que se aventura em um estudo inusitado sobre o processo de amadurecimento com doses equilibradas de humor, doçura e melancolia.

Escrito por Josh Cooley, Meg LeFauve e pelo diretor Pete Docter, o filme nos transporta para o interior da mente da jovem Riley (Kaitlyn Dias), onde as emoções Alegria (Amy Poehler), Tristeza (Phyllis Smith), Raiva (Lewis Black), Medo (Bill Hader) e Nojinho (Mindy Kaling) dividem o comando de uma central de operações responsável pelos estímulos e pela criação e armazenamento de memórias da garota. Porém, quando a família de Riley muda de cidade e a menina é exposta a uma série de ambientes e situações inéditos e desafiadores, Alegria e Tristeza são acidentalmente extraídas e afastadas da Sala de Comando e passam a enfrentar uma série de dificuldades para retornar, deixando a jovem sob os cuidados do Raiva, do Medo e da Nojinho.

Abraçando com vigor e sem receios a hipótese mais infantil e fantasiosa sobre o funcionamento do corpo humano - a de que pessoinhas desempenham tarefas específicas dentro de nós -, Divertida Mente lança um olhar lúdico e imaginativo sobre os mecanismos mentais de um indivíduo sujeito a um intenso processo de transformação, em um momento revelador e emblemático da vida. Nesse sentido, a produção acerta ao abraçar a complexidade da mente humana e abrir mão de um rigor lógico na concepção do universo psicológico: essencialmente, todas as leis em vigor naquele cenário são repletas de arbitrariedades - o que não impede, entretanto, que gerem fascinação e possuam alguma coerência própria. Assim, mesmo que as ilhas de personalidade criadas a partir de memórias-base não apresentem qualquer função prática, por exemplo, é impossível não se encantar com a forma como todos os elementos da trama mental refletem a montanha russa emocional que Riley embarca nos primeiros dias de sua nova vida: o desmoronamento da Terra da Bobeira, por exemplo, é um evento que deve despertar a identificação de boa parte dos espectadores, especialmente os mais grandinhos.

DIVERTIDA MENTE (Inside Out)

E é justamente aí que reside a grande beleza de Divertida Mente, cuja ambição resgata o brilhantismo que se tornou marca registrada da Pixar, mas não era visto desde Toy Story 3, de 2010. Com sensibilidade ímpar, o filme mostra como crescer e amadurecer é um processo tortuoso, desafiador, repleto de obstáculos, incertezas e perdas, que surpreende o indivíduo com rasteiras inesperadas e demanda que novas ferramentas sejam criadas para o enfrentamento de cada desafio extra apresentado pela vida. Além disso, o longa também merece nota por levantar a hipótese de que acolher emoções tidas como negativas, como a Tristeza, pode ser não só uma experiência catártica, mas também combustível para eventuais emoções positivas - uma ousadia admirável para um filme supostamente voltado para as superprotegidas crianças do século XXI. Como se não bastasse, Divertida Mente vai além e extrai alguns dos melhores frutos de sua premissa ao sugerir que o acervo de memórias-base (tidas como definidoras de personalidade) de um indivíduo pode, eventualmente, contar com uma parcela de recordações tristes - ou, ainda, de memórias agridoces, marcadas por emoções mistas, complexas, sem que tudo isso comprometa irremediavelmente a estabilidade emocional de uma pessoa.

E a eficiência com que Divertida Mente trabalha seus temas (incluindo aí, também, a excepcional cena em que damos uma bisbilhotada reveladora nas mentes dos pais de Riley durante um jantar) é tamanha que, mesmo apresentando um universo rico e prolífero, a produção não deixa a impressão de que grandes oportunidades foram desperdiçadas. Muito pelo contrário: com muitíssimo bom humor, o filme faz graça com situações corriqueiras (como sentir o cérebro congelar com alguma bebida ou ficar com uma música presa na cabeça), além de utilizar com extrema habilidade elementos previamente introduzidos sem maior alarde para tocar ou solucionar conflitos. Como não poderia deixar de ser, os aspectos técnicos da produção correspondem às altas expectativas no que diz respeito à qualidade e à riqueza de detalhes, embora o design da maioria dos personagens e de alguns cenários não esteja entre os mais memoráveis da Pixar.

Homenageando o Cinema ao atribuir à Fábrica de Sonhos (rótulo comumente atribuído à sétima arte) da mente de Riley uma fachada hollywoodiana clássica inconfundível, Divertida Mente é uma produção cuja imensidão do triunfo narrativo está diretamente vinculada à acessibilidade de seus temas e à sensibilidade com que são trabalhados. Afinal, que atire a primeira pedra aquele que nunca permitiu se afetar pelas dores implacáveis e recompensas revigorantes desse fantasma chamado amadurecimento.

DIVERTIDA MENTE (Inside Out)