31 de março de 2015

O Ano Mais Violento

Jessica Chastain e Oscar Isaac em O ANO MAIS VIOLENTO (A Most Violent Year)

Diferentemente da expressiva maioria dos personagens semelhantes, Abel Morales (Oscar Isaac) é um empresário ambicioso que toca uma bem sucedida companhia petroleira seguindo preceitos éticos e um código moral bastante razoáveis. Entretanto, a expansão do negócio com a compra de um terreno com localização estratégica coincide com uma onda de crimes e violência que afeta diretamente a transação - afinal, a narrativa é ambientada na Nova York de 1981, tido como um dos anos mais violentos da história da cidade.

Escrito e dirigido por J.C. Chandor, o filme acompanha o personagem de Oscar Isaac tentando oficializar a compra da tal propriedade enquanto sua empresa é auditorada sob suspeita de atividades ilegais, o que faz com que o banco recue em relação a um importante empréstimo e obriga o protagonista a se desdobrar para levantar a polpuda quantia de dinheiro necessária para concluir a compra - e, como se não bastasse, a saúde financeira da Standard Heating Oil ainda está sendo ameaçada por sucessivos roubos de caminhões-tanque. Nessas circunstâncias, O Ano Mais Violento se propõe a estudar como iniciativas criminosas infectam a atividade de grandes corporações e, naturalmente, comprometem os esforços daqueles que se empenham em conduzir os negócios pelas vias legais. Mais que isso, o filme expõe como a integridade do protagonista é sistematicamente ameaçada por suas ambições comerciais - e é emblemática a cena em que o homem, embora não induza uma tragédia cujas consequências fariam bem aos negócios, tampouco se esforça para impedir que ela ocorra, além de providenciar com prontidão e frieza uma solução para um efeito colateral do incidente.

Desenvolvendo a trama de forma muitas vezes demasiadamente lenta, Chandor cria rimas visuais que não agregam muito à produção (como a repetição de um movimento de câmera que acompanha o protagonista e um de seus funcionários correndo em momentos distintos da projeção) e, com exceção de pequenos sustos que exprimem a natureza abrupta, aleatória ou impactante de determinados acontecimentos, rompe a monotonia de forma mais incisiva apenas em uma ocasião, na sequência de perseguição cujos méritos são suficientes para que ela funcione bem mesmo com sua curta duração.

Conferindo à esposa de Abel uma importância bem menor do que a superexposição de Jessica Chastain no material de divulgação parecia apontar, O Ano Mais Violento é um filme que, embora ambicioso e esforçado, sofre com um roteiro ligeiramente redundante: a certa altura, acompanhar os esforços do protagonista para contornar demanda um enorme investimento de tempo, paciência e atenção do espectador e pouco alimenta ou diversifica a reflexão temática proposta pelo cineasta. Nada, entretanto, que condene efetivamente a eficiência deste interessante thriller dramático.

★★★

A Most Violent Year, EUA/Emirados Árabes Unidos, 2014 | Duração: 2h04m29s | Lançado no Brasil em 2 de abril de 2015, nos cinemas | Roteiro de J.C. Chandor | Dirigido por J.C. Chandor | Com Oscar Isaac, Jessica Chastain, David Oyelowo, Albert Brooks, Elyes Gabel e Alessandro Nivola.

Oscar Isaac e David Oyelowo em O ANO MAIS VIOLENTO (A Most Violent Year)

25 de março de 2015

Crítica | O Garoto da Casa ao Lado

Ryan Guzman e Jennifer Lopez em O GAROTO DA CASA AO LADO (The Boy Next Door)


The Boy Next Door, EUA, 2015 | Duração: 1h30m35s | Lançado no Brasil em 26 de março de 2015, nos cinemas | Roteiro de Barbara Curry | Dirigido por Rob Cohen | Com Jennifer Lopez, Ryan Guzman, Ian Nelson, John Corbett, Kristin Chenoweth, Lexi Atkins, Hill Harper e Jack Wallace.

Pôster/capa/cartaz nacional de O GAROTO DA CASA AO LADO (The Boy Next Door)
Mesmo estando constantemente imerso no universo cinematográfico, sempre tento assistir a filmes inéditos sabendo o mínimo possível sobre eles - algo que diminui consideravelmente minhas expectativas a respeito da obra, quaisquer que elas sejam. Por isso, fujo de spoilers como o diabo da cruz e, sempre que possível, evito ver trailers, ler notícias ou tomar conhecimento de quaisquer outras informações que revelem demais sobre a produção em questão. Com O Garoto da Casa ao Lado não foi diferente: juntando o título sugestivo e a divulgação do filme como suspense, fui ao cinema sabendo mais ou menos o que me aguardava, mas absolutamente incerto sobre a forma como meus palpites se concretizariam - e nem mesmo as surpresas proporcionadas por este meu desconhecimento foram suficientes para tornar a experiência minimamente gratificante.

Escrito pela estreante Barbara Curry, o filme é centrado na professora de Literatura e mãe de família Claire Peterson (Jennifer Lopez), pouco tempo após esta se separar do marido Garrett (John Corbett) em decorrência de uma crise no relacionamento. Nesse contexto, o enfermo vizinho da família (Jack Wallace) passa a ser cuidado pelo neto, Noah Sandborn (Ryan Guzman), um jovem gentil, charmoso e atraente que rapidamente conquista a simpatia dos Peterson. Entretanto, depois que Noah seduz Claire e passa uma noite com ela, o rapaz passa a persegui-la e assediá-la de forma agressiva e obsessiva, transformando a vida da professora em um verdadeiro inferno.

Dirigido por Rob Cohen, O Garoto da Casa ao Lado é um thriller que, fundamentado em um caso de stalking, segue à risca a cartilha do gênero: acuada, constrangida e arrependida, a personagem de Jennifer Lopez permanece em constante aflição enquanto é chantageada pelo jovem vivido por Ryan Guzman, cujas intenções são fracas e mal fundamentadas - isso sem mencionar, é claro, que as estratégias do rapaz não são particularmente coerentes com seus supostos objetivos, o que não impede que vários de seus planos funcionem estranha e excepcionalmente bem (como virar o filho de Claire contra o próprio pai). Como se não bastasse, o filme se abstém de qualquer traço de originalidade ou personalidade própria em seu terceiro ato, quando conduz a narrativa a um cenário patético de tão clichê e lança seus personagens na mesmíssima cadeia de eventos que dezenas de filmes semelhantes já utilizaram anteriormente.

Jennifer Lopez e Ryan Guzman em O GAROTO DA CASA AO LADO (The Boy Next Door)

Para piorar, mesmo tendo sido escrito por uma mulher e protagonizado por outra, o filme é incapaz de trabalhar ou incitar reflexões sobre a forma abusiva como indivíduos do sexo feminino são constantemente tratados pela sociedade, já que a psicopatia de Noah é tão grande e chamativa que praticamente ofusca sua misoginia - e embora o roteiro pareça disposto a tocar em questões feministas ao trazer Claire confrontando um idiota machista durante um jantar, a ilusão é desfeita quando a mulher subitamente admite procurá-lo novamente e conceder-lhe uma nova chance, o que enfraquece a personagem e relativiza o discurso misógino manifestado pelo sujeito.

Com um elenco de segunda linha liderado pelos esforçados Jennifer Lopez - que continua computando mais erros do que acertos em sua carreira como atriz - e Ryan Guzman - um belíssimo pedaço de carne que até não se sai muito mal, apesar das intermináveis sabotagens do roteiro -, O Garoto da Casa ao Lado é um filme cuja falta de vergonha na cara é sancionada categoricamente com a inclusão do mais irritante dos clichês do gênero: o susto que ocorre quando um gato subitamente atravessa o caminho de algum personagem - a indigesta cereja de um bolo cujo azedamento parecia demasiadamente anunciado já em sua lista de ingredientes.

Ryan Guzman em O GAROTO DA CASA AO LADO (The Boy Next Door)

23 de março de 2015

Crítica | Cinderela

Lily James em CINDERELA (Cinderella)

★★★★

Cinderella, EUA, 2015 | Duração: 1h45 | Lançado no Brasil em 26 de março de 2015, nos cinemas | Roteiro de Chris Weitz | Dirigido por Kenneth Branagh | Com Lily James, Cate Blanchett, Richard Madden, Helena Bonham Carter, Sophie McShera, Holliday Grainger, Derek Jacobi, Stellan Skarsgård, Nonso Anoize, Rob Brydon, Ben Chaplin e Hayley Atwell.

Pôster/capa/cartaz nacional de CINDERELA (Cinderella)
O enredo de Cinderela certamente está entre os mais conhecidos e populares do mundo. Com séculos de existência e origem incerta, o conto da gata borralheira ainda é reconhecido pelo trabalho em torno de arquétipos e talvez sobreviva até os dias atuais por contar com uma narrativa suficientemente bem resolvida, independente dos pormenores que separam suas diferentes versões e releituras. Essa característica, aliás, é um dos principais fatores responsáveis pelo sucesso desta nova versão produzida pelos estúdios Disney: a abordagem particular do roteirista Chris Weitz, colocada em prática pelo cineasta Kenneth Branagh, não comete o erro de meramente remontar adaptações anteriores e é bastante coerente com o tipo de linguagem e sofisticação narrativa com que o público atual de Cinema está habituado.

Acompanhando a protagonista desde a infância, o filme dedica tempo e atenção consideráveis a todas as etapas do processo que transformaram a criança alegre de outrora em uma jovem órfã explorada pela madrasta abusiva (Cate Blanchett) e pelas invejosas irmãs postiças, Drisella (Sophie McShera) e Anastasia (Holliday Grainger). Assim, mesmo que a maioria de nós já saiba o que as novas integrantes da família representarão para a trajetória de Ella (Lily James), Weitz e Branagh introduzem o trio de mulheres como figuras apenas incômodas e suspeitas em um primeiro momento para, gradualmente, expor suas verdadeiras intenções e naturezas - e a quebra de expectativa durante certos diálogos estrelados pela madrasta (como aqueles referentes a uma troca de quartos ou à morte do pai de Ella), ocasiões em que somos inicialmente ludibriados com falsas insinuações sobre uma suposta benevolência da antagonista, é perfeita nesse sentido. Para completar, essa construção desapressada e gradativa faz com que a dinâmica de trabalhos forçados a que a protagonista é submetida soe não como uma situação exatamente premeditada, mas como uma consequência natural das circunstâncias daquele contexto e das personalidades dos indivíduos envolvidos.

Cate Blanchett, como não poderia deixar de ser, faz um trabalho preciso e eficiente como a mulher cruel e desprezível que a madrasta aos poucos se revela, entregando-se a excessos em ocasiões extremamente pontuais e toleráveis. Já Richard Madden (o Robb Stark de Game of Thrones) transforma o príncipe Kit em um sujeito adequadamente bravo, vistoso e generoso, ao passo que Helena Bonham Carter claramente se diverte em sua breve participação na pele da entusiasmada e estabanada fada madrinha, que viabiliza a ida de Cinderela ao grande baile em que o príncipe deverá escolher uma felizarda para desposar e se tornar a mais nova princesa do reino. Por fim, a pouco conhecida Lily James surge como um grande acerto do elenco ao transformar Ella em uma garota que, assim como a também princesa Giselle de Encantada ou a protagonista da série Unbreakable Kimmy Schmidt, exibe um positivismo aparentemente difícil de abalar, esquivando-se com admirável facilidade e humildade de pensamentos e sentimentos negativos, mesmo quando estes surgem de forma intensa ou em momentos críticos.

Lily James em CINDERELA (Cinderella)

Sem abrir mão da dose esperada e necessária de referências à animação clássica de 1950, Chris Weitz toma algumas liberdades e promove pequenas mudanças que, sem descaracterizar o conto original, tornam a cadeia de eventos da narrativa mais coesa e bem amarrada. Além disso, o roteirista não se intimida em incluir eventos mais carregados do ponto de vista dramático - uma pequena ousadia, para uma produção voltada para o público infantil, que Kenneth Branagh, cineasta shakespeariano por formação, abraça sem receios, permitindo que os personagens atravessem suas aflições particulares com a intensidade adequada a cada caso.

Tecnicamente, Cinderela é irrepreensível e digno de aplausos: os efeitos especiais são muitíssimo eficientes na maioria das ocasiões, especialmente aqueles usados na concepção do vilarejo ou das demais paisagens majestosas em que a história é ambientada. Entretanto, ainda que o design de produção seja de encher os olhos, o que chama a atenção de fato são os figurinos de Sandy Powell: da sobriedade sofisticada dos trajes da madrasta ao estonteante vestido de baile azul de Cinderela (reparem a leveza quase etérea do caimento, especialmente quando a personagem surge correndo), as peças exibem um visual ao mesmo tempo elegante, vibrante e burlesco, bastante coerente com a atmosfera da produção.

Antecedido no cinema por um curta moderadamente divertido e absolutamente despretensioso estrelado pelos personagens do megassucesso Frozen - Uma Aventura Congelante, Cinderela é uma adaptação admirável e encantadora cuja produção se justifica pela abordagem ligeiramente mais madura e adulta, que, além de muitíssimo bem realizada, não sacrifica o caráter fabulesco intrínseco ao material original, propondo-se a agradar públicos com as mais diversas exigências.

Richard Madden em CINDERELA (Cinderella)

18 de março de 2015

O Duelo

José Wilker, Pietro Mario, Joaquim de Almeida, Zeca Cenovicz e Munir Kanaan em O DUELO

Não estou familiarizado com a obra "Os Velhos Marinheiros", de Jorge Amado, e, portanto, não sei afirmar se o romance é ou não respeitável do ponto de vista literário - mas não duvido nada que seja. Como produção cinematográfica, entretanto, posso dizer que a narrativa de Amado, adaptada pelo cineasta Marcos Jorge, não funciona muito bem, dando origem a um longa arrastado, desinteressante e estruturalmente problemático.

Ambientada na cidadezinha balneária Periperi, a história acompanha a chegada do capitão-de-longo-curso aposentado Vasco Moscoso de Aragão (Joaquim de Almeida) no local e mostra como a população da vila rapidamente se encanta com o charme do Comandante e de suas histórias, repletas de aventura e romance. Isso, naturalmente, desperta a inveja raivosa do fiscal aposentado Chico Pacheco (José Wilker), cidadão mais admirado da comunidade até então, que passa a desempenhar um enorme esforço para desmascarar o Comandante, tido por ele como um impostor de marca maior. Entretanto, a questão parece prestes a ser resolvida quando o capitão de uma embarcação nas redondezas morre em serviço e Vasco é convocado para conduzi-la até seu último porto.

Fundamentada em um mistério que falha miseravelmente em despertar a curiosidade ou o interesse do público, O Duelo ainda investe em intermináveis e aborrecidos flashbacks, cujas informações nunca oferecem pistas que fortaleçam ou abalem a legitimidade dos fatos relatados e raramente desempenham alguma função paralela, como desenvolver seus personagens ou entreter o espectador. Como se não bastasse, a estrutura desajeitada da narrativa compromete gravemente o ritmo do longa: primeiro, ouvimos várias histórias aleatórias de Moscoso de Aragão em bloco; em seguida, Pacheco oferece de forma ininterrupta sua longa versão dos fatos; por último, Periperi e seus personagens são jogados para escanteio quando o Comandante, sozinho, parte em sua missão marítima, vindo a se envolver com novos personagens e a protagonizar subtramas inéditas e igualmente enfadonhas.

Com isso, não há muito que o elenco possa fazer: falecido há alguns meses, José Wilker (a quem o filme é dedicado) tenta em vão extrair humor das variações de "Comandante uma ova!" que Pacheco esbraveja em momentos variados da projeção, enquanto a normalmente eficiente Patrícia Pillar surge artificial no papel de uma mulher demasiadamente ingênua e com uma função indigna a desempenhar. E se Claudia Raia e Tainá Müller surgem como presenças até marcantes (embora suas personagens não o sejam), o português Joaquim de Almeida se esforça ao máximo para conferir credibilidade ao protagonista - e, dentro das falhas e limitações do projeto, é possível afirmar que ele até consegue.

Contando com efeitos especiais pra lá de medianos e uma trilha sonora invasiva e irritante, o terceiro longa de ficção de Marcos Jorge é uma obra que se aproxima mais do péssimo Corpos Celestes do que do intrigante Estômago - e fico na esperança de que o próximo projeto do cineasta divida mais características com sua promissora estreia.


O Duelo, Brasil/Portugal, 2015 | Baseado na obra "Os Velhos Marinheiros", de Jorge Amado. Escrito por Marcos Jorge | Dirigido por Marcos Jorge | Com Joaquim de Almeida, José Wilker, Patrícia Pillar, Claudia Raia, Marcio Garcia, Tainá Müller, Sandro Rocha, Milton Gonçalves, Munir Kanaan, Duda Ribeiro, Zeca Cenovicz, Pietro Mario, Maurício Gonçalves, Jarbas Homem de Mello e Anderson Müller.

10 de março de 2015

Crítica | O Sétimo Filho

Jeff Bridges e Ben Barnes em O SÉTIMO FILHO (Seventh Son)


Seventh Son, EUA/Reino Unido/Canadá/China, 2014 | Duração: 1h42m03s | Lançado no Brasil em 12 de março de 2015, nos cinemas | Inspirado no romance "The Spook's Apprentice", de Joseph Delaney. História de Matt Greenberg. Roteiro de Charles Leavitt e Steven Knight | Dirigido por Sergei Bedrov | Com Jeff Bridges, Ben Barnes, Alicia Vikander, Antje Traue, Olivia Williams, John DeSantis, Djimon Hounsou, Kit Harington e Julianne Moore.

Pôster/capa/cartaz nacional de O SÉTIMO FILHO (Seventh Son)
No discurso de agradecimento pelo prêmio de melhor atriz por seu trabalho em Para Sempre Alice durante a última cerimônia do Oscar, Julianne Moore afirmou que "Não existe isso de 'melhor atriz', como evidenciado pelas performances das demais indicadas". Destituída de qualquer hipocrisia ou falsa modéstia, Moore estava certíssima: atuações são extremamente subjetivas, a opinião dos votantes da Academia não é de forma alguma suprema e, como em qualquer eleição, os resultados dos Oscars são influenciados por uma série de fatores externos, como as dispendiosas campanha dos estúdios - sem contar que, naturalmente, o prêmio diz respeito a um trabalho específico, e não ao desempenho do artista ao longo daquela ano ou em toda sua carreira. Caso a premiação considerasse mais obras dos indicados, aliás, este O Sétimo Filho provavelmente demandaria que a estatueta de Moore fosse recolhida, já que seu trabalho aqui definitivamente não faz jus a seu talento.

A culpa, claro, não é só da atriz, por ter assinado o contrato e se envolvido com o projeto. Escrito por Matt Greenberg, Charles Leavitt e Steven Knight com inspiração no livro de Joseph Delaney ou em qualquer uma das incontáveis histórias de caça às bruxas que o Cinema e a Literatura já contaram, o filme traz Jeff Bridges na pele do Mestre John Gregory, um caça-feitiço que, após perder seu aprendiz Bradley (Kit Harington) para os encantos fatais da bruxa Mãe Malkin (Julianne Moore), visita a humilde família Ward e oferece uma quantia generosa por Tom (Ben Barnes), o sétimo filho de um sétimo filho. A poucos dias da Lua de Sangue cheia - fenômeno que ocorre uma vez a cada milênio e renova o poder da bruxarada -, Gregory vê seus esforços de derrotar a vilã e seus aliados comprometidos pela falta de habilidade do novo aprendiz - até descobrir uma herança genética que, claro, torna Tom único e especial, senão o único apto a abater a facção inimiga.

Calcado em elementos frágeis e tolos trabalhados de forma idem, O Sétimo Filho é uma produção derivativa e sem personalidade que não consegue escapar do fracasso nem mesmo com a ajuda dos nomes de peso do elenco: enquanto a já mencionada Julianne Moore é desperdiçada em um papel que não lhe oferece um desafio sequer, exigindo que a atriz simplesmente mantenha uma postura confiante, imponente e sedutora ao longo de toda a projeção, o veterano e premiado Jeff Brigdes parece meramente reciclar o despojamento e outros detalhes de sua composição para R.I.P.D. - Agentes do Além que, muito benéficos para aquela obra medíocre, aqui apenas conferem uma dose moderada de humor e credibilidade ao personagem - insuficiente, entretanto, para elevar a produção a um patamar respeitável. E embora surja vigoroso como o novo caso de typecasting favorito de Hollywood nas poucas cenas em que aparece, Kit "Jon Snow" Harington talvez chame tanta atenção quanto o bonitinho-mas-ordinário Ben Barnes, que não consegue conferir peso algum ao personagem-título e atravessa a narrativa sem causar qualquer tipo de impressão mais forte.

Julianne Moore em O SÉTIMO FILHO (Seventh Son)

Contando com efeitos especiais até eficientes, mas mais alegóricos do que qualquer outra coisa, O Sétimo Filho consegue ser genérico e derivativo até em seu design de produção: da decoração dos cenários aos figurinos, nada foge de tudo aquilo que o gênero já criou e recriou. Para piorar, a escuridão que domina a maior parte da narrativa torna o visual do filme ainda mais desinteressante, além de prejudicar ativamente o efeito 3D - que, mesmo nas cenas bem iluminadas, ainda é comprometido, mas dessa vez pelo uso frequente e inoportuno de soft focus, que "embaça" boa parte do quadro em várias ocasiões. E será que já mencionei que, como se tudo isso não bastasse, o 3D do filme ainda é convertido?

Mantido na geladeira por quase três anos (a fotografia principal do filme foi realizada no primeiro semestre de 2012), O Sétimo Filho até compensa subtramas aborrecidíssimas (como o estúpido romance entre Tom e uma jovem meio-bruxa) com uma ou outra sequência de ação aceitável, mas é incapaz de conceber até mesmo um clímax decente, enviando o espectador pra fora da sala de cinema frustrado e descompensado por várias razões diversas e imagináveis.

Ben Barnes em O SÉTIMO FILHO (Seventh Son)

4 de março de 2015

Crítica | 118 Dias

Gael García Bernal em 118 DIAS (Rosewater)

★★★

Rosewater, EUA, 2014 | Duração: 1h42m56s | Lançado no Brasil em 5 de março de 2015, nos cinemas | Baseado no livro de Maziar Bahari e Aimee Molloy. Roteiro de Jon Stewart | Dirigido por Jon Stewart | Com Gael García Bernal, Kim Bodnia, Dimitri Leonidas, Shohreh Aghdashloo, Haluk Bilginer, Claire Foy.

Pôster/capa/cartaz nacional de 118 DIAS (Rosewater)Há uma cena particular em 118 Dias que, além de extremamente poética em sua ironia, é riquíssima de significado: enquanto destroem dezenas de antenas parabólicas clandestinas, agentes iranianos têm todo o esforço de limitar a circulação de informações no país sabotado por um jovem que, com um mero telefone celular, registra toda a ação em vídeo - e bem sabemos que, caindo na rede mundial de computadores, uma filmagem com um cunho politico como este tem boas chances de repercutir (ou viralizar, como costumamos dizer por aqui), afetando em maior ou menor grau o curso da História.

Da mesma forma, é extremamente sintomático que, graças a um engano quase tragicômico, o jornalista canadense-iraniano Maziar Bahari tenha sido encarcerado por autoridades iranianas e opressivamente interrogado ao longo de quase quatro meses, período em que todas suas ações prévias como jornalista (ou mesmo como indivíduo) se tornaram indícios de espionagem na mente paranoica dos interrogadores. Escrito e dirigido por Jon Stewart com base em uma história real, o filme segue Bahari (Gael García Bernal) durante sua cobertura das eleições iranianas de 2009 para a Newsweek, publicação semanal para a qual o sujeito trabalhava na ocasião. Após testemunhar as controvérsias do processo eleitoral, entrar em contato com partidários de ambos os lados da disputa e participar de uma entrevista para a tevê americana com teor cômico, o homem é arbitrariamente preso por suspeita de espionagem e mantido por cento e dezoito dias em condições degradantes, sem nenhum contato com a família ou qualquer acesso ao mundo exterior.

Estreia apropriada do comediante e apresentador Jon Stewart como cineasta, 118 Dias é um projeto com óbvio cunho pessoal (a entrevista jocosa que Bahari cedeu a um repórter toscamente fantasiado de espião norte-americano foi exibida no The Daily Show) que, acima de tudo, discute a influência que a disseminação da informação exerce sob a ordem mundial. Mais que isso, a produção destaca especialmente a importância do uso correto de tudo o que é divulgado e reproduzido através dos mais diversos canais de comunicação: a prisão de Maziar, por exemplo, talvez jamais tivesse ocorrido caso seus encarceradores tivessem discernimento suficiente para interpretar uma cena televisiva cômica como tal. Além disso, o filme também enfatiza a importância da informação como arma política ao expor como a desinformação é utilizada por governos abusivos no processo de alienação de seu povo - o que fica claro nos esforços de abafar a revolta ativa da esposa de Bahari, que superam qualquer empenho de corrigir o erro cometido contra o protagonista.

Gael García Bernal em 118 DIAS (Rosewater)

O período em que Maziar permaneceu recluso, porém, não oferece matéria-prima muito promissora para o roteiro: quando não há interrogatórios ou outras situações que levem a narrativa adiante, o protagonista é obrigado até mesmo a ter conversas com entes falecidos para preencher tempo - um recurso bobo e ineficaz. Mesmo assim, o desempenho de Gael García Bernal em todo o filme é digno de nota: dinâmico quando livre e assustadiço quando aprisionado, o ator se porta como um homem comum exposto a uma situação atípica e hostil, temendo pela própria segurança, fazendo eventualmente leituras corretas sobre seu interrogador e usando isso a seu favor quando conveniente.

Jon Stewart, por outro lado, não se contenta em conduzir o longa de forma discreta e, em mais de uma ocasião, aposta em recursos que chamam a atenção mais para a execução do que pela finalidade das tais decisões, como a montagem em que tags e hashtags se misturam ao cenário de uma paisagem urbana - isso sem mencionar, é claro, o momento embaraçoso em que Stewart subestima a inteligência do espectador de forma ostensiva e se dá ao trabalho de explicar que as antenas parabólicas clandestinas são uma porta de entrada para conteúdo político vindo de vários cantos do planeta.

Entretanto, o razoável conjunto da obra e as bem articuladas questões políticas que o caracterizam são o bastante para que a esforçada e pouco divulgada estreia de Jon Stewart como cineasta mereça não passar de todo batida.

Gael García Bernal e Kim Bodnia em 118 DIAS (Rosewater)

3 de março de 2015

Crítica | Kingsman: Serviço Secreto

Colin Firth e Taron Egerton em KINGSMAN: SERVIÇO SECRETO (Kingsman: The Secret Service)

★★★★

Kingsman: The Secret Service, Reino Unido, 2014 | Duração: 2h08m35s | Lançado no Brasil em 5 de março de 2015, nos cinemas | Baseado nos quadrinhos de Mark Millar e Dave Gibbons. Roteiro de Jane Goldman & Matthew Vaughn | Dirigido por Matthew Vaughn | Com Colin Firth, Taron Egerton, Mark Strong, Samuel L. Jackson, Sofia Boutella, Sophie Cookson, Jack Davenport, Mark Hamill e Michael Caine.

Pôster/capa/cartaz nacional de KINGSMAN: SERVIÇO SECRETO (Kingsman: The Secret Service)
Grande parte do sucesso de Kingsman - Serviço Secreto reside na abordagem adotada pelo cineasta Matthew Vaughn: a rigor, o roteiro não apresenta uma trama de espionagem particularmente original ou inusitada, mas o modo irreverente como a narrativa é conduzida e desenvolvida, com doses equilibradas de violência e humor negro, é suficiente para contornar problemas dessa natureza e fazer do filme uma obra reverencial, divertida e empolgante.

Sexta parceria de Vaughn e Jane Goldman, o roteiro mostra ao público que, por trás da fachada inofensiva da alfaiataria britânica Kingsman, funciona uma sofisticada agência secreta que acaba de perder um de seus membros, Lancelot (Jack Davenport), literalmente partido ao meio durante uma missão. Honrando a memória de um antigo companheiro, também morto em combate anos antes, o agente Harry Hart (Colin Firth), de codinome Galahad, oferece ao filho do sujeito, Eggsy (Taron Egerton), a oportunidade de ingressar em um programa de treinamento da agência, organizado com o intuito de escolher um jovem talento para ocupar a vaga aberta na equipe. Entretanto, a atenção dos Kingsmen logo se divide entre a seleção do novo Lancelot e as manobras escusas do magnata americano Valentine (Samuel L. Jackson), cujo plano megalomaníaco põe em risco centenas de milhões de vidas ao redor do mundo.

Baseado nos quadrinhos de Mark Millar (cujo Kick-Ass ganhou as telonas também pelas mãos de Vaughn, com uma abordagem bastante semelhante à vista aqui) e Dave Gibbons (ilustrador do igualmente violento Watchmen), Kingsman é ambientado em um universo em que ternos sofisticados feitos sob medida são a vestimenta ideal para agentes secretos, geringonças dignas das primeiras encarnações James Bond (como guarda-chuvas multiusos, canetas com veneno de acionamento remoto e sapatos com lâminas retráteis embutidas) salvam o dia e Colin Firth possui o biotipo esperado de um espião implacável. Aliás, testemunhar o ator assumindo tal papel inusitado é uma das grandes graças do projeto: com uma postura que inspira confiança e elegância, Firth vive Galahad como um homem extremamente inteligente, habilidoso e bem treinado que, claro, usa sua aparência comum e insuspeita a seu favor - e é uma grata surpresa ver que o ator encarando uma considerável parcela de suas cenas de ação, conferindo maior credibilidade à transformação de Hart em uma máquina de matar nos momentos necessários.

Taron Egerton em KINGSMAN: SERVIÇO SECRETO (Kingsman: The Secret Service)

Nesse sentido, a decisão de não maquiar a maior parte da violência e o interessante trabalho de câmera de Vaughn contribuem para o resultado curioso das sequências de ação, cuja agitação peculiar intensifica os socos, pancadas e pontapés dos combatentes com surpreendente eficiência. Além disso, o cineasta toma a decisão arriscada (e, de certa forma, acertada) de abraçar o humor negro com o propósito de contornar as naturais questões morais que surgem e marcam determinadas passagens - e, mesmo assim, o confronto ambientado em uma igreja consegue a proeza de se estabelecer como uma das cenas mais perturbadoras do ano. Por fim, a condução firme e precisa de determinado salto de paraquedas ou da escapada de certa sala inundada apenas reforçam o talento do diretor.

Homenageando o gênero de espionagem através da reunião de elementos tradicionais com um olhar despretensioso que beira a sátira, Kingsman também conta com sua parcela de diálogos inspirados (a discussão em torno do significado da sigla JB, nome dado por Eggsy a seu cachorro, é um deles) e ainda ganha pontos graças à coragem de determinada quebra de expectativa e, principalmente, pela capacidade de impedir que o terceiro ato seja afetado por ela. Porém, nem todas as decisões de Vaughn e Goldman merecem a mesma carga de elogios: sim, as discussões metalinguísticas referentes aos clichês clássicos do gênero revelam-se apropriadas e relevantes para certo ponto de virada da narrativa, mas soam óbvias e até mesmo forçadas em outros contextos - o que, ainda assim, é absolutamente menos constrangedor do que a piada deslocada envolvendo sexo anal inserida nos arredores do desfecho. Além disso, os roteiristas desperdiçam tempo ao valorizar em demasia a dinâmica do grupo de jovens em treinamento, que inclui bullies imaturos e seus respectivos oprimidos - algo esperado de um filme colegial adolescente, e não de um grupo selecionado por agentes daquele calibre.

Apresentando ao grande público o simpático, carismático, belo e promissor Taron Egerton e trazendo Samuel L. Jackson claramente entretido com os detalhes da composição de seu vilão, caricato de um modo positivo e coerente com o projeto, Kingsman - Serviço Secreto é um passatempo de ponta que dá continuidade à sequência invicta de acertos da aclamada carreira de Matthew Vaughn.

Colin Firth em KINGSMAN: SERVIÇO SECRETO (Kingsman: The Secret Service)

2 de março de 2015

Crítica | Renascida do Inferno

Olivia Wilde em RENASCIDA DO INFERNO (The Lazarus Effect)

★★

The Lazarus Effect, EUA, 2015 | Duração: 1h23m21s | Lançado no Brasil em 5 de março de 2015, nos cinemas | Escrito por Luke Dawson e Jeremy Slater | Dirigido por David Gelb | Com Mark Duplass, Olivia Wilde, Donald Glover, Evan Peters e Sarah Bolger.

Pôster/capa/cartaz nacional de RENASCIDA DO INFERNO (The Lazarus Effect)
Se a segunda metade de Renascida do Inferno fosse tão bem resolvida quanto a primeira, provavelmente teríamos um terror digno de nota. Entretanto, após preparar o terreno com considerável eficácia, os roteiristas Luke Dawson (Imagens do Além) e Jeremy Slater (do ainda inédito reboot do Quarteto Fantástico) se entregam às mais batidas convenções que, infelizmente, desonram aqueles promissores quarenta minutos iniciais.

No filme, uma equipe de cientistas chefiada por Frank (Mark Duplass) conduz uma pesquisa em estado avançado em torno de um procedimento capaz de reverter a morte. Quando o soro Lázaro (nome com inspiração bíblica) finalmente traz de volta à vida uma cobaia canina, o estudo é desligado pelos financiadores, que dão uma limpa no laboratório e recolhem todos os arquivos e materiais desenvolvidos ao longo de anos pelo grupo. Indignados, os pesquisadores resgatam uma amostra de soro armazenada pessoalmente por um deles, invadem o laboratório na calada da noite e tentam reproduzir uma última vez o experimento - quando, então, a cientista Zoe (Olivia Wilde) acaba sendo eletrocutada e falecendo no local. Inconformado com a morte da amada e fora de si, Frank toma uma decisão extrema: ignorando o comportamento estranho do cachorro ressuscitado e as incontáveis questões éticas envolvidas, o homem aplica o soro e reproduz o procedimento na mulher, que retorna do mundo dos mortos incontestavelmente alterada.

Sintetizada dessa forma, a premissa de Renascida do Inferno até parece tosca e absurda, e de certa forma é; porém, o diretor David Gelb (do ótimo documentário O Sushi dos Sonhos de Jiro) e o elenco são hábeis em criar um cenário e uma ambientação que faz toda esta etapa da narrativa soar suficientemente plausível. Ainda nesse sentido, também vale destacar o desempenho do cão Cato, que confere à cobaia renascida Rocky uma expressão prostrada e enigmática absolutamente convincente e imprescindível para que os efeitos do soro Lázaro se tornem dignos de suspeita por parte dos personagens e do público. Além disso, embora coloque em pauta e confronte as questões éticas, empíricas e religiosas que rodeiam o experimento, o roteiro acerta ao sustentar uma teoria cientificamente fundamentada para o comportamento bizarro de Rocky, o que beneficia o suspense.

Evan Peters, Mark Duplass, Olivia Wilde, Donald Glover e Sarah Bolger em RENASCIDA DO INFERNO (The Lazarus Effect)

E é justamente ao desviar-se dessa linha que a metade final do longa se perde. Aparentemente incapazes de elaborar desdobramentos interessantes para a premissa, os roteiristas recorrem à cartilha de convenções e clichês do gênero e transformam a metade final da projeção em uma bagunça arbitrária e decepcionante: Zoe, por exemplo, logo se estabelece como a típica besta endiabrada e indomável com habilidades telecinéticas e telepáticas, que passa a perseguir os colegas unicamente por sua natureza diabólica e cuja derrota rapidamente se torna uma possibilidade remota.

Nestas circunstâncias, o elenco pouco pode contribuir: enquanto a esforçada Olivia Wilde acaba sujeita a ações que beiram o embaraço (como quando Zoe dá um de seus vexatórios e insossos berros demoníacos), o talentoso Mark Duplass, em uma rara escapada das dramédias mumblecore, exibe um desempenho satisfatório no papel do protagonista, mesmo sendo obrigado a assumir uma postura absurdamente contraditória a certa altura (o desprezo que o homem exibe mentalmente em determinado momento pela vida de Zoe é incompatível com seu intenso e recentíssimo esforço de trazê-la de volta).

Cumprindo a cota obrigatória de filmagens amadoras e de imagens registradas por câmeras de segurança (herança do subgênero found footage), Renascida do Inferno é um projeto cujo evidente potencial é massacrado pela aborrecida e convencional overdose de bobagens de uma reta final que aniquila praticamente tudo de bom que havia sido construído até então.

Sarah Bolger e Olivia Wilde em RENASCIDA DO INFERNO (The Lazarus Effect)