
★★★
Big Eyes, EUA, 2014 | Duração: 1h46m | Lançado no Brasil em 29 de Janeiro de 2015, nos cinemas | Escrito por Scott Alexander & Larry Karaszewski | Dirigido por Tim Burton | Com Amy Adams, Christoph Waltz, Krysten Ritter, Jason Schwartzman, Danny Huston, Terence Stamp, Delaney Raye, Madeleine Arthur.
Considerando os tempos em que vivemos, aquilo que sabemos (ou acreditamos saber) sobre os envolvidos e a natureza do projeto, as suposições do parágrafo anterior são, no mínimo, absurdas - mas basta alguns pequenos ajustes nessa teoria conspiratória ridícula para cairmos justamente na história real que serviu de premissa para o filme. Escrito por Scott Alexander e Larry Karaszewski, Grandes Olhos destaca logo em seus primeiros minutos que "a vida nos anos 50 era muito boa, desde que você fosse um homem" e nos apresenta à protagonista em uma situação que faz jus à afirmação: fugindo às pressas com a jovem filha de um lar aparentemente sufocante e abusivo. Incapaz de se sustentar às custas de sua própria arte e enfrentando dificuldades para se inserir no mercado de trabalho como mulher e mãe solteira, Margaret (Amy Adams) se vê interessada pelo charmoso e também pintor Walter Keane (Christoph Waltz), com quem acaba casando apressadamente para derrubar as acusações do ex-marido sobre sua capacidade como mãe e provedora. Quando algumas obras da mulher - marcadas pelos olhos sempre desproporcionalmente grandes e expressivos - despontam como vendáveis, Walter se vê compelido a assumir a autoria das peças para garantir o fechamento dos primeiros negócios - e o que começa como um mero incidente isolado acaba se tornando uma mentira descontrolada e fadada à catástrofe.
Mais que uma história real impressionante, Grandes Olhos é um conto sobre a discriminação e o rebaixamento sofridos por mulheres que, 50 anos mais tarde, continua ecoando retumbante do ponto de vista temático, considerando as violências que persistem nos dias atuais e os enormes avanços que ainda precisam ocorrer na matéria. Embora assumidamente ingênua, Margaret é uma mulher obstinada que, por amor à filha e medo, acaba permitindo que Walter ocupe um espaço cada vez maior na relação, tornando-se uma vítima imediata do machismo do marido e da sociedade em geral - como o filme deixa claro na angustiante passagem em que a mulher, sufocada e perdida, busca conforto no confessionário de uma igreja e acaba encontrando mais distorções no discurso conservador do padre, que coloca a tradicional estrutura patriarcal da família acima das liberdades da personagem.

Amy Adams (Encantada), como de costume, faz um excelente trabalho ao exprimir tanto a prostração de uma mulher que parece passar anos confinada em estúdio sufocante, afastada até mesmo do convívio com a própria filha enquanto produz o trampolim social de Walter, quanto a força que a personagem reúne posteriormente para tomar as ações necessárias para expor a verdade e enterrar os anos de mentiras engolidas e manipulações emocionais sofridas. Por outro lado, Christoph Waltz (Django Livre) volta a demonstrar uma tendência à repetição no que diz respeito à composição de personagens, encarnando Walter como um sujeito mesquinho e egocêntrico que se assemelha a vários dos antagonistas que o ator vem assumindo desde que foi apresentado ao grande público, embora o personagem em si seja, de modo geral, bem escrito - com exceção, por exemplo, da cena embaraçosa do tribunal em que Walter assume a própria defesa e interroga ele mesmo como testemunha, quando o filme se alonga além do necessário e abraça um tom e uma abordagem mais adequados a uma sitcom.
Aliás, Burton, cujo último (e único) trabalho inspirado em uma história real (Ed Wood) já completa duas décadas, parece incapaz de conferir à narrativa um caráter homogeneamente realista e contido - e se por um lado a passagem em que Margaret é assombrada por olhos grandes no supermercado até se justifica razoavelmente bem, a cena em que Walter tenta aterrorizar a esposa e a enteada através do buraco de uma fechadura ou o plano em que um olho por pouco não é atingido por um garfo servem, basicamente, como lembretes imediatos e dispensáveis das preferências estilísticas do homem por trás da câmera.
Discutindo ainda com certa competência a natureza da arte sob diversos aspectos (o aquecido comércio de cópias em pôsteres das obras originais e as explicações inventadas por Walter sobre seu "processo criativo" são algumas das fagulhas mais óbvias), Grandes Olhos é um filme que, narrativamente, não chama muita atenção - o que não pode ser dito, entretanto, da decisão de Tim Burton de romper paradigmas da própria carreira e dar espaço (não através de um discurso fechado, direto, óbvio e aborrecido, mas de uma história emblemática e ilustrativa) a um tema importante, temido pelos conservadores e ainda pouco debatido pela indústria como é o feminismo.
