1 de fevereiro de 2015

Crítica | Grandes Olhos

Christoph Waltz e Amy Adams em GRANDES OLHOS (Big Eyes)

★★★

Big Eyes, EUA, 2014 | Duração: 1h46m | Lançado no Brasil em 29 de Janeiro de 2015, nos cinemas | Escrito por Scott Alexander & Larry Karaszewski | Dirigido por Tim Burton | Com Amy Adams, Christoph Waltz, Krysten Ritter, Jason Schwartzman, Danny Huston, Terence Stamp, Delaney Raye, Madeleine Arthur.

Pôster/capa/cartaz nacional de GRANDES OLHOS (Big Eyes)
Como tem sido dito aos quatro ventos, Grandes Olhos é um filme atípico na carreira de Tim Burton: a narrativa não possui elementos fantásticos, a dimensão da produção é reduzida (assim como o orçamento), o elenco não tem Johnny Depp nem Helena Bonham Carter e a repercussão do lançamento tem sido, no geral, tímida. E se por um acaso tudo isso pudesse ser explicado pelo fato de que, na realidade, o comando da produção não ficou a cargo de Burton? E se, em vez disso, o filme tiver sido dirigido por sua então esposa, Helena Bonham Carter, que aceitou ter ser nome dissociado da função, ainda pouco assumida por mulheres, para que a produção, a distribuição e a divulgação do filme não fossem comprometidas e, com isso, o discurso feminista da trama pudesse alcançar um número maior de pessoas? E se, ainda, a disputa posterior pelos créditos tiver sido uma das razões da recente separação do casal?

Considerando os tempos em que vivemos, aquilo que sabemos (ou acreditamos saber) sobre os envolvidos e a natureza do projeto, as suposições do parágrafo anterior são, no mínimo, absurdas - mas basta alguns pequenos ajustes nessa teoria conspiratória ridícula para cairmos justamente na história real que serviu de premissa para o filme. Escrito por Scott Alexander e Larry Karaszewski, Grandes Olhos destaca logo em seus primeiros minutos que "a vida nos anos 50 era muito boa, desde que você fosse um homem" e nos apresenta à protagonista em uma situação que faz jus à afirmação: fugindo às pressas com a jovem filha de um lar aparentemente sufocante e abusivo. Incapaz de se sustentar às custas de sua própria arte e enfrentando dificuldades para se inserir no mercado de trabalho como mulher e mãe solteira, Margaret (Amy Adams) se vê interessada pelo charmoso e também pintor Walter Keane (Christoph Waltz), com quem acaba casando apressadamente para derrubar as acusações do ex-marido sobre sua capacidade como mãe e provedora. Quando algumas obras da mulher - marcadas pelos olhos sempre desproporcionalmente grandes e expressivos - despontam como vendáveis, Walter se vê compelido a assumir a autoria das peças para garantir o fechamento dos primeiros negócios - e o que começa como um mero incidente isolado acaba se tornando uma mentira descontrolada e fadada à catástrofe.

Mais que uma história real impressionante, Grandes Olhos é um conto sobre a discriminação e o rebaixamento sofridos por mulheres que, 50 anos mais tarde, continua ecoando retumbante do ponto de vista temático, considerando as violências que persistem nos dias atuais e os enormes avanços que ainda precisam ocorrer na matéria. Embora assumidamente ingênua, Margaret é uma mulher obstinada que, por amor à filha e medo, acaba permitindo que Walter ocupe um espaço cada vez maior na relação, tornando-se uma vítima imediata do machismo do marido e da sociedade em geral - como o filme deixa claro na angustiante passagem em que a mulher, sufocada e perdida, busca conforto no confessionário de uma igreja e acaba encontrando mais distorções no discurso conservador do padre, que coloca a tradicional estrutura patriarcal da família acima das liberdades da personagem.

Amy Adams em GRANDES OLHOS (Big Eyes)

Amy Adams (Encantada), como de costume, faz um excelente trabalho ao exprimir tanto a prostração de uma mulher que parece passar anos confinada em estúdio sufocante, afastada até mesmo do convívio com a própria filha enquanto produz o trampolim social de Walter, quanto a força que a personagem reúne posteriormente para tomar as ações necessárias para expor a verdade e enterrar os anos de mentiras engolidas e manipulações emocionais sofridas. Por outro lado, Christoph Waltz (Django Livre) volta a demonstrar uma tendência à repetição no que diz respeito à composição de personagens, encarnando Walter como um sujeito mesquinho e egocêntrico que se assemelha a vários dos antagonistas que o ator vem assumindo desde que foi apresentado ao grande público, embora o personagem em si seja, de modo geral, bem escrito - com exceção, por exemplo, da cena embaraçosa do tribunal em que Walter assume a própria defesa e interroga ele mesmo como testemunha, quando o filme se alonga além do necessário e abraça um tom e uma abordagem mais adequados a uma sitcom.

Aliás, Burton, cujo último (e único) trabalho inspirado em uma história real (Ed Wood) já completa duas décadas, parece incapaz de conferir à narrativa um caráter homogeneamente realista e contido - e se por um lado a passagem em que Margaret é assombrada por olhos grandes no supermercado até se justifica razoavelmente bem, a cena em que Walter tenta aterrorizar a esposa e a enteada através do buraco de uma fechadura ou o plano em que um olho por pouco não é atingido por um garfo servem, basicamente, como lembretes imediatos e dispensáveis das preferências estilísticas do homem por trás da câmera.

Discutindo ainda com certa competência a natureza da arte sob diversos aspectos (o aquecido comércio de cópias em pôsteres das obras originais e as explicações inventadas por Walter sobre seu "processo criativo" são algumas das fagulhas mais óbvias), Grandes Olhos é um filme que, narrativamente, não chama muita atenção - o que não pode ser dito, entretanto, da decisão de Tim Burton de romper paradigmas da própria carreira e dar espaço (não através de um discurso fechado, direto, óbvio e aborrecido, mas de uma história emblemática e ilustrativa) a um tema importante, temido pelos conservadores e ainda pouco debatido pela indústria como é o feminismo.

Amy Adams em GRANDES OLHOS (Big Eyes)