9 de fevereiro de 2015

Crítica | Corações de Ferro

Brad Pitt, Jon Bernthal, Shia LaBeouf, Logan Lerman e Michael Peña em CORAÇÕES DE FERRO (Fury)

★★★★

Fury, EUA/China/Reino Unido, 2014 | Duração: 2h14m26s | Lançado no Brasil em 5 de fevereiro de 2015, nos cinemas | Escrito por David Ayer | Dirigido por David Ayer | Com Brad Pitt, Logan Lerman, Shia LaBeouf, Jon Bernthal, Michael Peña, Brad William Henke, Jason Isaacs, Jim Parrack, Anamaria Marinca e Alicia von Rittberg.

Pôster/capa/cartaz nacional de CORAÇÕES DE FERRO (Fury)
A violência é, sem dúvida, a matéria-prima central da carreira de David Ayer. Responsável pelo roteiro ou pela direção de filmes como Dia de Treinamento e Marcados Para Morrer, o cineasta não deixa, todavia, de investigar e discutir em seus trabalhos de que modo toda essa violência afeta e devasta o ser humano - e, deixando de lado os longas policiais e voltando-se para uma história ambientada em um cenário de guerra, Ayer dá sequência a esse empenho em Corações de Ferro com relativa eficiência.

O ano é 1945 e, embora a Segunda Guerra esteja perceptivelmente próxima do fim, os Aliados seguem no confronto com uma fraqueza clara e particular: seus tanques são expressivamente inferiores aos dos inimigos. Nesse contexto, o roteiro acompanha o sacrifício da equipe à bordo do tanque Fury, comandada pelo sargento Wardaddy (Brad Pitt) e para a qual cada dia sobrevivido é uma grande vitória. Quando o motorista auxiliar do grupo é morto em combate, o jovem datilógrafo Norman Ellison (Logan Lerman) é colocado no posto contra a vontade de todos, incluindo dele próprio - e seu notório despreparo para encarar os horrores da guerra estabelece a ponte imediata entre o espectador e o filme.

E, de modo geral, David Ayer se aproveita muito bem disso: vivido pelo promissor Logan Lerman (As Vantagens de Ser Invisível), Norman é um rapaz assustadiço que, embora capaz de digitar 60 palavras por minuto, não tem sangue frio ou estômago para tirar a vida de outro ser humano - algo que, em um cenário como aquele, pode acarretar consequências graves para os colegas e para ele próprio. Infelizmente, o roteiro peca por trabalhar o enrijecimento do personagem mais em torno de um evento específico do que do somatório de situações a que Norman é exposto, desperdiçando a construção gradual da deterioração psicológica do rapaz em prol de uma explicação mais redonda, pontual e de fácil compreensão para o público. Aliás, os propósitos da longa cena ambientada no apartamento de duas alemãs jamais ficam claros: o tempo e a atenção que o diretor dedica àquela situação denota sua suposta importância, mas apenas as personalidades dos tripulantes do Fury são sedimentadas em definitivo, enquanto nenhum outro tema mais delicado ou intimista é desenvolvido ou explorado de fato.

Logan Lerman e Brad Pitt em CORAÇÕES DE FERRO (Fury)

Por outro lado, o filme acerta ao estabelecer os soldados como figuras humanas irremediavelmente devastadas pela guerra desde o início da projeção, quando os rostos sujos e insatisfeitos dominados por semblantes fechados são exibidos individualmente - o que funciona melhor, talvez, do que exibir o personagem de Brad Pitt se afastando do pelotão em duas situações distintas atrás de privacidade para abandonar sua postura durona por alguns segundos e externalizar seus verdadeiros sentimentos, o que soa ligeiramente repetitivo. Da mesma forma, o filme não economiza na visceralidade da representação do campo de batalha, transformando aquele espaço em um ambiente sempre sujo, inóspito e hostil e exibindo cadáveres, mutilações e alvejamentos de forma gráfica e chocante.

Ainda nesse sentido, algumas sequências de confronto merecem nota pelo resultado eficiente e impactante: intensificando o perigo da situação ao exibir projéteis como pequenos traços de luz bem visíveis cortando o ar, passagens como aquela em que os Aliados enfrentam anti-tanques na orla de uma floresta são muitíssimo bem conduzidas e finalizadas, com um trabalho impecável de montagem e mixagem de som. Infelizmente, o embate final não merece os mesmo elogios: ambientada em um fim de tarde (cujo escurecimento veloz chega a distrair o espectador), a sequência não facilita minimamente a compreensão do público quanto à geografia do confronto e jamais deixa claro a que lado pertence a vantagem ao longo do embate, já que nunca é possível saber ao certo quantos adversários ainda persistem na batalha.

Porém, não é só em aspectos técnicos que o ato final decepciona: a motivação por trás da escolha de embarcar naquele confronto em particular, embora razoavelmente justificada pelo psicológico retalhado de alguns dos personagens, é extremamente questionável, soando como uma espécie inoportuna de glorificação da guerra e da honraria por trás da braveza e da coragem dos combatentes. Somando-se a isso os problemas já mencionados e o uso abusivo e eventual de algumas convenções do gênero, Corações de Ferro se estabelece como um lançamento que, embora não acrescente muito ao assunto, faz relativamente bem o trabalho de representar a guerra com a frieza e brutalidade que lhe é particular.

CORAÇÕES DE FERRO (Fury)