1 de fevereiro de 2015

Crítica | A Teoria de Tudo

Felicity Jones e Eddie Redmayne em A TEORIA DE TUDO (The Theory of Everything)

★★★★

The Theory of Everything, Reino Unido, 2014 | Duração: 2h03 | Lançado no Brasil em 29 de Janeiro de 2015, nos cinemas | Baseado no livro de Jane Hawking. Escrito por Anthony McCarten | Dirigido por James Marsh | Com Eddie Redmayne, Felicity Jones, David Thewlis, Charlie Cox, Harry Lloyd, Simon McBurney.

Pôster/capa/cartaz nacional de A TEORIA DE TUDO (The Theory of Everything)
"Cinebiografia de Stephen Hawking" não é a melhor nem a mais precisa forma de sintetizar A Teoria de Tudo. Sim, o filme é inteiramente centrado na vida do célebre cientista, mas não se propõe exatamente a narrar de forma fiel e definitiva tudo de mais importante e revelante que aconteceu em sua trajetória pessoal. Em vez disso, o roteirista Anthony McCarten e o cineasta James Marsh (Agente C - Dupla Identidade) optam por desviar o foco das grandes realizações de Hawking (sem ignorá-las, evidentemente) e lançam luz sobre sua caminhada pessoal, voltando-se, naturalmente, para as várias consequências que a doença degenerativa motora acarretaram para sua existência.

Apresentando Stephen (Eddie Redmayne) já como um jovem adulto, o filme resgata o início de sua relação amorosa com Jane (Felicity Jones) e mostra como o avanço da esclerose lateral amiotrófica quase comprometeu irremediavelmente suas pesquisas. Convencido por um médico de que a doença lhe tiraria a vida em um par de anos, o físico tem seu abalo emocional gradualmente revertido pelo suporte dos colegas e amigos e pelo amor da companheira, que se compromete a embarcar de cabeça e às cegas no desafio de manter as melhores condições possíveis para a sobrevida do amado. Porém, o avanço do tempo traz consigo circunstâncias inéditas que, eventualmente, acabam alterando o curso da vida dos personagens.

Embora peque ao representar de forma pouco clara a grandeza dos avanços temporais (um total de décadas se passa e os personagens principais parecem sempre jovens), A Teoria de Tudo conta com grandes atuações da dupla central, que se adaptam com talento às várias fases de seus papéis. Apesar de exagerar nas contrações faciais da fase saudável do personagem, Redmayne (Os Miseráveis) surpreende com um trabalho corporal digno de longos aplausos: além de imprimir de forma convincente a crescente debilidade motora, o ator consegue expressar de forma natural e verossímil o esforço do personagem de vencer o atrofiamento motor e continuar se relacionando com o mundo ao redor, sem exibir qualquer traço de constrangimento ou receio de que seu comportamento pareça patético ou involuntariamente engraçado. Entretanto, o maior acerto de Redmayne é mesmo o sorriso sincero e generoso que ele empresta a praticamente todas as fases do personagem, estabelecendo com eficiência a positividade, a gentileza e o bom humor que, segundo consta, Stephen Hawking preserva até os dias atuais.

Eddie Redmayne em A TEORIA DE TUDO (The Theory of Everything)

Já a adorável Felicity Jones constrói Jane como uma mulher cuja dedicação incondicional ao tratamento do parceiro jamais é passível de questionamento - e chama a atenção, por exemplo, o momento em que a personagem é ágil e precisa ao deferir pancadas surpreendentemente violentas nas costas do marido durante um engasgo, já que ela sabe, melhor do que nós, que aquele montante de força pode ser imprescindível para evitar a morte do homem. (Atenção!: não leia o restante do parágrafo caso desconheça detalhes sobre a vida dos Hawking). Felizmente, o filme não comete o erro óbvio e absurdo de enxergar o amor e a dedicação iniciais de Jane como um contrato irrevogável, evitando julgá-la por se sentir negligenciada, sufocada ou extenuada na relação por quaisquer que sejam as razões. Aliás, ao invés disso, a mulher torna-se uma figura sofrida a seu modo, quando passa a sentir o peso da responsabilidade pelo bem estar de Hawking mesmo que o sentimento que deu origem àquele contexto não exista mais - e a cena em que o casal reconhece o fim do casamento, embora obviamente repleta de liberdades artísticas, é extremamente tocante.

Nunca deixando de lado a importância das pequisas realizadas pelo cientista, A Teoria de Tudo prefere, entretanto, investigar os efeitos que uma doença implacável e devastadora causa em um indivíduo e nas pessoas que o cercam. Assim, o filme é repleto de passagens emblemáticas, nas quais a perda gradual da independência de Stephen é representada de forma sempre sensível e melancólica, como no momento em que uma atividade tão simples quanto subir uma escada torna-se um esforço humilhante e inútil. Da mesma forma, o episódio em que Hawking perde sua já limitada fala transforma-se em um verdadeiro ponto de virada, considerando a importância que a comunicação possui na vida do sujeito - que, ainda assim, enfrenta os novos desafios com surpreendente persistência.

Por fim, o filme também não faz feio ao utilizar linhas centrais dos trabalhos de Stephen como matéria-prima para reflexões sobre diferentes aspectos da narrativa: a busca obsessiva do físico por uma fórmula que resolva qualquer problema entra em choque com a natureza devastadora da doença que o atinge, cuja arbitrariedade carece de explicações, ao mesmo tempo que o empenho de desvendar os mistérios que rodeiam o tempo como quarta dimensão do universo entram em conflito com seu avanço implacável - e a sequência que, estabelecendo um paralelo com a teoria do Big Bang, inverte a direção do tempo e regressa à origem da narrativa é, em poucas palavras, tocante e poética, encerrando com sensibilidade uma obra inspiradora que, involuntariamente, obriga o espectador a olhar para a própria vida, e todos os seus privilégios envolvidos, com outros olhos.

Raffiella Chapman, Eddie Redmayne e Oliver Payne em A TEORIA DE TUDO (The Theory of Everything)