26 de junho de 2014

Crítica | Amazônia

AMAZÔNIA


Amazonia, França/Brasil, 2013 | Duração: 1h23 | Lançado no Brasil em 26 de Junho de 2014, nos cinemas | Ideia original de Stéphane Millière e Luc Marescot. Roteiro de Johanne Bernard & Luiz Bolognesi & Louis-Paul Desanges & Luc Marescot & Thierry Ragobert | Dirigido por Thierry Ragober | Com as vozes de Lucio Mauro Filho e Isabelle Drummond.

Pôster/capa/cartaz nacional de AMAZÔNIA
O aspecto que mais deve ter dividido opiniões em relação ao vencedor do Oscar de Melhor Documentário em 2006, A Marcha dos Pinguins, é sua narração: em vez de descrever ou comentar os hábitos dos pinguins-imperadores, o voice over traduzia os supostos pensamentos daquelas aves em cada etapa da peregrinação anual exercida pela espécie – e mesmo incomodando pontualmente pelo excesso de humanização dos animais, a narração era suficientemente didática e impessoal para se justificar e alcançar os objetivos do projeto. Infelizmente, o mesmo equilíbrio não é alcançado por Amazônia: transitando erroneamente entre documentário e aventura infantil, a co-produção franco-brasileira falha miseravelmente em ambos os esforços.

Escrito por um total absurdo de seis profissionais, o filme acompanha o macaco-prego domesticado Castanha (voz de Lúcio Mauro Filho) tentando sobreviver e se adaptar à vida selvagem da floresta amazônica depois de sofrer um acidente de avião a caminho do circo que o teria como nova atração. Com isso, o longa se encarrega de expor as belezas da maior floresta tropical do mundo enquanto submete seu protagonista a situações risíveis, incluindo perigos tolos, um romance absolutamente aborrecido e clichês que beiram o inacreditável (sim, os realizadores conseguem a proeza de incluir até mesmo uma cena em que um personagem desaparece da vista de outro depois que um veículo passa entre ambos).

Incapaz de oferecer uma justificativa narrativa decente para a apreciação da deslumbrante fauna daquele ecossistema (o que não seria necessário caso o filme se assumisse como um documentário legítimo), Amazônia obriga Castanha a repetir insistentemente falas como "Que que é isso?" ou "Caramba! Olha só esse..." e, em seguida, descrever o que está observando toda vez que o diretor Thierry Ragobert decide apresentar um novo animal, planta ou fenômeno natural ao público, o que rapidamente se torna algo irritante. Além disso, com exceção de um ou outro pensamento mais interessante e educativo (“Até os [animais] nojentos são bonitos se a gente olhar direito”), as falas escritas por José Roberto Torero contam com um humor raso que só deve funcionar para crianças muito novas, pecando ainda por tecer comentários presunçosos sobre o uso da tecnologia 3D (mesmo erro cometido pelo patético Brasil Animado, alegadamente o primeiro filme brasileiro lançado em 3D).

AMAZÔNIA

O efeito tridimensional, vale apontar, é bastante irregular: sim, há belíssimas imagens (especialmente em planos mais abertos) cuja profundidade contribui imensamente para a apreciação daquelas paisagens, mas os vários planos-detalhe e a necessidade recorrente do uso de zoom e teleobjetivas (já que a proximidade da câmera pode influenciar o comportamento dos animais ou ameaçar a segurança da equipe) praticamente anulam o efeito 3D em boa parte da projeção. Para completar, a trilha sonora é utilizada de forma óbvia e inoportuna para reforçar os vários perigos enfrentados por Castanha – e não fosse a inclusão de um comentário breve (e bastante ingênuo) sobre a "lei da selva" (isto é, a existência da cadeia alimentar), o filme ainda ignoraria, como de costume, que predadores como onças, gaviões, urubus e crocodilos não são vilões da natureza, mas seres com necessidade próprias a serem cumpridas em prol da sobrevivência e da perpetuação de suas espécies.

Por essas e outras, Amazônia se torna frágil e insípido como aventura e demasiadamente pouco informativo como documentário, estabelecendo-se como um primo não muito distante do horroroso Caminhando Com Dinossauros – com a diferença que a biodiversidade da floresta amazônica é muito mais bela e inebriante que as criaturas digitais jurássicas criadas pela companhia de efeitos especiais Animal Logic.

AMAZÔNIA

Crítica | Jersey Boys: Em Busca da Música

John Lloyd Young, Erich Bergen, Vincent Piazza e Michael Lomenda em JERSEY BOYS: EM BUSCA DA MÚSICA (Jersey Boys)

★★★

Jersey Boys, EUA, 2014 | Duração: 2h14 | Lançado no Brasil em 26 de Junho de 2014, nos cinemas | Baseado no livro de Marshall Brickman & Rick Elice. Roteiro de Marshall Brickman & Rick Elice | Dirigido por Clint Eastwood | Com John LLoyd Young, Erich Bergen, Michael Lomenda, Vincent Piazza e Christopher Walken.

Pôster/capa/cartaz nacional de JERSEY BOYS: EM BUSCA DA MÚSICA (Jersey Boys)
Anonimato. Ascensão. Sucesso. Queda. Redenção. São esses os elementos fundamentais que, com pequenas variações, definem a estrutura da grande maioria das cinebiografias musicais – e essa recorrência é justamente o principal fator responsável pelo razoável desgaste do subgênero. Ser baseado em fatos reais ou apresentar uma história com altos e baixos expressivos não é mais suficiente para se produzir uma cinebiografia de respeito; é preciso algum diferencial, por menor que seja.

Baseado no livro musical de Marshall Brickman e Rick Elice e em sua respectiva adaptação teatral, Jersey Boys: Em Busca da Música consegue se safar graças, essencialmente, às boas atuações do elenco e à forma como alguns dos dramas e conflitos dos personagens são trabalhados. Abrangendo um período que vai do início da década de 50 e culmina na chegada dos anos 90, o filme apresenta a trajetória do quarteto de artistas que, antes jovens delinquentes e músicos amadores, são alçados à fama quase uma década após se unirem como um grupo pela primeira vez. Igualmente veloz, porém, é a eventual ruína da The Four Seasons, motivada tanto por desentendimentos entre os integrantes quanto por uma dívida graúda com mafiosos acumulada por um deles.

Dirigido pelo cineasta veterano Clint Eastwood, Jersey Boys importa alguns elementos evidentes do espetáculo teatral: com exceção do vibrante número musical que encerra o longa, a influência que mais chama atenção é a narração, que promove a quebra da quarta parede ao exibir os próprios personagens se dirigindo ao público para acrescentar informações implícitas ou omissas. Embora cause certa estranheza (inofensiva, no final das contas), as mudanças de narradores que ocorrem ao longo da narrativa acabam refletindo a natureza de cada etapa da trajetória (o narrador da fase mais imatura e inconsequente do grupo, por exemplo, é justamente o integrante que compartilha dessas características) – e, para completar, há uma certa beleza na participação de Fankie Valli (John Lloyd Young) neste rodízio, já que o vocalista principal do conjunto é o último a assumir a função e não chega a dirigir palavras ao público, embora os olhares que lança para a câmera em dois momentos emblemáticos do terceiro ato narrem com eficiência emoções que não precisam ser verbalizadas ou explicitadas.

Vincent Piazza, Erich Bergen, John Lloyd Young e Michael Lomenda em JERSEY BOYS: EM BUSCA DA MÚSICA (Jersey Boys)

As atuações, vale reforçar, são o principal mérito do projeto: vencedor do Tony Award pela performance no espetáculo teatral em sua formação original, John Lloyd Young assume o comando do elenco com a segurança esperada de alguém que já reprisou o papel dezenas de vezes no palco e encarna com talento as distintas fases do personagem, mesmo sendo obrigado a, no auge dos seus trinta e tantos anos de idade, assumir também a versão adolescente de Valli. Já o estreante Michael Lomenda, no papel de Nick Massi, surge como o único elo fraco do quarteto principal, ao passo que Erich Bergen representa com competência a evolução e o amadurecimento do centrado compositor Bob Gaudio. Por fim, Vincent Piazza transforma Tommy DeVito em um sujeito instável, explosivo e naturalmente autodestrutivo, enquanto o veterano Christopher Walken rouba todas as cenas de que participa como o curiosamente divertido mafioso Gyp DeCarlo.

O roteiro, por outro lado, não merece muitos elogios. Embora mereça reconhecimento por plantar certas pistas que são retomadas em momentos posteriores oportunos (como o hábito de DeVito de urinar na pia, que é apresentado discretamente ao público muito antes de se tornar uma queixa de um dos companheiros), o texto acaba se rendendo à convenção de transformar as ideias originárias de grandes hits ou até mesmo a escolha do nome The Four Seasons em pequenas epifanias, o que provavelmente não deve ter acontecido na prática. Para completar, a maquiagem utilizada para envelhecer os personagens em determinada passagem é bastante irregular: o trabalho feito em Vincent Piazza, por exemplo, é muitíssimo mais eficiente do que o executado em John Lloyd Young.

Contando ainda com um estranho, aparente e isolado impulso narcisista de Clint Eastwood (um televisor exibindo uma cena do seriado Rawhide, estrelado pelo cineasta, pode ser visto em determinado momento), Jersey Boys: Em Busca da Música é uma produção bastante... aceitável – e este definitivamente não é o melhor elogio que um filme pode receber.

Vincent Piazza, Christopher Walken, Donnie Kehr e Erich Bergen em JERSEY BOYS: EM BUSCA DA MÚSICA (Jersey Boys)

18 de junho de 2014

Crítica | Transcendence - A Revolução

Morgan Freeman, Cillian Murphy, Rebecca Hall e Johnny Depp em TRANSCENDENCE - A REVOLUÇÃO (Transcendence)

★★

Transcendence, Reino Unido/China/EUA, 2014 | Duração: 1h59 | Lançado no Brasil em 19 de Junho de 2014, nos cinemas | Escrito por Jack Paglen | Dirigido por Wally Pfister | Com Johnny Depp, Rebecca Hall, Paul Bettany, Cillian Murphy, Morgan Freeman, Kate Mara, Cole Hauser e Clifton Collins Jr.

Pôster/capa/cartaz nacional de TRANSCENDENCE - A REVOLUÇÃO (Transcendence)
O Exterminador do Futuro, Ameaça Invisível – Stealth, Robocop – O Policial do Futuro, Controle Absoluto, TRON – Uma Odisseia Eletrônica, Matrix e Eu, Robô. Caso a personagem de Rebecca Hall tivesse assistido a qualquer um desses filmes e compartilhasse minimamente dos temores que a sociedade vem alimentando ao longo de décadas em relação aos limites cognitivos de componentes eletrônicos, Transcendence – A Revolução provavelmente jamais teria existido. Mas não: no roteiro do estreante Jack Plagen, Evelyn Caster (Hall) é uma pesquisadora que, por amor ao cientista da computação Will Caster (Johnny Depp) e sem temer as consequências de um procedimento ambicioso nunca antes realizado com um humano, faz o arriscado upload da consciência do marido moribundo para um sofisticado módulo de inteligência artificial – o que acaba transformando Transcendence em uma mistura inusitada e inoportuna de qualquer um dos filmes citados no início deste parágrafo com Ela, Os Invasores de Corpos e Romeu e Julieta.

Estreia do diretor de fotografia Wally Pfister (colaborador fiel de Christopher Nolan, que aqui apenas produz) como cineasta, Transcendence é um verdadeiro repositório de influências do diretor que impulsionou sua carreira – a começar pelo elenco, que traz figuras como Cillian Murphy, Morgan Freeman (ambos da trilogia Batman) e Rebecca Hall (O Grande Truque). Em termos de identidade visual, paira a dúvida quanto à origem das influências (seriam os planos aéreos, por exemplo, uma contribuição de Pfister como cinegrafista à estética da obra de Nolan, ou o contrário?), ao passo que a cadência da montagem de David Rosebloom, pelo menos no que diz respeito às sequências que abrem e fecham a narrativa, remete fortemente ao belo trabalho de Lee Smith em A Origem. Pra completar, nem Mychael Danna consegue escapar das comparações: a trilha sonora mais parece composta por um Hans Zimmer bêbado e entediado com a tarefa de produzir a mesmíssima partitura pela milionésima vez.

Rebecca Hall e Johnny Depp em TRANSCENDENCE - A REVOLUÇÃO (Transcendence)

Em uma posição diametralmente oposta à de Evelyn, o grupo terrorista liderado pela jovem Bree (Kate Mara) parece ter assistido a ficções científicas demais e alimentado um pavor descontrolado em relação a qualquer tipo de inteligência artificial – e o bando até representaria um excelente contraponto às ideologias questionáveis dos cientistas caso as motivações por trás dos ataques ficassem mais claras e seus integrantes não parecessem meros psicopatas desvairados, fechados a qualquer tipo de negociação. Aliás, Transcendence provavelmente também não existiria caso seus personagens compreendessem o conceito básico de diálogo: em momento algum o FBI, representado pelo agente Buchanan (Cillian Murphy), parece interessado ou até mesmo disposto a ouvir e tentar compreender de fato os propósitos da companhia fundada e comandada pela Inteligência Artificial cuja consciência provém do então falecido Dr. Will, o que poderia evitar a maior parte dos (ou até todos os) conflitos.

Desperdiçando dezenas de chances de discutir as questões éticas e morais que rodeiam os protótipos de Inteligência Artificial e nanotecnologia apresentados, o filme também ousa subestimar a inteligência do espectador em algumas situações: quando a narrativa salta dois anos, por exemplo, vemos a versão computadorizada de Will Caster detalhando certas pesquisas para Evelyn, o que não faz o menor sentido, já que a mulher obviamente esteve nas instalações acompanhando o processo durante todo aquele tempo (as explicações são, na verdade, endereçadas ao público). Além disso, o filme conta com um ou outro plano absolutamente aleatório e dispensável, cujo propósito não vai além do exibicionismo estético fajuto – como a imagem em câmera lenta de uma poça d’água sendo perturbada pela roda de uma caminhonete. Para completar, as sequências de ação são insossas e, em última instância, desnecessárias, o que naturalmente compromete a produção.

Prejudicado ainda por um desfecho tolo em múltiplos níveis e por uma galeria de personagens mais inchada do que o ideal, Transcendence – A Revolução é um claro e lamentável desperdício de talentos que, em suas funções prioritárias ou nos projetos certos, já nos proporcionaram bem mais diversão e muito menos aborrecimento.

Morgan Freeman, Cillian Murphy e Rebecca Hall em TRANSCENDENCE - A REVOLUÇÃO (Transcendence)

17 de junho de 2014

Crítica | Vizinhos

Zac Efron, Seth Rogen e Rose Byrne em VIZINHOS (Neighbors)

★★★

Neighbors, EUA, 2014 | Duração: 1h37 | Lançado no Brasil em 19 de junho de 2014, nos cinemas | Escrito por Andrew Jay Cohen & Brendan O'Brien | Dirigido por Nicholas Stoller | Com Seth Rogen, Rose Byrne, Zac Efron, Dave Franco, Carla Gallo, Christopher Mintz-Plasse, Halston Sage, Craig Roberts, Jerrod Carmichael, Jake Johnson e Lisa Kudrow.

Pôster/capa/cartaz nacional de VIZINHOS (Neighbors)
Embora a carreira do produtor Judd Apatow (O Virgem de 40 Anos, Segurando as Pontas, Ligeiramente Grávidos) não esteja atravessando sua melhor fase, o impulso dado por ele às comédias escrachadas centradas em personagens "adultescentes" e as parcerias estabelecidas no processo continuam a gerar sua parcela de frutos positivos, como o recente e divertido É O Fim, projeto assinado por Seth Rogen e Evan Goldberg (roteiristas de Superbad – É Hoje). Dando sequência a uma trajetória até então apadrinhada por Apatow e apresentada ao púbico brasileiro exclusivamente em home video (Ressaca de Amor, O Pior Trabalho do Mundo e Cinco Anos de Noivado), o cineasta Nicholas Stoller finalmente consegue, com Vizinhos, a repercussão internacional e o retorno financeiro necessários para ganhar as telonas brasileiras.

Escrita pela dupla de estreantes Andrew Jay Cohen e Brendan O’Brien, a comédia gira em torno da vida de casados de Mac (Seth Rogen) e Kelly Radner (Rose Byrne), que passa a ser atormentada quando a fraternidade ΨΔΒ, presidida pelo atraente Teddy Sanders (Zac Efron), muda-se para a até então tranquila vizinhança. Preocupado com a saúde da filha bebê Stella (vivida pelas absolutamente adoráveis Elise e Zoey Vargas), o casal se vê obrigado a travar uma guerra contra o grupo de estudantes depois que as primeiras negociações de paz são infringidas por festas que abusam dos decibéis noite adentro.

Preso a uma estrutura que, essencialmente, oscila entre as provocações e os esforços exercidos por cada lado na disputa, o longa é povoado por personagens imaturos e egoístas cuja estupidez pelo menos abre espaço para boas risadas. Assim, o grande acerto do filme consiste justamente na disposição de rir das próprias limitações e idiotices: seria particularmente frustrante, por exemplo, ver Teddy derrubando com facilidade a veracidade de determinado documento caso a explicação dada pelo autor da farsa não debochasse dessa situação-clichê de forma tão hilária. Da mesma forma, a trilha de Michael Andrews é jocosa e certeira ao conferir, por exemplo, grandiosidade a eventuais ideias estúpidas dos estudantes ou um caráter quase etéreo a certa habilidade genital exótica do vice-presidente da fraternidade, Pete (Dave Franco).

Zac Efron em VIZINHOS (Neighbors)

Por outro lado, a volatilidade do personagem de Zac Efron, em vez de torná-lo uma figura complexa, soa como mero resultado dos pequenos surtos de arbitrariedade do roteiro, que altera o comportamento de Teddy conforme as necessidades imediatas da narrativa: repare, por exemplo, como a compreensão e a generosidade do presidente com determinado calouro contrariam a conduta assumida por ele na maior parte do tempo, já que essa postura benevolente só era interessante para aquela situação específica. Ainda assim, vale apontar que o bromance vivido pelos personagens de Efron e Franco possui sua parcela de méritos e se estabelece como a única subtrama com um desenvolvimento mais cuidadoso e marcante (já que os problemas conjugais de Mac e Kelly, por exemplo, beiram o risível). Para completar, Lisa Kudrow (a Phoebe de Friends) acerta o tom como uma reitora caracterizada por uma divertida fixação com manchetes jornalísticas, ao passo que Rose Byrne volta a demonstrar bastante conforto em um papel cômico enquanto divide cena com Seth Rogen, interpretando Seth Rogen como só Seth Rogen é capaz de fazer (ou talvez Kevin James, como um dos diálogos mais divertidos do filme parece sugerir).

É lamentável, portanto, que a obra acabe sendo comprometida por um tropeço da equipe na reta final da projeção: a opção do roteiro de se abster de qualquer tipo de problematização em torno da resolução do grande conflito da trama torna o desfecho apressado, anticlimático e insatisfatório, enviando o espectador para fora da sessão com uma sensação inesperada de incompletude – que nem a overdose de fofura ofertada pelas gêmeas Elise e Zoey Vargas durante os créditos finais é capaz de curar.

Zac Efron, Dave Franco, Christopher Mintz-Plasse e Jerrod Carmichael em VIZINHOS (Neighbors)

Crítica | Como Treinar o Seu Dragão 2

COMO TREINAR O SEU DRAGÃO 2 (How to Train Your Dragon 2)

★★★★

How to Train Your Dragon 2, EUA, 2014 | Duração: 1h42 | Lançado no Brasil em 19 de junho de 2014, nos cinemas | Baseado na série de livros de Cressida Cowell. Escrito por Dean DeBlois | Dirigido por Dean DeBlois | Com as vozes de Jay Baruchel, Cate Blanchett, Gerard Butler, Craig Ferguson, America Ferrera, Jonah Hill, Christopher Mintz-Plasse, T.J. Miller, Kristen Wiig, Djimon Hounsou e Kit Harington.

Pôster/capa/cartaz nacional de COMO TREINAR O SEU DRAGÃO 2 (How to Train Your Dragon 2)
"É por isso que nunca me casei. Por isso e por outra coisinha". Quando Bocão (Craig Ferguson) faz essa colocação a certa altura de Como Treinar o Seu Dragão 2, fui imediatamente transportado para os minutos iniciais do filme anterior, quando o próprio personagem recomendava que Soluço (Jay Baruchel) "parasse de tentar ser algo que não era" – conselho que pode ou não ter raízes em experiências pessoais de seu autor e denota o carinho que este nutre pelo garoto que viu crescer. Por tudo isso, não seria uma extrapolação muito grande ou absurda admitir a homossexualidade de Bocão como uma hipótese válida e plausível, especialmente considerando que estamos falando de uma obra que defende e valoriza a individualidade (não confundir com individualismo) e contesta a intolerância em relação a tudo o que é considerado diferente – afinal, além de acompanhar de perto o sofrimento de um jovem incapaz de cumprir as expectativas e lidar com a consequente decepção de seu pai tradicionalista, o primeiro filme também era povoado por personagens que, seguindo cegamente costumes estabelecidos por seus antepassados, hostilizaram e perseguiram incessantemente uma população até descobrir que esta era apenas incompreendida e injustiçada.

Mas essas entrelinhas, naturalmente, são apenas uma pequena fração de tudo o que a franquia Como Treinar o Seu Dragão tem a oferecer e que a torna uma empreitada tão interessante, divertida e até mesmo ambiciosa. Dirigido e escrito novamente por Dean DeBlois com base na série de livros de Cressida Cowell, esta continuação avança alguns anos e nos leva a uma Berk mais colorida, harmoniosa e, sobretudo, amplamente adaptada à presença de dragões, que redefiniram a rotina da ilha. Porém, mesmo com tudo isso, Soluço continua se sentindo um peixe fora d'água na vila: agora um jovem adulto aventureiro, o rapaz hesita perante a ideia de ser preparado para suceder seu pai na liderança da comunidade e passa horas sobrevoando as redondezas da ilha no dorso do fiel companheiro Banguela em busca de respostas para sua crise existencial. Durante um desses voos exploratórios, Soluço acaba descobrindo que um homem misterioso chamado Drago Sanguebravo (Djimon Hounsou) vem reunindo um exército de dragões com intenções escusas – e, pouco tempo depois, o rapaz é levado a conhecer um santuário secreto de dragões, mantido pela cuidadora Valka (Cate Blanchett) e ameaçado pelos planos do vilão.

COMO TREINAR O SEU DRAGÃO 2 (How to Train Your Dragon 2)

Não é uma premissa das mais originais (aliás, lembra um tanto a do recente Rio 2), mas é suficiente para que DeBlois envolva o público e o conduza com sensibilidade pelo dramas particulares dos personagens. Apostando em uma abordagem um pouco mais adulta e um atmosfera um pouco mais sombria que a do filme anterior (com destaque para a sequência que acompanha um voo de Soluço e Banguela acima das nuvens), Como Treinar o Seu Dragão 2 submete seu protagonista a riscos, descobertas, perdas e reencontros que desafiam sua coragem e sua estabilidade a todo momento, transformando o arco do personagem em uma natural e esperada jornada de amadurecimento. Da mesma forma, o roteiro volta a oferecer oportunidades dramáticas marcantes até mesmo ao robusto e aparentemente durão Stoico (Gerard Butler), que se firma como um dos personagens mais interessantes da série. Nesse sentido, o filme é imensamente beneficiado pela surpreendente expressividade alcançada pelos animadores da DreamWorks Animation, que abrem mão das famosas caretas que estigmatizaram o estúdio de animação por anos e alcançam uma gama admirável de emoções através de pequenas e fluidas sutilezas.

Ainda mais merecedor de aplausos, vale apontar, é o trabalho de animação do dragão Banguela: com seus olhos enormes e cativantes, o Fúria-da-Noite volta a apresentar um comportamento adorável e travesso que mescla hábitos caninos e felinos (o que se aplica, de modo geral, a todos os pokémons dragões da produção), algo que naturalmente contribui para a forma como o público deve reagir à sua participação nos momentos de maior carga dramática. Felizmente, Como Treinar o Seu Dragão 2 não se rende à mania característica de várias animações de ampliar descontroladamente a galeria de personagens a cada continuação (A Era do Gelo que o diga), evitando assim que a narrativa dê atenção a subtramas irrelevantes e perca o foco. Para completar, trazendo mais uma vez o renomado diretor de fotografia Roger Deakins como consultor visual, a animação conta com um design de produção apenas competente, já que o santuário de dragões ou a praia em que parte da ação do terceiro ato se desenrola, por exemplo, não chegam a causar uma impressão muito forte.

Prejudicado pela antecipação ligeira e inoportuna de seu clímax (quando o filme parece caminhar para seu desfecho de fato, precisamos reunir forças para encarar mais uma batalha), Como Treinar o Seu Dragão 2 é uma produção que, embora levemente inferior ao longa original, continua a confirmar 2014 como um ano muito melhor para os fãs de animações do que o anterior. E que continue assim.

COMO TREINAR O SEU DRAGÃO 2 (How to Train Your Dragon 2)

4 de junho de 2014

Crítica | A Culpa é das Estrelas

Ansel Elgort e Shailene Woodley em A CULPA É DAS ESTRELAS (The Fault in Our Stars)

★★★

The Fault in Our Stars, EUA, 2014 | Duração: 2h06 | Lançado no Brasil em 5 de junho de 2014, nos cinemas | Baseado no livro de John Green. Roteiro de Scott Neustadter & Michael H. Weber | Dirigido por Josh Boone | Com Shailene Woodley, Ansel Elgort, Laura Dern, Nat Wolff, Sam Trammell e Willem Dafoe.

Pôster/capa/cartaz nacional de A CULPA É DAS ESTRELAS (The Fault in Our Stars)
Augustus Waters é um sujeito tão bonzinho, carismático e bem humorado que chega a ser irritante. Vivido pelo jovem, simpático e ainda promissor Ansel Elgort (que já havia contracenado com Shailene Woodley em Divergente), o co-protagonista de A Culpa é das Estrelas é um rapaz que esbanja tão intensamente otimismo e espontaneidade que estas características, contrariando as óbvias intenções dos roteiristas Scott Neustadter e Michael H. Weber ((500) Dias Com Ela) e do diretor Josh Boone, acabam evidenciando os esforços constantes e milimétricos desempenhados pela equipe para nutrir a simpatia do público pelo personagem. Dessa forma, a afeição que eventualmente desenvolvemos por Augustus acaba creditada muito mais ao enorme benefício que o envolvimento do casal acarreta para a protagonista do que às circunstâncias nas quais isso ocorre.

Baseado no romance homônimo de John Green, A Culpa é das Estrelas é iniciado com uma atmosfera levemente cômica (semelhante à de 50%, com Joseph Gordon-Levitt e Seth Rogen) e logo nos apresenta à jovem Hazel Grace Lancaster (Shailene Woodley), uma garota de 16 anos que lida diariamente com a proximidade da morte desde que fora diagnosticada com câncer na tireoide (posteriormente evoluído para uma metástase nos pulmões) aos 13 anos e deu início a um tratamento experimental que, até então, nunca havia dado resultados particularmente animadores. Dona de um olhar ácido e melancólico em relação à própria existência, Hazel é pressionada pela mãe (Laura Dern) a frequentar um grupo de apoio a jovens com câncer – e é em uma dessas reuniões que ela conhece Augustus, cuja experiência pessoal com um tumor ósseo – agora controlado – lhe custou uma porção de uma das pernas. Aparentemente imune a qualquer fagulha de negativismo e visivelmente interessado na bela garota, o rapaz tenta uma aproximação e a investida rapidamente evolui para uma amizade que, a certa altura, acaba se convertendo em um romance – envolvimento este que jamais consegue caminhar livre do fantasma da imprevisibilidade da doença.

Investindo quase dois terços da projeção na pouco inspirada construção da relação do casal principal, o longa consegue evitar a monotonia não só através de intervenções mais dramáticas (quando, normalmente, a veterana Laura Dern rouba a cena), mas também ao lançar luz sobre a forma como os novos e inesperados sentimentos despertados na protagonista são assimilados por ela (já que o amor do rapaz, aparentemente grandioso e determinado desde o princípio, não parece evoluir significativamente ao longo da narrativa): repare, por exemplo, a insegurança e a hesitação de Hazel ao quase ser pega lançando um olhar encantado para Augustus durante um passeio do casal, como se tentasse adiar a tarefa de lidar com os próprios sentimentos. Como esperado, Shailene Woodley faz um trabalho irrepreensível: com feições ainda bastante joviais, a atriz de 22 anos surge levemente abatida (mérito compartilhado com o discreto e eficiente trabalho de maquiagem), imprime com competência a vulnerabilidade e o desgaste físico da personagem e consegue conquistar o espectador com os lentos e incontidos sorrisos de uma garota que, em meio a um turbilhão de emoções e conflitos internos, está redescobrindo os prazeres da vida e reaprendendo a sorrir.

Shailene Woodley e Laura Dern em A CULPA É DAS ESTRELAS (The Fault in Our Stars)

Do ponto de vista técnico, A Culpa é das Estrelas não possui grandes problemas: com exceção da seleção musical, que apela para o batidíssimo indie-folk, e da tendência ao melodrama da trilha sonora de Mike Mogis e Nate Walcott (embora os compositores acertem, por exemplo, ao pontuar suficientemente bem a atmosfera de apreensão da ocasião em que Hazel se desafia a enfrentar as escadarias de um museu), a produção comete tropeços pouco relevantes aqui ou ali, como o descuido com a perna mecânica de Augustus (as calças skinny evidenciam a panturrilha do ator em diversas situações) ou a obviedade do figurino de um personagem particularmente perturbador em um enterro, que destoa gritante e propositalmente dos demais presentes. Já a direção de Josh Boone (Ligados Pelo Amor), discreta na maior parte do tempo, acaba comprometida pela necessidade de recorrer a alguns clichês irritantes, como ocorre na previsível cena em que Hazel, normalmente negligente com o próprio visual, é vagarosamente admirada pela mãe e pelo companheiro ao surgir usando um belo vestido antes de sair para um jantar romântico.

Porém, A Culpa é das Estrelas se juntaria aos irregulares ou péssimos Um Amor Para Recordar, Agora e Para Sempre e Inquietos como apenas mais um romance centrado em jovens portadores de câncer terminal caso o texto não trouxesse consigo dois grandes diferenciais. É surpreendente e curioso que uma produção cuja divulgação ganhou força viral graças ao rótulo de "filme para chorar" levante reflexões bastante pertinentes sobre a natureza do vínculo estreito que o público normalmente estabelece com personagens e narrativas ficcionais: quando Hazel transforma em obsessão a necessidade de descobrir o futuro dos personagens de um livro com final propositalmente aberto, além de compreender um pouco mais a respeito da inquietação da protagonista diante do imprevisível e abrupto encerramento de sua própria trajetória, não consegui deixar de pensar que, pessoalmente, eu teria sido uma pessoa ligeiramente mais feliz caso, por exemplo, o decepcionante epílogo de Harry Potter nunca tivesse sido escrito, já que o futuro apresentado naquele capítulo soa arbitrário, irrelevante e parece interessado em responder perguntas que sequer precisavam ser levantadas. Para completar, o segundo e maior acerto do projeto consiste em (não leia o restante do parágrafo caso se incomode com spoilers) sua grande virada: a inversão de papéis ocorrida no terceiro ato abre espaço para novas e importantes reflexões e desestabiliza tanto os personagens quanto o espectador, que se juntam na lamentação ainda mais intensa quanto à natureza arrebatadora do câncer – ou, em um panorama mais amplo, à efemeridade da própria vida, já que estamos todos sujeitos a enfermidades e incidentes repentinos.

Ligeiramente mais extenso que o ideal, A Culpa é das Estrelas é um romance que consegue atiçar as glândulas lacrimais dos espectadores não só através do esforço deliberado (e pouco legítimo) de arrancar lágrimas a qualquer custo, mas também graças à sensibilidade espalhada pelos mais diversos cantos da narrativa. E não precisa se intimidar: o choro é livre.

Ansel Elgort, Nat Wolff e Shailene Woodley em A CULPA É DAS ESTRELAS (The Fault in Our Stars)