13 de março de 2014

Crítica | Jogos Famintos

Cody Allen Christian, Maiara Walsh e Lauren Bowles em JOGOS FAMINTOS (The Starving Games)


The Starving Games, EUA, 2013 | Duração: 1h23 | Lançado no Brasil em 20 de março de 2014, em DVD e Blu-ray | Escrito por Jason Friedberg e Aaron Seltzer | Dirigido por Jason Friedberg e Aaron Seltzer | Com Maiara Walsh, Cody Allen Christian, Brant Daugherty, Diedrich Bader, Theo Crane, Dean West, Kennedy Hermansen, Chris Marroy.

Capa/cartaz/pôster nacional de JOGOS FAMINTOS (The Starving Games)
Jogos Famintos é possivelmente o melhor filme da carreira da dupla Jason Friedberg e Aaron Seltzer – e afirmo isso com a propriedade de alguém que teve a coragem (eufemismo para "impulso suicida"?) de conferir toda a obra dos cineastas. Naturalmente, minha afirmação não deve ser mal interpretada: por razões que discutirei a seguir, a sexta paródia comandada pela dupla consegue se sobressair diante das anteriores, mas ainda assim se estabelece como uma enorme e completa atrocidade, que deveria (embora não vá) sepultar de uma vez por todas as carreiras de todos os envolvidos.

Diferentemente do que ocorria nos trabalhos roteirizados e dirigidos anteriormente pela dupla, este longa apresenta uma narrativa ligeiramente mais coesa – e sinto calafrios por ser obrigado a fazer uma constatação como essa sobre um roteiro tão patético. Enquanto Uma Comédia Nada Romântica, Deu a Louca em Hollywood, Espartalhões, Super-Heróis: A Liga da Injustiça e Os Vampiros Que Se Mordam pecavam gravemente ao investir na construção de um mosaico esquizofrênico de referências a produções populares diversas e sátiras aos clichês dos gêneros que supostamente pretendiam tirar sarro, Jogos Famintos prefere, de modo geral, reproduzir a estrutura narrativa de Jogos Vorazes (que é consistente), modificando o comportamento dos personagens na tentativa de construir gags e eventualmente inserindo referências a produções aleatórias como Oz: Mágico e Poderoso, Os Mercenários 2 ou à franquia Harry Potter – que, claro, soam sempre deslocadas.

Como já mencionado, esse singelo mérito não é muito vantajoso: no decorrer dos longos 80 minutos de filme, Seltzer e Friedberg se limitam a reimaginar um apanhado de cenas de Jogos Vorazes, alterando o sentido de cada uma delas da forma mais trivial e óbvia possível, confiando que a simples quebra de expectativa é algo cômico por si só: se a Katniss Everdeen de Jennifer Lawrence se comovia ao descobrir que sua irmã fora selecionada para a competição sangrenta, a Kantmiss Evershot da insípida Maiara Walsh prefere comemorar de forma eloquente. Desse modo, embora razoavelmente coesa, a narrativa revela-se absurdamente estúpida, ilógica e suficientemente previsível, carecendo grave e principalmente de graça – algo preocupante para uma produção que pretende se passar por comédia.

Maiara Walsh em JOGOS FAMINTOS (The Starving Games)

E até os realizadores parecem ter alguma consciência disso – algo que fica sugerido na cena em que Effoff (Lauren Bowles) sorteia diversos nomes com trocadilhos adolescentes (que deixariam os responsáveis por As Aventuras de Agamenon, o Repórter orgulhosos) e os habitantes do Distrito 12 caem na gargalhada, já que o espectador provavelmente não o fará (afinal de contas, alguém precisa rir do "brilhantismo" de nomes como Hugh Janus e Phil Mahooters). Ainda nesse sentido, os diretores abusam da picaretagem ao incluir erros de gravação (decisão comum em comédias, especialmente nas sem graça) não acompanhando os créditos finais, mas antecedendo-os, como parte integrante do filme, projetados no telão disposto no pátio do Distrito 12 – o que toma um tempo precioso que, eliminado do corte final, poderia diminuir a tortura.

Felizmente (de novo: quanta angústia por ter de usar um termo positivo por aqui!), piadas sexuais, escatológicas ou de extremo mal gosto marcam menor presença em Jogos Famintos – mas estão lá, ao lado dos tombos, pancadas, estereótipos homossexuais ofensivos e outras baboseiras. Já do ponto de vista técnico, o filme é um fracasso colossal: o baixo orçamento não chega a prejudicar a credibilidade do ambiente que sedia os tais jogos (afinal, é apenas uma floresta), mas o acampamento que é apresentado como sendo o Distrito 12 afronta à inteligência do espectador, os erros de continuísmo são irritantes (repare como o merchandising da barba do personagem Seleca muda dentro de uma mesma sequência) e os efeitos especiais (com destaque para os empregados na criação de fogo) estão facilmente entre os piores da história do Cinema.

Lançado com muito menos alarde que as comédias anteriores da dupla (esta é a primeira da carreira de Friedberg e Seltzer que não passa pelas telonas brasileiras), Jogos Famintos talvez possa representar um primeiro passo rumo ao fim da onda de paródias pavorosas que vem assombrando o Cinema atual – e a esperança de que coisas como A Saga Molusco – Anoitecer, Inatividade Paranormal e 30 Noites de Atividade Paranormal Com a Filha dos Homens Que Não Amavam as Mulheres não sejam mais produzidas é algo que vale a pena alimentar. Por isso sim estou faminto.

Maiara Walsh em JOGOS FAMINTOS (The Starving Games)

6 de março de 2014

Crítica | 300: A Ascensão do Império

Sullivan Stapleton em 300: A ASCENSÃO DO IMPÉRIO (300: Rise of an Empire)

★★★

300: Rise of an Empire, EUA, 2014 | Duração: 1h42 | Lançado no Brasil em 7 de março de 2014, nos cinemas | Baseado na graphic novel "Xerxes", de Frank Miller. Roteiro de Zack Snyder & Kurt Johnstad | Dirigido por Noam Murro | Com Sullivan Stapleton, Eva Green, Lena Headey, Hans Matheson, Callan Mulvey, Jack O’Connell, Andrew Tiernan, Igal Naor, David Wenham e Rodrigo Santoro.

Pôster/capa/cartaz nacional de 300: A ASCENSÃO DO IMPÉRIO (300: Rise of an Empire)
Produtores de Hollywood devem ter pesadelos recorrentes com premissas limitantes e roteiros fechadinhos, que não ofereçam possibilidades naturais e diretas de desdobramentos narrativos e, assim, dificultem a tarefa de multiplicar os ganhos com continuações, prequels ou spin-offs em eventuais casos de sucesso. 300, de certa forma, encaixa-se no perfil: a trajetória das três centenas de bravos guerreiros de Esparta é invariavelmente encerrada no desfecho do longa de 2006, sem deixar qualquer garantia de que aquele universo pudesse ser revisitado e expandido com a mesma eficiência alterando o foco para personagens ou tramas alheias a Leônidas e seus companheiros espartanos.

Talvez seja essa a razão para que quase uma década tenha separado o longa original desta nova produção baseada no material de Frank Miller – tempo suficiente para que os produtores percebessem que a história ou os personagens não eram exatamente os maiores responsáveis pelo sucesso de 300. Escrito por Zack Snyder e Kurt Johnstad, o roteiro utiliza uma trama paralela e vagamente relacionada aos eventos do longa anterior como desculpa para repetir todos os maneirismos característicos e firulas estilísticas daquela produção: à frente das tropas gregas, o general Themistokles (Sullivan Stapleton) defende – sem o apoio dos trezentos de Esparta – a honra e a liberdade de seu povo da ameaça representada pelo exército persa, sedento por vingança pelo assassinato do rei Dario (Igal Naor) e liderado pela implacável comandante Artemísia (Eva Green).

Embora baseado na graphic novel "Xerxes" (cujo conteúdo, confesso, desconheço), 300: A Ascensão do Império parece resgatar o personagem de Rodrigo Santoro apenas para homenagear o material ou reforçar o vínculo desta produção com a predecessora. Isso porque, após gastar tempo apresentando a gênese do deus-rei, o filme relega o personagem à margem do arco principal: eternamente afogado na fascinação que nutre por seu próprio poder divino, Xerxes torna-se uma ameaça distante, quase nula, que escolhe acompanhar passivamente a evolução da guerra do alto de seu camarote e que poderia perfeitamente ser eliminado da narrativa sem maiores prejuízos. Além disso, Santoro tropeça no único momento do arco do personagem que exigiria uma dose mais elevada de expressividade de seu intérprete: quando a origem de Xerxes está sendo contada, o caráter de determinado olhar descrito pela narração em off não é expressado com competência pelo brasileiro.

No mais, o roteiro parece empenhado em meramente reformular a estrutura do filme anterior, em que um exército desfavorecido, porém perspicaz, desestabilizava e surpreendia o adversário e acabava conseguindo vencer algumas batalhas – e como se isso não bastasse, Snyder e Johnstad também reprisam alguns elementos bastante específicos: vemos novamente uma reunião emblemática entre as lideranças rivais, um traidor influenciando o desfecho da batalha (dessa vez, graças a uma negligência absolutamente estúpida e incompreensível dos gregos) e uma relação entre pai e filho sendo discutida no e influenciada pelo campo de batalha. No entanto, o que o espectador necessita para acompanhar a narrativa está muito aquém do tabuleiro que os roteiristas parecem tentar montar: os conflitos apresentados e desenvolvidos são tão triviais e os atores representam as relações de poder com tanto ímpeto que, mesmo se estivessem falando grego com legendas em japonês, seria bem possível compreender boa parte do que ocorre na tela.

Rodrigo Santoro em 300: A ASCENSÃO DO IMPÉRIO (300: Rise of an Empire)

Além disso, considerando as demandas práticas do projeto, não seria preciso sequer um diretor muito talentoso no comando, bastando a contratação de um profissional que saiba apontar a câmera para a direção certa, lide bem com efeitos especiais em abundância e possua um bom senso estético. Dentro disso, o pouco experiente Noam Murro (da dramédia romântica Vivendo e Aprendendo) revela-se uma escolha acertada: A Ascensão do Império é repleto de belas composições, as sequências de ação funcionam bem e o banho de sangue proporcionado pelo espetáculo de dilaceração fazem jus ao filme original – não só em índices quantitativos ou sob uma ótica técnica, mas também sob o prisma moral. Por outro lado, Murro faz um uso problemático do 3D: além dos prejuízos usuais da conversão (o filme não foi originalmente filmado com a tecnologia), o efeito é comprometido, dentre outras razões, pelo abuso de planos que utilizam pequena profundidade de campo ou pela insistência do diretor de sujar "acidentalmente" a lente da câmera com sangue, água ou partículas de sujeira.

Entretanto, a incômoda sensação de repeteco inevitavelmente domina a projeção: sim, o longo plano que acompanha a disparada de Themistokles rumo à sua rival no terceiro ato é engenhoso e curioso, mas, no restante do tempo, o excesso de câmeras lentas (sem as quais o filme certamente teria meia hora a menos de duração) e a hemorragia incessante se tornam um padrão repetitivo que aniquila o frescor e a criatividade – e não é à toa que determinado trecho do plano citado no início do parágrafo, transcorrido em velocidade normal, é também um dos mais surpreendentemente intensos e impactantes. Por outro lado, o diretor demonstra irreverência e parece se divertir ao transformar uma cena de sexo em uma passagem inesperadamente cômica – com o auxílio fundamental do compositor Junkie XL, que parece disposto a tratar o ato como uma verdadeira batalha.

Oferecendo poucas chances a seu elenco (Eva Green, como de costume, é uma presença forte, mas a personagem não lhe dá muitas chances de exibir seu talento), 300: A Ascensão do Império é, assim como o longa original, uma produção com opções curiosas, considerando seu público-alvo majoritário: além das altas cotas de homens musculosos e semi-nus (embora haja uma clara tentativa de compensação com a aparição de seios femininos, já nos primeiros segundos de projeção), o filme conta com um protagonista que assume, sem qualquer hesitação ou constrangimento, que passou boa parte de sua trajetória pessoal ao lado daquela que é o grande amor de sua vida: a frota grega. Ousadas ou não, opções como essa (ou a decisão certeira de manter a violência explícita e ignorar as restrições de classificação indicativa que isso acarretará) podem garantir o sucesso (ao menos comercial) do projeto: mesmo sem conseguir lançar ou emplacar novas frases ou cenas icônicas, A Ascensão do Império tem de tudo para agradar pelo menos os pouco criteriosos admiradores do antecessor.

300: A ASCENSÃO DO IMPÉRIO (300: Rise of an Empire)

5 de março de 2014

Crítica | O Estranho Thomas

Anton Yelchin em O ESTRANHO THOMAS (Odd Thomas)

★★★

Odd Thomas, EUA, 2013 | Duração: 1h37 | Lançado no Brasil em 25 de fevereiro de 2014, em DVD e Blu-ray | Baseado no romance Odd Thomas, de Dean R. Koontz. Roteiro de Stephen Shommers | Dirigido por Stephen Sommers | Com Anton Yelchin, Addison Timlin, Nico Tortorella, Kyle McKeever, Shuler Hensley, Gugu Mbatha-Raw, Laurel Harris, Patton Oswalt e Willem Dafoe.

Pôster/capa/cartaz nacional de O ESTRANHO THOMAS (Odd Thomas)
Sempre que ouço ou leio o nome de Stephen Sommers, penso em efeitos visuais medíocres e excessivos em produções duvidosas. Creio que a carreira do cineasta seja incapaz de desmentir meu preconceito: além de dirigir, Sommers também se meteu no roteiro de filmes como Tentáculos, A Múmia, Van Helsing: O Caçador de Monstros e G.I. Joe: A Origem de Cobra. Por essa razão, fui assistir a O Estranho Thomas com um pé e meio atrás – e acabei surpreendido por um filme divertido que, frente ao perfil dos demais citados, soa quase como uma obra autoral do cineasta.

Baseado no primeiro livro da série de fantasia "Odd Thomas", criada por Dean R. Koontz, o filme se passa na cidadezinha californiana fictícia de Pico Mundo, onde o personagem-título, um jovem e carismático cozinheiro com poderes clarividentes vivido por Anton Yelchin, estabelece uma parceria informal com o chefe de polícia Wyatt Porter (Willem Dafoe) para combater o crime na região. Entretanto, em meados de certo mês de agosto, Odd Thomas passa a enxergar uma quantidade anormal de espíritos escoceses – nome que o protagonista atribui aos espectros demoníacos que rodeiam tanto algozes quanto possíveis vítimas de fatalidades -, antecipando a ocorrência de uma massiva tragédia nas redondezas.

Em boa parte do tempo (especialmente na abertura do longa, que conta com uma narração pretensamente descolada do protagonista), Sommers se esforça ao máximo para imprimir estilo e conferir uma atmosfera cool à produção, mas é sabotado não só pelas restrições orçamentárias (o resultado de algumas transições, por exemplo, é visivelmente comprometido pela limitação dos efeitos especiais), mas também por sua própria falta de talento para caracterizar aquele universo de forma diferenciada: Stormy Llewellyn (Addison Timlin), a namorada do protagonista, surge como uma garota dispersa e sem qualquer senso de perigo, que parece viver em uma sintonia completamente diferente de todos os demais personagens – mas isso não só a transforma em uma figura um tanto irritante, como também jamais assume alguma função prática ou soa como uma decisão interessante. Por outro lado, o diretor acerta em pelo menos uma tentativa de subverter convenções: é no mínimo divertido notar que, em todas as ocasiões em que Odd liga para o chefe de polícia com alguma informação nova e urgente fora do horário de serviço (especialmente à noite), o personagem está transando com a esposa – algo perfeitamente plausível, mas raramente abordado (convencionalmente, ele está dormindo).

Anton Yelchin em O ESTRANHO THOMAS (Odd Thomas)

Abraçando um mistério muito menos intrigante e complexo do que parece acreditar, o roteiro tenta subverter as expectativas do público utilizando mais de uma vez um truque (popularizado por certo suspense de 1999) extremamente comum em tramas nas quais apenas um dos personagens é capaz de ver pessoas mortas, o que não torna o texto mais inteligente (embora seja possível dizer que as reviravoltas até que funcionam). Além disso, Sommers não se intimida nem mesmo em inserir coincidências absolutamente ofensivas na narrativa, como a decisão completamente arbitrária tomada por Odd Thomas ao presentear um personagem com um medalhão que, pouco tempo depois, viria a impedir que um par de balas atravessasse seu coração.

Entretanto, a forma inquietante como os tais espíritos escoceses (criados com efeitos especiais razoáveis, mas adequados) são trabalhados ao longo da narrativa e a amarração consistente das pontas soltas no ato final transformam O Estranho Thomas em uma experiência bem mais interessante que a carreira predecessora de seu realizador poderia sugerir, embora também um tanto aquém do que um profissional mais talentoso poderia realizar.

Shuler Hensley e Anton Yelchin em O ESTRANHO THOMAS (Odd Thomas)