1 de junho de 2013

Crítica | Odeio o Dia dos Namorados

Heloisa Périssé e Marcelo Saback em ODEIO O DIA DOS NAMORADOS

por Eduardo Monteiro

Odeio o Dia dos Namorados, Brasil, 2013 | Duração: 1h40m40s | Lançado no Brasil em 7 de Junho de 2013, nos cinemas | Roteiro de Paulo Cursino | Dirigido por Roberto Santucci | Com Heloisa Périssé, Marcelo Saback, Daniel Boaventura, André Mattos, Danielle Winits, Daniele Valente, Fernando Caruso, Henri Pagnocelli, Marcela Barrozo, Malu Valle, Lucas Salles, Charles Paraventi, MV Bill.

Pôster e crítica de ODEIO O DIA DOS NAMORADOS
Odeio o Dia dos Namorados é o terceiro filme escrito por Paulo Cursino e dirigido por Roberto Santucci a estrear no Brasil em um período de pouco mais de oito meses - e, como se não bastasse a frequência atípica, os dois anteriores (os pavorosos Até Que a Sorte Nos Separe e De Pernas Pro Ar 2) se tornaram, respectivamente, as maiores bilheterias de filmes nacionais em 2012 e 2013 (neste último caso, considerando o período anterior à publicação desse texto). A julgar pelo ritmo acelerado de produção e pela qualidade duvidosa dos trabalhos prévios (o que abrange desde deméritos técnicos até a repetição de fórmulas ou a falta de refinamento dos roteiros e do humor), esta nova comédia despontava como mais um desastre em potencial - e é surpreendente que, embora repita diversos erros dos antecessores, o longa surja como o mais coeso e arrojado da dupla, conseguindo invocar o riso sem despertar no espectador a sensação de estar sentado no sofá de casa diante de um humorístico da TV de sábado à noite.

Todavia, a premissa de Odeio o Dia dos Namorados já decepciona pela patente falta de originalidade: cimentando a obsessão de Paulo Cursino por mulheres workaholics que colocam o trabalho acima da vida pessoal, o filme recicla a Alice de De Pernas Pro Ar e nos apresenta a Débora (Heloisa Périssé), uma mulher que, da mesma forma que o personagem de Nicolas Cage em Um Homem de Família, sacrifica o casamento com o grande amor de sua vida por uma oportunidade de emprego irrecusável. Quinze anos mais tarde, Débora é uma mulher azeda, avessa a romantismos e que ocupa um cargo do alto escalão de uma empresa de publicidade - estratégia oportunista lançada por Se Eu Fosse Você para tornar o product placement do filme mais orgânico. Porém, em meio ao estresse de sua rotina, a mulher acaba envolvida em um acidente em que é lançada pelo para-brisa do carro - e durante os poucos e superdilatados segundos que lhe restam antes de atingir o pavimento de uma movimentada rodovia, Débora recebe a visita do fantasma de Gilberto (Marcelo Saback), um falecido colega de trabalho que a conduz por uma breve retrospectiva de sua vida (além de uma pequena perspectiva de seu futuro), nos moldes lançados por Charles Dickens no clássico A Christmas Carol e já explorados, de forma muitíssimo semelhante, em filmes como Minhas Adoráveis Ex-Namoradas e Click.

Pressupondo o baixo nível de exigência de seu público, Odeio o Dia dos Namorados é uma produção repleta de arestas, que surgem desde o primeiro minuto de projeção: embora curiosa, a ideia de abrir o filme com um flash mob (mais especificamente o formato que ficou conhecido como Live Lip-Dub Proposal) é comprometida pelo salto de quinze anos que traz a narrativa para os dias atuais - e todos sabemos que mobilizações como essa, bem como os equipamentos utilizados, eram coisas inexistentes ou raras no final da década de 90. Da mesma forma, quando se aventura no futuro, o filme revela uma falta de cuidado peculiar no uso de hologramas: como se não bastasse a projeção de Heitor (Daniel Boaventura) ser opaca e encobrir Débora em determinados instantes, o tablet hologramático de Gilberto permanece em uma página de destaques jornalísticos mesmo depois que o personagem acessa determinada reportagem e começa e declamá-la.

Além disso, a indisposição de Cursino e Santucci de confiar na inteligência do público frequentemente atinge níveis alarmantes. Após determinada discussão com a então namorada Marina (Danielle Winits), por exemplo, Heitor aponta que "todo mundo já amou alguém que não correspondia o sentimento com o mesmo vigor", referindo-se à sua relação com a protagonista - e, acreditando que somos incapazes de perceber que o raciocínio também se aplica à relação dos personagens de Boaventura e Winits, esta última é obrigada a exaltar: "Eu sei. E esse alguém pra mim é você". Ainda nesse sentido, os realizadores conseguem destruir até mesmo sacadas inspiradas, como na ocasião pretérita em que a compra de um Monza é colocada como sintoma de abundância e alguém em cena precisa reforçar que o modelo de carro era popular naquela época.

Danielle Winits e Daniel Boaventura em ODEIO O DIA DOS NAMORADOS

Também infeliz é a forma como alguns elementos fundamentais da trama são apresentados - e a melhor maneira encontrada pelo roteirista para introduzir o falecimento de Gilberto, por exemplo, é através da presença inexplicável da publicitária Carol (Daniele Valente) na antiga mesa de trabalho do sujeito, assistindo ao vídeo de sua morte fulminante, o que simplesmente não faz o menor sentido. Para completar, Cursino abusa das ocasiões em que os personagens de Périssé e Saback comentam algo instantes antes de o oposto ocorrer em cena, conferindo inapropriada artificialidade à evolução da narrativa.

E nem nos quesitos técnicos a comédia sai ilesa. Fora o uso além do ideal de cenários digitais, Odeio o Dia dos Namorados é particularmente infeliz no trabalho de maquiagem: enquanto o envelhecimento nulo de Débora ao longo de quase quarenta anos é parcial e estrategicamente justificado por tecnologias futurísticas, tolas e arbitrárias, sua versão mais jovem (vivida por Marcela Barrozo) conta com uma prótese nasal desnecessária e pavorosa, que se torna ligeiramente translúcida sempre que muita claridade atinge o rosto da atriz. No entanto, mesmo com esse problemas, o trabalho da equipe técnica de Odeio o Dia dos Namorados é muitíssimo superior ao visto nos filmes anteriores de Santucci: a câmera lentíssima que registra o voo de Débora é bem executada (os efeitos especiais nessa ocasião são irrepreensíveis), além de extremamente inventiva para os padrões do cineasta. Além disso, o diretor demonstra inesperada sutileza em certos momentos: quando a protagonista faz um escândalo no escritório e acaba atraindo a atenção de todos os presentes, ao invés de passear pelos rostos estarrecidos dos funcionários (que seria a opção mais óbvia), Santucci opta por inserir um ruído simples e distante de um objeto caindo, que sugere de imediato o silêncio sepulcral do ambiente e transmite a mensagem com excelência.

Por fim, é preciso reconhecer que Odeio o Dia dos Namorados é um bom divertimento, que consegue até mesmo contornar o caráter episódico que a estrutura adotada poderia implicar e se afastar dos amontoados repugnantes de esquetes em que Até Que a Sorte Nos Separe e De Pernas Pro Ar 2 se transformaram. Ainda que a dinâmica intensa entre Débora e Gilberto deixe transparecer os esforços excessivos para emplacar piadas, os atores conseguem fazer um bom trabalho: enquanto Marcelo Saback assume uma postura própria de alguém que, naturalmente, não tem nada a perder e mantém a afetação homossexual do personagem nos eixos, Heloísa Périssé confere uma antipatia calculada à protagonista e consegue revertê-la com segurança quando necessário. E se Daniel Boaventura (assim como Bruno Garcia em De Pernas Pro Ar) tem seu natural potencial cômico reprimido por um personagem essencialmente dramático e monotônico, uma de suas parceiras de cena surge como o grande destaque da produção: apresentando o tipo físico perfeito para a delegada perua e durona, Danielle Winits exibe um timing cômico irrepreensível apenas para, segundos mais tarde, assumir uma carga dramática com igual talento, contribuindo para tornar a cena do interrogatório uma das mais divertidas da comédia.

Contando ainda com um elenco de apoio bastante competente (com destaque para o normalmente aborrecido André Mattos em uma atuação bastante divertida), Odeio o Dia dos Namorados é um longa apenas mediano, que só consegue se destacar efetivamente diante do desastre que são os filmes anteriores da parceria entre o diretor e o roteirista. Pelo menos está comprovado que, com alguma boa vontade e maior comprometimento, Roberto Santucci e Paulo Cursino estão habilitados a produzir comédias melhores futuramente.

Marcelo Saback, Daniel Boaventura e Heloisa Périssé em ODEIO O DIA DOS NAMORADOS