19 de junho de 2013

Crítica | Minha Mãe é uma Peça - O Filme

Rodrigo Pandolfo, Paulo Gustavo e Mariana Xavier em MINHA MÃE É UMA PEÇA - O FILME

★★★

Minha Mãe é Uma Peça - O Filme, Brasil, 2013 | Duração: 1h24m14s | Lançado no Brasil em 21 de junho de 2013, nos cinemas | Baseado na peça de Paulo Gustavo. Roteiro de Paulo Gustavo e Fil Braz, com a colaboração de Rafael Dragaud | Digirido por André Pellenz | Com Paulo Gustavo, Mariana Xavier, Rodrigo Pandolfo, Suelly Franco, Herson Capri, Ingrid Guimarães, Alexandra Richter, Bruno Bebianno, Samatha Schmütz, Guida Vianna, Jefferson Shroerder, Mônica Martelli, Malu Valle.

Pôster/cartaz/capa nacional de MINHA MÃE É UMA PEÇA - O FILME
Na abertura de Minha Mãe é uma Peça - O Filme, somos informados por uma narração em off que estamos prestes a acompanhar a história de uma família como outra qualquer. Oitenta minutos mais tarde, quando um vídeo amador de Dona Déa (mãe e inspiração de Paulo Gustavo) surge no início dos créditos finais e as semelhanças com a caricata protagonista ficam evidentes, a fala inicial do narrador ganha novos contornos: embora a família de Dona Hermínia (Paulo Gustavo) não seja nada convencional, o espírito materno absolutamente legítimo da personagem e sua surpreendente semelhança com uma figura real conferem aos altos e baixos do relacionamento entre mãe e filhos um caráter universal, que torna a divertidíssima comédia menos problemática.

Escrito por Fil Braz, Rafael Dragaud e Paulo Gustavo com base no monólogo teatral criado por este último, Minha Mãe é uma Peça apresenta Dona Hermínia como uma mulher de meia idade divorciada, falante e debochada que, depois de ser insultada pelos filhos, os jovens adultos Marcelina (Mariana Xavier) e Juliano (Rodrigo Pandolfo), decide sair de casa sem avisos e se instalar na casa da Tia Zélia (Suelly Franco) por alguns dias. Enquanto os irmãos tentam descobrir o paradeiro da mãe e sobreviver sem o seu auxílio, a mulher desabafa suas dores com a tia, evocando casos do passado.

E é justamente aí que reside o maior problema de Minha Mãe é uma Peça: oriundo de um espetáculo teatral centrado unicamente na personagem de Paulo Gustavo, o roteiro se prende a um esboço miserável de história para exibir recortes isolados e independentes da vida daquela família, o que faz os vários flashbacks soarem como meras esquetes. Assim, os prováveis comentários do texto original de Gustavo sobre temas do cotidiano são inseridos ou transformados em pequenos eventos - como a reunião de condomínio, que destaca e brinca com os males e as dificuldades de se viver em comunidade sem avançar um milímetro sequer no arco geral da narrativa. Além disso, o roteiro raramente aborda os contratempos domésticos enfrentados por Marcelina e Juliano na ausência da mãe, o que praticamente anula o impacto de seu afastamento.

Nesse sentido, é no mínimo curioso que o roteiro pareça exibir uma estranha autoconsciência da precariedade da própria estrutura, especificamente no momento em que Tia Zélia aponta que, enquanto contava os casos, a sobrinha "abriu uma porção de parênteses e não fechou nenhum". Como se não bastasse, vários personagens revelam-se completamente dispensáveis (como a vizinha com problemas intestinais ou o casal viciado em karaokê), protagonizando gags descartáveis que denunciam a falta de cuidado dos roteiristas com a construção da trama - sem mencionar, é claro, os clichês que promovem as pequenas viradas da narrativa, como o telefone que não desliga ao final de uma ligação e expõe os comentários maldosos de um dos interlocutores ou a transmissão ao vivo de um programa de TV, que acaba promovendo um encontro entre personagens. Para completar, o filme exibe notáveis problemas de ritmo no terceiro ato: mesmo depois que o conflito central já foi resolvido, subsequentes passagens de tempos abrem espaço para esquetes despropositadas e relativamente demoradas (como a discussão entre as personagens de Ingrid Guimarães e Samantha Schmütz) que conseguem a proeza de fazer um filme de pouco mais de oitenta minutos se alongar além do necessário.

Paulo Gustavo em MINHA MÃE É UMA PEÇA - O FILME

Estreando na direção de longas, André Pellenz faz o que pode para contornar o formato teatral da obra e transformá-la em uma produção cinematográfica decente - e é incômodo apontar como demérito da direção, por exemplo, a péssima construção da morte de determinado personagem, já que o evento foge completamente do tom da narrativa, exibe importância ínfima para o arco dramático do longa e dificilmente seria melhor trabalhado por outro diretor. Enquanto isso, os departamentos de maquiagem e o figurino merecem nota pelos esforços de omitir os traços mais notáveis da anatomia masculina de Paulo Gustavo sem, contudo, ignorar a natureza caricata da personagem.

O que naturalmente nos leva àquele que, certamente, é o maior responsável pelo pequenos sucessos da comédia. Investindo em um tom de voz histérico e muitas vezes pouco agradável aos ouvidos, Paulo Gustavo transforma a protagonista em uma mulher dramática, agitada e mandona que chama a atenção pelo humor debochado e depreciativo - e grande parte da graça do longa reside justamente nas constantes trocas de alfinetadas entre todos os personagens. Entretanto, o trabalho do ator seria gravemente comprometido caso os intérpretes de Juliano e Marcelina não estivem em perfeita sintonia - e o entrosamento de Gustavo com Rodrigo Pandolfo e, especialmente, Mariana Xavier é digno de aplausos e contribui ativamente para a graça do filme. Finalmente, Dona Hermínia seria apenas mais uma caricatura louca caso não fosse perfeitamente possível identificar, por trás de sua impetuosidade, a preocupação com a felicidade dos filhos e um genuíno amor maternal - e além dos acertos mais marcantes do roteiro (como a cena em que Marcelina é insultada por uma desconhecida no supermercado e Hermínia defende vigorosamente a filha, segundos depois de insultá-la pelos mesmos motivos), o mérito recai sob Paulo Gustavo e sua capacidade admirável de evocar a natureza emotiva da personagem.

Exibindo um inexplicável conservadorismo ao desviar descaradamente o foco de um beijo gay e exagerando na carga de humor extraída de estereótipos (grande parte das piadas derivam da obesidade da filha e da homossexualidade do filho), Minha Mãe é uma Peça - O Filme é uma produção cujos poucos esmeros cinematográficos são compensados pelo válido pretexto de levar o maravilhoso, afiado e hilário trabalho de Paulo Gustavo ao conhecimento do maior número possível de pessoas.

Paulo Gustavo em MINHA MÃE É UMA PEÇA - O FILME