
★★★
Minha Mãe é Uma Peça - O Filme, Brasil, 2013 | Duração: 1h24m14s | Lançado no Brasil em 21 de junho de 2013, nos cinemas | Baseado na peça de Paulo Gustavo. Roteiro de Paulo Gustavo e Fil Braz, com a colaboração de Rafael Dragaud | Digirido por André Pellenz | Com Paulo Gustavo, Mariana Xavier, Rodrigo Pandolfo, Suelly Franco, Herson Capri, Ingrid Guimarães, Alexandra Richter, Bruno Bebianno, Samatha Schmütz, Guida Vianna, Jefferson Shroerder, Mônica Martelli, Malu Valle.
Na abertura de Minha Mãe é uma Peça - O Filme, somos informados por uma narração em off que estamos prestes a acompanhar a história de uma família como outra qualquer. Oitenta minutos mais tarde, quando um vídeo amador de Dona Déa (mãe e inspiração de Paulo Gustavo) surge no início dos créditos finais e as semelhanças com a caricata protagonista ficam evidentes, a fala inicial do narrador ganha novos contornos: embora a família de Dona Hermínia (Paulo Gustavo) não seja nada convencional, o espírito materno absolutamente legítimo da personagem e sua surpreendente semelhança com uma figura real conferem aos altos e baixos do relacionamento entre mãe e filhos um caráter universal, que torna a divertidíssima comédia menos problemática.
Escrito por Fil Braz, Rafael Dragaud e Paulo Gustavo com base no monólogo teatral criado por este último, Minha Mãe é uma Peça apresenta Dona Hermínia como uma mulher de meia idade divorciada, falante e debochada que, depois de ser insultada pelos filhos, os jovens adultos Marcelina (Mariana Xavier) e Juliano (Rodrigo Pandolfo), decide sair de casa sem avisos e se instalar na casa da Tia Zélia (Suelly Franco) por alguns dias. Enquanto os irmãos tentam descobrir o paradeiro da mãe e sobreviver sem o seu auxílio, a mulher desabafa suas dores com a tia, evocando casos do passado.
E é justamente aí que reside o maior problema de Minha Mãe é uma Peça: oriundo de um espetáculo teatral centrado unicamente na personagem de Paulo Gustavo, o roteiro se prende a um esboço miserável de história para exibir recortes isolados e independentes da vida daquela família, o que faz os vários flashbacks soarem como meras esquetes. Assim, os prováveis comentários do texto original de Gustavo sobre temas do cotidiano são inseridos ou transformados em pequenos eventos - como a reunião de condomínio, que destaca e brinca com os males e as dificuldades de se viver em comunidade sem avançar um milímetro sequer no arco geral da narrativa. Além disso, o roteiro raramente aborda os contratempos domésticos enfrentados por Marcelina e Juliano na ausência da mãe, o que praticamente anula o impacto de seu afastamento.
Nesse sentido, é no mínimo curioso que o roteiro pareça exibir uma estranha autoconsciência da precariedade da própria estrutura, especificamente no momento em que Tia Zélia aponta que, enquanto contava os casos, a sobrinha "abriu uma porção de parênteses e não fechou nenhum". Como se não bastasse, vários personagens revelam-se completamente dispensáveis (como a vizinha com problemas intestinais ou o casal viciado em karaokê), protagonizando gags descartáveis que denunciam a falta de cuidado dos roteiristas com a construção da trama - sem mencionar, é claro, os clichês que promovem as pequenas viradas da narrativa, como o telefone que não desliga ao final de uma ligação e expõe os comentários maldosos de um dos interlocutores ou a transmissão ao vivo de um programa de TV, que acaba promovendo um encontro entre personagens. Para completar, o filme exibe notáveis problemas de ritmo no terceiro ato: mesmo depois que o conflito central já foi resolvido, subsequentes passagens de tempos abrem espaço para esquetes despropositadas e relativamente demoradas (como a discussão entre as personagens de Ingrid Guimarães e Samantha Schmütz) que conseguem a proeza de fazer um filme de pouco mais de oitenta minutos se alongar além do necessário.

Estreando na direção de longas, André Pellenz faz o que pode para contornar o formato teatral da obra e transformá-la em uma produção cinematográfica decente - e é incômodo apontar como demérito da direção, por exemplo, a péssima construção da morte de determinado personagem, já que o evento foge completamente do tom da narrativa, exibe importância ínfima para o arco dramático do longa e dificilmente seria melhor trabalhado por outro diretor. Enquanto isso, os departamentos de maquiagem e o figurino merecem nota pelos esforços de omitir os traços mais notáveis da anatomia masculina de Paulo Gustavo sem, contudo, ignorar a natureza caricata da personagem.
O que naturalmente nos leva àquele que, certamente, é o maior responsável pelo pequenos sucessos da comédia. Investindo em um tom de voz histérico e muitas vezes pouco agradável aos ouvidos, Paulo Gustavo transforma a protagonista em uma mulher dramática, agitada e mandona que chama a atenção pelo humor debochado e depreciativo - e grande parte da graça do longa reside justamente nas constantes trocas de alfinetadas entre todos os personagens. Entretanto, o trabalho do ator seria gravemente comprometido caso os intérpretes de Juliano e Marcelina não estivem em perfeita sintonia - e o entrosamento de Gustavo com Rodrigo Pandolfo e, especialmente, Mariana Xavier é digno de aplausos e contribui ativamente para a graça do filme. Finalmente, Dona Hermínia seria apenas mais uma caricatura louca caso não fosse perfeitamente possível identificar, por trás de sua impetuosidade, a preocupação com a felicidade dos filhos e um genuíno amor maternal - e além dos acertos mais marcantes do roteiro (como a cena em que Marcelina é insultada por uma desconhecida no supermercado e Hermínia defende vigorosamente a filha, segundos depois de insultá-la pelos mesmos motivos), o mérito recai sob Paulo Gustavo e sua capacidade admirável de evocar a natureza emotiva da personagem.
Exibindo um inexplicável conservadorismo ao desviar descaradamente o foco de um beijo gay e exagerando na carga de humor extraída de estereótipos (grande parte das piadas derivam da obesidade da filha e da homossexualidade do filho), Minha Mãe é uma Peça - O Filme é uma produção cujos poucos esmeros cinematográficos são compensados pelo válido pretexto de levar o maravilhoso, afiado e hilário trabalho de Paulo Gustavo ao conhecimento do maior número possível de pessoas.
