
por Eduardo Monteiro





Before Midnight, EUA, 2013 | Duração: 1h48m34s | Lançado no Brasil em 14 de Junho de 2013, nos cinemas | Baseado nos personagens de Richard Linklater & Kim Krizan. Escrito por Richard Linklater & Julie Delpy & Ethan Hawke | Dirigido por Richard Linklater | Com Ethan Hawke, Julie Delpy, Seamus Davey-Fitzpatrick, Jennifer Prior, Charlotte Prior, Walter Lassally, Xenia Kalogeropoulou, Athina Rachel Tsangari, Panos Koronis, Ariane Labed, Yiannis Papadopoulos.
Não cabe a Antes do Amanhecer esclarecer se, seis meses depois de se conhecerem em um trem em Viena e passarem uma noite juntos na cidade, Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) se reencontraram naquele mesmo local, conforme combinado às vésperas do desfecho; a incerteza que se instaura na mente do espectador é um claro reflexo do sentimento dos próprios personagens, que são obrigados a seguir em direções opostas sem qualquer conhecimento das surpresas que o futuro lhes reserva. Nove anos mais tarde, Richard Linklater e Kim Krizan se propuseram a reunir os personagens em Antes do Pôr-do-Sol e, não só tiveram que fornecer respostas para as lacunas deixadas pelo filme anterior, como também as transformaram na base para reflexões sobre frustração amorosa, além de se aprofundarem na natureza da fagulha acesa no longínquo primeiro encontro dos personagens. Naturalmente, também não cabia ao filme de 2004 deixar claro se aquela tarde em Paris terminaria ou não com Jesse embarcando no avião que o afastaria novamente de Celine, o que abria espaço para que o público pudesse exercitar a imaginação e tirar suas próprias conclusões.
Mais nove anos se passaram e, por baixo dos panos (a produção do filme só foi confirmada após o encerramento da filmagens), Linklater, Hawke e Delpy uniram forças novamente para produzir este maravilhoso Antes da Meia-Noite, cuja obrigação de amarrar as pontas soltas do antecessor conduz o casal principal a um contexto que fomenta toda uma gama de novos temas (e encerre a leitura por aqui caso uma grande carga de revelações te incomode). Escrito em conjunto pelo diretor e pela dupla de atores, o filme traz Jesse como um pai coruja que, durante um veraneio na Grécia, precisa despachar o filho pré-adolescente Hank (Seamus Davey-Fitzpatrick) de volta para os cuidados de sua então ex-esposa - e, logo em seguida, o longa mostra de forma extremamente elegante que o encontro de 2004 gerou bons frutos: agora, Jesse e Celine são oficialmente um casal, além de pais das jovens gêmeas Ella e Nina (Jennifer e Charlotte Prior). Dessa forma, a tradicionalmente rica conversação entre os personagens agora passa a refletir os vários anos de relacionamento, suas diversas implicações e o peso da idade de ambos.
Mais uma vez, a riqueza e a naturalidade dos diálogos concebidos pelos roteiristas chamam a atenção, embora eventuais, inesperadas e inéditas artificialidades surjam em determinadas ocasiões: as circunstâncias posteriores ao desfecho do encontro em Paris, a motivação para estarem na Grécia e até mesmo um resumo dos fatos determinantes da trajetória do casal são expressos em falas que nem sempre parecem necessárias em seus contextos - como, por exemplo, na ocasião em que o casal parece entrar em uma pequena e antiga igreja apenas para ter a chance de contar ao público alguns detalhes de seu próprio casamento. Da mesma forma, a dinâmica de um diálogo entre vários personagens em torno de uma mesa é levemente falha: as constantes alterações do foco da conversa e as necessárias mudanças de posicionamento da câmera (resultando, naturalmente, em erros de continuísmo - perdoáveis, é claro) despertam a recordação de que toda aquela cena foi rigorosamente ensaiada, comprometendo em pequeno grau sua eficácia.

Esse pequenos tropeços, entretanto, são facilmente superados pelo excelente trabalho de Ethan Hawke, Julie Delpy e Richard Linklater no restante do tempo. O impecável e longuíssimo plano que acompanha o casal e as filhas voltando do aeroporto, por exemplo, é um espetáculo à parte: obviamente repleto de improvisos, o diálogo consegue não só apresentar ao público a dinâmica de Jesse e Celine como um casal, através da contagem de casos corriqueiros ou da forma como lidam com as gêmeas, como também plantar a semente da discórdia que germinará no terceiro ato - e repare ainda como Delpy confere constantemente o sono das filhas (especialmente quando estas se mexem), mesmo sabendo que as atrizes mirins foram orientadas a não acordar antes de determinada altura da cena. Além disso, Antes da Meia-Noite é também o mais divertido da trilogia, fruto tanto da química invejável da dupla de atores quanto do texto inspirado (a cena em que Julie Delpy encarna uma "vadia burra" é absolutamente hilária).
No entanto, as melhores reflexões propostas por Antes da Meia-Noite são aquelas relacionadas ao momento particular das vidas de Jesse e Celine, que certamente se diferem das questões levantadas nove ou dezoito anos antes. Antes de mais nada, é curioso testemunhar os personagens reféns de novas tecnologias - e a simples menção da importância do Skype no relacionamento do jovem casal vivido por Ariane Labed e Yiannis Papadopoulos inevitavelmente nos leva a imaginar como a trajetória do casal principal teria sido afetada caso ferramentas como essa fossem comuns em meados da década de 90. Além disso, os quarenta e poucos anos que os personagens carregam nas costas transformam a velhice e a efemeridade da vida em assuntos recorrentes nos diálogos - e pouco depois de discutirem a imprevisibilidade dos anos que ainda os aguardam, Jesse e Celine são vistos observando o pôr-do-sol, evento emblemático em sua inevitabilidade.
Para completar, os personagens de Ethan Hawke e Julie Delpy se estabelecem de vez como figurais absolutamente reais e tridimensionais quando um leve desentendimento evolui para uma discussão fervorosa: repletos de opiniões próprias, frustrações e sentimentos que até então ocultavam pelo bem da relação, Jesse e Celine se veem rodeados por dilemas cuja complexidade demanda séries e mais séries de ponderações e concessões por ambas as partes - e em um embate em que posicionamentos fortes e distintos estão sujeitos a toda a sorte de aspectos subjetivos, o percurso rumo ao consenso é invariavelmente árduo, senão impraticável.
E é a crueza de momentos como este que faz de Antes da Meia-Noite o encerramento fascinante de uma trilogia idem - e a julgar pela competência de Linklater, Hawke e Delpy de readaptar o formato da série para cada nova etapa da vida de Jesse e Celine, mal posso esperar para reencontrá-los na próxima década.
