
Você provavelmente já assistiu a pelo menos uma dúzia de filmes muito parecidos com Inimigos de Sangue: trama conspiratória, reviravoltas que alteram nossa percepção sobre certos personagens, protagonista perturbado por eventos do passado e antagonista interpretado por Mark Strong são apenas alguns dos ingredientes que transformam o segundo longa do cineasta Eran Creevy em uma obra, a primeira vista, indigna de interesse. Entretanto, o filme chama atenção não só pela abordagem suficientemente cativante do diretor, mas também pelo desempenho absolutamente satisfatório do excelente James McAvoy e por trazer Mark Strong interpretando possivelmente o vilão menos aborrecido de sua carreira vilanesca.
Na história, Max Lewinsky (James McAvoy) é um policial obstinado que, agindo por conta própria, leva um tiro no joelho e deixa o badalado assaltante Jacob Sternwood (Mark Strong) escapar durante uma operação de captura. Anos mais tarde, o criminoso abandona o exílio e retorna à cidade para tentar ajudar o filho Ruan (Elyes Gabel) a se livrar de enrascadas oriundas de negócios ilícitos que, não coincidentemente, são investigados pela equipe de que Lewinsky faz parte. Não demora muito para que Jacob e Max fiquem frente a frente - mas as circunstâncias inusitadas do encontro alteram radicalmente a dinâmica entre os dois.
Produzido por Ridley Scott, Inimigos de Sangue exprime a amargura de Max e a corrupção daquele universo mergulhando os cenários e as locações londrinas em sombras e tons intensos de azul, numa estratégia pouco imaginativa do diretor de fotografia Ed Wild. Ainda nesse sentido, os figurinos de Natalie Ward apostam em cores homogeneamente fechadas e sem vida - algo quebrado na ocasião em que a trama foge dos cenários habituais e visita a casa de uma idosa, quando as roupas da senhora refletem sua completa distinção dos demais presentes. E como mencionei essa cena, vale apontar que Creevy encontra uma solução eficiente para encerrá-la: rodar o tiroteio em câmera lenta gera uma tensão bastante superior e permite que a breve ação renda mais tempo de tela. Desculpando sua fixação com os cantos dos quadros (não raramente, os personagens são relegados às extremidades), é justo afirmar que o diretor conduz a narrativa com segurança, amarrando bem as pontas e despertando interesse suficiente para estimular o espectador a relevar, por exemplo, grandes tiroteios em que ninguém é atingido ou o desenvolvimento convencional dos personagens.
Entretanto, James McAvoy (Em Transe) consegue o feito admirável de evitar que a obsessão de Max pelos eventos que abrem o filme (e redefiniram sua carreira de policial) se torne uma fixação patética. Mais que isso, o ator consegue conferir uma surpreendente profundidade ao personagem, que surge como um sujeito íntegro e amargurado (e de andar manco, um detalhe certeiro de sua composição) que acaba tendo sua vida pessoal sistematicamente penalizada pela dedicação cega ao trabalho. Já Mark Strong, vivendo o milionésimo antagonista de sua carreira, consegue, como já mencionado, dar contornos surpreendentemente interessantes a Sternwood: distante dos tipos vilanescos que encarnou em Kick-Ass - Quebranto Tudo, Sherlock Holmes ou John Carter: Entre Dois Mundos, o bandido revela sua fragilidade na ocasião da morte do filho e exibe, dentro de certos limites, uma inteligência curiosa - e a relação com Lewinsky, embora percorra trilhas relativamente convencionais, funciona graças ao talento dos atores.
Lançado no Brasil diretamente em home video, Inimigos de Sangue prova que até mesmo filmes derivativos podem se transformar em peças interessantes nas mãos de uma equipe competente. Quem dera se todos tivessem uma qualidade equivalente à deste.



Welcome to the Punch, Reino Unido/EUA, 2013 | Escrito por Eran Creevy | Dirigido por Eran Creevy | Com James McAvoy, Mark Strong, Andrea Riseborough, Peter Mullan, David Morrissey, Daniel Mays, Jason Flemyng, Johnny Harris, Elyes Gabel, Daniel Kaluuya.