22 de maio de 2013

Crítica | Terapia de Risco

Rooney Mara em TERAPIA DE RISCO (Side Effects)

por Eduardo Monteiro

Side Effects, EUA, 2013 | Duração: 1h43m39s | Lançado no Brasil em 17 de Maio de 2013, nos cinemas | Escrito por Scott Z. Burns | Dirigido por Steven Soderbergh | Com Jude Law, Rooney Mara, Catherine Zeta-Jones, Channing Tatum, Vinessa Shaw, David Costabile, Sheila Tapia, Michael Nathanson, Polly Draper.

Pôster nacional e crítica de TERAPIA DE RISCO (Side Effects)
Quanto menos se sabe sobre um filme, maiores são as chances de que a experiência de assistir a ele seja marcada por surpresas agradáveis e positivas - especialmente se a obra for comandada por um diretor versátil e competente como Steven Soderbergh. Com essa filosofia cinéfila, fui conferir Terapia de Risco sem saber muito a respeito da produção e tive a chance de confirmar minha teoria: acabei sendo recompensado com um drama incômodo sobre depressão que, a certa altura, transfigura-se em um suspense conspiratório bem encorpado, que deixa apenas uma ou outra ponta mal amarrada. Felizmente, o trabalho de Soderbergh e do elenco é competente o suficiente para contornar os problemas pontuais do roteiro.

Escrito por Scott Z. Burns (Contágio), Terapia de Risco acompanha a jovem Emily (Rooney Mara) tentando reconstruir a vida ao lado do marido Martin (Channing Tatum), que acaba de sair da prisão. Antes tratada pela Dra. Victoria Siebert (Catherine Zeta-Jones), a garota passa a ter imprevisíveis recaídas depressivas e decide iniciar um tratamento com o Dr. Jonathan Banks (Jude Law). Depois que a maioria dos antidepressivos convencionais causam efeitos colaterais indesejáveis em Emily, Banks decide incluí-la no programa de teste de um novo medicamento: o Ablixia. Entretanto, o tratamento da mulher muda de rumo depois que uma tragédia leva o médico e a paciente aos tribunais e coloca a droga experimental em evidência na mídia.

Em seu primeiro papel após estourar em Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, Rooney Mara volta a se firmar como uma boa promessa, embora exiba claras limitações: a transgressão dos minutos finais da personagem é desempenhada com muito mais competência, por exemplo, do que a crise de ansiedade que a leva a interromper um momento de folga do Dr. Banks na companhia da mulher, Dierdre (Vinessa Shaw). Já Catherine Zeta-Jones (Um Bom Partido), em uma participação menor, exprime com competência a sisudez da personagem, conferindo-lhe ainda o caráter enigmático necessário para o papel. E enquanto Channing Tatum (10 Anos de Pura Amizade) lança mão de seu carisma habitual para encarnar o marido compreensível e paciente, Jude Law (Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras) ilustra com perfeição a progressão da agitação e da neurose de um sujeito antes calmo, controlado e centrado, fazendo valer sua escalação para o papel do protagonista.

Rooney Mara e Channing Tatum em TERAPIA DE RISCO (Side Effects)

Aliás, o fato de demorarmos para descobrir que Jonathan Banks é o real protagonista de Terapia de Risco é um dos acertos do filme: manter as atenções centradas em Emily na etapa inicial é essencial para introduzir o cenário e os fatos que serão investigados no restante da projeção, enquanto a mudança de foco para Banks não só revela-se suficientemente intuitiva, como também ocorre de forma bastante natural. Porém, os elogios não podem ser estendidos para as revelações finais (e não leia o restante deste parágrafo caso ainda não tenha assistido ao filme): é interessante que a teoria da conspiração levantada pelo personagem de Jude Law soe absurda em um primeiro momento, já que isto denota a forma cuidadosa e bem articulada como o esquema foi elaborado (isto é, a explicação é absurda demais pra ser aceita por autoridades, tornando-a relativamente imune a maiores investigações). Entretanto, a reviravolta requer algumas especificidades que Emily jamais exibe ou que são simplesmente difíceis de serem aceitas: a virada da narrativa se apoia totalmente no fato de que nunca questionamos ou duvidamos dos sentimentos da personagem pelo marido, de modo que o roteiro precisa nos convencer plenamente que estávamos errados ao acreditar cegamente naquela relação - e o faz de forma expositiva e duvidosa, já que a decepção de Emily com a prisão de Martin não é bem explicada e a relação da mulher com a Dra. Siebert soa arbitrária e forçada.

Apesar destes problemas, a narrativa de Terapia de Risco é instigante o suficiente para prender a atenção do espectador - mérito, sobretudo, do trabalho de Soderbergh. Embalado pela ótima e discreta trilha sonora de Thomas Newman, que confere uma atmosfera de apreensão e inquietação até mesmo a passagens supostamente ordinárias, o filme é beneficiado pela capacidade do diretor de extrair ótimos resultados de cenas simples, como aquela em que o personagem de Jude Law filtra todos os estímulos que o rondam para prestar atenção em uma notícia importante sendo transmitida pela TV. Além disso, o cineasta demonstra um cuidado notável com o trabalho de câmera e de composição de quadros: repare, por exemplo, como o Dr. Banks fica sutilmente acuado em seu próprio consultório durante o primeiro interrogatório, ao ser posicionado na porção esquerda do quadro e vulnerabilizado pelo ângulo alto da câmera e pelas amplas janelas ao fundo, enquanto o investigador surge sempre à direita (lado usualmente dominante), à frente de um trecho mais escuro do cenário e sendo mirado por um ângulo baixo que lhe confere certa imponência.

Promovido como o último filme comandado por Steven Soderbergh a ser lançado nos cinemas, Terapia de Risco é encerrado com desdobramentos catárticos que, embora bem construídos, não diminuem a lamentação pela suposta aposentadoria de um cineasta que certamente ainda teria muito a oferecer ao Cinema.

Jude Law e Catherine Zeta-Jones em TERAPIA DE RISCO (Side Effects)