14 de maio de 2013

Crítica | Reino Escondido

REINO ESCONDIDO

por Eduardo Monteiro

Epic, EUA, 2013 | Duração: 1h42m18s | Lançado no Brasil em 17 de Maio de 2013, nos cinemas | Homens-folha inspirados no livro "The Leaf Men and the Brave Good Bugs", de William Joyce. História de William Joyce & James V. Hart e Chris Wedge. Roteiro de James V. Hart & William Joyce e Dan Shere e Tom J. Astle & Matt Ember | Dirigido por Chris Wedge | Com as vozes de Amanda Seyfried, Colin Farrell, Josh Hutcherson, Christoph Waltz, Jason Sudeikis, Beyoncé Knowles, Chris O'Dowd, Aziz Ansari, Steven Tyler, Pitbull e Blake Anderson.

Pôster nacional e crítica de REINO ESCONDIDO (Epic)
Seis diferentes profissionais estiveram envolvidos diretamente na produção do roteiro de Reino Escondido. O que poderia significar um refinamento maior do texto, entretanto, acaba tornando-se um mau sinal: por que o roteiro precisou passar por tantas mãos? O que havia de errado com o primeiro tratamento? Os problemas foram sanados nas revisões ou simplesmente mascarados? Evidentemente, nenhum desses questionamentos seria necessário caso o novo longa de animação da Blue Sky fosse suficientemente interessante e original - o que, infelizmente, não é o caso.

Baseado nos personagens criados por William Joyce (A Origem dos Guardiões), o roteiro introduz a ideia de que o equilíbrio da natureza é mantido graças a uma luta silenciosa entre o bem e o mal, que talvez possa ser testemunhada observando-se com atenção alguma paisagem natural. Nesse contexto, somos apresentados à jovem Maria Catarina (Amanda Seyfried, de Os Miseráveis), que, meio a contragosto, acaba de seu mudar para a casa de seu pai, o professor Bomba (visivelmente inspirado na figura de Gary Oldman, mas dublado por Jason Sudeikis, de Os Candidatos), cuja pesquisa em torno da suposta civilização de minúsculos defensores da floresta se estende por longos anos (sem resultados), custou sua carreira e parte de sua sanidade. No entanto, M.C. - como a garota gosta de ser chamada - acaba envolvida no conflito entre os Homens-Folha e os malvados Boggans depois de ser encolhida pela Rainha Dara (Beyoncé Knowles, de Beyoncé: A Vida Não é Apenas um Sonho), que ainda lhe entrega, no leito de morte, um botão de flor contendo todo o poder necessário para manter a harmonia daquele ecossistema.

Aspirando uma atmosfera de fábula épica (como o título original - Epic - sugere), Reino Escondido tenta encobrir a inconsistência de seu universo e a precariedade de sua narrativa através de um design de produção absolutamente arrebatador - e chega perto de conseguir. A floresta concebida pela equipe é irrepreensível em sua biodiversidade e na riqueza de detalhes, surgindo igualmente admirável e ainda mais grandiosa quando vista pela ótica dos pequenos personagens. Além disso, a animação de todos os componentes do cenário e, principalmente, dos personagens é impecável - e a expressividade de M.C., em particular, chama atenção pela sutileza e pela abrangência de emoções. Para completar, os artistas não abrem mão de detalhes que possam contribuir para o desenvolvimento da narrativa ou dos personagens, como o mato alto no entorno da casa do professor Bomba, que ressalta seu abandono de tarefas não relacionadas à pesquisa, como jardinagem.

REINO ESCONDIDO (Epic)

Infelizmente, o universo proposto por Joyce e desenvolvido em conjunto pelo restante dos roteiristas não é cativante o suficiente do ponto de vista conceitual. Naturalmente, seria implicância questionar o alcance da influência dos poderes da Rainha sob os processos naturais - e, nesse sentido, é mais fácil supor que fotossíntese é um conceito inexistente ou secundário naquele mundo. Entretanto, a mensagem ecológica, além de dispersiva, é falha por colocar a decomposição como algo nocivo ao meio ambiente - e todos sabemos que o processo, na realidade, é imprescindível para o ciclo da vida e dos nutrientes. Sim, até essa liberdade artística seria admissível caso as motivações dos Boggans tivessem algum frescor, o que não é o caso: as ações maléficas do líder Mandrake (Christoph Waltz, de Django Livre) justificam e são justificadas por seu posto de vilão, e isso parece ser o bastante para os roteiristas. Por fim, a negligência com alguns erros absurdos de lógica é lamentável: embora a diferença de velocidade entre os mundos seja bastante trabalhada ao longo da projeção, a ideia acaba sendo mal utilizada bem nos segundos finais do longa, quando um aparelho de telecomunicação permite que humanos e Homens-Folhas conversem na mesma velocidade - o que não faz o menor sentido, já que, embora seja possível diminuir a rapidez das falas ágeis dos pequeninos, é impossível acelerar, em tempo real, o que é dito lentamente pelos humanos.

Excessivamente maniqueísta, a trama de Reino Escondido ainda decepciona pela arbitrariedade: todo o conflito é baseado em conceitos inéditos, fantasiosos, frágeis e exclusivos daquele mundo - e a luta pela preservação do tal botão mágico jamais recebe um tratamento que consiga desenvolver de forma satisfatória temas como honra, altruísmo e outras virtudes que o gênero adora abraçar. Ainda nesse sentido, se a existência de "anéis do conhecimento" - câmaras no interior de tronco de árvores, repletas de pergaminhos que oferecem respostas para praticamente tudo - já não fosse arbitrária e irritante o suficiente, somos obrigados a ouvir os personagens explicando repetidas vezes a natureza mítica daquele local, fazendo pouco caso da inteligência do público. E o que dizer da segurança absurdamente precária dos Homens-Folha, evidenciada pela decisão do calejado Simon (Colin Farrell, de Sete Psicopatas e um Shih Tzu) de atribuir ao inexperiente e imaturo Nod (Josh Hutcherson, de Amanhecer Violento) a tarefa de cuidar, sozinho, da segurança do botão mágico em um momento de evidente vulnerabilidade?

E o interesse despertado pela galeria de personagens não fica muito atrás daquele referente à trama: M.C. é uma garota apenas simpática que se vê obrigada a permanecer no mundo diminuto dos Homens-Folha graças a (adivinhem!) mais um conceito arbitrário bolado pelos roteiristas - e é evidente que a decisão foi tomada levando em conta que, na forma humana, a garota seria capaz de oferecer uma contribuição muito mais efetiva ao grande conflito que norteia a narrativa. Já Nod é o típico jovem órfão, rebelde e insubordinado que precisa provar seu valor e acaba assumindo a posição de interesse amoroso da protagonista por pura inércia - mas o vácuo de personalidade do rapaz impede que nos afeiçoemos por ele. E enquanto o honrado guerreiro Simon recebe uma atenção muito aquém do potencial do personagem, a lesma e o caracol Mub (Aziz Ansari) e Grub (Chris O'Dowd, de Missão Madrinha de Casamento) surgem em um esforço constante de arrancar risadas do espectador, alcançando o objetivo em raras ocasiões - como aquela em que discriminam seres humanos por terem os olhos cravados na cabeça. Fechando o peculiar elenco, o rapper Pitbull emprega um tom incompatível a um personagem descartável, ao passo que o guru-lagarta Nim Galuu recebe a voz apropriadamente rouca e enérgica do vocalista do Aerosmith, Steven Tyler.

Simulando lentes grande-angulares para conferir um certeiro desconforto a uma narrativa obrigada a alternar constantemente entre mundos de proporções e velocidades distintas, Reino Escondido é um passatempo inócuo cujo grande pecado é justamente esse: ser inofensivo demais. Contanto que os produtores não inventem de dedicar um longa-metragem inteiro à dupla de gastrópodes engraçadinhos, creio que este lançamento não seja tão prejudicial assim.

REINO ESCONDIDO (Epic)