
por Eduardo Monteiro


Iron Man 3, EUA/China, 2013 | Duração: 2h10m19s | Lançado no Brasil em 26 de Abril de 2013, nos cinemas | Baseado nos quadrinhos de Stan Lee, Don Heck, Larry Lieber e Jack Kirby. Roteiro de Drew Pearce & Shane Black | Dirigido por Shane Black | Com Robert Downey Jr., Gwyneth Paltrow, Guy Pearce, Don Cheadle, Rebecca Hall, Ben Kingsley, Jon Favreau, Stephanie Szostak, James Badge Dale, Ty Simpkins, William Sadler e a voz de Paul Bettany.
Não há princípio de suspensão da descrença que forneça uma resposta aceitável a esta pergunta. Depois de três filmes, conseguimos aceitar com relativa facilidade, por exemplo, que um homem dependa de um reator autossuficiente cravado no peito para sobreviver e consiga, sozinho, desenvolver variados trajes metálicos de altíssima tecnologia; que Nova York foi invadida e parcialmente destruída por alienígenas; ou ainda, esgotando nossas concessões, que pesquisas científicas sobre regeneração corporal resultaram em um cruzamento ilógico e mal explicado do Wolverine com o Pyro. O que não dá pra entender, por outro lado, é por que cargas d'água o personagem de Downey Jr. guarda uma providencial carta na manga por tanto tempo, adiando a solução de seus problemas e colocando dezenas de vidas em risco.
Chupando elementos de X-Men e Os Incríveis, o roteiro de Drew Pearce (Círculo de Fogo) e do normalmente eficiente Shane Black (criador de Máquina Mortífera) até tenta justificar a ausência dos Vingadores, investindo em mais um conflito essencialmente pessoal germinado no passado de Tony Stark (algo que Homem de Ferro 2 já havia explorado) e em seu retiro forçado, que deixa o personagem incomunicável e tecnologicamente desamparado. Mais de uma década após ser esnobado pelo protagonista, o antes nerd e desajeitado Aldrich Killian (Guy Pearce) ressurge como um homem charmoso, misterioso e bem sucedido com uma grande proposta de negócio para as empresas Stark - e, coincidência ou não, uma nova rejeição ocorre em meio aos sucessivos atentados do terrorista Mandarim (Ben Kingsley), que promete ensinar à América algumas lições e cujo principal alvo dá nome ao filme.

Jamais fazendo jus à atmosfera de romance de mistério que aparentemente deseja assumir (algo que Black fez com maestria e doses cavalares de metalinguagem no excepcional Beijos e Tiros), Homem de Ferro 3 introduz enormes avanços tecnológicos em relação aos filmes anteriores: enquanto Stark aperfeiçoa sua quadragésima segunda armadura, descobrimos que a união das várias peças do traje metálico ocorre com maior dinamismo e rapidez, que a montagem pode ser ordenada pelo personagem através de movimentos corporais (graças a sensores subcutâneos) e, mais surpreendente ainda, que o equipamento sequer necessita de um humano em seu interior, em virtude da inclusão de um sistema de controle remoto. Embora lógicos, esses incrementos diminuem o caráter heroico do personagem-título - e a ótima sequência em que a precisão do desempenho da armadura remotamente controlada salva uma dúzia de vidas em uma situação de altíssimo risco é uma prova definitiva de que, dali em diante, Tony Stark pode perfeitamente salvar o mundo do conforto do próprio sofá (sem mencionar, é claro, o uso indiscriminado de hologramas, que agora são capazes de recriar até mesmo uma elaborada cena de crime, evitando que o personagem tenha que se deslocar até o cenário). Assim, para tornar plausíveis os contratempos de Stark, o roteiro é praticamente obrigado a afastá-lo de seu arsenal, deixando-o sujeito à inconstância do danificado e defeituoso Mark 42.
Ao privar o protagonista do maquinário que define o cultuado herói, os roteiristas ganham a chance de desenvolver o indivíduo por trás do Homem de Ferro a partir de suas fragilidades, mas a desperdiçam miseravelmente. As crises de ansiedade de Tony Stark são os esforços máximos de Pearce e Black para transformá-lo em uma figura complexa - mas a realidade é que, a julgar por sua entrada triunfal no esconderijo do Mandarim, Stark poderia perfeitamente abandonar os Vingadores e ingressar no MI6 (e quero acreditar que o "Tony Stark irá retornar", que surge no final dos créditos em uma referência clara e inédita à franquia 007, é apenas uma coincidência). Além disso, a dinâmica entre o playboy e o garoto Harley (Ty Simpkins) é forçada e parece inserida apenas para dar vazão às demandas cômicas da produção - e embora o humor funcione bem neste núcleo, é bastante regular no restante da projeção.
Para completar, é uma tarefa complicada e exaustiva estabelecer relações naturais de causa e consequência entre as motivações do vilão e seu plano megalomaníaco - e, do emaranhado de idas e vindas da trama, salva-se a desconstrução (especialmente curiosa para fãs dos quadrinhos) de determinado personagem, que, apesar de algumas pontas deixadas soltas, cria boas oportunidades para seu intérprete. Por fim, a pesquisa científica que fornece o pano de fundo para o conflito central parece moldar a abrangência das alterações genéticas às necessidades do roteiro e transforma suas cobaias em repositórios de efeitos colaterais: além de propiciar a regeneração de membros e a pirofagia (sim, a formidável habilidade de cuspir fogo!), o princípio ativo também é capaz de alterar a psicologia de seus usuários (como explicar o comportamento vilanesco dos ex-combatentes?) e aprimorar suas capacidades físicas?
Fomentando o mercado de brinquedos com uma ampla e inédita variedade de armaduras e utilizando isoladamente uma narração em off cujo fundamento só é revelado na cena extra após os créditos finais (ressaltando que - por mais óbvio que isto possa soar - um filme só acaba quando termina), Homem de Ferro 3 é um longa cuja precariedade narrativa e dramática é evocada pela necessidade de se recorrer, por exemplo, ao velho clichê da mocinha feita refém no ato final ou, pior ainda, às expectativas pérfidas criadas por mortes farsescas - que, aqui, surgem nada menos que três vezes. Pode parecer inapropriado criticar clichês e utilizar um logo em seguida, mas o aparente desapego e o desvinculamento de Tony Stark da figura do Homem de Ferro (meia dúzia de personagens diferentes são vistos usando as armaduras durante o longa) e o descaso dos realizadores desta terceira aventura solo apontam para uma constatação frustrante: a franquia do herói de traje metálico parece mesmo ter enferrujado.
