1 de maio de 2013

Crítica | Homem de Ferro 3

Robert Downey Jr. em HOMEM DE FERRO 3 (Iron Man 3)

por Eduardo Monteiro

Iron Man 3, EUA/China, 2013 | Duração: 2h10m19s | Lançado no Brasil em 26 de Abril de 2013, nos cinemas | Baseado nos quadrinhos de Stan Lee, Don Heck, Larry Lieber e Jack Kirby. Roteiro de Drew Pearce & Shane Black | Dirigido por Shane Black | Com Robert Downey Jr., Gwyneth Paltrow, Guy Pearce, Don Cheadle, Rebecca Hall, Ben Kingsley, Jon Favreau, Stephanie Szostak, James Badge Dale, Ty Simpkins, William Sadler e a voz de Paul Bettany.

Pôster nacional e crítica de HOMEM DE FERRO 3 (Iron Man 3)
Onde estão Thor, Capitão América, Hulk, Viúva Negra e Gavião Arqueiro quando Tony Stark (Robert Downey Jr., de Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras) se depara com a morte em Homem de Ferro 3? A questão, espontânea e inevitável, pode parecer ligeiramente precipitada se considerarmos que o deus do trovão e o primeiro Vingador ainda estrelarão suas próprias aventuras antes da próxima reunião, na aguardada sequência de Os Vingadores. Entretanto, supondo que todos aqueles heróis estão ocupados com seus próprios conflitos em simultaneidade com os eventos de Homem de Ferro 3, a pergunta que abre este texto pode ser descartada e substituída por uma nova (de entendimento exclusivo de quem já assistiu ao filme), mantendo o mesmo nível de incredulidade: por que diabos Stark demora tanto para ativar o protocolo Festa de Arromba?

Não há princípio de suspensão da descrença que forneça uma resposta aceitável a esta pergunta. Depois de três filmes, conseguimos aceitar com relativa facilidade, por exemplo, que um homem dependa de um reator autossuficiente cravado no peito para sobreviver e consiga, sozinho, desenvolver variados trajes metálicos de altíssima tecnologia; que Nova York foi invadida e parcialmente destruída por alienígenas; ou ainda, esgotando nossas concessões, que pesquisas científicas sobre regeneração corporal resultaram em um cruzamento ilógico e mal explicado do Wolverine com o Pyro. O que não dá pra entender, por outro lado, é por que cargas d'água o personagem de Downey Jr. guarda uma providencial carta na manga por tanto tempo, adiando a solução de seus problemas e colocando dezenas de vidas em risco.

Chupando elementos de X-Men e Os Incríveis, o roteiro de Drew Pearce (Círculo de Fogo) e do normalmente eficiente Shane Black (criador de Máquina Mortífera) até tenta justificar a ausência dos Vingadores, investindo em mais um conflito essencialmente pessoal germinado no passado de Tony Stark (algo que Homem de Ferro 2 já havia explorado) e em seu retiro forçado, que deixa o personagem incomunicável e tecnologicamente desamparado. Mais de uma década após ser esnobado pelo protagonista, o antes nerd e desajeitado Aldrich Killian (Guy Pearce) ressurge como um homem charmoso, misterioso e bem sucedido com uma grande proposta de negócio para as empresas Stark - e, coincidência ou não, uma nova rejeição ocorre em meio aos sucessivos atentados do terrorista Mandarim (Ben Kingsley), que promete ensinar à América algumas lições e cujo principal alvo dá nome ao filme.

Robert Downey Jr. em HOMEM DE FERRO 3 (Iron Man 3)

Jamais fazendo jus à atmosfera de romance de mistério que aparentemente deseja assumir (algo que Black fez com maestria e doses cavalares de metalinguagem no excepcional Beijos e Tiros), Homem de Ferro 3 introduz enormes avanços tecnológicos em relação aos filmes anteriores: enquanto Stark aperfeiçoa sua quadragésima segunda armadura, descobrimos que a união das várias peças do traje metálico ocorre com maior dinamismo e rapidez, que a montagem pode ser ordenada pelo personagem através de movimentos corporais (graças a sensores subcutâneos) e, mais surpreendente ainda, que o equipamento sequer necessita de um humano em seu interior, em virtude da inclusão de um sistema de controle remoto. Embora lógicos, esses incrementos diminuem o caráter heroico do personagem-título - e a ótima sequência em que a precisão do desempenho da armadura remotamente controlada salva uma dúzia de vidas em uma situação de altíssimo risco é uma prova definitiva de que, dali em diante, Tony Stark pode perfeitamente salvar o mundo do conforto do próprio sofá (sem mencionar, é claro, o uso indiscriminado de hologramas, que agora são capazes de recriar até mesmo uma elaborada cena de crime, evitando que o personagem tenha que se deslocar até o cenário). Assim, para tornar plausíveis os contratempos de Stark, o roteiro é praticamente obrigado a afastá-lo de seu arsenal, deixando-o sujeito à inconstância do danificado e defeituoso Mark 42.

Ao privar o protagonista do maquinário que define o cultuado herói, os roteiristas ganham a chance de desenvolver o indivíduo por trás do Homem de Ferro a partir de suas fragilidades, mas a desperdiçam miseravelmente. As crises de ansiedade de Tony Stark são os esforços máximos de Pearce e Black para transformá-lo em uma figura complexa - mas a realidade é que, a julgar por sua entrada triunfal no esconderijo do Mandarim, Stark poderia perfeitamente abandonar os Vingadores e ingressar no MI6 (e quero acreditar que o "Tony Stark irá retornar", que surge no final dos créditos em uma referência clara e inédita à franquia 007, é apenas uma coincidência). Além disso, a dinâmica entre o playboy e o garoto Harley (Ty Simpkins) é forçada e parece inserida apenas para dar vazão às demandas cômicas da produção - e embora o humor funcione bem neste núcleo, é bastante regular no restante da projeção.

Para completar, é uma tarefa complicada e exaustiva estabelecer relações naturais de causa e consequência entre as motivações do vilão e seu plano megalomaníaco - e, do emaranhado de idas e vindas da trama, salva-se a desconstrução (especialmente curiosa para fãs dos quadrinhos) de determinado personagem, que, apesar de algumas pontas deixadas soltas, cria boas oportunidades para seu intérprete. Por fim, a pesquisa científica que fornece o pano de fundo para o conflito central parece moldar a abrangência das alterações genéticas às necessidades do roteiro e transforma suas cobaias em repositórios de efeitos colaterais: além de propiciar a regeneração de membros e a pirofagia (sim, a formidável habilidade de cuspir fogo!), o princípio ativo também é capaz de alterar a psicologia de seus usuários (como explicar o comportamento vilanesco dos ex-combatentes?) e aprimorar suas capacidades físicas?

Fomentando o mercado de brinquedos com uma ampla e inédita variedade de armaduras e utilizando isoladamente uma narração em off cujo fundamento só é revelado na cena extra após os créditos finais (ressaltando que - por mais óbvio que isto possa soar - um filme só acaba quando termina), Homem de Ferro 3 é um longa cuja precariedade narrativa e dramática é evocada pela necessidade de se recorrer, por exemplo, ao velho clichê da mocinha feita refém no ato final ou, pior ainda, às expectativas pérfidas criadas por mortes farsescas - que, aqui, surgem nada menos que três vezes. Pode parecer inapropriado criticar clichês e utilizar um logo em seguida, mas o aparente desapego e o desvinculamento de Tony Stark da figura do Homem de Ferro (meia dúzia de personagens diferentes são vistos usando as armaduras durante o longa) e o descaso dos realizadores desta terceira aventura solo apontam para uma constatação frustrante: a franquia do herói de traje metálico parece mesmo ter enferrujado.

Gwyneth Paltron em HOMEM DE FERRO 3 (Iron Man 3)