
por Eduardo Monteiro




Faroeste Caboclo, Brasil, 2013 | Duração: 1h45m27s | Lançado no Brasil em 30 de Maio de 2013, nos cinemas | Inspirado na música de Renato Russo. Roteiro de Marcos Bernstein e Victor Atherino com a colaboração de Michel Melamed e consultoria de Bráulio Mantovani, Cristiano Bortoni, José Eduardo Belmonte. Primeira versão por Paulo Lins | Dirigido por René Sampaio | Com Fabrício Boliveira, Isis Valverde, Felipe Abib, Antonio Calloni, César Troncoso, Marcos Paulo, Rodrigo Pandolfo, Juliana Lohmann, Flávio Bauraqui, Leonardo Rosa, Tulio Starling, Romulo Augusto, Andrade Junior, Harildo Deda, Lica Oliveira, Cinara Leal, Caco Monteiro.
Dirigido pelo estreante René Sampaio, Faroeste Caboclo acompanha o miserável João de Santo Cristo (Fabrício Boliveira) tentando se estabelecer na capital nacional após uma estadia na prisão e uma infância sofrida no nordeste. Graças à sua malícia e à aptidão com armas de fogo, o personagem se envolve em algumas atividades ilegais de um primo distante, o peruano Pablo (César Troncoso), e, durante uma de suas fugas das autoridades, acaba conhecendo acidentalmente a estudante de arquitetura e filha de senador Maria Lúcia (Isis Valverde), por quem logo se apaixona. Inconformado com a própria pobreza e a falta de progresso, João decide começar a plantar e vender um tipo de maconha cuja notável qualidade torna o negócio próspero e rentável - o que rapidamente atinge o playboy Jeremias (Felipe Abib), traficante que, até então, liderava o mercado local com o suporte de policiais corruptos.
E é essa disputa de poderes que arma o terreno para o cenário sugerido pelo título do filme. Nesse sentido, René Sampaio merece aplausos não só por agregar, de forma orgânica, elementos de filmes de faroeste (como ângulos baixos de personagens contra o sol, câmeras posicionadas no nível dos pés e a inclusão de ruídos discretos que remetem ao som de fivelas e de couro sendo contraído ou tracionado), mas também por reimaginá-los com base na realidade daquele contexto - e a escolha de um campo de várzea como palco para um confronto é perfeita. Aliás, a direção do cineasta estreante surpreende pela criatividade; repare, por exemplo, a quantidade de informações passadas pelo simples plano em contra plongée cuja câmera é presa ao balde de um poço artesiano: quando atingimos a base da cavidade, a instabilidade repentina da imagem não só representa o choque do balde com o solo, exprimindo a secura da cisterna, como também serve de pretexto para uma elipse, que salta da infância para a adolescência do protagonista - e, pra completar, reforça que a estiagem marcou toda aquela fase de sua vida.

Entretanto, todo o esforço de Sampaio seria vão caso o roteiro não conseguisse extrair e costurar os componentes essenciais da canção de Renato Russo, além de preencher as lacunas com ideias originais. Antes de mais nada, como já insinuado anteriormente, o texto acerta ao transformar Maria Lúcia e Jeremias em personagens mais ativos, estabelecendo desde o princípio o papel e a dinâmica de ambos naquele contexto e, mais que isso, tornando-os fundamentais para o desenvolvimento da trama. Assim, a antes confusa relação do trio central é substituída por eventos bem demarcados e amarrados, que definem a narrativa e se apoiam em conflitos motivados por ciúmes, ambição e disputas de poder. Todavia, os roteiristas não abrem mão de passagens específicas da canção que conseguem se encaixar no arco dramático do filme sem acarretar prejuízos, como as duas "idas ao inferno" de Santo Cristo (que ocorrem essencialmente pelas mesmas razões em ambas as obras) ou seu deslumbramento com as luzes natalinas na chegada a Brasília. Por fim, a aproximação entre João e Maria Lúcia soa ligeiramente forçada, envolvendo inclusive um batido nado noturno romântico, ao passo que os eventos do desfecho pecam por respeitar demais o conceito original, enquanto a adaptação, como um todo, perde grande parte do tom de fábula política que ajudava a resolução a funcionar efetivamente.
Por outro lado, os antagonistas beiram caricaturas fabulescas - e, nesse aspecto, o personagem de Felipe Abib (Vai Que Dá Certo) atinge o auge quando surge ensandecido e coberto de cocaína nas sequências finais. Nessas circunstâncias, o ator até faz um bom trabalho: a fascinação de Jeremias com o próprio poder não é suficiente para mascarar suas óbvias vulnerabilidades - e Abib representa muito bem esse aspecto, em particular, nas cenas seguintes ao inesperado assassinato de um de seus comparsas. Já a belíssima Isis Valverde comprova que seu talento como atriz não se limita a desempenhos cômicos como aquele que a alçou à fama, conferindo personalidade, doçura e carisma a Maria Lúcia e correspondendo às demandas dramáticas do papel com competência e segurança. Por fim, Fabrício Boliveira faz um ótimo trabalho no papel mais complexo do projeto: indivíduo que, ainda muito novo, enfrentou dificuldades múltiplas e viu a vida do próprio pai ser arrancada por uma sociedade corrompida, João de Santo Cristo é um adulto com uma bússola moral desajustada, fruto trágico de seu ambiente. Assim, quando o protagonista eventualmente assassina a sangue frio algum de seus desafetos, não há catarse no mundo que substitua a lamentação por sua depravação e pela brutalidade do ato - o que, naturalmente, se encaixa nas reflexões sociais propostas pelo material original.
Adotando isoladamente uma narração em off que não chega a causar grande incômodo, Faroeste Caboclo conta ainda com um ótimo trabalho de fotografia de Gustavo Hadba, que reforça a sujeira e a aridez dos cenários e da trama, além de uma trilha competente assinada por Philippe Seabra e Lucas Marcier e uma seleção musical de alto nível (a própria canção inspiradora, como não poderia deixar de ser, é inteiramente executada ao longo dos créditos finais). Relevando-se uma ou outra inconsistência, é confortante perceber a contribuição que heranças culturais inexploradas e cineastas estreantes, em boa sintonia, podem oferecer à prosperidade do Cinema brasileiro.
