3 de maio de 2013

Crítica | Em Transe

Vincent Cassel em EM TRANSE (Trance)

por Eduardo Monteiro

Trance, Reino Unido, 2013 | Duração: 1h41m10s | Lançado no Brasil em 3 de Maio de 2013, nos cinemas | Escrito por Joe Ahearne e John Hodge | Dirigido por Danny Boyle | Com James McAvoy, Vincent Cassel, Rosario Dawson, Danny Sapani, Matt Cross, Wahab Sheikh, Tuppence Middleton.

Pôster nacional e crítica de EM TRANSE
Logo no início de Em Transe, o leiloeiro de arte Simon (James McAvoy) compartilha com o público as medidas de segurança adotadas nos leilões que comanda, minutos antes de estas serem quebradas pelo ladrão Franck (Vincent Cassel), cujo assalto desencadeia um procedimento elaborado com o intuito de assegurar a preservação dos itens mais valiosos do evento. Pouco antes de lançar o óleo Voo das Bruxas, de Goya, em um cofre seguro, porém, Simon é surpreendido e entravado por Franck, que desfere uma pancada em sua cabeça - deixando-o zonzo e confuso - depois que o homem tenta bancar o herói e impedir o roubo. Mais adiante, descobrimos que a pasta que o assaltante carrega para fora do local do crime guardava apenas a moldura da obra e, minutos mais tarde, somos informados que, contrariando as aparências, Simon também estava envolvido no golpe.

Mais, mais e mais revelações são feitas paulatinamente ao longo da centena de minutos de projeção de Em Transe, transformando uma premissa aparentemente simples em um thriller de mistério cujas respostas nem sempre satisfazem a curiosidade das perguntas. Escrito por John Hodge (colaborador do início da carreira de Danny Boyle) a partir do filme homônimo escrito e dirigido em 2001 para a TV por Joe Ahearne, o roteiro acompanha os esforços de Franck para extrair da mente (parcialmente desmemoriada após a pancada) de Simon a localização do item furtado. Dessa forma, a quadrilha tenta recorrer com discrição à hipnoterapeuta Elizabeth (Rosario Dawson), que acaba descobrindo as intenções escusas e propõe envolver-se com maior afinco no esquema, visando alcançar resultados mais rápidos e eficientes. Todavia, o tratamento foge da presteza e da retidão esperadas quando as razões para o bloqueio mental de Simon começam a vir à tona.

Com uma narrativa cuja natureza permite que Danny Boyle dê vazão às suas afetações habituais, Em Transe é um filme que, de acordo com declarações do próprio cineasta, se propõe resgatar e atualizar elementos dos filmes noir, da violência e ambiguidade moral de seus personagens centrais à figura da femme fatale, que Rosario Dawson (Fogo Contra Fogo) incorpora com entrega admirável, sem temer que sua nudez seja usada, inclusive, como um dos temas do filme. Por outro lado, as sombras - embora presentes - parecem suplantadas por reflexos, que Boyle explora à exaustão para expressar a multiplicidade de caráter das situações ou de intenções dos personagens - e junto dos também recorrentes planos inclinados, dos cenários atípicos elaborados pela equipe de direção de arte (como a surpreendentemente sofisticação do apartamento de Elizabeth, oposta ao minimalismo de seu consultório) e da trilha sonora com tendências cacofônicas de Rick Smith (integrante da banda Underworld e compositor de trance hits de Trainspotting - Sem Limites), cria uma estranheza apropriada à trama de um thriller com forte cunho psicológico.

James McAvoy em EM TRANSE (Trance)

Aliás, as cenas passadas na mente dos personagens durante o estado de transe trazem poucas distinções em relação àquelas calcadas no mundo real - o que, claro, serve fundamentalmente para pregar pegadinhas no público, mantendo um suspense em torno da natureza de cada evento visto no longa. Não raramente, entretanto, Boyle insere pistas que permitem que o espectador antecipe o caráter fantasioso de determinadas passagens, como a ocasião em que Simon enxerga, através de um vidro fosco, as silhuetas exageradamente bem demarcadas da quadrilha em um cômodo adjacente e escuta a discussão com inesperada clareza. Da mesma forma, o cineasta cria uma forte ambiguidade ao repetir, no ato final, o padrão de uma sequência que antes registrava a atividade mental de Simon durante uma sessão de hipnose, plantando pulgas atrás das orelhas dos espectadores.

No fundo, entretanto, dualidades como essa nem sempre são bem vindas. Com a contribuição do montador Jon Harris, o terceiro ato de Em Transe torna-se demasiadamente confuso, abusando de sua estrutura não linear para juntar o emaranhado de pontas soltas. E algumas dessas amarras, vale mencionar, deixam bastante a desejar: o uso da abordagem exótica como desculpa para a concepção de personagens com comportamentos voláteis peca por explorar terrenos pouco críveis - e quando finalmente descobrimos de onde partiu a ideia do roubo da pintura, por exemplo, apenas uma dúvida paira em nossas mentes: "Por quê?". Para completar, o grande twist do longa frustra não só por se apoiar em princípios demasiadamente deterministas da hipnose (como se esta fosse quase uma ciência exata), mas também pela maneira expositiva como a revelação precisa ser desvendada, denunciando a carência de indícios a respeito daqueles fatos durante a etapa anterior da projeção.

Contando ainda com efeitos especiais isolados e extremamente eficientes - com destaque absoluto para a ocasião em que Franck surge com um mutilação particularmente inesperada - e atuações corretas do excelente James McAvoy (Inimigos de Sangue) e do sempre ótimo Vincent Cassel, Em Transe é uma produção que, embora consiga prender a atenção e despertar o interesse com considerável eficiência, falha nas tarefas de surpreender o público com integridade narrativa e de se fixar à mente do espectador após a sessão.

James McAvoy e Rosario Dawson em EM TRANSE (Trance)