31 de maio de 2013

Se Beber, Não Case! Parte III

Justin Bartha, Zach Galifianakis, Ed Helms e Bradley Cooper em SE BEBER, NÃO CASE! PARTE III (The Hangover Part III)

Certas premissas - como a do primeiro Se Beber, Não Case! - são limitantes e autosuficientes demais para que a ideia de dar segmento a elas surja de maneira instintiva - e o fato de Se Beber, Não Case! Parte II precisar repetir rigorosamente a estrutura do anterior e falhar em justificá-la apenas comprova a enorme preguiça dos produtores. Por outro lado, com bons personagens em mãos, bons roteiristas estão habilitados a se livrar de amarras da premissa original e expandir o universo em questão - e esta pífia Parte III das aventuras dos personagens que eu sequer lembrava dos nomes no início da sessão reforça que o longa de 2009 definitivamente não precisava se transformar em uma franquia.

Escrito novamente por Craig Mazin (Uma Ladra Sem Limites) e pelo diretor Todd Phillips com base nos personagens criados por Jon Lucas e Scott Moore (Finalmente 18), Se Beber, Não Case! Parte III deixa de lado as amnésias alcoólicas e investe em uma trama cujas sementes supostamente haviam sido plantadas nos longas anteriores, numa tentativa equivocada de conferir unidade à trilogia. Assim, enquanto levam Alan (Zach Galifianakis) para uma clínica psiquiátrica, Phil (Bradley Cooper) e Stu (Ed Helms) são raptados pelo traficante Marshall (John Goodman), que faz Doug (Justin Bartha) de refém e atribui ao grupo a tarefa de capturar um inimigo bastante peculiar: Sr. Chow (Ken Jeong).

Trata-se não só de uma trama desinteressante, como também extremamente pobre: o fio que conduz os personagens a Tijuana e, posteriormente, de volta a Las Vegas é frágil, absurdo e não propicia eventos instigantes o suficiente para prender a atenção do público - e a resolução final é igualmente decepcionante. Além disso, a tentativa de desenvolver o imprevisível Alan é falha e tola, tornando-se particularmente reprovável quando um comentário sexista de Phil ("Alan não precisa de tratamento. Ele precisa é encontrar uma mulher") é levado a sério pelos roteiristas. Para completar, os realizadores insistem em resgatar elementos supostamente emblemáticos dos longas passados mesmo sem uma função prática, como a inócua sequência em que Alan interage com o bebê (agora crescido) do primeiro filme - o que só não é pior que o resgate de planos dos longas anteriores no encerramento, que naturalmente não consegue evocar qualquer traço de nostalgia.

O que nos leva à campanha de marketing do filme, que insistiu em promover esta terceira parte como o encerramento épico da trilogia iniciada em 2009. Em uma comédia que enfrenta dificuldades até mesmo para arrancar o riso do público (a cena mais divertida é também a mais absurda e só surge nos créditos finais), a divulgação fajuta certamente surge como a maior piada - e é uma pena que seja de extremo mal gosto.


The Hangover Part III, EUA, 2013 | Baseado nos personagens de Jon Lucas & Scott Moore. Roteiro de Todd Phillips e Craig Mazin | Dirigido por Todd Phillips | Com Bradley Cooper, Ed Helms, Zach Galifianakis, Ken Jeong, Justin Bartha, John Goodman, Melissa McCarthy, Jeffrey Tambor, Heather Graham, Mike Epps, Sasha Barrese, Jamie Chung, Sondra Currie.

28 de maio de 2013

Pokémon - O Filme

POKÉMON - O FILME (Pokémon: The First Movie)

Criado pelo programador Satoshi Tajiri em 1996 para um jogo de videogame, o universo de Pokémon atualmente soma mais de 700 episódios da série animada de TV, 20 longas-metragens e uma infinidade de outros produtos voltados para o público infanto-juvenil. Em seus primeiros esforços narrativos, a franquia contava a história de Ash Ketchum, um garoto que saía de casa com o objetivo de se tornar um Mestre Pokémon, isto é, um renomado treinador dos monstrinhos com poderes especiais e variados. Tamanho foi o sucesso da marca no final da década de 90 que os três primeiros filmes chegaram a ser lançados nos cinemas brasileiros, o que provavelmente não aconteceria no contexto atual - e me recordo de ter ido ao cinema assistir a Pokémon 3 em meados de 2001 e sair confuso (havia 100 novos pokémons com os quais eu não estava familiarizado) e frustrado, já que não só meu fanatismo com aquele mundo estava se diluindo, como a própria série já apresentava sérios sinais de desgaste.

E até pouco tempo atrás, Pokémon - O Filme era apenas uma recordação vaga e nostálgica. Rever o filme com maturidade, porém, obrigou-me a encará-lo com novos olhos. Escrito por Takeshi Shudo e dirigido por Kunihiko Yuyama, o longa animado é iniciado com uma experiência genética que, na tentativa de criar um pokémon ainda mais poderoso que o psíquico Mew, acaba dando origem ao imprevisível Mewtwo. Sentindo-se explorado pelos cientistas, o poderosíssimo pokémon #151 foge do laboratório e arma um plano megalomaníaco para dominar o mundo e dizimar os humanos - e, para isso, Mewtwo se faz passar pelo maior Mestre Pokémon do planeta e convoca os mais capacitados treinadores da regirão para um evento misterioso em sua ilha particular.

O plano de Mewtwo, entretanto, não faz muito sentido: é evidente que ele conseguiria derrotar o mundo inteiro sozinho, de modo que um exército de clones malvados dos mais bem treinados pokémons não seria exatamente necessário. Todo este conflito, porém, é apenas um pretexto para inserir uma tonelada de lições de moral em uma embalagem de ação - e "a verdadeira força de um pokémon vem do coração" e "isso só prova que lutar é errado" são algumas delas, sendo que esta última ainda coloca em xeque o próprio conceito das batalhas que fundamentam todo aquele universo.

Para completar, a animação jamais faz jus à escala cinematográfica da produção: a primeira aparição do estádio que sedia a grande batalha tenta evocar uma grandiosidade que simplesmente não reflete o que está sendo visto. Além disso, a repetição de diversos planos denuncia a falta de cuidado dos realizadores, como aquele em que determinadas ondas colidem com uma parede rochosa ou o plano de Mew voando no início do filme. Por outro lado, o arco de Pikachu surpreende pelo peso dramático: o mais icônico dos pokémons é o único personagem que parece sofrer genuinamente e correr algum risco de vida durante a narrativa, sendo capaz de arrancar lágrimas dos espectadores mais sensíveis.

Repleto de elementos de compreensão exclusiva de fãs (como a insubordinação de Charizard ou a estupidez de Psyduck), Pokémon - O Filme peca por não criar uma base digna de ser explorada a fundo pela indústria cinematográfica, que poderia ter evitado a queda assintótica da franquia no esquecimento.


Pokémon: The First Movie, EUA/Japão, 1998 | Criado por Satoshi Tajiri. Escrito por Takeshi Shudo | Dirigido por Kunihiko Yuyama.

27 de maio de 2013

Um Fantástico Medo de Tudo

Simon Pegg em UM FANTÁSTICO MEDO DE TUDO (A Fantastic Fear of Everything)

Em determinado plano de Um Fantástico Medo de Tudo, os diretores Crispian Mills e Chris Hopewell escurecem a maior parte do quadro para destacar uma porção de uma estante de livros que se assemelha à imagem do crânio de uma caveira, que jamais visualizaríamos sem este artifício - e que, então, passamos a enxergar sempre que o cenário ressurge. Com isso, experimentamos um pouco da paranoia de Jack (Simon Pegg), um sujeito que, após estudar minunciosamente o modus operandi de uma série de psicopatas do século XIX com o propósito de escrever roteiros de suspense, acaba desenvolvendo um medo irracional de ser assassinado e passa a enxergar evidências da presença se serial killers em todos os locais que frequenta.

Esta é a divertida premissa da comédia britânica Um Fantástico Medo de Tudo, que, aberta com créditos iniciais inspirados em filmes de terror e escrita por Crispian Mills, acompanha a perturbação demente do personagem de Simon Pegg (Missão: Impossível - Protocolo Fantasma) durante uma noite em que o sujeito precisa sair de casa para uma reunião de negócios. Porém, para ir ao tal encontro, Jack precisa esta apresentável, trajando roupas limpas inexistentes em sua residência - o que o obriga a deixar o apartamento e enfrentar uma antiga fobia relativa a lavanderias.

A sequência no estabelecimento, aliás, é uma das mais divertidas, por levar a irracionalidade de Jack às últimas consequências em um ambiente absolutamente improvável. Além disso, a cena que ilustra o pontapé inicial da paranoia do protagonista é curiosa e bem conduzida, da mesma forma que as cenas ambientadas no apartamento de Jack são hábeis em exprimir a tolice dos medos do personagem - que chega a assustar até mesmo com o próprio reflexo, rejeita ligações telefônicas em decorrência do histórico uso do aparelho em tramas de horror e protagoniza uma versão inusitada e invertida da clássica cena do banho de Psicose -, além de articular suficientemente bem os eventos que o obrigam a sair de casa como uma figura grotesca.

É uma pena, portanto, que os realizadores não consigam conduzir a trama a um desfecho satisfatório: os desdobramentos da sequência da lavanderia abraçam uma subtrama tola e aborrecida, que brinca de forma periférica e desinteressante com as convenções de filmes de serial killer, não faz jus ao potencial da premissa e encerra a comédia deixando um gosto amargo na boca do espectador.


A Fantastic Fear of Everything, Reino Unido, 2012 | Escrito por Crispian Mills | Dirigido por Crispian Mills e Chris Hopewell | Com Simon Pegg, Alan Drake, Clare Higgins, Amara Karan, Michael Feast, Paul Freeman, Henry Lloyd-Hughes.

26 de maio de 2013

Curta | Eduardo e Mônica

Thais Medeiros e Pedro De Vitto em EDUARDO E MÔNICA

Eduardo e Mônica é um filme publicitário - e, por essa razão, talvez não se encaixe no propósito desta coluna. Entretanto, na época de sua divulgação, a peça foi encarada como um registro fílmico que realizava o sonho de muitos fãs de cinema e da música brasileira: ver a cultuada canção Eduardo e Mônica finalmente encenada.

A realidade é que, como narrativa, Eduardo e Mônica é extremamente problemático. Dirigido por Nando Olival (Os 3), o filme é prejudicado, antes de mais nada, pela obrigação de adequar o próprio ritmo à cadência da música - e, assim, determinadas passagens da vida do casal avançam com inapropriada rapidez. Pra piorar, o diretor é obrigado a inserir, ao longo de todo o curta, os serviços da empresa de telefonia celular que bancou a produção, o que carrega demasiadamente o filme e compromete seu conteúdo.

Problemas como estes, naturalmente, não ocorreriam caso o filme não tivesse motivações publicitárias - e quem sabe o lançamento do ótimo Faroeste Caboclo não desperta a atenção de algum produtor de cinema brasileiro?

Eduardo e Mônica, Brasil, 2011 | Baseado na canção de Renato Russo | Dirigido por Nando Olival | Com Pedro De Vitto e Thais Medeiros.

25 de maio de 2013

Agente C - Dupla Identidade

Clive Owen e Andrea Riseborough em AGENTE C - DUPLA IDENTIDADE (Shadow Dancer)

James Marsh (O Equilibrista) não tem pressa para contar a história do suspense Agente C - Dupla Identidade - e apenas os vinte primeiros minutos da narrativa, resumidos a basicamente três sequências, são responsáveis pela tarefa simples de apresentar e cimentar o dilema a que Collette McVeigh (Andrea Riseborough) estará sujeita ao longo dos oitenta minutos seguintes. Após participar de um ataque terrorista frustrado ao metrô de Londres em meados da década de 90, a mulher se vê obrigada a trabalhar como informante do MI6 para escapar da prisão perpétua - mas, para cumprir a tarefa, Collette precisará entregar à agência secreta informações sobre membros bastante específicos do IRA (Exército Republicano Irlandês): seus próprios irmãos.

Adaptado por Tom Bradby a partir do romance de sua própria autoria, o filme traz Andrea Riseborough (Oblivion) em uma performance irrepreensível: com o semblante fechado em praticamente todo o longa, a atriz transforma Collette em uma mulher constantemente angustiada e torturada pelas escolhas que é obrigada a fazer, ficando dividida entre seu respeito pelos irmãos, seu instinto maternal e suas crenças políticas. Ainda nesse sentido, o trabalho de Riseborough é complementado pela paleta dessaturada da fotografia de Rob Hardy, que mergulha as paisagens britânicas em uma atmosfera opressiva, e pelo uso de cores da direção de arte, com destaque para o figurino predominantemente avermelhado de Collette, que, em momentos estratégicos, encontra alguns respiros de azul (não coincidentemente, a cor que domina o figuro de seu filho e de seus irmãos).

Dando sequência à sua alternância entre documentários e ficções após o ótimo Projeto Nim, James Marsh se destaca especialmente na construção cuidadosa e calma da sequência do metrô, que consegue transmitir sem alardes para o público que a protagonista está sendo perseguida, ou ainda por eventuais demonstrações emblemáticas da frieza daquele universo, como na cena em que Collette é interrogada sabendo que um cômodo ao lado está preparado para sua execução, caso o interrogatório revele sua suposta traição. Sobretudo, Agente C - Dupla Identidade merece reconhecimento pela concepção de uma protagonista por quem nutrimos sentimentos conflitantes até o desfecho: embora reprovemos sua filosofia, não deixamos de compadecer por seu tortuoso dilema pessoal e maternal.


Shadow Dancer, Reino Unido/Irlanda, 2012 | Baseado no romance de Tom Bradby. Roteiro de Tom Bradby | Dirigido por James Marsh | Com Andrea Riseborough, Aidan Gillen, Domhnall Gleeson, Brid Brennan, David Wilmot, Martin McCann, Gillian Anderson e Clive Owen.

24 de maio de 2013

10 Anos de Pura Amizade

Oscar Isaac, Anthony Mackie, Chris Pratt e Channing Tatum em 10 ANOS DE PURA AMIZADE (10 Years)

Poucas transições são tão radicais quanto aquela ocorrida entre a vida escolar e a fase adulta. Após anos reunidos e sujeitos às mesmas exigências e obrigações, jovens são lançados à sorte de eventos que irão definir trajetórias divergentes, desafiadoras e imprevisíveis para cada um deles. Por essa razão, é perfeitamente natural que reencontros - especialmente aqueles realizados muito tempo após o término do ensino médio - sejam marcados pela sensação generalizada de estranheza: deixar de lado as projeções mentais e enxergar os colegas de antes transformados em adultos feitos pode causar choque, surpresa e, claro, reacender sentimentos ocultos ou reavivar assuntos mal resolvidos.

Além de tudo isso, reencontros desse tipo também podem conduzir a uma conclusão bastante particular e representativa: por trás das novas fachadas (simuladas ou não), muitos daqueles colegas ainda preservam características marcantes, que definem (e provavelmente sempre definirão) suas personalidades individuais. Escrito e dirigido por Jamie Linden (roteirista de Querido John), 10 Anos de Pura Amizade acompanha a festa de reencontro de 10 anos de uma turma de formandos da Lake Howell High School. Com uma abordagem que beira o documental, o longa não se prende a uma trama bem definida e passa a acompanhar a interação dos vários personagens ao longo daquela noite, mantendo-se especialmente próximo de um pequeno grupo de amigos que, como poderia ocorrer em qualquer lugar do mundo, conseguiu manter contato após o fim do Ensino Médio.

Várias são as estratégias que Linden utiliza para despertar a empatia do público em relação àqueles indivíduos: além de atribuir a alguns personagens os nomes dos próprios atores, o cineasta transpõe conexões reais para a ficção, como é o caso do casal vivido por Channing Tatum (Terapia de Risco) e Jenna Dewan-Tatum, que contracenam pela primeira vez desde que se conheceram nos bastidores de Ela Dança, Eu Danço. Além disso, o elenco é repleto de rostos conhecidos, em papéis até mesmo insignificantes, como Anthony Mackie (À Beira do Abismo) e Ron Livingston. O mais importante, porém, é que essas estratégias jamais seguem um padrão, impedindo que criemos expectativas desnecessárias ao longo da narrativa.

Ainda neste sentido, Linden também acerta ao abrir mão de grandes eventos e opta por desenvolver seus personagens a partir de pequenas ações durante a celebração - e é bem sucedido na maior parte do tempo. Assim, Jake (Channing Tatum), por exemplo, surge como um rapaz genuinamente apaixonado por Jess (Jenna Dewan-Tatum), embora não consiga evitar o desconforto na presença de Mary (Rosario Dawson, de Em Transe), que poderia ter se tornado a mulher de sua vida caso o destino não tivesse intervindo - e é revelador que o trio possua maturidade emocional suficiente para perceber que remoer o passado, ou mesmo tentar evitá-lo, não tornará o presente mais aprazível. Já para Cully (Chris Pratt, de Cinco Anos de Noivado), 10 anos não foram suficientes para grandes progressos no quesito amadurecimento, de modo que sua esposa Sam (Ari Graynor, de O Babá(ca)), em uma rara noite livre da preocupação com os filhos, é obrigada a vigiar o marido para evitar que este dê um vexame graças à bebedeira descontrolada ou à insistência de conseguir o perdão de colegas com quem praticava bullying no colégio.

E é uma grata surpresa que Linden consiga encerrar de forma satisfatória praticamente todas subtramas, embora o arco de Reeves (Oscar Isaac, de O Legado Bourne) e Elise (Kate Mara, de Tudo Acontece em Nova York), que vinha apresentando algumas características bastante interessantes, seja talvez o que receba a resolução menos eficaz. Somando-se ainda as boas atuações de todo o elenco (possivelmente repletas de improviso), o saldo da estreia de Jamie Linden na direção é certamente positivo - e confesso que não me incomodaria de reencontrar os personagens dentro de mais alguns anos.


10 Years, EUA, 2011 | Escrito por Jamie Linden | Dirigido por Jamie Linden | Com Lynn Collins, Rosario Dawson, Jenna Dewan-Tatum, Brian Geraghty, Ari Graynor, Oscar Isaac, Ron Livingston, Justin Long, Anthony Mackie, Kate Mara, Max Minghella, Aubrey Plaza, Scott Porter, Chris Pratt, Channing Tatum, Eiko Nijo, Aaron Yoo, Kelly Noonan, Nick Zano.

23 de maio de 2013

Crítica | Velozes & Furiosos 6

Sung Kang, Chris 'Ludacris' Bridges, Gal Gadot, Vin Diesel, Paul Walker e Tyrese Gibson em VELOZES & FURIOSOS 6 (Fast & Furious 6)

por Eduardo Monteiro

Fast & Furious 6, EUA, 2013 | Duração: 2h10m05s | Lançado no Brasil em 24 de Maio de 2013, nos cinemas | Baseado nos personagens de Gary Scott Thompson. Roteiro de Chris Morgan | Dirigido por Justin Lin | Com Vin Diesel, Paul Walker, Dwayne Johnson, Michelle Rodriguez, Luke Evans, Tyrese Gibson, Chris 'Ludacris' Bridges, Sung Kang, Gal Gadot, Gina Carano, Jordana Brewster, Elsa Pataky, Shea Whigham, Thure Lindhardt.

Pôster nacional e crítica de VELOZES & FURIOSOS 6 (Fast & Furious 6)
A longevidade da franquia Velozes & Furiosos é ridícula. Quando afirmo isso, não estou me referindo, evidentemente, aos aspectos comerciais, já que os US$ 1,6 bi arrecadados mundialmente pelos cinco primeiros filmes me impedem de cometer tamanho equívoco; falo dos aspectos artísticos, que acabam sendo sensivelmente prejudicados pela demanda por múltiplos e sucessivos desdobramentos de uma premissa que, se muito, renderia material para um filme mediano e passável. Felizmente, o roteirista Chris Morgan e o diretor Justin Lin, em sua quarta colaboração seguida na franquia, parecem calejados o suficiente para extrair virtudes justamente do ridículo que a série alcançou, tornando os esforços narrativos menos desprezíveis e as cenas de ação mais palatáveis.

Dando continuidade direta ao desfecho do filme anterior, Velozes & Furiosos 6 gasta os quinze primeiros minutos convencendo o público que uma nova reunião da meia dúzia de ladrões milionários é imperativa. Enquanto os coadjuvantes são convocados sem maiores rodeios e topam abrir mão de suas mordomias com espantosa prontidão, o núcleo central enfrenta dilemas ligeiramente mais complicados: bem acomodado na companhia de Elena (Elsa Pataky), Dominic Toretto (Vin Diesel) é persuadido a auxiliar o agente Luke Hobbs (Dwayne Johnson) na captura do ex-soldado de Operações Especiais corrompido Owen Shawn (Luke Evans) através de indícios de que Letty (Michelle Rodriguez), sua antiga parceira, estaria viva e trabalhando para a quadrilha do criminoso. Já o envolvimento do ex-policial Brian O'Conner (Paul Walker) no serviço se dá sob a benção da esposa e mãe desnaturada Mia (Jordana Brewster), que não só aceita, como também incentiva o ex-policial a abandonar o filho recém nascido e se lançar no fogo cruzado em Londres para vigiar o traseiro de Dom.

Investindo novamente em uma trama que transforma a mistura de mulheres provocantes e corridas ilegais em uma lembrança vaga e distante (embora estes elementos surjam brevemente para refrescar a memória dos fãs da franquia), Velozes & Furiosos 6 aposta na ideia absurda de que o histórico de estripulias bem sucedidas dos personagens remanescentes os transformaram em uma equipe indômita, mais eficiente que batalhões altamente especializados espalhados pelo mundo e merecedora de investimentos na casa da centena de milhões de dólares, já que é exatamente isto que a anistia solicitada por Dom significa: tornar legal o roubo de nove dígitos do longa anterior. Entretanto, não estaríamos falando de Velozes & Furiosos caso os personagens não agissem eventualmente de forma inexplicavelmente estúpida: embora defenda valores familiares ao longo de toda a projeção, por exemplo, Toretto simplesmente esquece da existência da irmã e do sobrinho quando sua família é declaradamente ameaçada por Shawn, o que denota uma tremenda burrice por parte do personagem e abre espaço para uma das convenções mais irritantes do gênero - que, pra piorar, é encarada pelos realizadores como um reforço para as supostas inteligência e perspicácia do vilão. Ainda nesse sentido, a inércia de O'Conner após ser informado sobre a possibilidade de haver um informante infiltrado em sua equipe é inaceitável, fazendo com que os personagens se tornem merecedores das eventuais consequências dessa negligência.

Michelle Rodriguez e Luke Evans em VELOZES & FURIOSOS 6 (Fast & Furious 6)

Aliás, a tal equipe sequer é suficientemente coesa, já que muitos personagens carecem de função prática - com destaque absoluto para Roman (Tyrese Gibson), que, caso tivesse todas as péssimas piadas excluídas, seria um personagem mudo. Por sorte, os atores parecem bem à vontade nos papéis que assumem há mais de uma década: com discursos predominantemente mansos e pausados, Vin Diesel ganha a chance de desenvolver uma faceta mais emotiva de Dom - e embora sua estima pelos valores familiares recaia na miopia já mencionada, Toretto enfrenta dilemas dramáticos em decorrência do ressurgimento da desmemoriada Letty, abrindo espaço para que o carisma de Diesel promova o avanço de alguns centímetros no arco geral do personagem. E enquanto até desinteressante Paul Walker parece bastante seguro e confiante em cena, Dwayne Johnson (O Acordo) retorna para sua segunda participação na série firmando-se como uma ótima adição: as notáveis habilidades físicas do ator e seu já conhecido carisma propiciam bons momentos, como aquele em que Hobbs desenvolve uma negociação durante um aperto de mãos. Já o empenho de Luke Evans é parcialmente sabotado pela construção desinteressante do vilão, ao passo que a ex-lutadora Gina Carano (A Toda Prova) é subaproveitada em um papel ruim cujo tolo propósito rapidamente fica evidente, embora surja como a candidata perfeita para enfrentar no tapa a persona construída por Michelle Rodriguez ao longo de sua carreira.

E já que mencionei o duelo memorável entre duas das atrizes mais duronas da atualidade, é importante ressaltar que Velozes & Furiosos 6 não deixa a desejar no quesito pancadaria. Não só os confrontos corporais são satisfatórios em termos de intensidade e coreografia, como o espetáculo de destruição das cenas de ação empolga, impressiona e diverte, graças ao trabalho competente de dublês e razoáveis efeitos especiais. Na maior parte do tempo, Justin Lin demonstra grande habilidade para arquitetar as sequências de ação, apostando frequentemente em montagens paralelas, mantendo níveis aceitáveis de clareza e investindo até mesmo em planos ligeiramente mais longos, que valorizam determinados feitos dos personagens - e apenas na sequência de perseguição que culmina em um estacionamento, quando os vários núcleos se dispersam, o cineasta perde o controle de forma mais notável e acaba confundindo o espectador. Por outro lado, Lin abraça como nunca o absurdo como estratégia para entreter o público, algo comprovado por vários saltos insanos dos personagens (como o de Dom, em particular), pela hilária tentativa de jogar um automóvel destruído de uma ponte (como se este fosse uma mera bolinha de papel amassado sendo empurrada por um carrinho de controle remoto) e, principalmente, pela longa sequência de ação do clímax, que demandaria uma pista de decolagem ridiculamente longa - e a consciência do próprio absurdo parece surgir no desfecho da sequência, quando os carros freiam nas proximidades das barreiras que estabelecem o limite da pista.

Pecando ainda pela irregularidade do timing cômico (as terríveis e descartáveis cenas envolvendo um vendedor de carros arrogante são o maior exemplo disso - sem mencionar as pontuais piadas involuntárias e/ou regionais, como o comentário feito por Roman após a primeira grande e violenta perseguição: "O que foi aquilo? Ora, nós não estamos mais no Brasil!"), Velozes & Furiosos 6 é um filme que não consegue cumprir a promessa feita por Dom nos primeiros minutos de projeção: "Tudo irá mudar". Os fãs da franquia agradecem.

Tyrese Gibson em VELOZES & FURIOSOS 6 (Fast & Furious 6)

22 de maio de 2013

Crítica | Terapia de Risco

Rooney Mara em TERAPIA DE RISCO (Side Effects)

por Eduardo Monteiro

Side Effects, EUA, 2013 | Duração: 1h43m39s | Lançado no Brasil em 17 de Maio de 2013, nos cinemas | Escrito por Scott Z. Burns | Dirigido por Steven Soderbergh | Com Jude Law, Rooney Mara, Catherine Zeta-Jones, Channing Tatum, Vinessa Shaw, David Costabile, Sheila Tapia, Michael Nathanson, Polly Draper.

Pôster nacional e crítica de TERAPIA DE RISCO (Side Effects)
Quanto menos se sabe sobre um filme, maiores são as chances de que a experiência de assistir a ele seja marcada por surpresas agradáveis e positivas - especialmente se a obra for comandada por um diretor versátil e competente como Steven Soderbergh. Com essa filosofia cinéfila, fui conferir Terapia de Risco sem saber muito a respeito da produção e tive a chance de confirmar minha teoria: acabei sendo recompensado com um drama incômodo sobre depressão que, a certa altura, transfigura-se em um suspense conspiratório bem encorpado, que deixa apenas uma ou outra ponta mal amarrada. Felizmente, o trabalho de Soderbergh e do elenco é competente o suficiente para contornar os problemas pontuais do roteiro.

Escrito por Scott Z. Burns (Contágio), Terapia de Risco acompanha a jovem Emily (Rooney Mara) tentando reconstruir a vida ao lado do marido Martin (Channing Tatum), que acaba de sair da prisão. Antes tratada pela Dra. Victoria Siebert (Catherine Zeta-Jones), a garota passa a ter imprevisíveis recaídas depressivas e decide iniciar um tratamento com o Dr. Jonathan Banks (Jude Law). Depois que a maioria dos antidepressivos convencionais causam efeitos colaterais indesejáveis em Emily, Banks decide incluí-la no programa de teste de um novo medicamento: o Ablixia. Entretanto, o tratamento da mulher muda de rumo depois que uma tragédia leva o médico e a paciente aos tribunais e coloca a droga experimental em evidência na mídia.

Em seu primeiro papel após estourar em Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, Rooney Mara volta a se firmar como uma boa promessa, embora exiba claras limitações: a transgressão dos minutos finais da personagem é desempenhada com muito mais competência, por exemplo, do que a crise de ansiedade que a leva a interromper um momento de folga do Dr. Banks na companhia da mulher, Dierdre (Vinessa Shaw). Já Catherine Zeta-Jones (Um Bom Partido), em uma participação menor, exprime com competência a sisudez da personagem, conferindo-lhe ainda o caráter enigmático necessário para o papel. E enquanto Channing Tatum (10 Anos de Pura Amizade) lança mão de seu carisma habitual para encarnar o marido compreensível e paciente, Jude Law (Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras) ilustra com perfeição a progressão da agitação e da neurose de um sujeito antes calmo, controlado e centrado, fazendo valer sua escalação para o papel do protagonista.

Rooney Mara e Channing Tatum em TERAPIA DE RISCO (Side Effects)

Aliás, o fato de demorarmos para descobrir que Jonathan Banks é o real protagonista de Terapia de Risco é um dos acertos do filme: manter as atenções centradas em Emily na etapa inicial é essencial para introduzir o cenário e os fatos que serão investigados no restante da projeção, enquanto a mudança de foco para Banks não só revela-se suficientemente intuitiva, como também ocorre de forma bastante natural. Porém, os elogios não podem ser estendidos para as revelações finais (e não leia o restante deste parágrafo caso ainda não tenha assistido ao filme): é interessante que a teoria da conspiração levantada pelo personagem de Jude Law soe absurda em um primeiro momento, já que isto denota a forma cuidadosa e bem articulada como o esquema foi elaborado (isto é, a explicação é absurda demais pra ser aceita por autoridades, tornando-a relativamente imune a maiores investigações). Entretanto, a reviravolta requer algumas especificidades que Emily jamais exibe ou que são simplesmente difíceis de serem aceitas: a virada da narrativa se apoia totalmente no fato de que nunca questionamos ou duvidamos dos sentimentos da personagem pelo marido, de modo que o roteiro precisa nos convencer plenamente que estávamos errados ao acreditar cegamente naquela relação - e o faz de forma expositiva e duvidosa, já que a decepção de Emily com a prisão de Martin não é bem explicada e a relação da mulher com a Dra. Siebert soa arbitrária e forçada.

Apesar destes problemas, a narrativa de Terapia de Risco é instigante o suficiente para prender a atenção do espectador - mérito, sobretudo, do trabalho de Soderbergh. Embalado pela ótima e discreta trilha sonora de Thomas Newman, que confere uma atmosfera de apreensão e inquietação até mesmo a passagens supostamente ordinárias, o filme é beneficiado pela capacidade do diretor de extrair ótimos resultados de cenas simples, como aquela em que o personagem de Jude Law filtra todos os estímulos que o rondam para prestar atenção em uma notícia importante sendo transmitida pela TV. Além disso, o cineasta demonstra um cuidado notável com o trabalho de câmera e de composição de quadros: repare, por exemplo, como o Dr. Banks fica sutilmente acuado em seu próprio consultório durante o primeiro interrogatório, ao ser posicionado na porção esquerda do quadro e vulnerabilizado pelo ângulo alto da câmera e pelas amplas janelas ao fundo, enquanto o investigador surge sempre à direita (lado usualmente dominante), à frente de um trecho mais escuro do cenário e sendo mirado por um ângulo baixo que lhe confere certa imponência.

Promovido como o último filme comandado por Steven Soderbergh a ser lançado nos cinemas, Terapia de Risco é encerrado com desdobramentos catárticos que, embora bem construídos, não diminuem a lamentação pela suposta aposentadoria de um cineasta que certamente ainda teria muito a oferecer ao Cinema.

Jude Law e Catherine Zeta-Jones em TERAPIA DE RISCO (Side Effects)

21 de maio de 2013

Crítica | Faroeste Caboclo

Isis Valverde e Fabrício Boliveira em FAROESTE CABOCLO

por Eduardo Monteiro

Faroeste Caboclo, Brasil, 2013 | Duração: 1h45m27s | Lançado no Brasil em 30 de Maio de 2013, nos cinemas | Inspirado na música de Renato Russo. Roteiro de Marcos Bernstein e Victor Atherino com a colaboração de Michel Melamed e consultoria de Bráulio Mantovani, Cristiano Bortoni, José Eduardo Belmonte. Primeira versão por Paulo Lins | Dirigido por René Sampaio | Com Fabrício Boliveira, Isis Valverde, Felipe Abib, Antonio Calloni, César Troncoso, Marcos Paulo, Rodrigo Pandolfo, Juliana Lohmann, Flávio Bauraqui, Leonardo Rosa, Tulio Starling, Romulo Augusto, Andrade Junior, Harildo Deda, Lica Oliveira, Cinara Leal, Caco Monteiro.

Pôster e crítica de FAROESTE CABOCLO
A ideia de transformar em filme os 168 versos de Faroeste Caboclo - uma das canções mais emblemáticas da música brasileira - é bastante instintiva, mas isso não quer dizer que adaptá-la seja uma tarefa fácil. Embora conte de forma descritiva e elaborada uma história com começo, meio e fim, a letra possui uma narrativa repleta de particularidades, como ritmo próprio, subtramas dispensáveis e ideias moldadas pela necessidade de rimas - e em uma adaptação fiel, a grande paixão do protagonista, por exemplo, só apareceria na segunda metade da narrativa, ao passo que seu algoz surgiria já na reta final do longa. Por isso, é uma grata surpresa que o roteiro desta adaptação cinematográfica, escrito por Marcos Bernstein e Victor Atherino com a colaboração de profissionais como Paulo Lins, Bráulio Mantovani e José Eduardo Belmonte, abra mão da fidelidade tenaz em prol da própria coesão e consiga, no processo, preservar a essência do material original.

Dirigido pelo estreante René Sampaio, Faroeste Caboclo acompanha o miserável João de Santo Cristo (Fabrício Boliveira) tentando se estabelecer na capital nacional após uma estadia na prisão e uma infância sofrida no nordeste. Graças à sua malícia e à aptidão com armas de fogo, o personagem se envolve em algumas atividades ilegais de um primo distante, o peruano Pablo (César Troncoso), e, durante uma de suas fugas das autoridades, acaba conhecendo acidentalmente a estudante de arquitetura e filha de senador Maria Lúcia (Isis Valverde), por quem logo se apaixona. Inconformado com a própria pobreza e a falta de progresso, João decide começar a plantar e vender um tipo de maconha cuja notável qualidade torna o negócio próspero e rentável - o que rapidamente atinge o playboy Jeremias (Felipe Abib), traficante que, até então, liderava o mercado local com o suporte de policiais corruptos.

E é essa disputa de poderes que arma o terreno para o cenário sugerido pelo título do filme. Nesse sentido, René Sampaio merece aplausos não só por agregar, de forma orgânica, elementos de filmes de faroeste (como ângulos baixos de personagens contra o sol, câmeras posicionadas no nível dos pés e a inclusão de ruídos discretos que remetem ao som de fivelas e de couro sendo contraído ou tracionado), mas também por reimaginá-los com base na realidade daquele contexto - e a escolha de um campo de várzea como palco para um confronto é perfeita. Aliás, a direção do cineasta estreante surpreende pela criatividade; repare, por exemplo, a quantidade de informações passadas pelo simples plano em contra plongée cuja câmera é presa ao balde de um poço artesiano: quando atingimos a base da cavidade, a instabilidade repentina da imagem não só representa o choque do balde com o solo, exprimindo a secura da cisterna, como também serve de pretexto para uma elipse, que salta da infância para a adolescência do protagonista - e, pra completar, reforça que a estiagem marcou toda aquela fase de sua vida.

Fabrício Boliveira e César Troncoso em FAROESTE CABOCLO

Entretanto, todo o esforço de Sampaio seria vão caso o roteiro não conseguisse extrair e costurar os componentes essenciais da canção de Renato Russo, além de preencher as lacunas com ideias originais. Antes de mais nada, como já insinuado anteriormente, o texto acerta ao transformar Maria Lúcia e Jeremias em personagens mais ativos, estabelecendo desde o princípio o papel e a dinâmica de ambos naquele contexto e, mais que isso, tornando-os fundamentais para o desenvolvimento da trama. Assim, a antes confusa relação do trio central é substituída por eventos bem demarcados e amarrados, que definem a narrativa e se apoiam em conflitos motivados por ciúmes, ambição e disputas de poder. Todavia, os roteiristas não abrem mão de passagens específicas da canção que conseguem se encaixar no arco dramático do filme sem acarretar prejuízos, como as duas "idas ao inferno" de Santo Cristo (que ocorrem essencialmente pelas mesmas razões em ambas as obras) ou seu deslumbramento com as luzes natalinas na chegada a Brasília. Por fim, a aproximação entre João e Maria Lúcia soa ligeiramente forçada, envolvendo inclusive um batido nado noturno romântico, ao passo que os eventos do desfecho pecam por respeitar demais o conceito original, enquanto a adaptação, como um todo, perde grande parte do tom de fábula política que ajudava a resolução a funcionar efetivamente.

Por outro lado, os antagonistas beiram caricaturas fabulescas - e, nesse aspecto, o personagem de Felipe Abib (Vai Que Dá Certo) atinge o auge quando surge ensandecido e coberto de cocaína nas sequências finais. Nessas circunstâncias, o ator até faz um bom trabalho: a fascinação de Jeremias com o próprio poder não é suficiente para mascarar suas óbvias vulnerabilidades - e Abib representa muito bem esse aspecto, em particular, nas cenas seguintes ao inesperado assassinato de um de seus comparsas. Já a belíssima Isis Valverde comprova que seu talento como atriz não se limita a desempenhos cômicos como aquele que a alçou à fama, conferindo personalidade, doçura e carisma a Maria Lúcia e correspondendo às demandas dramáticas do papel com competência e segurança. Por fim, Fabrício Boliveira faz um ótimo trabalho no papel mais complexo do projeto: indivíduo que, ainda muito novo, enfrentou dificuldades múltiplas e viu a vida do próprio pai ser arrancada por uma sociedade corrompida, João de Santo Cristo é um adulto com uma bússola moral desajustada, fruto trágico de seu ambiente. Assim, quando o protagonista eventualmente assassina a sangue frio algum de seus desafetos, não há catarse no mundo que substitua a lamentação por sua depravação e pela brutalidade do ato - o que, naturalmente, se encaixa nas reflexões sociais propostas pelo material original.

Adotando isoladamente uma narração em off que não chega a causar grande incômodo, Faroeste Caboclo conta ainda com um ótimo trabalho de fotografia de Gustavo Hadba, que reforça a sujeira e a aridez dos cenários e da trama, além de uma trilha competente assinada por Philippe Seabra e Lucas Marcier e uma seleção musical de alto nível (a própria canção inspiradora, como não poderia deixar de ser, é inteiramente executada ao longo dos créditos finais). Relevando-se uma ou outra inconsistência, é confortante perceber a contribuição que heranças culturais inexploradas e cineastas estreantes, em boa sintonia, podem oferecer à prosperidade do Cinema brasileiro.

Juliana Lohmann e Isis Valverde em FAROESTE CABOCLO

20 de maio de 2013

O Idiota do Meu Irmão

Paul Rudd em O IDIOTA DO MEU IRMÃO (Our Idiot Brother)

A sinceridade ingênua de Ned (Paul Rudd, de As Vantagens de Ser Invisível) é, ao mesmo tempo, sua principal virtude e seu maior defeito. Por um lado, o personagem revela-se um sujeito absolutamente simpático, agradável, otimista e autêntico que qualquer pessoa gostaria de ter como amigo, chegando ao ponto, por exemplo, de esquivar-se educadamente de um ménage à trois confortando o casal com um pedido de desculpa pelo inconveniente de não se interessar por aquele tipo de experiência. Por outro lado, Ned monstra-se incapaz de controlar sua personalidade em meio às intrigas e meias verdades que permeiam a dinâmica de sua família, desencadeando uma série de conflitos.

Escrito pelos estreantes Evgenia Peretz e David Schisgall, O Idiota do Nosso Irmão é iniciado com Ned sendo preso em flagrante após vender ingenuamente maconha para um policial. Oito meses mais tarde, o protagonista recebe liberdade condicional por bom comportamento e, depois de descobrir que sua namorada Janet (Kathryn Hahn, de Como Você Sabe) entrou em um novo relacionamento, acaba tendo que ir morar com sua irmã Liz (Emily Mortimer), uma mãe de família neurótica que está sendo traída pelo marido, Dylan (Steve Coogan, de Ruby Sparks - A Namorada Perfeita). Entretanto, incidentes obrigam Ned a passar alguns dias com suas outras irmãs, a repórter esforçada e frustrada Miranda (Elizabeth Banks, de O Que Esperar Quando Você Está Esperando) e a lésbica com aspirações bissexuais Natalie (Zooey Deschanel).

Através da postura de Ned, os roteiristas lançam reflexões interessantes sobre problemas básicos, e muitas vezes banalizados, da humanidade: por que criamos tantas mentiras e intrigas, complicando situações ou relações que têm de tudo para ser simplificadas? E por que, afinal, é tão estranho ver uma pessoa contando uma grande quantia de dinheiro em público, e ainda confiando o montante a um estranho por alguns segundos? Paul Rudd, como sempre, faz um ótimo trabalho - e poucos atores teriam carisma e talento suficiente para encarnar o personagem com tamanha eficiência. Infelizmente, o longa peca pela falta de um clímax: os conflitos até atingem um ápice, mas a resolução é tão ligeira que os dilemas enfrentados pelos personagens jamais atingem alguma relevância. Nada, entretanto, que impeça O Idiota do Meu Irmão de se estabelecer como um bom divertimento.


Our Idiot Brother, EUA, 2011 | História de Jesse Peretz & Evgenia Peretz & David Schisgall. Roteiro de Evgenia Peretz & David Schisgall | Dirigido por Jesse Peretz | Com Paul Rudd, Elizabeth Banks, Emily Mortimer, Zooey Deschanel, Adam Scott, Rashida Jones, Steve Coogan, Kathryn Hahn, T.J. Miller, Hugh Dancy, Shirley Knight, Matthew Mindler, Sterling Brown, Janet Montgomery.

19 de maio de 2013

Curta | Western Spaghetti

WESTERN SPAGHETTI

Assim como Fresh Guacamole, Western Spaghetti é um exercício muito mais estético do que narrativo. Concebido pelo artista PES, o curta de animação em stop motion apresenta o preparo de uma receita de espaguete utilizando ingredientes inusitados. O uso de materiais é curioso e surpreendente - como o plástico-bolha, que simula a fervura da água, ou as balas, que substituem as chamas do fogão e da vela. Tecnicamente, o filme é irretocável - mas apenas em ocasiões futuras poderemos descobrir se o preciosismo de PES também se aplica à contagem de boas histórias.

Western Spaghetti, EUA, 2008 | Escrito por PES | Dirigido por PES.

18 de maio de 2013

Finalmente 18

Miles Teller, Justin Chon e Skylar Astin em FINALMENTE 18 (21 & Over)

O título nacional de 21 & Over (21 e Além, em tradução livre) representa um grande passo no processo de idiotização do público brasileiro de cinema. Sim, é fácil entender a ideia por trás da tradução: 21 e 18 anos são, respectivamente, as idades mínimas exigidas de um indivíduo que pretenda comprar bebidas alcoólicas nos Estados Unidos e no Brasil - e, por isso, a passagem é tão celebrada por jovens festeiros. No entanto, o título nacional não só subestima explicitamente a capacidade do público de discernir as constituições estadunidense e brasileira, como também ignora um princípio extremamente básico: uma pessoa de 21 anos tem 21 anos, e não 18.

Marcando a estreia dos roteiristas Jon Lucas e Scott Moore (Eu Queria Ter a Sua Vida) como diretores, Finalmente 18 mistura Se Beber, Não Case! (de autoria dos próprios) com Superbad - É Hoje! e acompanha a noitada dos amigos Miller (Miles Teller, de Footloose), Casey (Skylar Astin, de A Escolha Perfeita) e Jeff Chang (Justin Chon, de A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Parte 1) em comemoração dos 21 anos deste último. Mesmo tendo uma importante entrevista pela manhã, o aniversariante passa dos limites e acaba ficando inconsciente, dificultando que Miller e Casey descubram seu endereço correto e o levem de volta para casa.

E este já é um dos maiores problemas do roteiro: é necessário um esforço tremendo por parte do público para que a dificuldade absurda de encontrar a residência de Jeff Chang passe batida - e uma revelação no ato final da projeção apenas dificulta a tarefa. Além disso, a subtrama envolvendo o rigoroso pai do rapaz é extremamente problemática: por que o homem simplesmente não abriu a porta da casa do filho para conferir se ele estava mesmo lá, já que, no desfecho, descobrimos que a residência encontrava-se destrancada? Para completar, o romance entre Casey e Nicole (Sarah Wright) atravessa diversos picos de obviedade, ao passo que muitíssimo tempo é desperdiçado com as provas que os amigos precisam vencer para subir andares (sempre cheios de figurantes visivelmente incapazes de terem vencido as provas dos andares anteriores) de uma festa e tentar descobrir o famigerado endereço de Jeff.

Explorando os segredos que os amigos escondem uns dos outros de forma superficial e ineficaz, Finalmente 18 conta ainda com uma overdose de piadas xenofóbicas deselegantes, além de cenas que, de tão mal dirigidas (repare como a expectativa de um grande salto de Miller e Casey é simplesmente deixada de lado, já que a queda em si nunca é mostrada), despertam o desejo de que Lucas e Moore voltem a se dedicar exclusivamente à escrita de roteiros. Quem sabe assim possamos conferir algum de seus acertos esporádicos ao longo dos próximos anos.


21 & Over, EUA, 2013 | Escrito por Jon Lucas & Scott Moore | Dirigido por Jon Lucas e Scott Moore | Com Miles Teller, Skylar Astin, Justin Chon, Sarah Wright, François Chau, Jonathan Keltz e Russell Hodgkinson.

17 de maio de 2013

Giovanni Improtta

Thogun Teixeira, José Wilker, Roney Villela e Paulo Mathias Jr. em GIOVANNI IMPROTTA

Giovanni Improtta (José Wilker) até que é um sujeito divertido: o sorriso bobo constante e a incorrigível ignorância do personagem criado por Aguinaldo Silva para o livro O Homem Que Comprou o Rio e reaproveitado em Senhora do Destino - folhetim exibido na TV há quase 10 anos no horário das 21h - são capazes de arrancar risadas de indivíduos que chegam em casa depois de um dia exaustivo de trabalho, colocam os pés para cima e apertam o botão power do controle remoto da TV. Fora de seu contexto original e transportado para as telonas, porém, Giovanni Improtta é um desastre - e se o tempo necessário para esquecê-lo em 2005 girava em torno de dois dias (o período entre o último capítulo da novela e a estreia da seguinte), agora, por sorte, já o teremos expulsado de nossas mentes ao final dos créditos.

Dirigido pelo próprio José Wilker com base em um roteiro de sua filha, Mariana Vielmond, e de Rafael Dragaud (Os Penetras), baseado no livro Prendam Giovanni Improtta, o filme conta uma história demasiadamente confusa e carente de graça: há anos trabalhando como bicheiro e carnavalesco, Giovanni Improtta decide deixar as atividade ilegais para trás e, no processo, acaba tornando-se alvo de uma conspiração mafiosa. Perifericamente, o filme tenta discutir temas extremamente atuais, mas jamais se aprofunda o suficiente para torná-los relevantes - como o avanço nocivo da bancada evangélica na política, com projetos absurdos como o da cura gay.

O maior problema de Giovanni Improtta, entretanto, é a absoluta falta de timing cômico. Para cada linha mais inspirada (como no instante em que o protagonista descreve sua nova atividade lícita como uma "galinha dos ovos de ouro com registro no Ibama"), há uma avalanche descontrolada de piadas pavorosas - que Wilker ainda insiste em repetir por acreditar em sua graça, como nas situações em que Improtta troca "bagaço" por "cabaço" ou "difamado" por "defumado". E o que dizer do problema de flatulência do protagonista, que tenta desajeitadamente extrair uma gag escatológica de sua completa ignorância?

Dominado por personagens assustadoramente estúpidos (como o executivo que abre um notebook apenas para exibir um gráfico de pizza que explica uma divisão simplíssima de lucros, 70/30), Giovanni Improtta chega aos cinemas em um momento inoportuno (o prazo de validade do personagem evidentemente já venceu) e inaugurando um possível segmento da comédia nacional: o de spin-offs com personagens de novelas. Crô, derivado de Fina Estampa (também escrita por Aguinaldo Silva e encerrada há quase dois anos), vem por aí - e espero que esse, pelo menos, não faça jus às expectativas repletas calafrios deixadas por Giovanni Improtta.


Giovanni Improtta, Brasil, 2013 | Inspirado no livro "Prendam Giovanni Improtta", de Aguinaldo Silva. Roteiro de Mariana Vielmond e Rafael Dragaud. Roteiro final de Mariana Vielmond | Dirigido por José Wilker | Com José Wilker, Andrea Beltrão, Thelmo Fernandes, André Mattos, Gillray Coutinho, Julia Gorman, Yago Machado, Norival Rizzo, Roney Villela, Paulo Mathias Jr., Thogun Teixeira, Cristina Pereira, Gregório Duvivier, Alcemar Vieira, Eduardo Galvão, Milton Gonçalvez, Othon Bastos, Hugo Carvana, Guida Vianna, Paulo Goulart e Jô Soares.