
As piores demonstrações de ódio são aquelas que vêm inseridas em embalagens atraentes. Embora soubesse que Corajosos se tratava de uma produção com cunho religioso, decidi dar ao filme uma chance, em função de alguns motivos simples: apesar de não ter tido força para um lançamento nos cinemas brasileiros, o longa teve uma estreia de destaque na TV por assinatura (isto é, no horário nobre de sábado) e foi produzido por uma companhia apadrinhada por um grande estúdio. Em um primeiro momento, acreditei que o longa poderia se estabelecer como um potencial drama sobre paternidade - até o momento em que o pastor, ator, diretor e roteirista Alex Kendrick decide transformá-lo em um odioso culto evangélico.
E como um bom pregador, Kendrick adota medidas inteligentes para tentar atrair e segurar um público mais amplo. No roteiro, co-escrito também por seu irmão, Stephen, os elementos religiosos são injetados gradualmente, quase como se não fossem intencionais. Entretanto, os irmãos Kendrick não conseguem evitar que seu fundamentalismo transpareça ainda nos primeiros passos rumo à pregação desenfreada - e em uma das primeiras cenas ambientadas na residência do policial Nathan Hayes (Ken Bevel, também pastor na vida real), por exemplo, o personagem aponta o hábito de frequentar a igreja como um indicativo de caráter. Todavia, depois que determinada personagem falece, o roteiro se desarma de qualquer sutileza ou autocontrole e passa a ser contaminado por um fanatismo religioso cada vez mais intenso, levando os personagens a justificar seus atos com frases iniciadas com "A Bíblia diz que..." e a atribuírem conquistas pessoais, quaisquer que sejam, à intervenção divina.
Pra piorar, a grande maioria dos personagens falhos ou corrompidos do filme são caracterizados com ateísmo ou, ao menos, algum tipo de descrença - uma canalhice por parte dos realizadores que, ainda por cima, interfere e compromete até mesmo as discussões sobre paternidade. Tomemos, por exemplo, o caso do jovem policial David Thomson (Ben Davies): depois que o rapaz declara sua falta de crença, descobrimos que abandonou uma filha bastarda antes mesmo do nascimento - e ao invés de tentar convencê-lo a procurá-la através de argumentos plausíveis, honestos e convencionais, seu parceiro Hayes aponta que aquele abandono será levado em conta no Juízo Final, impulsionando Thomson a agir mais por medo de represálias divinas do que por consciência e amor paternal. Por fim, o longa atinge o auge do ataque explícito e gratuito contra ateus em seus minutos finais: durante um discurso feito para a plateia de um culto (quando Alex Kendrick praticamente se despe do personagem), a seguinte colocação é feita: "Eu quero a graça de Deus e Sua bênção no meu lar. Qualquer homem de bem quer".
Pois como um homem de bem que não quer coisíssima nenhuma de Deus e que conhece bons pais ateus (e inclusive foi criado por um), só posso expressar meu assombro com a coragem de Alex Kendrick de produzir um longa-metragem que defende e promove deliberadamente o ódio e a intolerância. De homens corajosos como este, só quero distância.
Courageous, EUA, 2011 | Escrito por Alex Kendrick e Stephen Kendrick | Dirigido por Alex Kendrick | Com Alex Kendrick, Ken Bevel, Kevin Downes, Ben Davies, Robert Amaya, Rusty Martin, Lauren Etchells, T.C. Stallings, Renee Jewell, Eleanor Brown, Taylor Hutcherson, Angelita Nelson, Donald Howze.
E como um bom pregador, Kendrick adota medidas inteligentes para tentar atrair e segurar um público mais amplo. No roteiro, co-escrito também por seu irmão, Stephen, os elementos religiosos são injetados gradualmente, quase como se não fossem intencionais. Entretanto, os irmãos Kendrick não conseguem evitar que seu fundamentalismo transpareça ainda nos primeiros passos rumo à pregação desenfreada - e em uma das primeiras cenas ambientadas na residência do policial Nathan Hayes (Ken Bevel, também pastor na vida real), por exemplo, o personagem aponta o hábito de frequentar a igreja como um indicativo de caráter. Todavia, depois que determinada personagem falece, o roteiro se desarma de qualquer sutileza ou autocontrole e passa a ser contaminado por um fanatismo religioso cada vez mais intenso, levando os personagens a justificar seus atos com frases iniciadas com "A Bíblia diz que..." e a atribuírem conquistas pessoais, quaisquer que sejam, à intervenção divina.
Pra piorar, a grande maioria dos personagens falhos ou corrompidos do filme são caracterizados com ateísmo ou, ao menos, algum tipo de descrença - uma canalhice por parte dos realizadores que, ainda por cima, interfere e compromete até mesmo as discussões sobre paternidade. Tomemos, por exemplo, o caso do jovem policial David Thomson (Ben Davies): depois que o rapaz declara sua falta de crença, descobrimos que abandonou uma filha bastarda antes mesmo do nascimento - e ao invés de tentar convencê-lo a procurá-la através de argumentos plausíveis, honestos e convencionais, seu parceiro Hayes aponta que aquele abandono será levado em conta no Juízo Final, impulsionando Thomson a agir mais por medo de represálias divinas do que por consciência e amor paternal. Por fim, o longa atinge o auge do ataque explícito e gratuito contra ateus em seus minutos finais: durante um discurso feito para a plateia de um culto (quando Alex Kendrick praticamente se despe do personagem), a seguinte colocação é feita: "Eu quero a graça de Deus e Sua bênção no meu lar. Qualquer homem de bem quer".
Pois como um homem de bem que não quer coisíssima nenhuma de Deus e que conhece bons pais ateus (e inclusive foi criado por um), só posso expressar meu assombro com a coragem de Alex Kendrick de produzir um longa-metragem que defende e promove deliberadamente o ódio e a intolerância. De homens corajosos como este, só quero distância.

Courageous, EUA, 2011 | Escrito por Alex Kendrick e Stephen Kendrick | Dirigido por Alex Kendrick | Com Alex Kendrick, Ken Bevel, Kevin Downes, Ben Davies, Robert Amaya, Rusty Martin, Lauren Etchells, T.C. Stallings, Renee Jewell, Eleanor Brown, Taylor Hutcherson, Angelita Nelson, Donald Howze.