12 de abril de 2013

Contra o Tempo

Richard Coyle e Bronson Webb em CONTRA O TEMPO (Pusher)

Uma das maiores lições passadas por Contra o Tempo, segunda refilmagem do longa de estreia do cineasta dinamarquês Nicolas Winding Refn (Drive), é que não é só de boas histórias que filmes são feitos. Ignorando pequenas alterações, a trama contida no roteiro de Matthew Read é exatamente a mesma de Pusher: após um negócio mal sucedido, um revendedor de drogas cria uma enorme dívida com seu fornecedor e precisa se desdobrar para levantar o dinheiro para quitá-la. Entretanto, o que Read e o diretor Luis Prieto não parecem compreender é que essa história servia como mero pano de fundo para o estudo da decadência de um sujeito egoísta e corrompido e acabam abolindo nuances importantíssimas para a construção do personagem.

Vivido por Kim Bodnia, o Frank do filme original era um sujeito cuja aparência comum e expressão tranquila não só refletiam sua estratégia de encobrimento da atividade ilegal, como também sugeriam um envolvimento circunstancial na vida criminosa e aumentavam o choque de suas eventuais explosões de violência. Além disso, o envolvimento amoroso com uma dançarina era visivelmente instável - e a subtrama envolvendo problemas de saúde do cachorro da garota, por exemplo, enfatizava a indiferença do protagonista em relação às demandas particulares da companheira. Muito disso é perdido na composição de Richard Coyle: a aparência mais carrancuda do ator entrega seu envolvimento em atividades ilícitas e exprime inadvertidamente sua frieza, ao passo que o envolvimento com a dançarina Flo (Agyness Deyn) avança sem maiores contratempos, até que brigas formulaicas preparem o terreno para um importante evento do desfecho.

Aliás, as alterações feitas na resolução do filme comprovam a incompreensão dos novos realizadores a respeito do impacto emocional que certas escolhas podem causar (e não termine de ler este parágrafo caso não tenha assistido a algum dos filmes). Em Pusher, quando Frank finalmente se dá conta do beco sem saída em que se encontra, um primeiro plano do personagem é descontinuado pela visão da namorada fugindo com seu dinheiro e um plano em que capangas de seu fornecedor preparam o terreno para uma provável execução do protagonista, reforçando sua completa falta de recursos (e os insights ainda podem ser encarados como meras conjeturas de Frank, uma interpretação possível e interessante) e encerrando o longa em grande estilo. Já em Contra o Tempo, o montador Kim Gaster opta por mostrar a preparação da execução de Frank mais cedo, imediatamente após sua conversa por telefone com o mafioso Milo (Zlatko Buric), reforçando a ingenuidade alarmante do protagonista, enquanto o desfecho em si prefere dar à tola ruptura do casal central mais importância do que o necessário.

E não é só nesse momento que Prieto e Read diminuem o potencial narrativo da trama: o instante em que Frank saia de um pub com o rosto coberto por respingos de sangue após espancar o companheiro Tonny (vivido na versão original pelo agora popular Mads Mikkelsen e substituído pelo insuportável Bronson Webb, de Piratas do Caribe - Navegando em Águas Misteriosas) dá lugar ao clichê do personagem transtornado lavando as mãos sujas de sangue e fitando-se no espelho de algum banheiro alheio. De modo geral, a abordagem naturalista de Nicolas Winding Refn (resumida basicamente a uma câmera na mão acompanhando seus personagens) dá lugar a uma direção mais convencional, repleta de cortes, filtros de cores, trilha intrusiva e firulas pontuais.

Lançado no Brasil diretamente em home video, Contra o Tempo é uma tentativa corrida (Pusher era quase 20 minutos mais extenso) de recontar e atualizar uma história cujos maiores méritos residiam em algo que a nova versão acaba trivializando: a personalidade de seu protagonista.


Pusher, Reino Unido, 2012 | Baseado no roteiro de Pusher, escrito por Nicolas Winding Refn e Jens Dahl. Roteiro de Matthew Read | Dirigido por Luis Prieto | Com Richard Coyle, Bronson Webb, Agyness Deyn, Mem Ferda, Zlatko Buric, Paul Kaye, Neil Maskell, Daisy Lewis.