30 de abril de 2013

Cena em Destaque | O pior banheiro da Escócia

Ewan McGregor em TRAINSPOTTING - SEM LIMITES (Trainspotting)

Logo nos primeiros minutos de Trainspotting - Sem Limites, Mark Renton (Ewan McGregor, de Jack - O Caçador de Gigantes) bem que tenta largar as drogas, mas sua metódica autorreclusão é sabotada pelo impulso de tomar uma última dose antes de supostamente abandonar os entorpecentes. Entretanto, as únicas drogas que Renton consegue obter de imediato naquela ocasião são alguns supositórios de ópio, cuja ação é mais lenta do que o que rapaz está habituado. Quando a constipação da última dose de heroína começa a passar, porém, o personagem passa por maus bocados na rua.

Aproveitando o lançamento de Em Transe, novo longa de Danny Boyle, a Cena em Destaque da semana relembra uma cena emblemática de um dos trabalhos mais cultuados do cineasta. Nela, Renton se vê obrigado a recorrer àquele que deve ser o pior banheiro de toda a Escócia - como letreiros na tela fazem questão de reforçar. O inferno astral do personagem, naturalmente, não é fruto de um serviço absurdamente negligente de limpeza do bar: a aparência repugnante do local reflete não só a calamidade representada pela utilização de um banheiro imundo em uma situação de emergência, como também o barato causado pelas drogas - algo evidenciado por seus inusitados esforços para reaver os supositórios perdidos na latrina. Assista:

29 de abril de 2013

Golpe de Gênio

Dallas Roberts em GOLPE DE GÊNIO (Ingenious)

Muito foi perdido quando Ingenious virou Golpe de Gênio no Brasil. No filme, escrito pelo estreante Mike Cram com base em uma história real, Dallas Roberts (o Milton de The Walking Dead) e Jeremy Renner (O Legado Bourne) vivem, respectivamente, Matt e Sam, dois amigos que comandam um negócio improdutivo de artigos para presentes e persistem no ramo por acreditar que suas invenções toscas possuem de fato algum potencial - até o dia em que Matt finalmente acerta e cria um produto com demanda comprovada e chances reais de tornar-se rentável. Como o diretor Jeff Balsmeyer faz questão de enfatizar, a crença de Matt de que a nova invenção é revolucionária não é menos ingênua que as anteriores; a demanda por aquele produto não tem absolutamente nada de óbvia, de modo que a genialidade da invenção reside justamente na existência de uma legião de homens tão bobocas quanto a dupla central - daí a beleza do título original, que mescla designações inglesas para "gênio", "ingênuo" e "engenhoso".

Infelizmente, como narrativa, Golpe de Gênio deixa a desejar: a trama do filme custa a engrenar, o ritmo é problemático e os realizadores parecem confiantes demais de que o desfecho da história real é capaz de aprazer o público, negligenciando elementos das etapas anteriores da narrativa. Até o humor inerente à trajetória de Matt e Sam é irregular e, geralmente, fica sob responsabilidade das invenções pavorosas da dupla, como a escova de dente que promete praticidade e entrega transtornos. O trabalho de direção de arte, vale mencionar, é bastante eficiente: o escritório da International Gifts surge como uma sede de dimensões reduzidas e instalações precárias, além de cemitério para invenções que jamais encontrarão mercado.

Tratando ainda os problemas de Matt e Sam referentes ao vício em apostas com a ênfase necessária, o longa conta com boas atuações do competente, embora ainda pouco conhecido Dallas Roberts e do então ascendente Jeremy Renner, que conferem veracidade à ingenuidade dos sonhadores personagens. Em suma, Golpe de Gênio é um filme correto sobre uma história curiosa de perseverança que comprova que boas ideias, além de absolutamente relativas, podem surgir das mentes mais inusitadas.


Ingenious, EUA, 2009 | Escrito por Mike Cram | Dirigido por Jeff Balsmeyer | Com Dallas Roberts, Jeremy Renner, Ayelet Zurer, Marguerite Moreau, Amanda Anka, Richard Kind, Eddie Jemison, Judith Scott, François Chau.

28 de abril de 2013

Curta | Montinhos de Toupeira

MONTINHOS DE TOUPEIRA

O DVD de Sunshine - Alerta Solar, filme dirigido por Danny Boyle (cujo novo trabalho, Em Transe, chega aos cinemas brasileiros na próxima sexta-feira), conta com um bônus atípico: dividindo espaço com comentários em áudio, cenas excluídas, trailers e diários de produção estão dois curtas não relacionados ao filme, que Boyle insistiu que entrassem na edição do produto com a ideia de dar alguma visibilidade a cineastas estreantes.

Montinhos de Toupeira é um deles - e embora a obra se encontre à disposição de milhares de colecionadores espalhados pelo mundo, creio que são poucos os que terão disposição de vencer os seis minutos de filme. Absolutamente experimental, o curta dirigido por Dan Arnold se resume a registrar, de um ponto fixo, algumas pequenas pilhas de terra depositadas na calçada de uma cidade em algum lugar do mundo, a partir de fragmentos unidos sem um propósito narrativo claro. Com um pouco de atenção, é possível notar uma certa musicalidade criada pela escolha e pelo ordenamento dos fragmentos - e, mais adiante, o aceleramento do ritmo do filme também fica evidente, com planos cada vez mais curtos.

Carros, pombas e pessoas vêm e vão; alguns montinhos são desfigurados, outros não; e seis minutos de nossas vidas são doados a um projeto cuja finalidade possivelmente jamais saberemos. Só resta saber o que tanto atraiu a atenção Danny Boyle.

Mole Hills, 2006 | Dirigido por Dan Arnold.

27 de abril de 2013

A Aparição

Ashley Greene e Sebastian Stan em A APARIÇÃO (The Apparition)

É compreensível que atores pouco conhecidos do elenco de apoio de Crepúsculo tentem aproveitar o impulso proporcionado pela franquia para estabelecer suas carreiras em Hollywood - mas como nem Taylor Lautner, uma das arestas do triângulo amoroso que fundamentava a série, tem conseguido ir muito longe, só resta a nomes como Jackson Rathbone (quem?), Kellan Lutz (quem?), Elizabeth Reaser (quem?) e Peter Facinelli (quem?) provar seus talentos, contar com a sorte, contratar bons agentes e escolher bem os projetos em que se envolvem.

Ashley Greene (quem mesmo?) - atriz que deu vida a Alice Cullen até o último capítulo da franquia (ah, tá!) - não tem correspondido a nenhum dessas três estratégias. Apoiando-se nas migalhas que restam do apelo de seu nome para com os espectadores órfãos de Crepúsculo, além de sua beleza e inusitada semelhança física com Kristen Stewart, Greene vem tentando se manter em evidência através de projetos sempre duvidosos, como o terrível romance Coração de Guerreiro, a desnecessária refilmagem (e vitrine para o narcisismo de Miley Cyrus) Lola ou este despropositado e vergonhoso terror A Aparição.

No filme, escrito e dirigido por Todd Lincoln (quem?), Kelly (Ashley Greene) e o namorado Ben (Sebastian Stan) decidem ir morar juntos na casa do pai da garota, localizada em uma aglomeração residencial isolada e ainda praticamente inabitada - o velho clichê de terror que, aqui, sequer possui algum propósito prático. As expectativas de uma vida tranquila a dois, entretanto, são derrubadas por portas trancadas que se abrem sozinhas, móveis que mudam de lugar, bolores misteriosos brotando em lugares inesperados, interferências elétricas das mais diversas e toda a sorte de manifestações típicas do gênero.

"Nossa casa é nova demais para ser assombrada. Não tem história" é apenas uma das investidas do intenso duelo de asneiras travado pelos personagens de A Apararição - e a partir do momento em que o casal principal descobre que a assombração não está vinculada à casa, o espetáculo de estupidez apenas aumenta. Na pele de um nerd expert em assuntos do além, Tom Felton (oriundo de outra série juvenil, Harry Potter) surge como um espertalhão que, a certa altura, comete a ousadia de afirmar categoricamente que existem explicações científicas para o translado de demônios entre dimensões - e embora nossa percepção sobre a natureza da assombração seja inteiramente moldada por suas colocações, a impressão geral é que o sujeito não faz a menor ideia do que está falando (em determinado instante, enquanto explica o funcionamento de um aparelho, o personagem aponta que a função de determinado instrumento é captar a crença - isso mesmo, a crença - dos envolvidos e armazená-la em outro equipamento).

No entanto, por mais esforçado que Patrick (Tom Felton) seja, a tal aparição que apavora Kelly e Ben é aparentemente insuperável no quesito imbecilidade. Se seu propósito mundano é se alimentar de vidas humanas, por que diabos ela perde tempo embolorando sabonetes, fitando a protagonista com uma câmera de vigilância, amarrando roupas de um armário ou armando um enorme casulo de mofo envolvendo uma pista emblemática a respeito de sua origem?

Contando com uma única cena de horror minimamente diferenciada - aquela envolvendo Kelly e um lençol -, A Aparição conta ainda com erros lógicos ofensivos: naquela que só pode ser a manhã seguinte a determinado procedimento combativo à aparição, por exemplo, o casal principal comenta que dois dias se passaram sem que nenhuma atividade bizarra ocorresse. Se um filme não é capaz de respeitar o espectador, não vejo razão para que a via inversa seja instituída.


The Apparition, EUA, 2012 | Escrito por Todd Lincoln | Dirigido por Todd Lincoln | Com Ashley Greene, Sebastian Stan, Tom Felton, Julianna Guill, Luke Pasqualino, Rick Gomez, Anna Clark e Marty Martulis.

26 de abril de 2013

Tudo Acontece em Nova York

Michael Algieri e Josh Radnor em TUDO ACONTECE EM NOVA YORK (Happythankyoumoreplease)

A estreia do ator Josh Radnor (o Ted da série How I Met Your Mother) como diretor e roteirista não tem muito a acrescentar ao cenário das dramédias indies americanas. Salpicando clichês em três linhas narrativas paralelas, Radnor aposta em fórmulas bastante conhecidas por qualquer cinéfilo: o protagonista Sam (vivido por ele próprio), antes de mais nada, é um aspirante a escritor assombrado por um traiçoeiro rótulo de "voz de uma geração" - exatamente o mesmo perfil que Lena Dunham viria a usar um biênio mais tarde na série Girls e que é constantemente reciclado por autores do gênero. Além disso, Sam se envolve em um romance que, a certa altura, é comprometido por sua ausência em uma ocasião dotada de importância sentimental para seu interesse amoroso, a garçonete Mississippi (Kate Mara, de 10 Anos de Pura Amizade). Para completar, o protagonista desenvolve uma relação inesperada com um órfão abandonado que acolhe no metrô e acaba entrando em parafuso pela falta de ideias de como tornar legal a situação do garoto garantindo que este não se torne vítima de maltratos ou descaso em um novo lar adotivo.

Enquanto isso, na menos interessante subtrama, Mary Catherine (Zoe Kazan, de Ruby Sparks - A Namorada Perfeita), uma amiga de Sam, entra em conflito com o namorado Charlie (Pablo Schreiber), que anseia mudar para Los Angeles a negócios. Por fim, outra amiga do protagonista, Annie (Malin Akerman, de Rock of Ages: O Filme) - acometida por uma doença séria e autoimune -, embarca em um desavisado e inconsciente processo de autoaceitação enquanto se envolve com um ex-namorado insensível (Peter Scanavino) ou com um colega esquisitão do trabalho (Tony Hale). Esta última história paralela, em particular, alcança resultados mais interessantes: o Sam #2 vivido com inusitada competência por Tony Hale é um personagem dono de um tipo bastante peculiar de carisma, capaz de conquistar gradualmente o público e despertar a atenção de Annie para os rumos impróprios que sua vida vem tomando. Já a crise na relação de Mary Catherine e Charlie mostra-se extremamente deslocada e desprovida de relevância e pertinência dramática, culminando em uma resolução simplória que fatalmente ressalta a falta de interesse que a vida alheia, comum e real é capaz de despertar.

Mesmo carecendo de frescor e originalidade, a linha narrativa central tem sua parcela de acertos: a amizade entre Sam e o garoto Rasheen (Michael Algieri), por exemplo, abre espaço para um humor comedido e eficaz, como aquele gerado pela preocupação do protagonista com a educação do menino (cada palavrão é acompanhado de um divertido e impulsivo "Não xingue!") ou a jocosidade do jovem adulto com o próprio envelhecimento ("Podemos parar de correr? Tenho quase 30 anos"). Para completar, o longa de estreia de Josh Radnor abraça como cerne de sua narrativa temas genéricos como a busca incessante pela felicidade ou a importância da gratidão pelas coisas boas ofertadas pela vida. Por Tudo Acontece em Nova York, infelizmente, não sou particularmente grato.


Happythankyoumoreplease, EUA, 2010 | Roteiro de Josh Radnor | Dirigido por Josh Radnor | Com Josh Radnor, Malin Akerman, Kate Mara, Michael Algieri, Zoe Kazan, Tony Hale, Pablo Schreiber, Peter Scanavino, Richard Jenkins, Bram Barouh.

25 de abril de 2013

Um Bom Partido

Gerard Butler em UM BOM PARTIDO (Playing for Keeps)

Caso não tivesse um elenco repleto de nomes de relevância comercial, Um Bom Partido poderia perfeitamente estrear diretamente em alguma sessão vespertina da TV, sem sequer ser notado. A maior parte da responsabilidade por este feito recai sobre o roteirista Robbie Fox, que, há quase 20 anos sem exercer a função, parece ter parado no tempo e concebe uma trama sem o menor frescor, que tenta esconder o emaranhado de clichês sob uma fachada composta por rostos conhecidos, respeitáveis e carismáticos.

No filme, dirigido pelo italiano Gabriele Muccino (À Procura da Felicidade), Gerard Butler deixa o surfe de lado e se arrisca em outro esporte: na pele de um jogador de futebol, o ator dá vida a um personagem que, após uma fratura, é obrigado a se aposentar e entra em franca decadência pessoal. Com a popularidade em baixa, as contas em alta e o divórcio se legitimando ainda mais graças ao noivado recente de sua ex-esposa, Stacie (Jessica Biel, de O Homem das Sombras), George Drayer (Gerard Butler) acaba aceitando o cargo de treinador do time de futebol juvenil de que seu filho Lewis (Noah Lomax) faz parte. A partir daí, o homem passa a desempenhar um enorme malabarismo para administrar as finanças pessoais, o relacionamento com o filho e com a ex-esposa, o assédio das mães dos jovens jogadores e a oportunidade de trabalho (mesmo que repleta de segundas intenções) ofertada por uma delas, Denise (Catherine Zeta-Jones, de Rock of Ages: O Filme).

Com momentos raros e aparentemente acidentais de humor, a comédia romântica aposta suas fichas na abordagem indiscreta, invasiva e abertamente excitada do grupo de mães em relação a George - e embora Catherine Zeta-Jones e Judy Greer criem tipos bem demarcados (Uma Thurman, coitada, sequer consegue chegar a uma definição sobre a personagem e é categoricamente desperdiçada), o comportamento daquelas mulheres não é particularmente engraçado. Investindo no típico protagonista falido e fracassado cujo reerguimento pessoal requer o reparo de grandes erros do passado, a trama é movida por alguns dos mais irritantes clichês do gênero - e nem é preciso dizer que a tentadora oferta de trabalho só é formalizada no início do terceiro ato e demanda que Drayer mude de cidade, gerando o velho conflito "família versus carreira".

Dando uma importância desnecessária ao senhorio de George com o propósito de estabelecer uma gag pavorosamente sem graça, Um Bom Partido conta ainda com Dennis Quaid (Footloose) no papel aborrecido de um pai que oferece uma gratificação ao treinador para que seus filhos ganhem destaque na equipe de futebol, mesmo desprovidos da competência necessária. Não fosse a ordem de grandeza dos custos da produção, eu seria capaz de suspeitar que o lançamento difundido do longa também é obra de algum milionário que pretende tirar o lugar de produções superiores para realizar algum extravagância misteriosa - trama absurda que acabei de inventar e que provavelmente renderia um filme bem mais interessante que Um Bom Partido.


Playing for Keeps, EUA/Itália, 2012 | Escrito por Robbie Fox | Dirigido por Gabriele Muccino | Com Gerard Butler, Jessica Biel, Noah Lomax, Catherine Zeta-Jones, Dennis Quaid, Uma Thurman, Judy Greer, James Tupper, Iqbal Theba, Jason George.

24 de abril de 2013

Sparkle - O Brilho de uma Estrela

Tika Sumpter, Carmen Ejogo e Jordin Sparks em SPARKLE - O BRILHO DE UMA ESTRELA (Sparkle)

Originalidade é um adjetivo que passa longe de Sparkle - O Brilho de uma Estrela: além de ser uma refilmagem do longa homônimo lançado em meados da década de 70, a produção divide uma série de características com o relativamente recente Dreamgirls - Em Busca de um Sonho, que também narrava a trajetória ascendente de um trio de talentosas cantoras negras, sua fatídica crise interna e lançava a carreira cinematográfica de uma ex-participante do American Idol. O mais frustrante, entretanto, é constatar que a falta de originalidade também atinge o desenvolvimento da narrativa, cujo descuido compromete o já reduzido potencial do filme.

Escrito por Mara Brock Akil (esposa do diretor Salim Akil) com base no roteiro original de Joel Schumacher e Howard Rosenman, Sparkle é ambientado na Detroit do final da década de 60 e conta a história de um trio de irmãs que, sem a autorização de sua conservadora mãe, Emma (Whitney Houston), começa a emplacar apresentações noturnas em locais badalados da cidade. Sob o título de Sister and Her Sisters, a recatada e talentosa compositora Sparkle (Jordin Sparks), a ambiciosa e sensual líder Sister (Carmen Ejogo) e a futura médica Dolores (Tika Sumpter, de Pense Como Eles) rapidamente atraem a atenção de olheiros da indústria musical - mas a trajetória de sucesso do trio logo é comprometida pelo declínio pessoal de sua líder.

E Mara Brock Akil sequer parece ter certeza de quem é sua protagonista: embora Sister ganhe destaque na maior parte do tempo e seja responsável pela maior parte dos incidentes que movem a narrativa, Sparkle não só carrega em seu nome o título do filme, como também assume a dianteira quando a irmã é obrigada a sair de cena - embora isto só venha a ocorrer na reta final do longa. Com isso, a roteirista até consegue criar um arco de crescimento e superação digno para a personagem-título, que consegue vencer a falta de confiança no próprio talento e alcançar uma posição de destaque, mas deixa o espectador sem a certeza de qual história exatamente o longa pretende contar - e há um potencial concreto na personalidade autodestrutiva de Sister, vivida com doses corretas de sensualidade e arrogância por Carmen Ejogo, que o filme falha em explorar com maior profundidade.

Além disso, Salim Akil não raramente abre mão do bom senso na hora de reforçar a mensagem que determinadas cenas pretendem transmitir: a apresentação em que as garotas são subestimadas pelo público em função do pudor dos figurinos e acabam aclamadas graças à qualidade da apresentação, por exemplo, valoriza excessivamente a sensualidade da performance de Sister (o que diminui os méritos musicais do grupo) e registra a mudança de reação da plateia de forma patética, não se intimidando em visitar os extremos do deboche e da ovação. Ainda nesse sentido, a relação das irmãs com a mãe é aborrecida e absurda: além do protecionismo mal justificado (seus erros do passado jamais são revelados), a religiosidade da personagem beira a caricatura - e a mudança abrupta de postura de Emma no ato final apenas comprova a falta de lógica de seu comportamento até ali.

Contudo, foi mesmo o falecimento inesperado de Whitney Houston o principal responsável pela relativa atenção que Sparkle recebeu da imprensa - e levando em consideração que ela sequer consegue corresponder dignamente às demandas dramáticas do papel, é uma pena constatar que o último trabalho cinematográfico da cantora não ofereça uma contribuição memorável a seu legado artístico.


Sparkle, EUA, 2012 | História de Joel Schumacher e Howard Rosenman. Roteiro de Mara Brock Akil | Dirigido por Salim Akil | Com Jordin Sparks, Carmen Ejogo, Tika Sumpter, Whitney Houston, Derek Luke, Mike Epps, Omari Hardwick, Curtis Armstrong, Michael Beach, Terrence J e Cee-Lo Green.

23 de abril de 2013

Cena em Destaque | Pós-créditos de Os Vingadores

Chris Evans, Scarlett Johansson, Chris Hemsworth, Jeremy Renner, Robert Downey Jr. e Mark Ruffalo em OS VINGADORES - THE AVENGERS (The Avengers)

Cenas extras após ou durante os créditos finais já se tornaram praticamente um padrão nos filmes da Marvel, tendo sido usadas, inclusive, para preparar o terreno para Os Vingadores, com ganchos que integravam os universos dos principais heróis. Antes que se reúnam novamente em Os Vingadores 2, ainda teremos novos filmes estrelados por Thor e Capitão América, além, é claro, de Homem de Ferro 3, que estreia na próxima sexta, dia 26 - mas tudo indica que as cenas extras (sim, há duas: uma durante e uma após os créditos) de Os Vingadores não tenham qualquer relação direta com a trama das novas aventuras de Tony Stark. Especialmente a última, que foi inserida na véspera do lançamento, não entrou em todas as cópias e, por isso, provavelmente é desconhecida por muitos dos espectadores.

A breve e pacata cena dá sequência à piada feita por Tony Stark (Robert Downey Jr.) no remate do clímax, quando o personagem sugeria que o grupo se reunisse na lanchonete da esquina para experimentar shawarmas, e se baseia em um humor nonsense e puramente conceitual - o que não impede que seja bastante divertida dentro daquele contexto. Assista:

22 de abril de 2013

Crítica | Tudo Por um Sonho

Gerard Butler e Jonny Weston em TUDO POR UM SONHO (Chasing Mavericks)

★★

Chasing Mavericks, EUA, 2012 | Duração: 1h56m27s | Lançado no Brasil em 18 de abril de 2013, em DVD e Blu-ray | História de Jim Meenaghan & Brandon Hooper. Roteiro de Kario Salem | Dirigido por Curtis Hanson e Michael Apted | Com Jonny Weston, Gerard Butler, Elisabeth Shue, Abigail Spencer, Leven Rambin, Devin Crittenden, Taylor Handley e Cooper Timberline.

Pôster nacional e crítica de TUDO POR UM SONHO (Chasing Mavericks)
É difícil acreditar que um filme como Tudo Por um Sonho tenha sido dirigido pelo sujeito responsável por obras tão eficazes e distintas como o suspense policial Los Angeles - Cidade Proibida, o drama 8 Mile - Rua das Ilusões ou até mesmo a comédia dramática Em Seu Lugar, cujo tom inclusive se assemelha bastante ao deste novo trabalho. É injusto, entretanto, atribuir a Curtis Hanson uma fatia significativa da responsabilidade pelo insucesso do longa, já que, em decorrência de problemas cardíacos, o diretor foi obrigado a se afastar da produção, sendo substituído por Michael Apted - mas é preciso admitir que, acima de tudo, o roteiro de Kario Salem (A Cartada Final) é problemático demais para que qualquer cineasta, por mais habilidoso que fosse, conseguisse transformá-lo em um produto digno de admiração.

Fazendo a dramatização de uma sensibilizante história real soar como a adaptação cinematográfica de um livro de autoajuda adolescente, o texto de Salem, baseado em um argumento de Jim Meenaghan e Brandon Hooper, acompanha Jay Moriarity (Jonny Weston), um jovem surfista californiano que, depois de descobrir a existência de ondas gigantes (as chamadas Mavericks) em determinado ponto da costa, é treinado pelo vizinho e também surfista Frosty Hesson (Gerard Butler) para realizar o sonho de encarar e sobreviver àquelas enormes paredes d'água. Entretanto, além dos desafios físicos oferecidos pelo treinamento, Jay precisará enfrentar as dificuldades financeiras e o alcoolismo da mãe, Kristy (Elizabeth Shue), a austeridade do treinador e os dramas comuns a qualquer garoto de 15 anos que viva em um universo ditado por clichês.

O maior erro do roteiro reside na insistência de transformar a realização de um capricho de um adolescente em uma piegas jornada de redescobertas e superação de uma enorme variedade de personagens, já que, embora a história real comporte esse tipo de abordagem, Kario Salem não tem competência para realizar a tarefa. Em tese, não há qualquer valor dramático relevante no sonho de Jay de surfar ondas gigantes, e tampouco existe alguma motivação concreta para que o intransigente Frosty se envolva no projeto. Entretanto, o longa possui suas estratégias para tentar tornar admissível o centro dramático da narrativa: através de palavras bonitas e colocações inspiradoras, a esposa de Frosty, Brenda (Abigail Spencer) tenta convencer o marido (e o público) que treinar o garoto acarretará um sem número de benefícios para todos os envolvidos, o que não faz tanto sentido. E já que citei a personagem de Spencer, vale apontar que ela e Jay revelam-se seres irrepreensivelmente íntegros e encantadores - e é bastante sintomático, além de ligeiramente apelativo, que a trajetória de ambos tenha um ponto bastante infeliz em comum.

Gerard Butler e Jonny Weston em TUDO POR UM SONHO (Chasing Mavericks)

Além disso, o filme peca pelo excesso de subtramas dispensáveis: o romance entre o protagonista e a colega Kim (Leven Rambin), por exemplo, evolui de forma tão desgostosa quanto seu desfecho (e por que, afinal de contas, ela esnoba Jay na escola?). Isso, claro, é uma consequência natural da construção preguiçosa e do desenvolvimento leviano dos personagens - e até mesmo um vilão ridículo e completamente desnecessário (um valentão que persegue Jay desde a infância) é incluído pelo roteiro, como se imprevisíveis e mortais toneladas de águas já não fossem um antagonista forte o suficiente. E o que dizer da irresponsável e derrotada Kristy, que repentinamente melhora de vida e precisa exaltar, através de um diálogo expositivo, que a contribuição do filho foi fundamental em sua promoção no trabalho, já que o longa não apresentara qualquer indício de que isso havia acontecido?

Todavia, por trás de uma carga aborrecida de ensinamentos dos mais variados, uma essência convincente e tocante resiste na relação entre Frosty Hesson (que surge em uma ponta, devolvendo a Jay sua prancha no ato final do longa) e Jay Moriarity: mais que um mentor no mundo do surfe, o homem se torna de forma bastante natural uma figura paternal na vida do garoto, enquanto, curiosamente, negligencia o posto de pai no próprio lar. Embora encarne Moriarity com um pingo de artificialidade, Jonny Weston exibe carisma e energia suficientes para carregar o longa e conquistar a afeição do público, enquanto Gerard Butler, mesmo longe de interpretar uma figura verdadeiramente instigante, acaba responsável pelo personagem com o arco que talvez melhor sobreviva à estrutura formulaica do roteiro.

Abusando de clichês risíveis (até quando o Cinema continuará a romantizar a invasão noturna de locais proibidos?), Tudo Por um Sonho ao menos brinda o espectador com belas imagens marítimas, fazendo com que a perda de seis câmeras Epic Red durante a produção tenha valido o prejuízo. É uma pena, entretanto, que a trajetória de Jay Moriarity não tenha recebido um tratamento homogeneamente eficiente - e confesso que me senti ligeiramente culpado por ter saído do filme comovido, mas, acima de tudo, decepcionado por isto ter ocorrido totalmente em decorrência da carga emocional de pontos específicos da história real, e não da forma piegas como esta foi contada.

Jonny Weston e Gerard Butler em TUDO POR UM SONHO (Chasing Mavericks)

21 de abril de 2013

Curta | Eu Não Quero Voltar Sozinho

Fabio Audi, Ghilherme Lobo e Tess Amorim em EU NÃO QUERO VOLTAR SOZINHO

A produção nacional Do Começo ao Fim, que aborda o romance homossexual entre dois meio-irmãos, parece ser ambientado em um universo paralelo, onde um relacionamento como o do casal principal não parece estar suscetível a se tornar alvo de qualquer tipo de preconceito. O maior problema, entretanto, não é a abordagem leviana do incesto, mas o fato de que o cineasta Aluizio Abrantes desperdiça a chance de levantar uma série de discussões sociais relevantes de sua premissa ao apostar em um conflito pavoroso entre os personagens, que não funcionaria para relacionamentos de qualquer modalidade sexual.

De certa forma, a história de Eu Não Quero Voltar Sozinho também se passa em um universo utópico, no qual um adolescente cego é absolutamente bem adaptado à sociedade e possui uma autoestima surpreendentemente inexorável. Entretanto, diferentemente do longa citado anteriormente, o curta consegue aproveitar os tabus que abraça para reforçar que os conflitos típicos da adolescência atingem até mesmo os aparentemente mais preparados emocionalmente.

Escrito e dirigido por Daniel Ribeiro, Eu Não Quero Voltar Sozinho acompanha a rotina de Leonardo (Ghilherme Lobo), um jovem que encara com bom humor a própria cegueira, estuda em uma classe convencional e conta com o apoio da amiga Giovana (Tess Amorim) para realizar tarefas mais desafiadoras, como voltar do colégio para casa. Entretanto, a dinâmica do casal de amigos é alterado quando o novato Gabriel (Fabio Audi) é acolhido por eles e desperta sentimentos inesperados em Leo.

Utilizando a cegueira do protagonista para reforçar o caráter determinante de aspectos psicológicos no surgimento de um amor, o curta ainda conta com diálogos que abordam de forma natural assuntos pertinentes para jovens daquela idade, criando, nesse sentido, uma bem-vinda verossimilhança - o que provavelmente não seria possível sem o bom desempenho do talentoso elenco. Embora Tess Amorim surja consideravelmente artificial como Giovana, Fabio Audi exprime as inseguranças e a aproximação do novato Gabriel com competência e Ghilherme Lobo desponta como o grande destaque do projeto, encarnando com precisão física a cegueira de Leo e conferindo imensa sensibilidade ao garoto - e é uma pena que o talentoso e carismático ator seja sabotado por alguns péssimos diálogos, como aquele em que o personagem precisa responder à pergunta "Como assim 'apaixonado'?".

Apostando, em um momento importante, no terrível clichê do personagem que desembucha confissões pressupondo erroneamente a identidade de seu interlocutor, Eu Não Quero Voltar Sozinho é um esforço competente o bastante para germinar as expectativas pelo longa inédito Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, no qual Daniel Ribeiro promete expandir o universo dos queridos Leo, Giovana e Gabriel.

Eu Não Quero Voltar Sozinho, Brasil, 2010 | Escrito por Daniel Ribeiro | Dirigido por Daniel Ribeiro | Com Ghilherme Lobo, Tess Amorim e Fabio Audi.

20 de abril de 2013

O Sushi dos Sonhos de Jiro


Aos 85 anos de idade, o chef japonês Jiro Ono permanece no comando da casa de sushi mais tradicional e bem conceituada de Tóquio, segundo especialistas e críticos culinários. Com dimensões físicas reduzidas, um cardápio limitado a sushis e localizado no subsolo de um prédio comercial, o estabelecimento serve uma comida tão conceituada que, mesmo com as limitações comerciais (aparentemente pretendidas e abraçadas pelo proprietário), foi agraciado com a cotação máxima em um prêmio renomado que avalia, além da qualidade da refeição, uma série de tópicos alheios ao cardápio. São conquistas inusitadas como essa que provavelmente despertaram a atenção do cineasta americano David Gelb, que se propôs a investigar a rotina e os bastidores do restaurante - dando origem ao documentário O Sushi dos Sonhos de Jiro.

"É preciso muita habilidade para cozinhar este arroz", comenta Jiro em determinado momento, reforçando que até uma etapa aparentemente trivial da receita demanda sabedoria e dedicação - e não é à toa que, de acordo com o que é dito nos depoimentos, são necessários 10 anos para que todo o ofício seja absorvido por um aprendiz. Aliás, se há algo que o documentário consegue deixar bastante claro é não só a paixão do sushiman, como também sua preocupação constante de renovação - e o próprio título do longa se baseia em um relato a respeito disso, quando Jiro confessa que costuma ter ótimas ideias para novas receitas em sonhos. E é por essas e outras que o sushiman veterano surge como uma figura fascinante: por trás de sua expressão predominante séria há um homem bem humorado, extremamente educado, gentil e, sobretudo, preocupado com a satisfação da clientela - e só mesmo grandes mestres como Jiro seriam capazes de observar instintivamente a mão que cada cliente usa para comer, com o objetivo de posicionar o sushi em pontos mais confortáveis para o manuseio de destros ou canhotos.

Documentando ainda as particularidades da cultura japonesa que cercam aquele negócio (a curiosa agitação do mercado de peixes chega a lembrar a atividade de uma bolsa de valores), O Sushi dos Sonhos de Jiro não deixa de reservar alguns minutos à representação do preparo do sushi da forma como aquele pessoal o encara - e através de planos-detalhes sofisticados, que registram cada detalhe dos pratos minuciosamente preparados, David Gelb transforma a atividade em uma verdadeira arte, com ritmo, musicalidade, atos bem definidos e, acredito eu, um bocado de apetitosos finais felizes.

★★★★★

Jiro Dreams of Sushi, EUA, 2011 | Dirigido por David Gelb.

19 de abril de 2013

Ginger & Rosa


Ginger (Elle Fanning) e Rosa (Alice Englert) são como unha e carne. Nascidas em 6 de agosto de 1945 - o mesmo dia do bombardeio nuclear de Hiroshima - dos ventres de mães amigas, as garotas cresceram juntas e, aos 17 anos de idade, raramente se desgrudam, andando sempre de braços dados e desenvolvendo atividades próprias de garotas da idade e da época, como encolher os jeans submergindo-os na banheira ou alisar os cabelos com ferro de passar roupa. Aliás, ambas possuem até mesmo tipos físicos bem parecidos, com os cabelos surgindo como uma das exceções: embora igualmente compridos, os de Rosa tendem a um castanho que se difere do rubor marcante dos de Ginger. Como em um leve simbolismo, essa distinção física pode ser carregada para o cunho psicológico das amigas: criadas próximas, mas sob a influência de ambientes familiares distintos, as duas possuem personalidades bastante destoantes - e o simbolismo é praticamente confirmado pela cineasta Sally Potter quando o novo corte de cabelo de Rosa marca, também, o distanciamento das personagens que dão título ao filme.

Desprovida de uma figura paterna, Rosa é uma adolescente insubmissa, transgressora e mais atirada sexualmente: em determinada cena, a garota vai de uma troca de olhares aos beijos com um desconhecido usando apenas a linguagem corporal, sem qualquer troca de palavras. Por essa razão, a personagem de Alice Englert demonstra uma vivência mais expressiva que a da amiga, de modo que quando Ginger lhe relata certos conflitos familiares, por exemplo, Rosa é capaz de antecipar a maior parte dos desdobramentos do caso. Diferentemente da amiga, a personagem de Elle Fanning é mais ingênua, gosta de escrever poesias e foi criada pelos pais, Roland (Alessandro Nivola) e Natalie (Christina Hendricks), cujo casamento acaba de entrar em colapso. Entretanto, a característica mais marcante de Ginger é sua notável crise de ansiedade adolescente disfarçada de altruísmo: a preocupação com uma iminente guerra nuclear em meio à crise dos mísseis de Cuba é um reflexo direto da efervescência de sua mente jovem e imediatista, que quer abraçar o mundo ao mesmo tempo que tende a supervalorizar quaisquer contrariedades, encarando-as como sinais do fim de seu mundo particular. Ainda nesse sentido, há um claro paralelo entre a detonação nuclear que Ginger tanto teme e seu desmoronamento emocional, fruto do acúmulo de ansiedades oriundas dos segredos e sofrimentos que é obrigada a guardar para si.

E o grande destaque de Ginger & Rosa é, sem dúvidas, o desempenho da jovem Elle Fanning, que atinge um nível de maturidade surpreendente e admirável - o que leva em conta não só a qualidade de sua interpretação, mas também o fato de que a atriz, aos 13 anos, vive uma adolescente quatro anos mais velha de forma extremamente convincente. A segurança da atriz no longo plano que encerra a projeção apenas reforça que a irmã mais nova de Dakota Fanning ainda deverá trazer muitas alegrias para os cinéfilos.

★★★

Ginger & Rosa, Reino Unido/Dinamarca/Canadá/Croácia, 2012 | Escrito por Sally Potter | Dirigido por Sally Potter | Com Elle Fanning, Alice Englert, Alessandro Nivola, Christina Hendricks, Timothy Spall, Oliver Platt, Annette Bening, Jodhi May, Andrew Hawley.

18 de abril de 2013

Crítica | O Acordo

Dwayne Johnson, Darnell Trotter, Michael K. Williams e Jaime Medeles em O ACORDO (Snitch)

★★

Snitch, EUA/Emirados Árabes Unidos, 2013 | Duração: 1h52 | Lançado no Brasil em 19 de abril de 2013, nos cinemas | Escrito por Justin Haythe & Ric Roman Waugh | Dirigido por Ric Roman Waugh | Com Dwayne Johnson, Jon Bernthal, Barry Pepper, Susan Sarandon, Rafi Gavron, Melina Kanakaredes, Michael K. Williams, Benjamin Bratt, David Harbour, Harold Perrineau, James Allen McCune.

Pôster/capa/cartaz nacional de O ACORDO (Snitch)O que filmes como No, Deu a Louca nos Bichos, Jogo de Poder, Uma Verdade Inconveniente, Syriana - A Indústria do Petróleo, Murderball - Paixão e Glória, Lincoln, Contágio, Um Novo Despertar e este O Acordo têm em comum? Todos eles possuem página no TakePart.com, portal que convida os espectadores e internautas a se engajarem nos temas sociais abordados em maior ou menor grau nessas ou em algumas outras produções cinematográficas. Pelo menos no que diz respeito à temática que rodeia os fatos reais que inspiraram O Acordo, só mesmo esforços externos ao filme podem ser considerados minimamente engajados, já que o investimento na ação e no dramalhão desvia completamente o foco da tal questão social motivadora.

E o diretor e roteirista Ric Roman Waugh bem que tenta despertar a atenção do público para o assunto, seja através dos dizeres que abrem e encerram a projeção ou das citações, inseridas nos créditos finais, ao TakePart.com/Snitch ou ao documentário que serviu de base para os realizadores. Escrito em parceria com Justin Haythe (Foi Apenas um Sonho, O Cavaleiro Solitário), o filme tem início com a prisão em flagrante do jovem Jason Collins (Rafi Gavron, de Fuga Implacável), sob a acusação de envolvimento com o tráfico de drogas. Acreditando que o filho tenha sido vítima de um conluio, o empresário e caminhoneiro John Matthews (Dwayne Johnson) propõe um acordo à procuradora e candidata ao congresso Joanne Keeghan (Susan Sarandon, de Frank e o Robô): em troca da redução ou até mesmo do anulamento da pena de 10 anos do filho, Matthews se infiltraria em uma organização criminosa para auxiliar na prisão de grandes nomes do tráfico local.

A grande discussão social que O Acordo tenta enfiar goela abaixo do espectador diz respeito às penas desproporcionais atribuídas a determinados delitos: segundo os textos informativos que encerram a projeção, a sentença dada a um réu primário acusado de envolvimento com distribuição de drogas é mais severa, por exemplo, do que a atribuída ao crime de estupro. Entretanto, o assunto é constantemente relegado a segundo plano - e as tentativas de integrar o tema à narrativa transformam a produção em um produto mal resolvido entre um drama com traços de ação ou um filme de ação com ambições dramáticas.

Dwayne Johnson em O ACORDO (Snitch)

Nessa indecisão, o ex-lutador Dwayne Johnson (Viagem 2: A Ilha Misteriosa) acaba escalado para um papel cuja dramaticidade encontra-se em um patamar superior ao seu talento. E os esforços dos realizadores de amenizar o porte imponente e a fisionomia carrancuda do ator beiram o ridículo: sem saber por onde começar sua atividade como informante, John decide procurar "tráfico de drogas" nada menos do que na Wikipédia e, mais adiante, em seu primeiro e inconsequente contato com os criminosos, é espancado por um pequeno grupo de frangotes, o que soa absurdo. Entretanto, nada é mais frustrante do que a incapacidade de Johnson de expressar sentimentos fundamentais para o desenvolvimento do personagem: os primeiríssimos planos no rosto do ator durante as conversas com o filho na cadeia apenas ressaltam sua falta de expressividade.

Investindo no velho clichê da relação conturbada entre pai divorciado e filho rebelde (Jason sequer utiliza o sobrenome de John, é claro!) e entregando um terceiro ato que decepciona pelas resoluções fáceis e preguiçosas (a participação do personagem de Jon Bernthal na operação do ato final, por exemplo, é absurdamente mal trabalhada), O Acordo ao menos acerta ao mostrar como atividades ilegais podem ser sedutoras (mesmo sendo administradas pela Gangue da Caricatura), seja graças à ingenuidade de um jovem como Jason ou em decorrência de propostas polpudas como a recebida por John. Como drama metido a ação, entretanto, o filme deixa bastante a desejar.

Barry Pepper, Susan Sarandon e Dwayne Johnson em O ACORDO (Snitch)

17 de abril de 2013

Crítica | A Morte do Demônio

Jane Levy em A MORTE DO DEMÔNIO (Evil Dead)

★★★★

Evil Dead, EUA, 2013 | Duração: 1h31m08s | Lançado no Brasil em 19 de abril de 2013, nos cinemas | Baseado no roteiro de A Morte do Demônio, de Sam Raimi. Roteiro de Fede Alvarez e Rodo Sayagues | Dirigido por Fede Alvarez | Com Jane Levy, Shiloh Fernandez, Lou Taylor Pucci, Jessica Lucas, Elizabeth Blackmore e Randal Wilson.

Pôster nacional e crítica de A MORTE DO DEMÔNIO (Evil Dead)
A Morte do Demônio - o original - é um filme extremamente datado. Lançado há mais de 30 anos, o terror gore de baixíssimo orçamento comandado por Sam Raimi (Oz - Mágico e Poderoso) aos 20 anos de idade possui triunfos o bastante para garantir seu lugar cativo na História do gênero, mas é impossível ignorar que, tecnicamente (principalmente no que diz respeito a fotografia e maquiagem), a produção deixa bastante a desejar, especialmente para as plateias atuais. Levando em conta os inúmeros avanços tecnológicos ocorridos ao longo das últimas três décadas, a ideia de uma refilmagem é, em primeira instância, bastante justificável - e pelo menos no que diz respeito à criação de uma atmosfera de tensão e ao espetáculo gore, seria injusto dizer que o cineasta uruguaio Fede Alvarez faz feio nesta nova versão.

Com um orçamento bem mais folgado e uma reimaginação da trama registrada em roteiro pelo próprio Alvarez e por Rodo Sayagyes, A Morte do Demônio dá um novo contorno à premissa do grupo de jovens que viaja para uma cabana isolada no meio de uma floresta: desta vez, a estadia no local remoto tem como objetivo ajudar Mia (Jane Levy, uma espécie de Emma Stone com a caixa craniana de Reese Witherspoon) a largar as drogas. Entretanto, a primeira noite do grupo se transforma em um generoso banho de sangue depois que o abelhudo Eric (Lou Taylor Pucci) decide desembrulhar um livro envolto em arame farpado e ignorar avisos como "Abandone este livro agora!", despertando uma entidade maligna e assinando, no ato, o atestado de óbito dos amigos.

Surgindo quase como uma metáfora louca para a abstinência química, A Morte do Demônio é hábil ao utilizar o vício da protagonista como uma ferramenta capaz de adiar a percepção dos personagens a respeito da dimensão da enrascada em que se encontram - e, por isso mesmo, o uso de uma segunda explicação alternativa para a possessão da garota (histórico familiar de insanidade) revela-se um esforço tolo e desnecessário de perpetuar o impasse entre os jovens. O ritmo conferido pelos realizadores à narrativa, por outro lado, é impecável: os desencontros e desentendimentos são convincentes e o avanço das atividades do demônio transcorre em uma velocidade astutamente calculada para deixar o espectador agarrado à poltrona e vidrado na tela.


Para tal efeito, Alvarez conta com o suporte de uma excelente equipe técnica. Antes de mais nada, o trabalho do compositor espanhol Roque Baños desempenha um papel fundamental na criação da atmosfera de tensão: apesar da onipresença e dos momentos de frustrante obviedade, a trilha acerta por atribuir expectativas mais ou menos contidas a praticamente todos os eventos vistos em tela, já que, embora os personagens não saibam, a maioria de suas atitudes, por mais triviais e inofensivas que sejam, estão contribuindo para nossa imediata ou futura taquicardia. Também consciente de que sabemos mais sobre a tragédia iminente do que os habitantes daquele universo, a fotografia de Aaron Morton mergulha em uma paleta angustiante e claustrofóbica os cenários e as locações criados ou selecionados pelas equipes de design de produção e direção de arte, incluindo a nada acolhedora cabana ou a sinistra floresta neozelandesa que a cerca. Por fim, apesar da cor muitas vezes inconsistente do sangue, a maquiagem não comete o pecado de transformar os personagens possuídos em meros atores maquilados, com o benefício fundamental das boas mudanças de postura do elenco durante a fase demoníaca.

E os pouco conhecidos jovens escalados para sangrar na tela também não decepcionam: Jane Levy, em especial, encara a montanha russa de emoções de Mia com segurança, terror e talento, ao passo que Shiloh Fernandez, como o irmão da protagonista, desperta a compaixão do espectador com seu carisma e uma leve expressão de palerma, tornando parte da estupidez de David mais perdoável (na segunda metade da projeção, por exemplo, o personagem continua a acreditar que é possível dopar a irmã com remédios). Apostando fortemente em cenas repulsivas, inclusive com cunho sexual (mais até do que no filme original), o longa não é feliz em todas as adaptações da trama: qual é o propósito de um livro que ensina tanto a convocar quanto a expulsar um demônio? Quem é a garota cadavérica que aterroriza os jovens e qual a sua real natureza? Por fim, a maior parte dos clichês (oriundos ou não da obra inspiradora) que permeiam a narrativa pode ser relevada diante dos bons resultados alcançados - o que não pode ser dito, entretanto, do ato final, quando as convenções do gênero são agarradas de forma desenfreada e descautelosa, criando um pequeno anti-clímax.

Fazendo a dose obrigatória de referências ao longa original (do primeiro movimento de câmera após o prólogo até o plano extra após os créditos finais) ou, claro, agregando diretamente elementos daquela obra (os passeios de câmera pela mata persistem como um dos grandes acertos da franquia), A Morte do Demônio ainda brinca com as expectativas daqueles familiarizados com a produção original (descobrir que o livro não é incendiável é devastador) ou com algumas convenções do próprio gênero (como não ficar com uma pulga atrás da orelha com o comportamento de certa personagem que retorna em um momento próximo ao desfecho?). Dizer que falta originalidade ao remake é praticamente redundante, mas vale apontar que ele funciona suficientemente bem para deleitar os fãs do gênero e merecer uma conferida.

Shiloh Fernandez em A MORTE DO DEMÔNIO (Evil Dead)

16 de abril de 2013

Cena em Destaque | Pec pop of love

Josh Hutcherson e Dwayne Johnson em VIAGEM 2: A ILHA MISTERIOSA (Journey 2: The Mysterious Island)

Na próxima sexta-feira, 19, Dwayne Johnson - que, este ano, já foi visto em G.I. Joe: Retaliação e ainda estará em Velozes & Furiosos 6 e Sem Dor, Sem Ganho - chega aos cinemas brasileiros em O Acordo, longa em que tenta emplacar um papel dramático, raro em sua carreira. Já conferi o filme e posso antecipar que não funciona; Johnson tem carisma, mas lhe falta expressividade e talento para transitar entre as emoções exigidas pelo papel de um pai que vê seu jovem filho ser detido sob uma acusação desproporcional à gravidade do delito cometido.

Como herói de ação ou em comédias, por outro lado, Dwayne Johnson já viveu bons momentos no Cinema - mesmo em filmes ruins. A Cena em Destaque dessa semana destaca um dos momentos mais WTF? de 2012, estrelado pelo ator: o filme é Viagem 2: A Ilha Misteriosa e, pouco depois de chegarem à tal terra fantástica, Hank (Dwayne Johnson) decide dar conselhos amorosos ao enteado Sean (Josh Hutcherson), então interessado na bela Kailani (Vanessa Hudgens). Indisposições entre padastro e enteado são deixadas de lado e a narrativa é praticamente interrompida para uma gag quase surreal: lançando mão de seus dotes físicos e de seu bom timing cômico, Johnson se despe de qualquer tipo de embaraço e apresenta ao rapaz a inusitada (e, segundo ele, infalível) técnica de sedução denominada pec pop of love. Confira você mesmo no vídeo abaixo (sem legendas).

15 de abril de 2013

Phil Spector

Helen Mirren e Al Pacino em PHIL SPECTOR

O simples fato de ser ou não baseado em uma história real pode mudar completamente a percepção sobre um filme. Caso não fosse inspirado em um caso verídico, o vencedor do último Oscar, Argo, por exemplo, provavelmente seria amplamente rejeitado pela crítica e pelo público em função da trama absurda e ufanista. A relação de Phil Spector com a realidade encontra-se em um espectro pouco usual, introduzido pelos seguintes dizeres: "Este filme é uma obra de ficção e não é baseado em uma história real. É inspirado em pessoas reais em um julgamento". Por que, então, preservar os nomes dos envolvidos ou os desdobramentos exatos do processo (incluindo textos finais que comentam a resolução), quando usados como pano de fundo para a construção de personagens cuja fidedignidade é deixada em aberto?

É fácil supor que as maiores liberdades artísticas do projeto dizem respeito ao desenvolvimento do personagem-título, cuja figura inspiradora não contribuiu na produção do roteiro. A longa cena em que Spector surge pela primeira vez deixa isso bastante claro: repleto de assuntos não relacionados ao julgamento, o primeiro encontro entre Phil e a advogada Linda Kenney Baden (Helen Mirren, de Hitchcock) falha pela tentativa extrema e forçada de estabelecer o dono de um bizarro falso castelo como um sujeito excêntrico e disperso. Embora peque por assumir um lado no caso (o espectador é constantemente convencido que o réu é inocente), o diretor e roteirista David Mamet utiliza razoavelmente bem o posicionamento para estudar a personalidade do personagem meio real, meio fictício: o Phil Spector de Al Pacino (em uma atuação que nos impulsiona a começar a esquecer de Cada um Tem a Gêmea Que Merece) é um homem cujo imenso orgulho sabota constantemente as chances de um veredito favorável, como, por exemplo, através da incapacidade de se sujeitar à teatralidade exigida pelo tribunal - e não é à toa que, só no início do último terço do longa, Spector conta sua versão sobre a morte da atriz Lana Clarkson para a advogada.

Produzido por Barry Levinson (que já havia dirigido um muitíssimo superior drama de tribunal estrelado por Al Pacino para a HBO, Você Não Conhece Jack), Phil Spector é um longa que se esconde atrás da inspiração em eventos reais para justificar o estudo de um caso pouco interessante, que ainda por cima é desenvolvido de forma negligente (em certo momento, um intérprete brasileiro é solicitado pela personagem de Mirren para examinar as declarações do motorista do réu, mas esta vertente da investigação para por aí). Se Mamet não ficasse tão em cima do muro - isto é, decidisse entre ficcionalizar efetivamente a história de Spector ou mergulhar de forma fiel em um caso real mais detalhado e promissor -, talvez teríamos visto uma obra mais interessante.


Phil Spector, EUA, 2013 | Roteiro de David Mamet | Dirigido por David Mamet | Com Helen Mirren, Al Pacino, Jeffrey Tambor, Chiwetel Ejiofor, Rebecca Pidgeon, John Pirruccello, James Tolkan, David Aaron Baker, Matt Malloy, Meghan Marx.

14 de abril de 2013

Curta | Salvando o Pelicano 895

SALVANDO O PELICANO 895 (Saving Pelican 895)

Embora o título do documentário pareça sugerir circunstâncias especiais em torno da ave em questão, o 895º pelicano resgatado na costa da Louisiana após a explosão de uma plataforma da BP em 2010 não possui nada de especial. Como os 894 animais salvos anteriormente ou as centenas que ainda seriam capturadas, o pelicano LA 895 - nomenclatura dada não só por questões logísticas, mas também para evitar que os cuidadores se apeguem aos animais, como um deles explica - é apenas mais uma vítima do vazamento de óleo, de modo que a especificidade do título do documentário pretende não só ressaltar a importância singular de cada espécime, como também tomá-lo como referência para o acompanhamento do processo de restauração da saúde e da vitalidade desenvolvido pela equipe de resgate, desde a captura até a devolução ao habitat.

Iniciado com um pequeno levantamento histórico que transforma o desastre ecológico em um contratempo ainda mais trágico (em resumo, os pelicanos marrons haviam saído da lista de animais ameaçados de extinção apenas 5 meses antes do vazamento), o curta apresenta as principais etapa do tratamento dos pelicanos de forma bastante didática. Ao longo de 40 minutos, conservadoristas e ativistas detalham diversas etapas do processo - e, dessa forma, descobrimos que, embora trabalhem motivados por um óbvio sentimento de compaixão, por exemplo, os cuidadores precisam manter os pelicanos acuados, para impedir que estes desenvolvam dependência por ajuda de humanos.

Produzido pela HBO Documentary Films, Salvando o Pelicano 895 ainda abraça, em seu desfecho, o lirismo da hesitação (puramente instintiva, é evidente) do objeto de estudo ao ser devolvido à natureza, como se o então A69 (denominação definitiva que o LA 895 recebe) precisasse de alguns momentos para assimilar a própria liberdade - e ver o animal alçando voo após um processo tão anti-natural e extenuante (segundo os profissionais, apenas a lavagem meticulosa causa nos animais uma descarga de estresse equivalente à de uma maratona) é um regozijo com um âmago de receio e efemeridade, já que é impossível certificar que o pelicano estará de fato salvo de novas inferências nocivas da humanidade.

Saving Pelican 895, EUA, 2011 | Dirigido por Irene Taylor Brodsky.

13 de abril de 2013

Refúgios

Rachel Hurd-Wood e Harry Treadaway em REFÚGIOS (Hideaways)

Os homens da linhagem dos Furlong não são seres convencionais. Por razões desconhecidas, todos eles desenvolvem algum tipo de habilidade fantástica em decorrência de experiências traumáticas na infância: depois de ver dois adultos transando, um deles passa a ter 37 minutos de cegueira sempre que pensa em sexo; seu descendente, assustado com equipamentos ortodônticos, passa a anular involuntariamente o funcionamento de aparelhos eletrônicos em momentos de nervosismo; por fim, o pequeno James arranca a vida de todos os seres ao redor sempre que tem alguma hemorragia, depois de se ferir tentando estimular o surgimento dos poderes de sua preferência. Naturalmente, as habilidades extraordinárias dos Furlong logo assumem a proporção de grandes maldições - especialmente a de James, que, depois de matar acidentalmente o pai, a avó, uma penca de colegas do reformatório e um lenhador que o acolheu em uma de suas fugas, passa a viver isolado da humanidade em uma cabana na floresta.

Diante de uma introdução que não se intimida em jorrar sangue e multiplicar tragédias, é extremamente decepcionante que Refúgios se deixe levar pela onda de romances fantásticos açucarados impulsionada por Crepúsculo e abra mão de grande parte da força de sua premissa ao insistir em alçar o poder transformador do amor a um patamar literal. Escrito por Nick Murphy e dirigido por Agnès Merlet, o longa irlandês acompanha o breve envolvimento de James Furlong (Harry Treadaway) com Mae-West O'Mara (Rachel Hurd-Wood), uma jovem paciente que foge de um hospital localizado nas redondezas da floresta que abriga o protagonista após descobrir que seu câncer de intestino é irreversível. Há anos sem interagir com outros humanos, James age com um misto de timidez, receio e curiosidade e acaba se apaixonando por Mae-West, mas tenta lutar contra os sentimentos por temer o mal que pode causar à garota.

Com isso, Murphy e Merlet desperdiçam uma premissa instigante e um protagonista dono de devastadores conflitos internos ao apostar em um romance tolo, abrupto e inconvincente que, como já mencionado, transforma o amor em um poder transformador literal dentro do universo do filme. Embora admissível, o conceito causa incômodo por algumas razões: lacunas no passado da família Furlong são abertas, a química do casal principal é deficitária (Treadway, em particular, é péssimo ator) e, pela pobreza ou escassez de metáforas, o conceito soa arbitrário - e o máximo que o roteiro faz nesse sentido é tentar aproximar o casal pelo sofrimento em comum, isto é, a sujeição às danosas heranças genéticas, já que nem o fato de um tirar vidas e a outra estar prestes a morrer é bem aproveitado pelo filme.

Demasiadamente aborrecido para sua curta duração, Refúgios se estabelece de vez como uma decepção assim que concluímos que a maior maldição de James Furlong é, na verdade, ter saído da mente de um roteirista ruim.


Hideaways, Irlanda, 2011 | Escrito por Nick Murphy | Dirigido por Agnès Merlet | Com Harry Treadaway, Rachel Hurd-Wood, James Wilson, Thomas Brodie Sangster, Susan Lynch, Stuart Graham e Kate O'Toole.

12 de abril de 2013

Contra o Tempo

Richard Coyle e Bronson Webb em CONTRA O TEMPO (Pusher)

Uma das maiores lições passadas por Contra o Tempo, segunda refilmagem do longa de estreia do cineasta dinamarquês Nicolas Winding Refn (Drive), é que não é só de boas histórias que filmes são feitos. Ignorando pequenas alterações, a trama contida no roteiro de Matthew Read é exatamente a mesma de Pusher: após um negócio mal sucedido, um revendedor de drogas cria uma enorme dívida com seu fornecedor e precisa se desdobrar para levantar o dinheiro para quitá-la. Entretanto, o que Read e o diretor Luis Prieto não parecem compreender é que essa história servia como mero pano de fundo para o estudo da decadência de um sujeito egoísta e corrompido e acabam abolindo nuances importantíssimas para a construção do personagem.

Vivido por Kim Bodnia, o Frank do filme original era um sujeito cuja aparência comum e expressão tranquila não só refletiam sua estratégia de encobrimento da atividade ilegal, como também sugeriam um envolvimento circunstancial na vida criminosa e aumentavam o choque de suas eventuais explosões de violência. Além disso, o envolvimento amoroso com uma dançarina era visivelmente instável - e a subtrama envolvendo problemas de saúde do cachorro da garota, por exemplo, enfatizava a indiferença do protagonista em relação às demandas particulares da companheira. Muito disso é perdido na composição de Richard Coyle: a aparência mais carrancuda do ator entrega seu envolvimento em atividades ilícitas e exprime inadvertidamente sua frieza, ao passo que o envolvimento com a dançarina Flo (Agyness Deyn) avança sem maiores contratempos, até que brigas formulaicas preparem o terreno para um importante evento do desfecho.

Aliás, as alterações feitas na resolução do filme comprovam a incompreensão dos novos realizadores a respeito do impacto emocional que certas escolhas podem causar (e não termine de ler este parágrafo caso não tenha assistido a algum dos filmes). Em Pusher, quando Frank finalmente se dá conta do beco sem saída em que se encontra, um primeiro plano do personagem é descontinuado pela visão da namorada fugindo com seu dinheiro e um plano em que capangas de seu fornecedor preparam o terreno para uma provável execução do protagonista, reforçando sua completa falta de recursos (e os insights ainda podem ser encarados como meras conjeturas de Frank, uma interpretação possível e interessante) e encerrando o longa em grande estilo. Já em Contra o Tempo, o montador Kim Gaster opta por mostrar a preparação da execução de Frank mais cedo, imediatamente após sua conversa por telefone com o mafioso Milo (Zlatko Buric), reforçando a ingenuidade alarmante do protagonista, enquanto o desfecho em si prefere dar à tola ruptura do casal central mais importância do que o necessário.

E não é só nesse momento que Prieto e Read diminuem o potencial narrativo da trama: o instante em que Frank saia de um pub com o rosto coberto por respingos de sangue após espancar o companheiro Tonny (vivido na versão original pelo agora popular Mads Mikkelsen e substituído pelo insuportável Bronson Webb, de Piratas do Caribe - Navegando em Águas Misteriosas) dá lugar ao clichê do personagem transtornado lavando as mãos sujas de sangue e fitando-se no espelho de algum banheiro alheio. De modo geral, a abordagem naturalista de Nicolas Winding Refn (resumida basicamente a uma câmera na mão acompanhando seus personagens) dá lugar a uma direção mais convencional, repleta de cortes, filtros de cores, trilha intrusiva e firulas pontuais.

Lançado no Brasil diretamente em home video, Contra o Tempo é uma tentativa corrida (Pusher era quase 20 minutos mais extenso) de recontar e atualizar uma história cujos maiores méritos residiam em algo que a nova versão acaba trivializando: a personalidade de seu protagonista.


Pusher, Reino Unido, 2012 | Baseado no roteiro de Pusher, escrito por Nicolas Winding Refn e Jens Dahl. Roteiro de Matthew Read | Dirigido por Luis Prieto | Com Richard Coyle, Bronson Webb, Agyness Deyn, Mem Ferda, Zlatko Buric, Paul Kaye, Neil Maskell, Daisy Lewis.

11 de abril de 2013

Crítica | Chamada de Emergência

Halle Berry e Denise Dowse em CHAMADA DE EMERGÊNCIA (The Call)

por Eduardo Monteiro

The Call, EUA, 2013 | Duração: 1h33m50s | Lançado no Brasil em 12 de Abril de 2013, nos cinemas | História de Richard D'Ovidio & Nicole D'Ovidio & Jon Bokenkamp. Roteiro de Richard D'Ovidio | Dirigido por Brad Anderson | Com Halle Berry, Abigail Breslin, Michael Eklund, Morris Chestnut, Roma Maffia, Denise Dowse, David Otunga, Michael Imperioli, Justina Machado, José Zúñiga, Ella Rae Peck e Evie Louise Thompson.

Pôster nacional e crítica de CHAMADA DE EMERGÊNCIA (The Call)
Certamente, chamadas longas para o serviço de atendimento a emergências são fatos raros, já que fogem do imediatismo, da prontidão e da urgência inerentes a ligações desse tipo. O caso da adolescente Casey Welson (Abigail Breslin, de Noite de Ano Novo), por exemplo, é um que se encaixa no grupo das exceções: sequestrada por um maníaco, a garota mantém contato por celular com a atendente Jordan (Halle Berry) enquanto é transportada no porta-malas de um carro, sem que seu algoz tome conhecimento desse fato. Entretanto, a maior peculiaridade deste caso reside no fato de que Casey, Jordan e o sequestrador Michael Foster (Michael Eklund) são personagens irreais agindo de forma implausível para permitir que o sequestro preencha um thriller de noventa e poucos minutos - ao passo que a vida real, felizmente, não é roteirizada por Richard D'Ovidio (13 Fantasmas).

Dirigido por Brad Anderson (O Operário), Chamada de Emergência começa apresentando o funcionamento padrão de uma central de atendimento de emergências e ressaltando que aquelas linhas telefônicas são fontes naturais e prolíferas de premissas para thrillers violentos - o que praticamente nos induz a considerar que o filme possivelmente teria funcionado muitíssimo melhor como uma antologia de curtas ou caso acompanhasse múltiplas narrativas paralelas, ao invés de estender a duração de uma ocorrência que poderia perfeitamente ser concluída com rapidez em circunstâncias convencionais. Repetindo o esqueleto do primeiro ato de Maré Negra, trabalho recente pavoroso de Halle Berry, o roteiro de D'Ovidio leva a protagonista a se afastar de sua profissão após uma experiência traumática (no caso, um atendimento com desfecho trágico) e continuar trabalhando na mesma área, porém em um cargo alheio a riscos (treinamento de pessoal, no caso). Porém, a situação muda de figura quando uma funcionária inexperiente atende a chamada de Casey, que logo é repassada para Jordan.

E até certo ponto, os esforços conjuntos das personagens de Berry e Breslin se desenvolvem de forma coerente e conseguem prender a atenção do espectador: a passagem do sequestrador por uma autoestrada possui uma sequência de eventos bastante lógica, que alterna a vantagem entre mocinhas e vilão com o apoio da ingenuidade de outros motoristas, mas sem abusar da inteligência do espectador. Entretanto, quando Michael se esgueira para um estacionamento e tem seus planos parcialmente frustrados, a trama começa a desandar: a incompetência da polícia torna-se demasiadamente absurda e conveniente, enquanto o vilão revela-se cada vez mais um psicopata caricato e indigno de interesse por parte do público - culminando em um terceiro ato aspirante a O Silêncio dos Inocentes, porém infinitamente inferior e absurdamente ineficiente.

CHAMADA DE EMERGÊNCIA (The Call)

Além disso, o roteirista claramente não consegue lidar com o fato de que o envolvimento ativo da protagonista na resolução da trama faz-se desnecessário - e, para que esta participação seja viabilizada, D'Ovidio é obrigado a depreciar mais uma vez a competência da força policial, que, embora admita a possibilidade de o criminoso e a vítima terem passado por determinada fazenda, abre mão de uma perícia no local, que rapidamente solucionaria o caso. Por fim, além do jogo de gato e rato aborrecido e de uma erotização desnecessária da atriz Abigail Breslin, os realizadores comprometem o terceiro ato graças à necessidade tola de expor detalhadamente as motivações do vilão ou até mesmo devido à criação de simbolismos inconsistentes: não fica claro se o ângulo baixo que fita Jordan diante de uma bandeira dos Estados Unidos reflete o ufanismo norte-americano ou propõe uma crítica a ele, diante dos eventos transcorridos nos segundos finais da projeção.

Distante da garotinha desajeitada e ingênua que arrasou corações em Pequena Miss Sunshine, a agora loira Abigail Breslin investe em uma composição amedrontada e histérica que, embora não seja particularmente agradável, convence bastante e consegue até mesmo comover o espectador em momentos estratégicos. Já Halle Berry dá continuidade à sequência de papéis pouco relevantes em projetos pouco promissores (com exceção, talvez, de A Viagem) e, na medida do possível, se esforça para extrair algo de interessante de uma personagem metida a agente secreta, embora incorpore o papel de atendente com segurança e confiabilidade. Por fim, sempre que possível, o diretor Brad Anderson agarra chances de reafirmar seu talento: a particularmente tensa e angustiante sequência envolvendo o atendimento à ligação da adolescente indefesa Leah Templeton (Evie Louise Thompson) é um bom exemplo.

Ambientado em um universo em que Missão Madrinha de Casamento é o filme favorito de alguém, Chamada de Emergência é um longa que não faz jus à sua primeira metade e comete o crime de desperdiçar o talento de seu diretor. Pena que não exista um telefone para denunciar este delito.

Abigail Breslin em CHAMADA DE EMERGÊNCIA (The Call)