
As animações devem figurar, junto com os filmes de horror, entre os segmentos menos explorados pelo Cinema brasileiro - e se estivermos falando de longas animados voltados especificamente para o público adulto, a lista evidentemente se fecha ainda mais. Nesse sentido, Uma História de Amor e Fúria surge como um projeto atípico e, por isso mesmo, bastante ambicioso: realizado quase inteiramente em animação tradicional (em 2D), o filme de estreia do roteirista Luiz Bolognesi na direção aposta em uma abordagem sci-fi para recontar passagens importantes da história do Brasil pelo ponto de vista dos oprimidos.
Escrito pelo próprio Bolognesi, o filme acompanha um guerreiro tribal (Selton Mello, de O Palhaço) que, na época da chegada dos europeus ao Brasil, é agraciado, por encanto, com imortalidade e uma missão: combater o antagonismo de Anhangá, uma força das trevas. Apaixonado por Janaína (Camila Pitanga) - sentimento que perdura por séculos e sobrevive às diversas reencarnações da moça -, o homem assume a forma de um pássaro quando morre e retorna à forma humana sempre que reencontra sua amada, seja na pele de um negro durante o período da escravidão, em um grupo de resistência na época do regime militar ou como um homem abastado e descontente em um futuro distópico.
Dividido em quatro partes, Uma História de Amor e Fúria peca, antes de mais nada, pela estrutura episódica: apenas uma das subdivisões - a última - revela-se realmente interessante, graças à visão instigante do futuro brasileiro (que, na visão de Bolognesi, inclui a completa desertificação da Amazônia, um racionamento drástico de água potável, a verticalização desenfreada do Rio de Janeiro e a entrega da presidência do país a um pastor evangélico, que insiste em afirmar que "Só a fé do povo pode trazer a chuva de volta"). Nas demais partes, a falta de aprofundamento e de tempo para desenvolver melhor as tramas torna tudo corrido e diminui sensivelmente o impacto dos vários males a que os personagens são submetidos.
E não é só isso: a falta de expressividade da animação também compromete o envolvimento emocional do espectador. Embora possua um design interessante, que não esconde nudez ou violência e concebe cenários estilizados e eficientes a seu modo (com elementos em 3D sendo incluídos gradativamente), a animação é prejudicada pela inspiração nos quadrinhos e aposta, na maior parte do tempo, em movimentos corporais mínimos e pausados, transferindo para deslocamentos da "câmera" a tarefa de conferir dinamismo às cenas e obrigando os personagens a descreverem muitos de seus sentimentos - e para cada sutileza digna de nota (como um enxugar de mãos perfeitamente natural da personagem dublada por Camila Pitanga na época da escravidão), há um amontoado de ações ineficazes, como a absoluta falta de sensualidade de Janaína lambendo o mel que escorre dos lábios de seu parceiro ("Como é gostoso meu Tupinambá", ela precisa explicar).
Entretanto, o maior problema do longa diz respeito à tentativa de compensar as defasagens narrativas da animação com o desenho de som: investindo em ruídos rasgados e estridentes nos momentos de maior intensidade (os devaneios com Anhangá são torturantes para os tímpanos), a mixagem cacofônica do filme revela-se uma verdadeira convulsão sonora - e alguns preciosos momentos de silêncio próximos ao desfecho reforçam a ideia de que a etapa final é mesmo a mais eficiente do longa.
Por outro lado, as escolhas temáticas do filme são louváveis: dando continuidade ao trabalho iniciado no livro Meu Heróis Não Viraram Estátua, Bolognesi reforça a importância social do conhecimento histórico ("Viver sem conhecer o passado é viver no escuro"), propõe discussões sobre as relações desumanas de poder, dominância e opressão e, por fim, ainda deixa uma reflexão pertinente no ar: o hipotético final de século imaginado pelos realizadores é tão impraticável assim ou, de fato, nossas posturas atuais estão contribuindo para uma distopia equivalente àquela?

Uma História de Amor e Fúria, Brasil, 2012 | Escrito por Luiz Bolognesi | Dirigido por Luis Bolognesi | Com as vozes de Selton Mello, Camila Pitanga e Rodrigo Santoro.
Escrito pelo próprio Bolognesi, o filme acompanha um guerreiro tribal (Selton Mello, de O Palhaço) que, na época da chegada dos europeus ao Brasil, é agraciado, por encanto, com imortalidade e uma missão: combater o antagonismo de Anhangá, uma força das trevas. Apaixonado por Janaína (Camila Pitanga) - sentimento que perdura por séculos e sobrevive às diversas reencarnações da moça -, o homem assume a forma de um pássaro quando morre e retorna à forma humana sempre que reencontra sua amada, seja na pele de um negro durante o período da escravidão, em um grupo de resistência na época do regime militar ou como um homem abastado e descontente em um futuro distópico.
Dividido em quatro partes, Uma História de Amor e Fúria peca, antes de mais nada, pela estrutura episódica: apenas uma das subdivisões - a última - revela-se realmente interessante, graças à visão instigante do futuro brasileiro (que, na visão de Bolognesi, inclui a completa desertificação da Amazônia, um racionamento drástico de água potável, a verticalização desenfreada do Rio de Janeiro e a entrega da presidência do país a um pastor evangélico, que insiste em afirmar que "Só a fé do povo pode trazer a chuva de volta"). Nas demais partes, a falta de aprofundamento e de tempo para desenvolver melhor as tramas torna tudo corrido e diminui sensivelmente o impacto dos vários males a que os personagens são submetidos.
E não é só isso: a falta de expressividade da animação também compromete o envolvimento emocional do espectador. Embora possua um design interessante, que não esconde nudez ou violência e concebe cenários estilizados e eficientes a seu modo (com elementos em 3D sendo incluídos gradativamente), a animação é prejudicada pela inspiração nos quadrinhos e aposta, na maior parte do tempo, em movimentos corporais mínimos e pausados, transferindo para deslocamentos da "câmera" a tarefa de conferir dinamismo às cenas e obrigando os personagens a descreverem muitos de seus sentimentos - e para cada sutileza digna de nota (como um enxugar de mãos perfeitamente natural da personagem dublada por Camila Pitanga na época da escravidão), há um amontoado de ações ineficazes, como a absoluta falta de sensualidade de Janaína lambendo o mel que escorre dos lábios de seu parceiro ("Como é gostoso meu Tupinambá", ela precisa explicar).
Entretanto, o maior problema do longa diz respeito à tentativa de compensar as defasagens narrativas da animação com o desenho de som: investindo em ruídos rasgados e estridentes nos momentos de maior intensidade (os devaneios com Anhangá são torturantes para os tímpanos), a mixagem cacofônica do filme revela-se uma verdadeira convulsão sonora - e alguns preciosos momentos de silêncio próximos ao desfecho reforçam a ideia de que a etapa final é mesmo a mais eficiente do longa.
Por outro lado, as escolhas temáticas do filme são louváveis: dando continuidade ao trabalho iniciado no livro Meu Heróis Não Viraram Estátua, Bolognesi reforça a importância social do conhecimento histórico ("Viver sem conhecer o passado é viver no escuro"), propõe discussões sobre as relações desumanas de poder, dominância e opressão e, por fim, ainda deixa uma reflexão pertinente no ar: o hipotético final de século imaginado pelos realizadores é tão impraticável assim ou, de fato, nossas posturas atuais estão contribuindo para uma distopia equivalente àquela?


Uma História de Amor e Fúria, Brasil, 2012 | Escrito por Luiz Bolognesi | Dirigido por Luis Bolognesi | Com as vozes de Selton Mello, Camila Pitanga e Rodrigo Santoro.