1 de março de 2013

Hitchcock

Helen Mirren e Anthony Hopkins em HITCHCOCK

Assim como Lincoln não pode ser considerado uma cinebiografia do décimo sexto presidente dos Estados Unidos, Hitchcock está longe de ser algo além de um pequeno recorte da vida e da carreira do Mestre do Suspense. Nesse aspecto, o título provisório do projeto - Alfred Hitchcock e os Bastidores de Psicose, homônimo à obra que o inspirou -, embora longo e comercialmente impraticável, era muitíssimo mais sugestivo: no novo filme de Sacha Gervasi (Anvil: The Story of Anvil), tanto o cultuado cineasta quanto a produção de uma de suas grandes obras-primas ganham doses equiparáveis de atenção.

Lamentavelmente, as peculiaridades da produção de Psicose revelam-se muito mais interessantes que o novelão em que a vida particular de Hitchcock é transformada pelo roteirista John J. McLaughlin (Cisne Negro). Ambientado no final da década de 50, o filme é introduzido pelo próprio protagonista, que, olhando diretamente para a câmera, interage com o psicopata cujo crime inspirou a obra de Robert Bloch - uma metalinguagem disfuncional e desajeitada que, retomada em devaneios posteriores do personagem, jamais acrescenta efetivamente à narrativa. À procura de um novo material para filmar após o sucesso de Intriga Internacional, Alfred Hitchcock (Anthony Hopkins) fica fascinado com o livro Psicose e decide que aquele será seu próximo projeto. Desestimulado pelo estúdio, o diretor firma um acordo de distribuição e decide financiar o filme do próprio bolso - o que coloca suas propriedades em risco e aumenta ainda mais a pressão em torno da ambiciosa produção.

Enquanto isso, sua esposa, Alma Reville (Helen Mirren), passa a ser cortejada pelo roteirista Whitfield Cook (Danny Huston, de O Resgate), com quem gasta semanas trabalhando em um projeto paralelo - e o triângulo amoroso apenas aborrece, pela forma rasteira e previsível como é desenvolvido. Ainda nesse sentido, a romantização exacerbada do desfecho incomoda especialmente aqueles que têm conhecimento das circunstâncias conturbadas da produção do filme seguinte de Hitch (incluindo uma crise no casamento e o assédio sexual de sua próxima estrela), narradas no mediano A Garota.

Todavia, Helen Mirren (Phil Spector) se sai bem ao transformar Alma em uma mulher de atitude e com forte senso de independência, ao passo que Anthony Hopkins (Thor), sob pesada maquiagem (que ainda assim não o transforma em um Hitchcock muito fidedigno), investe fortemente na composição vocal e comportamental do personagem, pecando especialmente na expressividade dos olhos, que permanecem impassíveis na maior parte do tempo. E embora James D'Arcy impressione pela impecável personificação de Anthony Perkins, o elenco de apoio formado por nomes fortes como Scarlett Johansson (Compramos um Zoológico), Toni Collette (A Garota Morta), Jessica Biel (O Homem das Sombras) e Michael Stuhlbarg (Sete Psicopatas e um Shih Tzu) é subaproveitado em um segmento do filme que se isenta da tarefa de desenvolver personagens - excluindo, claro, o próprio Hitchcock, cuja vida pessoal não raramente interfere nas filmagens (como na gravação da cena do banho ou o período em que é impedido de comparecer ao set devido a uma doença).

Entretanto, como já mencionado, os bastidores da produção de Psicose são o que Hitchcock tem de mais interessante. Desde as discussões prévias, passando por trechos emblemáticos das filmagens e culminando nas decisões de pós-produção e nas estratégias adotadas para transformar o tímido lançamento em um evento atraente, o longa representa diversas passagens fundamentais para que Psicose se transformasse na obra que conhecemos hoje, sem a necessidade de martelas todas as particularidades (como o momento em que um ator pintado de preto surge aguardando a hora de entrar em cena e podemos deduzir com tranquilidade o objetivo da técnica). As reuniões com os censores, em particular, surgem como um dos destaques, por representar os obstáculos artísticos impostos (e genialmente contornados) à criação de uma futura obra-prima, embora também se destaquem o temor pelo fracasso, a inserção de última hora da famosa trilha na cena do banho e o curioso juramento antes das filmagens (que atualmente seria substituído por um rigoroso contrato de confidencialidade).

Usando acordes de suspense para momentos dramáticos e abusando da famosa silhueta do personagem-título (que surge em sombras ou em um desnecessário contraluz após os créditos finais), Hitchcock consegue homenagear os esforços do cineasta para vencer obstáculos no intuito de criar uma obra memorável - e é uma pena que, para isso, sejamos obrigados a acompanhar a insatisfatória dramatização de sua vida particular.


Hitchcock, EUA, 2012 | Baseado no livro "Alfred Hitchcock e os Bastidores de Psicose", de Stephen Rebello. Roteiro de John J. McLaughlin | Dirigido por Sacha Gervasi | Com Anthony Hopkins, Helen Mirren, Danny Huston, Scarlett Johansson, Toni Collette, Jessica Biel, James D'Arcy, Michael Stuhlbarg, Michael Wincott, Richard Portnow, Kurtwood Smith, Ralph Macchio, Paul Schackman.