2 de março de 2013

Crítica | O Segredo da Cabana

Chris Hemsworth, Jesse Williams, Anna Hutchison, Fran Kranz e Kristen Connolly em O SEGREDO DA CABANA (The Cabin in the Woods)

★★★★

The Cabin in the Woods, EUA, 2011 | Duração: 1h34m59s | Lançado no Brasil em 1º de março de 2013, em DVD e Blu-ray | Escrito por Joss Whedon e Drew Goddard | Dirigido por Drew Goddard | Com Kristen Connolly, Fran Kranz, Chris Hemsworth, Anna Hutchison, Jesse Williams, Richard Jenkins, Bradley Whitford, Brian White, Amy Acker e Tim DeZarn.

Pôster nacional e crítica de O SEGREDO DA CABANA (The Cabin in the Woods) Com o desgaste crescente do gênero, torna-se cada vez mais difícil levar filmes de terror a sério - e quanto maiores o número de clichês e a displicência de seus usos, mais árdua é a tarefa. Por isso mesmo, filmes como Arraste-me Para o Inferno já arrancam na frente dos demais graças à proposta de associar às convenções do gênero a possibilidade do riso, algo que torna o longa de Sam Raimi um dos exemplares mais interessantes dos últimos anos. Mesmo seguindo uma linha diferente, O Segredo da Cabana também se destaca por investir em uma abordagem curiosa que, de um modo inusitado, tenta responder às perguntas que porventura pipoquem na mente dos espectadores ao longo de filmes do gênero: por que a mocinha abandona armas antes que a ameaça tenha sido dizimada? Qual a lógica por trás dos perfis das vítimas? Por que os personagens eventualmente agem de forma tão estúpida ou mudam de ideia repentinamente? E por que porões são sempre tão entulhados de objetos de aparência curiosa ou sinistra?

Aliás, a menção a Sam Raimi é oportuna, já que O Segredo da Cabana segue a mesma premissa popularizada pelo diretor na década de 80 com A Morte do Demônio: no roteiro, escrito por Joss Whedon (Os Vingadores - The Avengers) e pelo diretor estreante Drew Goddard (autor de Cloverfield - Monstro), os jovens Dana (Kristen Connolly), Curt (Chris Hemsworth), Jules (Anna Hutchison), Marty (Fran Kranz) e Holden (Jesse Williams) viajam para a cabana de um deles, em um local isolado, fora do mapa e no meio de uma densa floresta. Entre amassos calorosos e brincadeiras de mau gosto, os amigos são atacados pelos cadáveres raivosos da família que vivia no local em épocas passadas - mas uma série de circunstâncias bizarras indica que aquele ataque pode fazer parte de uma conjuntura bem maior do que os jovens imaginam.

Quebrando expectativas desde os minutos iniciais, quando créditos sangrentos são interrompidos por uma discussão trivial e aleatória entre dois funcionários de um escritório, O Segredo da Cabana investe em uma trama propositalmente tola e repleta de clichês que, por exemplo, obriga os jovens a pararem em um posto de gasolina caindo aos pedaços para serem atendidos por um frentista sinistro, grosseiro, com vasos estourados nos olhos e lançando cusparadas extremamente repulsivas no chão durante um diálogo absolutamente truncado. Entretanto, diversos elementos intrigantes são introduzidos gradualmente e, pouco a pouco, revelam a curiosa proposta dos realizadores, de modo que até as discussões aparentemente desconexas e inofensivas dos personagens de Richard Jenkins e Bradley Whitford passam a ter ricos significados, em retrospecto.

Novas expectativas são quebradas quando grande parte dos problemas da trama central passa a fazer sentido (e pare de ler o texto aqui caso ainda não tenha visto o filme): ao apresentar a rotina de uma central de operações que aparentemente possui algum controle sobre a cabana e um estranho interesse no destino trágico de seus hóspedes, o filme lança uma reflexão sobre o voyeurismo praticado por, dentre outros tantos grupos, espectadores de filmes de terror - e não é à toa que, logo depois que os jovens descobrem um espelho de fundo falso entre dois quartos da cabana, a presença de câmeras de vigilância ocultas no local é revelada para o público. Além disso, a postura dos servidores da tal central de controle amplia ainda mais a discussão: embora suponhamos que, no universo do filme, haja uma boa razão para que uma operação daquele porte seja elaborada para assassinar pessoas comuns, é injustificável o modo como a equipe banaliza a vida dos jovens através de apostas, piadas e bastante deboche.

Richard Jenkins, Amy Acker e Bradley Whitford em O SEGREDO DA CABANA (The Cabin in the Woods)

Para completar, encarar o time liderado por Sitterson (Richard Jenkins) e Hadley (Bradley Whitford) como a representação de uma equipe de produção de um filme de terror (imaginando ambos como diretores, roteiristas ou produtores) permite uma série de reflexões curiosas sobre a feitura de longas do gênero. A infinidade de estratégias e mecanismos utilizados pela equipe (como nuvens de hormônios ou portas abrindo e fechando sozinhas) para conduzir as vítimas através de uma narrativa típica de terror ressalta a artificialidade do comportamento de personagens do gênero, que raramente se comportam como pessoas reais. Assim, quando Curt prudentemente enfatiza que o mais seguro é que todos permaneçam juntos, a central é obrigada a intervir dispersando no ar uma substância que o faz mudar de ideia - e tamanha é a consciência de Whedon e Goddard a respeito do absurdo da premissa que o chapado Marty é o primeiro personagem a compreender o que de fato está acontecendo na cabana. Como se não bastasse, o descaso de realizadores com relação ao desfecho das narrativas de terror também recebe sua alfinetada: quando há apenas um jovem remanescente, a equipe adota uma postura displicente, passa a negligenciar os monitores e deixa de se importar com o destino da garota, apontando que "não importa se ela morre ou não, desde que sofra".

Sem economizar nas referências e no banho de sangue do terceiro ato, O Segredo da Cabana conta com efeitos especiais apenas razoáveis e figurinos que acertadamente reforçam os estereótipos, além de um design de produção que não se preocupa em contornar a artificialidade da iluminação e a aparência sintética da floresta que cerca a cabana - o que ironicamente beneficia o longa. Contando ainda com a participação especial de uma atriz veterana que repete praticamente a mesma ponta feita em Paul - O Alien Fugitivo (mas sem o humor que sua presença em um filme de alienígenas acarreta), o longa também não deixa de fazer sua parcela de homenagens, embora eventualmente acabe soando prepotente - como ao apontar que apenas as sedes japonesa e estadunidense daquela companhia ainda permanecem em atividade (isto é, que somente no Japão e nos Estados Unidos são produzidos filmes de terror de sucesso).

Pecando pelos excessos dos minutos finais, quando os roteiristas parecem não ter ideia de como encerrar a narrativa, O Segredo da Cabana desponta (juntamente com o ótimo Tucker & Dale Contra o Mal) como uma das mais curiosas sátiras recentes ao terror, que suplica por uma renovação no gênero ao condenar de forma sutil a repetição daquela fórmula: a diversidade de objetos no porão e a complexidade da estrutura subterrânea indicam que, apesar das pequenas alterações, aquela mesma história já fora contada dezenas de vezes - e o ato de destruir todo aquele complexo no desfecho apenas reforça a mensagem. Em um ano em que o próprio A Morte do Demônio receberá uma refilmagem pra lá de questionável, a crítica certamente chega em boa hora.

Kristen Connolly em O SEGREDO DA CABANA (The Cabin in the Woods)