31 de março de 2013

Curta | Mamá

MAMÁ

Não entendo a badalação em torno do curta de terror espanhol Mamá. Com pouco menos de 3 minutos de duração, o filme naturalmente não tem tempo para (e nem pretensão de) contar uma história e, por isso, aposta todas as suas fichas na construção de uma atmosfera apavorante. Mas será que ele consegue?

Em partes sim, mas com estratégias pouco sofisticadas. Novamente, a curta duração prejudica o suspense,  já que tudo tem que ser apresentado, desenvolvido e concluído em pouquíssimo tempo. Na pressa, a assustadora figura humana e os sustos precisam ser objetivos e acabam se revelando extremamente convencionais - e apenas no momento em que a câmera acompanha as garotas subindo apressadamente as escadas senti a tensão se aproximando, em função da escolha de um ângulo que não nos permite conferir se algo ou alguém as persegue.

Ao menos tecnicamente, o curta é merecedor de aplausos: a ideia de contar a história em um único plano (com cortes escondidos, é verdade, mas quem se importa?) é bem executada e favorece o suspense, ao passo que a maquiagem e os efeitos são dignos para uma produção de baixo orçamento. No final, Mamá acaba soando como uma cena solta de um filme de terror com alguma chance de agradar, de modo que o longa Mama, com estreia programada para a próxima sexta, pode representar uma boa oportunidade para o diretor e roteirista Andrés Muschietti mostrar seu valor.

Mamá, Espanha, 2008 | Escrito por Andrés Muschietti | Dirigido por Andrés Muschietti | Com Victoria Harris, Berta Ros e Irma Monroig.

30 de março de 2013

Uma História de Amor e Fúria

UMA HISTÓRIA DE AMOR E FÚRIA

As animações devem figurar, junto com os filmes de horror, entre os segmentos menos explorados pelo Cinema brasileiro - e se estivermos falando de longas animados voltados especificamente para o público adulto, a lista evidentemente se fecha ainda mais. Nesse sentido, Uma História de Amor e Fúria surge como um projeto atípico e, por isso mesmo, bastante ambicioso: realizado quase inteiramente em animação tradicional (em 2D), o filme de estreia do roteirista Luiz Bolognesi na direção aposta em uma abordagem sci-fi para recontar passagens importantes da história do Brasil pelo ponto de vista dos oprimidos.

Escrito pelo próprio Bolognesi, o filme acompanha um guerreiro tribal (Selton Mello, de O Palhaço) que, na época da chegada dos europeus ao Brasil, é agraciado, por encanto, com imortalidade e uma missão: combater o antagonismo de Anhangá, uma força das trevas. Apaixonado por Janaína (Camila Pitanga) - sentimento que perdura por séculos e sobrevive às diversas reencarnações da moça -, o homem assume a forma de um pássaro quando morre e retorna à forma humana sempre que reencontra sua amada, seja na pele de um negro durante o período da escravidão, em um grupo de resistência na época do regime militar ou como um homem abastado e descontente em um futuro distópico.

Dividido em quatro partes, Uma História de Amor e Fúria peca, antes de mais nada, pela estrutura episódica: apenas uma das subdivisões - a última - revela-se realmente interessante, graças à visão instigante do futuro brasileiro (que, na visão de Bolognesi, inclui a completa desertificação da Amazônia, um racionamento drástico de água potável, a verticalização desenfreada do Rio de Janeiro e a entrega da presidência do país a um pastor evangélico, que insiste em afirmar que "Só a fé do povo pode trazer a chuva de volta"). Nas demais partes, a falta de aprofundamento e de tempo para desenvolver melhor as tramas torna tudo corrido e diminui sensivelmente o impacto dos vários males a que os personagens são submetidos.

E não é só isso: a falta de expressividade da animação também compromete o envolvimento emocional do espectador. Embora possua um design interessante, que não esconde nudez ou violência e concebe cenários estilizados e eficientes a seu modo (com elementos em 3D sendo incluídos gradativamente), a animação é prejudicada pela inspiração nos quadrinhos e aposta, na maior parte do tempo, em movimentos corporais mínimos e pausados, transferindo para deslocamentos da "câmera" a tarefa de conferir dinamismo às cenas e obrigando os personagens a descreverem muitos de seus sentimentos - e para cada sutileza digna de nota (como um enxugar de mãos perfeitamente natural da personagem dublada por Camila Pitanga na época da escravidão), há um amontoado de ações ineficazes, como a absoluta falta de sensualidade de Janaína lambendo o mel que escorre dos lábios de seu parceiro ("Como é gostoso meu Tupinambá", ela precisa explicar).

Entretanto, o maior problema do longa diz respeito à tentativa de compensar as defasagens narrativas da animação com o desenho de som: investindo em ruídos rasgados e estridentes nos momentos de maior intensidade (os devaneios com Anhangá são torturantes para os tímpanos), a mixagem cacofônica do filme revela-se uma verdadeira convulsão sonora - e alguns preciosos momentos de silêncio próximos ao desfecho reforçam a ideia de que a etapa final é mesmo a mais eficiente do longa.

Por outro lado, as escolhas temáticas do filme são louváveis: dando continuidade ao trabalho iniciado no livro Meu Heróis Não Viraram Estátua, Bolognesi reforça a importância social do conhecimento histórico ("Viver sem conhecer o passado é viver no escuro"), propõe discussões sobre as relações desumanas de poder, dominância e opressão e, por fim, ainda deixa uma reflexão pertinente no ar: o hipotético final de século imaginado pelos realizadores é tão impraticável assim ou, de fato, nossas posturas atuais estão contribuindo para uma distopia equivalente àquela?


Uma História de Amor e Fúria, Brasil, 2012 | Escrito por Luiz Bolognesi | Dirigido por Luis Bolognesi | Com as vozes de Selton Mello, Camila Pitanga e Rodrigo Santoro.

29 de março de 2013

Crítica | Jack - O Caçador de Gigantes

Nicholas Hoult em JACK - O CAÇADOR DE GIGANTES (Jack the Giant Slayer)

por Eduardo Monteiro

Jack the Giant Slayer, EUA, 2013 | Duração: 1h53m56s | Lançado no Brasil em 29 de Março de 2013, nos cinemas | História de Darren Lemke & David Dobkin. Roteiro de Darren Lemke e Christopher McQuarrie e Dan Studney | Dirigido por Bryan Singer | Com Nicholas Hoult, Eleanor Tomlinson, Ewan McGregor, Bill Nighy, Stanley Tucci, Ian McShane, Eddie Marsan, Ewen Bremner, Christopher Fairbank, Simon Lowe, Mingus Johnston, Ralph Brown e Warwick Davis.

Pôster nacional e crítica de JACK - O CAÇADOR DE GIGANTES (Jack the Giant Slayer)
Não me parece absurda, a ideia de contos clássicos serem desprovidos de grandes ações. Não creio que lutas, disputas e embates favoreçam a concisão desse tipo de narrativa, as lições e mensagens pretendidas pelos autores ou mesmo a transmissão oral dessas histórias. No Cinema, entretanto, a situação é outra: transformar um conto trivial em uma narrativa audiovisual de duas horas demanda diversas adaptações de linguagem e conteúdo - e o Cinema de entretenimento, nos últimos anos, tem apostado pesado em superproduções que reimaginem contos clássicos e os insiram em uma embalagem de ação.

Mas longas como Branca de Neve e o Caçador ou João e Maria - Caçadores de Bruxas (notem a recorrência da figura do Caçador) provam que não tem dado muito certo. E Jack - O Caçador de Gigantes parecia seguir pelo mesmo caminho: adiamentos severos, críticas desfavoráveis e um orçamento infladíssimo sendo descompensado por bilheterias medíocres sugeriam um completo fracasso, comercial e artístico - mas o produto final prova, mais uma vez, que expetativas anteriores à sessão devem ser deixadas na porta de entrada da sala de cinema.

Dirigido por Bryan Singer (Operação Valquíria, Superman - O Retorno) a partir de um roteiro escrito e reescrito por Darren Lemke, David Dobkin, Dan Studney e Christophe McQuarrie (Jack Reacher - O Último Tiro) com base no conto de João e o Pé de Feijão, o filme introduz uma antiga rivalidade entre humanos do reino de Cloister e gigantes que habitam um espaço localizado entre o céu e a Terra, cuja trégua é garantida por uma coroa com poderes especiais e pela preservação, em local seguro, de um punhado de feijões mágicos capazes de criar uma ponte entre os dois mundos. Tratado pelo povo como uma lenda fantasiosa, o conflito vem à tona quando os tais feijões caem nas mãos (e mais tarde, caem das mãos) do camponês Jack (Nicholas Hoult) e a tal coroa cai nas graças do ambicioso e inescrupuloso Rodrerick (Stanley Tucci), que pretende usá-la para ascender ao poder. Em um dia chuvoso, um dos grãos de feijão é germinado e rapidamente dá origem a um enorme pé que, por acidente, acaba levando a princesa Isabelle (Eleanor Tomlinson) até a terra dos gigantes. Dessa forma, o Rei Brahmwell (Ian McShane, de Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas) ordena que uma comitiva real, comandada por Elmont (Ewan McGregor, de O Impossível) e complementada por Jack, escale o pé de feijão para resgatar a garota.

Orçado em quase duzentos milhões de dólares, Jack - O Caçador de Gigantes possui uma enorme carga de efeitos visuais, que alcançam resultados diversos. Pra início de conversa, os gigantes não são dos mais convincentes - especialmente no que diz respeito às texturas, que jamais nos deixam esquecer que aqueles são personagens criados por computador. Por outro lado, a movimentação e a expressividade dos brutamontes são satisfatórias, não só graças ao uso da técnica de performance capture, como também pela decisão certeira de fazê-los agirem, na maior parte do tempo, em uma velocidade normal - uma predisposição rara (a maioria dos filmes opta por uma movimentação lenta, que visa equilibrar o conflito com os seres diminutos desfavorecidos) que Singer exalta no instante em que um gigante concede alguns segundos de vantagem em uma perseguição ao personagem de Eddie Marsan (Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras), que assume uma dianteira vã.

Ewan McGregor, Eleanor Thomlinson e Nicholas Hoult em JACK - O CAÇADOR DE GIGANTES (Jack the Giant Slayer)

Aliás, o design de produção do longa também não faz feio e concebe paisagens e cenários curiosos e bastante convincentes - embora as grades perfeitamente transponíveis de uma gaiola gigante que aprisiona a princesa, por exemplo, surja como uma das falhas que diminuem os méritos da equipe. Por outro lado, o 3D raramente é usado com fins realmente interessantes - com destaque absoluto para os pontuais momentos em que a câmera assume o ponto de vista de algum gigante e enxergamos aquele mundo com uma profundidade irrepreensível, quase palpável.

Diferentemente do que ocorria na maioria das releituras anteriores, o roteiro de Jack - O Caçador de Gigantes não possui maiores amarras ou expectativas a cumprir em relação ao conto original e utiliza esta mobilidade para construir uma narrativa ligeiramente mais consistente, com uma evolução satisfatória e suficientemente bem amarrada. Infelizmente, aqui e ali o texto se rende a imbecilidades inexplicáveis, como a ótima relação dos personagens com o ar rarefeito, as flechas flamejantes cujas chamas sobrevivem ao contato com água, os múltiplos pés de feijão recém erguidos que desaparecem da paisagem em momento oportuno ou a demasiadamente longa e absurda disputa de cabo de guerra desenvolvida em torno dos portões de Cloister no terceiro ato. Por outro lado, o roteiro possui alguns acertos bobinhos que valem menção - como a determinação, a coragem e, sobretudo, a fragilidade do grupo de humanos diante de seus enormes oponentes sendo projetadas em um pequeno punhal, repassado entre personagens (nesse caso, desconsiderando completamente a cena em que o personagem de McGregor apanha a arma debaixo da água com os dentes e de ponta cabeça).

Com um bom elenco sabotado por subtramas aborrecidas e personagens desinteressantes (basta apontar que, como o morto-vivo de Meu Namorado é um Zumbi, Nicholas Hoult conseguia expressar muito melhor seus sentimentos amorosos), Jack - O Caçador de Gigantes é uma rara releitura eficiente de um conto clássico que, graças aos insatisfatórios resultados comerciais, ironicamente, pode representar um passo gigante rumo ao encerramento desse segmento.

JACK - O CAÇADOR DE GIGANTES (Jack the Giant Slayer)

28 de março de 2013

Crítica | Ela Dança, Eu Danço 4

ELA DANÇA, EU DANÇO 4 (Step Up: Revolution)

★★

Step Up: Revolution, EUA, 2012 | Duração: 1h39 | Lançado no Brasil em 28 de março de 2013, em DVD e Blu-ray | Baseado nos personagens de Duane Adler. Escrito por Amanda Brody | Dirigido por Scott Speer | Com Ryan Guzman, Kathryn McCormick, Misha Gabriel, Peter Gallagher, Cleopatra Coleman, Michael 'Xeno' Langebeck, Stephen 'tWitch' Boss, Claudio Pinto, Tommy Dewey, Mario Ernesto Sánchez, Dominique Bell, Megan Boone, Mia Michaels e Adam Sevani.

Capa/cartaz/pôster nacional de ELA DANÇA, EU DANÇO 4 (Step Up: Revolution)
Lançado em 2006, Ela Dança, Eu Danço é uma tolice cinematográfica que ajudou a alavancar a carreira de Channing Tatum e deu início a uma franquia de produções dotadas de histórias independentes entre si e o refinamento necessário para saltar da sala de montagem direto para as prateleiras das locadoras (bem como ocorreu no Brasil a partir do segundo volume). Muito embora este quarto exemplar não seja particularmente bom, não ouso dizer que os quase cem minutos que dediquei à produção tenham sido desperdiçados: a proposta de unir jovens lindos e coreografias interessantes, aqui, talvez funcione melhor que em qualquer um dos anteriores.

Produzido a toque de caixa, com diretor, roteirista e atores estreantes ou inexperientes, Ela Dança, Eu Danço 4 acompanha as proezas do grupo The Mob, que realiza números de dança surpresa em locais inusitados (os chamados flash mobs) com o objetivo de ganhar um campeonato de acessos no YouTube. Quando o subúrbio em que os dançarinos moram é ameaçado pelas ambições do mega empresário Sr. Anderson (Peter Gallagher), o grupo passa a elaborar e realizar flash mobs como forma de protesto contra a extinção do bairro - daí, acreditem ou não, o Revolution do título original. Co-fundador do The Mob, Sean (Ryan Guzman) trabalha como garçom em um dos empreendimentos de Anderson e se apaixona repentinamente por uma garota, a aspirante a dançarina (claro!) e filha do patrão (óbvio!) Emily (Kathryn McCormick) - e com isso, o circo para vários conflitos distintos é armado.

E o roteiro de Amanda Brody não cansa de arquitetar mais e mais intrigas: quando a confiança mútua e a intensa e longínqua amizade entre Sean e Eddy (Misha Gabriel) são exaltadas de forma indiscreta em um momento inoportuno, por exemplo, uma indisposição posterior entre ambos é praticamente anunciada - e quando ela de fato se concretiza, passa a disputar atenção com a luta pela salvação do bairro, a campanha por acessos no YouTube, o empenho de Emily em reinventar-se para ingressar em uma renomada companhia de dança e com o fato de Sean esconder do restante do grupo que a garota é filha de seu inimigo.

ELA DANÇA, EU DANÇO 4 (Step Up: Revolution)

Filmado em 3D (como o longa anterior), Ela Dança, Eu Danço 4 possui um visual vibrante e estimulante que peca apenas por priorizar a plasticidade em detrimento da lógica - e embora os planos que trazem Sean e Emily ensaiando à beira-mar sejam lindíssimos, é inconcebível que o casal tenha escolhido um local com terreno tão irregular para praticar uma coreografia decisiva para a garota. E no quesito lógica, os tais flash mobs não ficam muito atrás: praticamente todas as apresentações do The Mob são absurdas e tecnicamente impraticáveis, começando pelos figurinos sempre apropriados e impecáveis (como os humildes jovens conseguem dinheiro para todas aquelas roupas, máscaras e assessórios?), passando pelo domínio extremo dos ambientes (a complexidade da camuflagem e dos jogos de luzes no museu beiram o ridículo) e culminando na mais absoluta inércia das autoridades de cada local (como o grupo conseguiu sair de um restaurante sem ser repreendido?).

Entretanto, do ponto de vista estético, os números de dança coreografados por Chuck Maldonado, Christopher Scott, Jamal Sims e Travis Wall são admiráveis: enquanto o flash mob do museu poderia perfeitamente ser abraçado pelos administradores do local como uma de suas atrações (não à toa, a curadora impede que os seguranças interrompam a apresentação), aquele desenvolvido no saguão da empresa Anderson se destaca pela proposta e pela sincronia, ao passo que o número que abre o longa diverte pelos excessos da coreografia, que envolve até mesmo carros praticantes de street dance. Com experiência limitada a produções variadas sobre o universo da dança, o diretor Scott Speer parece explorar o 3D com eficiência e sem grande alarde (o plongée que mostra Emily lançando um punhado de areia para o alto não soa tão forçado, apesar de usar a óbvia estratégia de jogar objetos na direção do espectador) e acerta por usar com discrição uma espécie de time lapse para incrementar as coreografias robóticas dos dançarinos.

Acreditando ter uma mitologia bem consolidada o bastante para transformar a aparição do aborrecido Moose (Adam Sevani) em uma evento aparentemente louvável, Ela Dança, Eu Danço 4 termina de sedimentar uma fórmula barata que ainda pode dar muito pano pra manga e encher os olhos de quem admite apreciar alguns bons números de dança com os mais chulos respaldos narrativos.

ELA DANÇA, EU DANÇO 4 (Step Up: Revolution)

27 de março de 2013

O Último Elvis

John McInerny em O ÚLTIMO ELVIS (El Último Elvis)

As coisas não deram muito certo na vida de Carlos Gutiérrez (John McInerny). Homem solitário e pai ausente, o protagonista do longa de estreia do roteirista Armando Bo (Biutiful) na direção se transforma quando sobe no palco e apresenta seu show cover de Elvis Presley - talento emprestado ao personagem por seu intérprete, John McInerny. Entretanto, Carlos leva este trabalho secundário, incerto e inconstante mais a sério que o ideal: em diversas passagens, é possível perceber que o homem acredita piamente ser o próprio Rei do Rock.

Mas, naturalmente, nem de perto, ele possui o reconhecimento e o prestígio de Elvis. Na realidade, o provável caso de esquizofrenia de Gutiérrez é a ferramenta utilizada pelo longa para exaltar sua solidão: levando uma existência absolutamente ordinária, o homem se enxerga como um grande astro (em determinado momento, ele reivindica tratamento especial em um hospital, alegando ser um artista célebre), numa espécie de empenho subconsciente por atenção e reconhecimento, que ele jamais alcançaria trabalhando como (apenas mais um) operário em uma fábrica de eletrodomésticos e afastando os poucos entes queridos. Aliás, para sua infelicidade, seu caso clínico parece dar origem a um infeliz círculo vicioso: reproduzir (de forma subconsciente, podemos inferir) os conflitos familiares de Elvis (como o divórcio com a esposa) em sua própria vida pessoal apenas o torna mais solitário e miserável.

Dessa forma, o filme caminha para uma resolução forte que, talvez, possa ser antecipada pelos espectadores mais espertos e atentos (e não leia o restante do texto caso queira evitar insinuações a respeito desses eventos). Em câmera lenta e ao som de An American Trilogy (dois grandes acertos), Armando Bo leva o distúrbio mental de Carlos Gutiérrez às últimas consequências e constrói um desfecho que, de certo modo, funciona melhor conceitualmente do que como uma consequência natural do que fora desenvolvido até então. Na reta final, Gutiérrez reproduz o evento que consolidou Elvis como uma lenda, dando, pela primeira vez em anos, um passo que certamente lhe renderá o reconhecimento que tanto busca - embora, fatalmente, seja também o último.


El último Elvis, Argentina, 2012 | Escrito por Nicolás Giacobone e Armando Bo | Dirigido por Armando Bo | Com John McInerny, Griselda Siciliani e Margarita Lopez.

26 de março de 2013

Cena em Destaque | Anões exaltados

JACKASS 3

Quando escrevi sobre o péssimo Jackass 3.5, comentei que Jackass 3 era o melhor longa da série por motivos bastante simples: o deslumbramento com a tecnologia 3D e um provável e acanhado amadurecimento da trupe comandada por Johnny Knoxville (O Último Desafio) resultaram em esquetes, de algum modo, menos imbecis ou perigosas e mais ingênuas e nonsense - tudo, claro, devidamente balanceado para os padrões do grupo.

Dentre as esquetes ponderadas e aproveitáveis do filme, uma que se destaca é a espécie de pegadinha envolvendo uma briga de anões em um bar: sem agredir ou ofender terceiros, Wee Man e um grupo de atores armam um barraco que choca e atrai a atenção dos clientes pela teatralidade da situação e pelo desenrolar ligeiramente absurdo da situação. Curiosamente, a brincadeira possui um (provavelmente involuntário) fundo crítico social - e basta imaginar a falta de graça que a cena teria caso fosse protagonizada por indivíduos de estatura considerada normal. Confira:

25 de março de 2013

Frank e o Robô

Frank Langella em FRANK E O ROBÔ (Robot & Frank)

Nos dias atuais, certamente existe uma porção de máquinas mais espertas e inteligentes que muitos humanos espalhados por aí. O limite cognitivo dos mecanismos internos de computadores ou robôs humanoides é algo que vem intrigando a humanidade há décadas e, no Cinema em particular, já rendeu boas discussões sobre a natureza de sentimentos e emoções. Lançado recentemente no Brasil no sistema on demand de TVs por assinatura, o indie Frank e o Robô chega para se juntar a esse grupo e peca justamente por avançar pouco em relação ao que já foi debatido anteriormente, embora possua charme e méritos próprios.

Escrito pelo desconhecido Christopher Ford e dirigido pelo estreante Jake Schreier, o longa é estrelado por Frank Langella no papel de Frank, um homem aposentado e cleptomaníaco que vive sozinho e sofre de mal de Alzheimer. Pai do executivo Hunter (James Marsden) e da ativista Madison (Liv Tyler), o homem é um idoso rabugento que leva uma vida social vazia, limitando-se a visitar a bibliotecária Jennifer (Susan Sarandon, de O Acordo) e furtar sabonetes artesanais de um estabelecimento onde antes funcionava seu restaurante favorito - fato sobre o qual Frank precisa ser lembrado periodicamente. Preocupado com a saúde mental do pai, Hunter compra um robô zelador cuja programação inclui o desenvolvimento de algum projeto que estimule a mente de Frank - mas ao invés de trabalhar no jardim de casa, por exemplo, o homem opta por planejar e voltar a executar aquilo que sempre fez de melhor: roubos.

Usando a tradicional temática da substituição do antigo/homem pelo(a) novo/máquina para comentar a exclusão de idosos na sociedade, o filme parte do Alzheimer do protagonista para refletir a respeito da importância e do valor da memória, seja através dos esforços de preservação do acervo da biblioteca local ou do dilema envolvendo a possibilidade de formatação do sistema do robô a certa altura do longa. Neste último caso, a memória é colocada por Ford e Schreier como um elemento definidor da identidade de um indivíduo: embora o robô não seja humano (algo que ele próprio insiste em reforçar), os registros do período em que conviveu com Frank o tornam um equipamento singular e a forma como estes influenciam sua programação original cria diretrizes que, de certa forma, podem ser encaradas como equivalentes a sentimentos. Por essa razão, (atenção!: o desfecho desse parágrafo contém spoilers) o momento em que o robô aponta que Frank precisa reiniciar seu sistema e apagar sua memória é tão emblemático e repleto de camadas, desde o belo e involuntário abraço de despedida até o peso emocional da decisão do protagonista de causar deliberadamente em seu mais fiel companheiro um sofrimento que ele próprio enfrenta há anos.

Mesmo contendo alguns eficazes alívios cômicos (como a conversa entre dois robôs em uma festa ou o método aprendido por um deles para afugentar companhias indesejadas), Frank e o Robô é um drama marcado por um constante, embora por vezes brando, sentimento de angústia e desamparo. Vivido com maestria por Langella, Frank é um sujeito infeliz e solitário, que não admite a própria doença e, por isso, acaba sendo constantemente sabotado por ela: uma rara conversa íntima com Hunter, por exemplo é arruinada pelo comportamento evasivo de Frank, que, naquele momento específico, não consegue se conectar com o filho e resgatar as recordações que este tenta evocar. Vale apontar que James Marsden (Encantada) faz um bom trabalho e consegue exprimir de forma convincente o afeto escondido por trás da postura impaciente e omissa de Hunter na relação com Frank, ao passo que Madison, vivida por Liv Tyler com uma naturalidade aquém do ideal, serve apenas para reforçar que, naquele momento, o pai não é a prioridade do casal de irmãos.

Infelizmente, a trama que comporta todos os acertos mencionados anteriormente deixa um pouco a desejar, embora o potencial da dupla Jake Schreier e Christopher Ford fique suficientemente bem cimentado.


Robot & Frank, EUA, 2012 | Escrito por Christopher Ford | Dirigido por Jake Schreier | Com Frank Langella, James Marsden, Susan Sarandon, Liv Tyler, Jeremy Strong, Jeremy Siston, Rachel Ma e a voz de Peter Sarsgaard.

24 de março de 2013

Curta | Gueto da América

GUETO DA AMÉRICA

Não é fácil entender o que se passou na cabeça da roteirista e diretora Carolina Paiva durante a produção de Gueto da América. Embora possua uma proposta interessante (investigar o estilo de vida de brasileiros, portugueses e hispânicos em determinadas redondezas de Newark, no estado norte-americano de New Jersey), o documentário contém um conteúdo fraquíssimo que, por sua vez, é arruinado pelas estranhíssimas opções da diretora.

Mantendo uma câmera sempre agitada, Paiva desvia a atenção dos depoimentos de seus personagens através de zooms, movimentos e inclinações absolutamente desnecessários da câmera, chegando ao cúmulo de, sem qualquer propósito, se afastar de determinado entrevistado a ponto de perder a clareza e o volume de sua fala. Além disso, na sala de montagem, a diretora opta por intercalar os depoimentos com imagens das ruas da cidade (e de uma patinadora no gelo que jamais descobrimos quem é), sobrepostas umas às outras e acompanhadas por uma trilha frenética - uma combinação exaustiva que, mais uma vez, tira o foco das entrevistas e prejudica sensivelmente o ritmo.

Por fim, o curta é prejudicado pela falta de profundidade dos depoimentos, que pouco dizem sobre a situação daqueles imigrantes poucos meses após o atentado terrorista de 11 de Setembro (detalhe que a sinopse destaca, mas que o curta também explora muitíssimo mal). A identificação com nossos conterrâneos, pessoas simples, trabalhadoras, esforçadas e repletas de sonhos e planos, gera naturalmente nosso interesse, mas Gueto da América nos priva de conhecê-los melhor e acaba soando como uma reportagem do Fantástico que, de tão fraca e mal produzida, foi categoricamente descartada pela direção da atração.

Gueto da América, Brasil, 2004 | Escrito por Carolina Paiva | Dirigido por Carolina Paiva.

23 de março de 2013

Um Sorriso Tão Grande Quanto a Lua

A SMILE AS BIG AS THE MOON

Os argumentos utilizados por alguns defensores de Colegas, longa nacional estrelado por um trio de atores com Trissomia do Cromossomo 21, são assustadores: "Saí do cinema com a sensação de que a raça humana deveria ter Síndrome de Down", "Os Sonhadores com um cromossomo a mais" e "O filme mostra que não devemos desistir de nossos sonhos e que não devemos nos importar com a opinião dos demais" (ou seja, cometer delitos e passar por cima dos outros é permitido, desde que estejamos realizando um sonho) são alguns exemplos que ilustram a cegueira que muitos espectadores "amigos da causa" acolheram em um processo vergonhoso de autoafirmação. A dura realidade é que a convivência do diretor e roteirista Marcelo Galvão com um parente portador da síndrome, bandeira levantada sistematicamente pela campanha de divulgação do filme, não diminui os deméritos do roteiro, que, ao invés de frustrar aqueles que subestimam a capacidade mental de indivíduos como Stalone, Márcio e Aninha, dá um tiro no próprio pé e reforça que certos portadores de Down simplesmente não podem ser lançados no mundo sem supervisão.

Por essa razão, o desserviço cometido por Colegas surge como um bom contraponto às intenções de Um Sorriso Tão Grande Quanto a Lua: baseado em uma história real registrada no livro homônimo de Mike Kersjes e Joe Layden, o telefilme relata os desafios enfrentados pelo professor Mike Kersjes (John Corbett) para levar sua turma de estudantes especiais - que inclui jovens acometidos por transtorno bipolar, dislexia, déficit de atenção, hiperatividade, transtorno obsessivo compulsivo e, claro, síndrome de Down - para o Space Camp, um programa que recebe e transmite a jovens altamente capacitados noções básicas de astronomia. Porém, levantar os fundos necessários, dobrar a diretoria da escola e convencer a administração do acampamento a acolher um grupo naturalmente estigmatizado por suas dificuldades de aprendizado não serão tarefas fáceis para Kersjes.

Preso às exigências educativas da produtora Hallmark Hall of Fame, o filme abdica de sutilezas em prol da transmissão clara e enfática de determinados mensagens, como o reforço dado ao valor da confiança na subtrama envolvendo as habilidades manuais do introspectivo Adam (Tanner Dow) ou toda a reflexão exacerbada sobre os dons de liderança e humildade de Scott (Logan Huffman). Dessa forma, muitos diálogos se tornam carentes de espontaneidade (como na ocasião em que dois alunos dispensam a ajuda do professor apenas para reforçar verbalmente o recém efetivado espírito de coletividade do grupo), ao passo que a trilha de Mark Adler faz jus à mídia para a qual o filme foi produzido e não economiza no melodrama, que naturalmente alcança seu auge no terceiro ato da produção.

Apostando no carisma dos personagens e no sucesso de suas conquistas para despertar uma constante sensação de regozijo no público, o filme peca por ignorar insistentemente as dificuldades individuais de vários personagens: tirando o autismo de Matt (Jimmy Bellinger), a hiperatividade de Steve (David Lambert) ou as explosões de raiva de Lewis (Kesun Loder), os distúrbios particulares raramente parecem influenciar as tarefas da turma, de modo que, não fosse pela narração do personagem de John Corbett na abertura do filme, dificilmente diagnosticaríamos a deficiência de vários dos alunos - como Lisa (Abigale Corrigan), que, embora possua "todo um alfabeto de distúrbios", surge apenas como uma garota entusiasmada e fofoqueira. Entretanto, o desempenho do elenco é bastante satisfatório: a inexpressividade do corpulento Tanner Dow, por exemplo, transforma Adam em um sujeito surpreendente e timidamente alegre, enquanto Peter ten Brink, portador de Down, revela-se muitíssimo mais talentoso e carismático que o trio principal de Colegas. Por fim, Logan Huffman se destaca por encarar cenas extremamente piegas sem qualquer rastro de constrangimento, o que é surpreendente e digno de aplausos.

Criando um forte eco no eficiente Escritores da Liberdade (incluindo o plano final, que salta de uma foto do elenco para o grupo que inspirou a produção), Um Sorriso Tão Grande Quanto a Lua deposita confiança na juventude e homenageia educadores que levam sua vocação até as últimas consequências. Assim como no longa de Richard LaGravenese, não é um exercício dos mais difíceis ignorar a cafonice da abordagem da narrativa e, sabendo que uma história inspiradora como essa de fato ocorreu, sair do filme com um sorriso ainda maior que a Lua.


A Smile as Big as the Moon, EUA, 2012 | Baseado no livro de Mike Kersjes e Joe Layden. Roteiro de Thomas Rickman | Dirigido por James Steven Sadwith | Com John Corbett, Jessy Schram, Logan Huffman, David Lambert, Kesun Loder, Breezy Eslin, Abigale Corrigan, Tanner Dow, Peter ten Brink, Jimmy Bellinger, Tyrin Niles Wyche, E. Roger Mitchell, Cynthia Watros, Moira Kelly e Mike Pniewski.

22 de março de 2013

Crítica | Os Croods

OS CROODS (The Croods)

por Eduardo Monteiro

The Croods, EUA, 2013 | Duração: 1h38m27s | Lançado no Brasil em 22 de Março de 2013, nos cinemas | História de Kirk De Micco e Chris Sanders. Roteiro de Chris Sanders e Kirk De Micco | Dirigido por Kirk De Micco e Chris Sanders | Com as vozes de Emma Stone, Nicolas Cage, Ryan Reynolds, Catherine Keener, Clark Duke, Cloris Leachman e Chris Sanders.

Pôster nacional e crítica de OS CROODS (The Croods)
Os Croods são uma família de humanos extremamente fortes, ágeis e elásticos que, às vésperas do início da deriva continental, passam a maior parte do tempo enfurnados em uma caverna para fugir dos riscos oferecidos pelo ambiente pedregoso e hostil que os cerca. Naturalmente, a nova animação da DreamWorks Animation - primeira do recente acordo de distribuição com a 20th Century Fox - é ambientada em uma dimensão paralela em que todos esses absurdos históricos e fisiológicos são admissíveis e, mais que isso, servem como matéria-prima para as gags particulares de um longa que, em essência, não passa de uma típica e eficiente comédia familiar.

No roteiro, escrito pelos diretores Kirk De Micco (Space Chimps - Micos no Espaço) e Chris Sanders (Como Treinar o Seu Dragão), Grug (Nicolas Cage), o patriarca dos Croods, é um homem que, pensando na proteção de sua família, rejeita tudo que é novo e desconhecido - postura que fere o desejo intenso de liberdade da curiosa e corajosa primogênita Eep (Emma Stone). Encantada pelo brilho tremulante de uma luz misteriosa, a garota se esgueira para fora da caverna em uma noite qualquer e conhece o jovem Guy (Ryan Reynolds), que lhe apresenta uma fantástica descoberta da humanidade - o fogo - e compartilha com a garota uma história aterradora sobre o iminente fim do mundo. Depois que sua caverna é destruída por inesperadas atividades tectônicas, os Croods decidem acompanhar o rapaz rumo ao Amanhã, destino apontado por tradições como um local seguro para se viver.

Claro, há um belo fundo poético nessa jornada dos personagens: embora não saibam disso, a busca pelo Amanhã representa o desejo e a esperança de sobrevivência e prosperidade daquele núcleo familiar, que, tempos antes do surgimento de instrumentos eficazes de defesa, vive um dia após o outro em um estado de constante apreensão. Dessa forma, o longa acerta ao induzir o espectador a se surpreender e temer o desconhecido juntamente com os Croods através de cenários improváveis e inusitados (como o recife terrestre) ou da fauna e da flora compostas por mesclas de seres conhecidos, como o urso com feições de coruja, as ratazanas com fisionomia de elefante, as tartarugas aladas, as baleias terrestres ou a revoada de pássaros cuja beleza cai por terra quando descobrimos mais sobre seus hábitos predatórios.

OS CROODS (The Croods)

Aliás, o design de produção é um dos maiores destaques de Os Croods: além do impressionante detalhismo de uma ampla variedade de cenários deslumbrantes, a equipe comandada por De Micco e Sanders concebe planos belíssimos (como aquele geral em que a família corre contra o tempo através de um campo enevoado) e acerta também no design dos personagens, cuja natural estranheza não impede que possuam visuais interessantes - com óbvio destaque para a ousadia de conferir a Eep um tórax surpreendentemente forte e largo. Além disso, a empolgante e divertida trilha de Alan Silvestri frequentemente complementa e engrandece o trabalho dos animadores, cujos dinamismo e fluidez ficam mais que evidentes e bem exemplificados na animada cena em que a família une forças para roubar um grande ovo.

Entretanto, é a dinâmica dos personagens que transforma a animação em um projeto tão interessante: a agitação, a instabilidade e o carisma dos Croods são capazes de diminuir o incômodo da existência de desgastados conflitos movendo a trama, como a relação conturbada entre a filha rebelde e o pai protetor ou a gradual perda de autoridade deste último diante do surgimento de um indivíduo mais inteligente e arrojado. Ainda nesse sentido, a ideia de ambientar a narrativa em uma época dita pré-histórica revela-se uma sacada interessante não só por eliminar subtramas e coadjuvantes dispensáveis e manter o foco naqueles personagens (afinal, os Croods e Guy são os únicos humanos vivendo naquela região), como também por universalizar de uma maneira curiosa os dramas familiares comuns apresentados e, de certa forma, ressaltar a natureza bondosa, familiar e solidária do ser humano. Infelizmente, os realizadores não conseguem evitar lições de moral e frases melosas das mais cafonas no terço final da projeção, recorrendo a falas como "Ele te ama, mas sempre esquece de dizer" para destacar emoções que poderiam ser expressas de formas mais sutis (como a melancolia no tocante sopro de conchas à beira de um abismo).

Evitando abusar de estratégias distrativas e invasivas do 3D, Os Croods é uma produção que, mesmo soando como um recorte de animações anteriores (Valente, A Era do Gelo e Como Treinar o Seu Dragão são as recordações mais imediatas), consegue exibir algum frescor, estampar sorrisos nos rostos dos espectadores e, quem sabe, encerrar a sequência de vacas magras no cinema de animação e reabrir a temporada de bons lançamentos.

OS CROODS (The Croods)

21 de março de 2013

Perigo Por Encomenda

Joseph Gordon-Levitt em PERIGO POR ENCOMENDA (Premium Rush)

No início de Perigo por Encomenda, a narração em off de Joseph Gordon-Levitt (Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge) justifica a existência de uma frota de ciclistas mensageiros em Nova York mencionando a demanda criada por correspondências urgentes que, por motivos diversos, não podem ser enviadas por meios eletrônicos. É lamentável, portanto, que o importante e disputado envelope que impulsiona toda a correria da trama central não se encaixe nesse perfil, demandando a existência de mafiosos estúpidos e, consequentemente, enfraquecendo substancialmente a premissa e a urgência do longa.

Escrito por John Kamps (Power Rangers - O Filme) e pelo diretor David Koepp (A Janela Secreta), Perigo Por Encomenda acompanha o ciclista Wilee (Joseph Gordon-Levitt), que permanece algo em torno de 80% do longa montado em sua bicicleta, esquivando-se de carros, pedestres e outros obstáculos. Tentando agregar essa agilidade à direção, Koepp aposta em letreiros que interagem com o universo diegético do filme, câmeras que saltam de forma fluida das ruas de Nova York para uma visão aérea em maquete da cidade e planos que mostram os percursos hipotéticos projetados por Wilee em situações de risco, expressando sua destreza física e, sobretudo, mental. Além disso, o diretor investe em uma estrutura de flashback que frequentemente revisita cenas anteriores a partir de outros pontos de vista, mostrando ao público as motivações de todos os personagens envolvidos na disputa pelo envelope, por mais tolas que sejam.

De cara, fica evidente que o texto de Kamps e Koepp peca pelas coincidências: a passagem do protagonista por um distrito policial, por exemplo, torna-se absurdamente conturbada pela presença de nada menos que dois policias com quem Wilee já havia esbarrado anteriormente nas ruas. Além disso, Bobby Monday (vivido por Michael Shannon com uma estranha entonação infantil) não é um vilão minimamente interessante - algo que contribui para que o desfecho do longa seja tão tolo e anti-climático. Para completar, as cenas de ação sofrem com a limitação de cenário e veículos, tornando-se repetitivas depois de certo tempo - isso sem mencionar as motivações fracas por trás delas, como a ocasião em que uma rixa besta entre dois ciclistas mensageiros dá origem a uma longa perseguição.

Em suma, Perigo Por Encomenda é um passatempo despretensioso e descartável, parcialmente salvo pela energia de Joseph Gordon-Levitt e seus esforços de colocar nos eixos uma narrativa destrambelhada.


Premium Rush, EUA, 2012 | Escrito por David Koepp & John Kamps | Dirigido por David Koepp | Com Joseph Gordon-Levitt, Michael Shannon, Dania Ramirez, Jamie Chung, Wolé Parks, Aasif Mandvi, Anthony Chisholm, Henry O, Wai Ching Ho e Christopher Place.

20 de março de 2013

Crítica | Vai Que Dá Certo

Gregório Duvivier, Fábio Porchat, Danton Mello e Felipe Abib em VAI QUE DÁ CERTO

por Eduardo Monteiro

Vai Que Dá Certo, Brasil, 2013 | Duração: 1h26m40s | Lançado no Brasil em 22 de Março de 2013, nos cinemas | Baseado em um roteiro original de Maurício Farias e Alexandre Morcillo. Argumento de Bernardo Guilherme, Marcelo Gonçalves e Maurício Farias. Roteiro de Bernardo Guilherme, Marcelo Gonçalves, Maurício Farias e Fábio Porchat. Diálogos de Fábio Porchat. Roteiro final de Maurício Farias e Fábio Porchat | Dirigido por Maurício Farias | Com Danton Mello, Fábio Porchat, Gregório Duvivier, Felipe Abib, Lúcio Mauro Filho, Natália Lage, Sérgio Guizé, Lúcio Mauro, Felipe Rocha, Ravel Cabral, Camilla Amado, Georgiana Góes e Bruno Mazzeo.

Pôster e crítica de VAI QUE DÁ CERTO
Entre o surgimento do argumento e a finalização do roteiro de Vai Que Dá Certo, quase duas décadas se passaram e um total de cinco profissionais esteve envolvido diretamente na tarefa: depois que os primeiros tratamentos foram escritos pelo cineasta Maurício Farias (A Grande Família - O Filme) e alguns de seus parceiros da TV, o roteiro caiu nas mãos do comediante Fábio Porchat, que ficou responsável pelos diálogos e, juntamente com Farias, assinou a versão final do texto. Com créditos de autoria tão extensos e cheios de subdivisões (dê uma olhada na listagem acima, extraída do material de divulgação do filme), é uma agradável surpresa que o filme exiba uma boa unidade e, melhor ainda, consiga se desvincilhar do fantasma da baixa qualidade que assombra a leva recente de comédias brasileiras co-produzidas pela Globo Filmes, como Até Que a Sorte Nos Separe, De Pernas Pro Ar 2 ou As Aventuras de Agamenon - O Repórter.

Na trama, um grupo de amigos fracassados decide melhorar de vida realizando um golpe supostamente perfeito na empresa de transporte de valores em que um deles trabalha. Entretanto, o músico Rodrigo (Danton Mello), o professor de inglês Tonico (Felipe Abib, de Faroeste Caboclo), o motorista Danilo (Lúcio Mauro Filho), o dono de videolocadora Amaral (Fábio Porchat) e seu irmão caçula Vaguinho (Gregório Duvivier) são estúpidos e incompetentes demais para seguir o plano à risca e acabam emboscados entre policiais corruptos e bandidos perigosos.

Superando a má impressão deixada por sua participação no desastroso Totalmente Inocentes, Fábio Porchat se sai bem não só por viver Amaral com um histrionismo controlado e tolerável, mas também por agregar ao roteiro um humor ágil, despretensioso e repleto de comentários sobre o cotidiano (como o singelo impasse entre o personagem de Danton Mello e sua senil mãe durante uma conversa por interfone). Sócio de Porchat no projeto Porta dos Fundos e figura recorrente em comédias brasileiras (mesmo que em pontas breves), Gregório Duvivier rouba mais uma vez a cena com seu excepcional timing cômico e, infantilizado pelo aparelho dentário do personagem, transforma Vaguinho em um jovem adulto absolutamente imaturo, que precisa consultar o irmão mais velho antes de tomar grandes decisões e, como um adolescente no auge da puberdade, é fã inveterado de videogames e sente necessidade de vociferar, com alguma sinceridade e um sorriso quase ingênuo no rosto, que seu principal objetivo de vida é "comer mulher".

Danton Mello, Fábio Porchat e Lúcio Mauro Filho em VAI QUE DÁ CERTO

Aliás, a postura imatura e inconsequente diante da gravidade do esquema criminoso pode ser estendida a todo o grupo de amigos - e não é à toa que os créditos iniciais e finais do filme são marcados por gráficos em 8-bit, insinuando a visão inofensiva que o grupo possui, ao menos a princípio, dos atos que pretendem cometer. Entretanto, é positivo que o roteiro não tente evitar conflitos morais e tampouco invista em discursos moralistas para arrematá-los, ao passo que a corrupção policial e política, intrínseca à trama, jamais é explorada de modo a favorecer alguma discussão social relevante.

No papel do político Paulo Pedreira, Bruno Mazzeo (E Aí... Comeu?) surge como o único elo fraco do elenco ao compor o personagem como uma caricatura exagerada, que parece emular o playboy paulista vivido por Marcelo Adnet no terrível Muita Calma Nessa Hora. Felizmente, uma troca de personagens ocorrida às vésperas das filmagens transferiu o posto de protagonista de Mazzeo para Danton Mello (O Palhaço), que vive com talento a figura mais real e ponderada do longa e, quando necessário, lança mão da dicção tipicamente acelerada dos irmãos Mello para gerar sua contribuição ao humor do filme. Já Lúcio Mauro Filho diverte com a teatralidade calculada de Danilo (e, curiosamente, tem a chance de contracenar com seu pai, no papel do avô do personagem), enquanto Sérgio Guizé se destaca no elenco de apoio ao conferir uma insanidade divertida e controlada ao aparentemente imprevisível mafioso Chapeleta. Por fim, a bela Natália Lage vive uma mulher impetuosa que consegue se impor em meio aos rapazes, embora o desfecho da personagem derrube qualquer admiração que possa ter sido criada em relação a ela.

Exagerando no contingente de cenas em que a graça é construída em torno do fato de que todos os personagens estão falando ao mesmo tempo, Vai Que Dá Certo é uma comédia que, embora careça de originalidade, ganha pontos por apostar fichas na colaboração de jovens talentos do humor que, no final das contas, conseguem fazer o depósito de confiança dar pelo menos um pouco certo.

19 de março de 2013

Cena em Destaque | Silene Seagal a caminho da formatura


Saneamento Básico - O Filme é uma comédia sobre Cinema. Na trama, concebida pelo cineasta Jorge Furtado (O Homem Que Copiava), uma comissão de moradores de uma pequena comunidade do interior do Rio Grande do Sul procura a subprefeitura local reivindicando uma verba (que não existe) para a construção de uma fossa, mas acaba descobrindo a disponibilidade de um orçamento de dez mil reais para a produção de um filme amador, a ser apresentado em um concurso cultural. Dessa forma, os moradores decidem produzir um filme de baixíssimo custo e redirecionar o orçamento da produção para as obras de saneamento.

Na cena em questão, Silene (Camila Pitanga) e dois operários (Lúcio Mauro Filho e Zéu Britto) divertem pelo nervosismo e pela evidente falta de desenvoltura e naturalidade no primeiro dia de filmagem da produção. Entretanto, embora não tenham qualquer obrigação de realizar uma obra de qualidade, os personagens de Fernanda Torres, Camila Pitanga, Bruno Garcia e Wagner Moura conquistam a graça do público pelo interesse sincero de produzir uma obra interessante - algo expresso nas sugestões dadas e refilmagens executadas visando tornar o product placemant do vestido de Silene mais eficiente e menos intrusivo. Além disso, a cena merece aplausos por enfatizar que a produção cinematográfica é um processo lento, repetitivo e pouco glamouroso - uma realidade que muitos ainda desconhecem e que Furtado reforça de maneira divertidíssima.

18 de março de 2013

Aparecida - O Milagre

Dandara Mariana, Leona Cavalli, Murilo Rosa, Jonatas Faro e Bete Mendes em APARECIDA - O MILAGRE

Após um breve retrospecto mental, arrisco-me a afirmar que, em meus muitos anos de cinefilia, não assisti a nenhum filme com uma pregação religiosa tão canalha e mesquinha quanto a de Aparecida - O Milagre, que constrói sua moral torpe em relação à fé - encarada por muitos, acreditem, como bonita e inspiradora - através de uma arma reprovável que a Igreja vem utilizando há séculos: o medo.

O medo de um pai de perder seu único filho, mais especificamente. Trata-se da história de Marcos (Murilo Rosa), um empresário rico e bem sucedido cujo filho, Lucas (Jonatas Faro), encontra-se em coma profundo após um acidente de moto. Cético ao extremo desde a infância (em decorrência da morte de seu pai, quando se sentiu traído por Nossa Senhora Aparecida), o homem é vilanizado pelo roteiro através da postura radical e conservadora de sua família, que parece disposta a atribuir a responsabilidade por todos os defeitos do homem à sua falta de crença - como, por exemplo, o fato de ser contra o projeto de Lucas de seguir a carreira de artista. Desesperado, desesperançoso e pressionado pela família, Marcos embarca em delírios e devaneios e tem sua fé "restaurada" pela aparição de Nossa Senhora, que, então, aí sim, finalmente, apenas depois disso, por fim, traz Lucas de volta à vida após uma parada cardíaca.

Há quem sustente que o milagre do título diz respeito à mudança de postura de Marcos, que volta a ter fé e a dar valor à família. Não, definitivamente não é o que o filme apresenta. "É uma milagre!", vocifera uma enfermeira após a ressurreição literal de Lucas; "Só Nossa Senhora pode salvar seu filho", aponta a fundamentalista Júlia (Bete Mendes), em determinado momento. Neste novo filme de Tizuka Yamasaki (sim, aquela responsável por uma penca de filmes da Xuxa), Nossa Senhora Aparecida é uma entidade vingativa, punitiva, que opera seus milagres de forma arbitrária e apenas em troca de reconhecimento e veneração. Não acredite nela e corra o risco de ver seus entes queridos definhando, por puro capricho.

Não sei quanto a vocês, mas não consigo enxergar beleza alguma nisso - ou no filme rasteiro que defende essa ideia.


Aparecida - O Milagre, Brasil, 2010 | Roteiro de Pedro Antônio, Carlos Gregório, Paulo Halm e Marco Schiavon | Dirigido por Tizuka Yamasaki | Com Murilo Rosa, Jonatas Faro, Bete Mendes, Leona Cavalli, Maria Fernanda Cândido, Vinícius Franco, Janaína Prado, Dandara Mariana, Leopoldo Pacheco, Rodrigo Veronese.