Não me parece absurda, a ideia de contos clássicos serem desprovidos de grandes ações. Não creio que lutas, disputas e embates favoreçam a concisão desse tipo de narrativa, as lições e mensagens pretendidas pelos autores ou mesmo a transmissão oral dessas histórias. No Cinema, entretanto, a situação é outra: transformar um conto trivial em uma narrativa audiovisual de duas horas demanda diversas adaptações de linguagem e conteúdo - e o Cinema de entretenimento, nos últimos anos, tem apostado pesado em superproduções que reimaginem contos clássicos e os insiram em uma embalagem de ação.
Mas longas como
Branca de Neve e o Caçador ou
João e Maria - Caçadores de Bruxas (notem a recorrência da figura do Caçador) provam que não tem dado muito certo. E
Jack - O Caçador de Gigantes parecia seguir pelo mesmo caminho: adiamentos severos, críticas desfavoráveis e um orçamento infladíssimo sendo descompensado por bilheterias medíocres sugeriam um completo fracasso, comercial e artístico - mas o produto final prova, mais uma vez, que expetativas anteriores à sessão devem ser deixadas na porta de entrada da sala de cinema.
Dirigido por Bryan Singer (
Operação Valquíria,
Superman - O Retorno) a partir de um roteiro escrito e reescrito por Darren Lemke, David Dobkin, Dan Studney e Christophe McQuarrie (
Jack Reacher - O Último Tiro) com base no conto de João e o Pé de Feijão, o filme introduz uma antiga rivalidade entre humanos do reino de Cloister e gigantes que habitam um espaço localizado entre o céu e a Terra, cuja trégua é garantida por uma coroa com poderes especiais e pela preservação, em local seguro, de um punhado de feijões mágicos capazes de criar uma ponte entre os dois mundos. Tratado pelo povo como uma lenda fantasiosa, o conflito vem à tona quando os tais feijões caem nas mãos (e mais tarde, caem
das mãos) do camponês Jack (Nicholas Hoult) e a tal coroa cai nas graças do ambicioso e inescrupuloso Rodrerick (Stanley Tucci), que pretende usá-la para ascender ao poder. Em um dia chuvoso, um dos grãos de feijão é germinado e rapidamente dá origem a um enorme pé que, por acidente, acaba levando a princesa Isabelle (Eleanor Tomlinson) até a terra dos gigantes. Dessa forma, o Rei Brahmwell (Ian McShane, de
Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas) ordena que uma comitiva real, comandada por Elmont (Ewan McGregor, de
O Impossível) e complementada por Jack, escale o pé de feijão para resgatar a garota.
Orçado em quase duzentos milhões de dólares,
Jack - O Caçador de Gigantes possui uma enorme carga de efeitos visuais, que alcançam resultados diversos. Pra início de conversa, os gigantes não são dos mais convincentes - especialmente no que diz respeito às texturas, que jamais nos deixam esquecer que aqueles são personagens criados por computador. Por outro lado, a movimentação e a expressividade dos brutamontes são satisfatórias, não só graças ao uso da técnica de
performance capture, como também pela decisão certeira de fazê-los agirem, na maior parte do tempo, em uma velocidade normal - uma predisposição rara (a maioria dos filmes opta por uma movimentação lenta, que visa equilibrar o conflito com os seres diminutos desfavorecidos) que Singer exalta no instante em que um gigante concede alguns segundos de vantagem em uma perseguição ao personagem de Eddie Marsan (
Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras), que assume uma dianteira vã.
Aliás, o
design de produção do longa também não faz feio e concebe paisagens e cenários curiosos e bastante convincentes - embora as grades perfeitamente transponíveis de uma gaiola gigante que aprisiona a princesa, por exemplo, surja como uma das falhas que diminuem os méritos da equipe. Por outro lado, o 3D raramente é usado com fins realmente interessantes - com destaque absoluto para os pontuais momentos em que a câmera assume o ponto de vista de algum gigante e enxergamos aquele mundo com uma profundidade irrepreensível, quase palpável.
Diferentemente do que ocorria na maioria das releituras anteriores, o roteiro de
Jack - O Caçador de Gigantes não possui maiores amarras ou expectativas a cumprir em relação ao conto original e utiliza esta mobilidade para construir uma narrativa ligeiramente mais consistente, com uma evolução satisfatória e suficientemente bem amarrada. Infelizmente, aqui e ali o texto se rende a imbecilidades inexplicáveis, como a ótima relação dos personagens com o ar rarefeito, as flechas flamejantes cujas chamas sobrevivem ao contato com água, os múltiplos pés de feijão recém erguidos que desaparecem da paisagem em momento oportuno ou a demasiadamente longa e absurda disputa de cabo de guerra desenvolvida em torno dos portões de Cloister no terceiro ato. Por outro lado, o roteiro possui alguns acertos bobinhos que valem menção - como a determinação, a coragem e, sobretudo, a fragilidade do grupo de humanos diante de seus enormes oponentes sendo projetadas em um pequeno punhal, repassado entre personagens (nesse caso, desconsiderando completamente a cena em que o personagem de McGregor apanha a arma debaixo da água com os dentes e de ponta cabeça).
Com um bom elenco sabotado por subtramas aborrecidas e personagens desinteressantes (basta apontar que, como o morto-vivo de
Meu Namorado é um Zumbi, Nicholas Hoult conseguia expressar muito melhor seus sentimentos amorosos),
Jack - O Caçador de Gigantes é uma rara releitura eficiente de um conto clássico que, graças aos insatisfatórios resultados comerciais, ironicamente, pode representar um passo gigante rumo ao encerramento desse segmento.