6 de fevereiro de 2013

Crítica | O Voo

Denzel Washington em O VOO (Flight)

por Eduardo Monteiro

Flight, EUA, 2012 | Duração: 2h18m21s | Lançado no Brasil em 8 de Fevereiro de 2013, nos cinemas | Escrito por John Gatins | Dirigido por Robert Zemeckis | Com Denzel Washington, Kelly Reilly, Bruce Greenwood, Don Cheadle, John Goodman, Brian Geraghty, Tamara Tunie, Adam Tomei, Garcelle Beauvais, Justin Martin e Melissa Leo.

Pôster nacional e crítica de O VOO (Flight)
Conhecido por comandar obras como Forrest Gump - O Contador de Histórias, Uma Cilada Para Roger Rabbit ou a trilogia De Volta Para o Futuro, Robert Zemeckis se tornou, na última década, um dos maiores investidores e entusiastas da técnica de animação conhecida como performance capture (mais aclamada pelo desempenho de altíssimo nível visto em filmes recentes como Avatar ou As Aventuras de Tintim); desde que lançou Revelação e Náufrago no longínquo ano de 2000, o cineasta dirigiu O Expresso Polar, A Lenda de BeowulfOs Fantasmas de Scrooge e ainda produziu A Casa Monstro e Marte Precisa de Mães, todos animados a partir da captura de performances - e depois de mais de uma década longe do live action, este O Voo marca seu retorno às produções estreladas por atores de carne e osso.

Escrito por John Gatins (Gigantes de Aço), o roteiro acompanha a repercussão do acidente aéreo de um voo doméstico conduzido pelo comandante William "Whip" Whitaker (Denzel Washington), que, graças à habilidade e aos reflexos do experiente piloto, resultou na morte de apenas seis das duzentas e duas pessoas a bordo. Entretanto, assim que a investigação sobre o acidente demanda que as responsabilidades pela tragédia sejam apuradas, Whip torna-se um alvo em potencial graças ao seu vício em álcool e outras drogas. Paralelamente, o protagonista se envolve com a prostituta viciada Nicole (Kelly Reilly), cuja satisfatória reabilitação entra em conflito com a dependência crônica e nociva de Whip.

Essa subtrama paralela, aliás, desponta como um dos principais problemas de O Voo: embora confira alguma profundidade ao vício do protagonista, a relação entre Whip e Nicole é iniciada e concretizada através de estratégias formulaicas e recebe, na primeira metade do longa, uma ênfase desproporcional à sua relevância para a narrativa. De todo modo, Kelly Reilly (Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras) faz um bom trabalho ao abandonar seu sotaque britânico e transformar a personagem em uma mulher cujo maior obstáculo para vencer o vício é a solidão - e não é à toa que as companhias de Whip e de uma madrinha de reabilitação são decisivas para sua recuperação, que até então dependia de eventualidades favoráveis (como o fato de seu fornecedor atender ou não suas ligações).

O alcoolismo do comandante Whitaker, por outro lado, é trabalhado com mais cuidado e maior ênfase pelo roteiro - e tamanha é sua dificuldade de abandonar a dependência após ser informado sobre sua possível responsabilização pelo desastre aéreo que a decisão (emblemática, em um primeiro momento) de mandar embora pelo ralo todas as bebidas de sua fazenda (onde se isola do assédio da imprensa) acaba soando tão impulsiva quanto as diversas recaídas posteriores. Além disso, até o clichê da relação conturbada com a ex-esposa e o filho soa mais plausível do que em outras tramas, já que não é difícil imaginar os transtornos causados pelo vício do sujeito em seu ambiente familiar de outrora.

Denzel Washington Kelly Reilly em O VOO (Flight)

Todavia, o drama não seria tão eficiente caso trouxesse um ator pouco talentoso no papel central. Adicionando uma carga dramática atípica à sua composição usual de personagens donos de qualidades extraordinárias (os melhores-qualquer-coisa-do-mundo), Denzel Washington responde a todas as demandas do papel com absoluta segurança e competência, criando um sujeito instável que não consegue lidar com a própria decadência pessoal e, em vez disso, se afunda cada vez mais no vício e em um delicado conflito moral. Além disso, o ator também representa como poucos a frieza, a agilidade e a segurança do comandante durante a queda da aeronave, sequência esta que, conduzida com extrema urgência por Zemeckis, consegue gerar doses elevadíssimas de tensão, mesmo soando absurda em alguns momentos e sendo transcorrida logo no primeiro terço da projeção.

E o retorno de Robert Zemeckis ao live action também não deixa a desejar: sem investir em firulas distrativas, o diretor emprega técnicas eficientes já nos primeiros minutos do longa, como a movimentação inusitada de uma câmera que parecia disposta a apenas acompanhar o consumo de uma carreira de cocaína, mas logo passa a refletir o estado de espírito do personagem após a inalação, ou, posteriormente, a decisão de prolongar o plano de uma garrafinha de bebida, cuja incômoda duração faz jus a seu desfecho. E além de executar transições bacanas que revelam o cuidadoso trabalho de decupagem (o instante em que a fúria de Whip é seguida por um carro atravessando uma poça e lançando lama na direção da câmera é um bom exemplo), o diretor consegue estabelecer com clareza e sem maior alarde as ocorrências do fatídico voo que serão resgatadas pela investigação, além de ampliar em uma cadência apropriada a percepção de Whip a respeito de suas responsabilidades posteriores ao acidente. Infelizmente, o roteiro dificulta a tarefa de Zemeckis de manter o ritmo da narrativa, que, dentre outras enrolações, protela demasiadamente a chegada da audiência em que o protagonista deverá depor.

Com um elenco de apoio formado pelos competentes Don Cheadle (Homem de Ferro 3), Bruce Greenwood e John Goodman (embora este último viva, pela segunda vez em menos de um ano, um coadjuvante cujo humor destoa do restante da narrativa), O Voo ainda tenta discutir, sem grande sucesso, a visão distorcida de religiosos ou o papel danoso da mídia na cobertura de tragédias - mas estes acabam sendo apenas panos de fundo para um drama que, embora repleto de méritos, certamente merecia um tratamento melhor. Dizimar a pieguice dos minutos finais já teria sido um bom começo.

Denzel Washington em O VOO (Flight)