1 de fevereiro de 2013

Crítica | Meu Namorado é um Zumbi

Nicholas Hoult em MEU NAMORADO É UM ZUMBI (Warm Bodies)

por Eduardo Monteiro

Warm Bodies, EUA, 2013 | Duração: 1h37m35s | Lançado no Brasil em 8 de Fevereiro de 2013, nos cinemas | Baseado no livro de Isaac Marion. Roteiro de Jonathan Levine | Dirigido por Jonathan Levine | Com Nicholas Hoult, Teresa Palmer, Rob Corddry, Analeigh Tipton, Dave Franco e John Malkovich.

Pôster nacional e crítica de MEU NAMORADO É UM ZUMBI (Warm Bodies)
Quando a primeira foto de Meu Namorado é um Zumbi foi divulgada há alguns meses, a comparação com a "saga" Crepúsculo foi praticamente inevitável: como se não bastasse o livro original de Isaac Marion contar a história do relacionamento amoroso entre uma humana e um cadáver e trazer estampado em sua capa uma citação de Stephenie Meyer (autora da série Crepúsculo) aprovando a obra, a primeira imagem de divulgação exibia o ator Nicholas Hoult, com uma maquiagem que remetia diretamente à palidez patética de Edward Cullen, abraçando a atriz Teresa Palmer, sósia extraoficial de Kristen Stewart. Entretanto, como grande parte dos julgamentos precipitados, a comparação é equivocada e pode facilmente ser descartada ao final da sessão desta eficaz comédia, que não cansa de fazer graça com o absurdo da própria premissa.

Dirigido e escrito por Jonathan Levine (50%) com base no livro Sangue Quente, de Isaac Marion, Meu Namorado é um Zumbi nos apresenta a um jovem (se é que isso faz algum sentido) morto-vivo que, sem lembranças de sua fase vivente (a não ser o fato de que seu nome começa com a letra R), exibe uma inusitada articulação mental ao narrar, em voice over, a mórbida rotina de um aeroporto tomado por zumbis. No entanto, a coisa muda de figura quando R (Nicholas Hoult) sai para fazer um lanchinho, come o cérebro do humano Perry (Dave Franco) e herda parte de suas memórias, incluindo o amor do infortunado rapaz por Julie (Teresa Palmer). Tentando defender a garota de ataques de zumbis famintos, R a leva para um local seguro, onde ambos desenvolvem uma curiosa relação - e os cada vez mais recorrentes sentimentos humanos despertados no zumbi acabam provocando alterações inesperadas em sua fisiologia.

Primeiro protagonista do jovem Nicholas Hoult (que ainda poderá ser visto esse ano no papel central de Jack - O Caçador de Gigantes), R representa para o espectador a porta de entrada para o conceito de zumbi pensante: dono de uma mente sadia presa a um corpo comprometido e debilitado, o personagem desempenha um esforço descomunal e frustrante para se expressar física e oralmente, limitação que Levine gradativamente mina ao longo da convivência do personagem com Julie. Marcada pelos olhos constantemente arregalados, pela movimentação cambaleante (repare a peculiaridade do modo de correr de R) e por um discurso pausado, primitivo e tremulante (que talvez reflita o esforço do próprio ator de interpretar um morto-vivo - e que funciona bem mesmo assim), a composição de Hoult revela-se particularmente eficiente especialmente se comparada à performance de Rob Corddry (Procura-se um Amigo Para o Fim do Mundo), cuja preguiça de simular o comportamento de um zumbi salta aos olhos e compromete significativamente o personagem.

Além disso, a contribuição da maquiagem para o trabalho dos atores é questionável: buscando uma classificação etária mais abrangente ou tentando evitar a repulsa do público, a caracterização dos zumbis é marcada pela leveza e envolve basicamente palidez, olheiras, veias escurecidas e meia dúzia de cicatrizes - o que frequentemente nos obriga a recordar que estamos acompanhando atores e figurantes fantasiados. E muito embora o design de produção crie cenários devastados com a eficiência necessária, os efeitos especiais deixam bastante a desejar, desde a simples muralha que isola parte de uma cidade (o mal trabalhado encontro da construção com os edifícios evidencia a intervenção digital) até os bonecos concebidos digitalmente para os Esqueléticos, zumbis malvados e degenerados que devoram qualquer ser que possua um coração batendo.

Rob Corddry e Nicholas Hoult em MEU NAMORADO É UM ZUMBI (Warm Bodies)

E já que mencionei os Esqueléticos, vale apontar que são eles os responsáveis pelos maiores problemas de Meu Namorado é um Zumbi. Incapazes de conceber um conflito que envolva apenas a curiosa e insegura relação entre humanos e zumbis, Marion e Levine desviam o foco para um embate provocado pelos tais seres malignos, resultando em uma correria aborrecida com motivações tolas e resoluções idem. Para piorar, nem mesmo as circunstâncias inusitadas do conflito (como as alianças improváveis) fazem com que o comandante Grigio (John Malkovich, de Transformers - O Lado Oculto da Lua), pai de Julie e defensor da colônia humana, torne-se uma figura menos unidimensional, culminando em uma atitude absolutamente inexplicável do personagem próximo ao desfecho.

Porém, antes de perder a linha, o longa prova-se uma interessante comédia adolescente, que extrai humor tanto de zumbis lutando contra as próprias limitações para tentar agir e se portar como humanos quanto dos obstáculos extras impostos pelo conflito entre a lucidez mental e a insubordinação corporal para embarcar em um relacionamento amoroso (a preocupação de R de não parecer um esquisitão e de descobrir a forma apropriada de abordar Julie é hilária). Além disso, o primeiro estágio da relação entre R e Julie é construído com a calma e o cuidado necessários, investindo em pequenos eventos que ressaltam tanto as boas intenções do morto-vivo quanto a compreensão progressiva da humana sobre este fato. Por fim, a discussão sobre aceitação de minorias incompreendidas, apesar de dispersa e pouco relevante, é bem intencionada o suficiente para merecer uma menção, sendo arrematada com eficiência no plano que encerra o filme combinando de forma elegante as ideias de (spoilers leves adiante) olhar por cima de muros para ter uma visão mais abrangente do mundo e derrubar barreiras entre pessoas.

Fazendo breves reverências a filmes cultuados de zumbi e destacando-se ainda pela seleção musical, cujo bom gosto confere ao filme uma atmosfera atípica em produções do gênero, Meu Namorado é um Zumbi prega ainda que o que nos define como seres humanos viventes é a nossa capacidade de ter sentimentos - como os de contentamento e leve desapontamento que vivenciei durante a sessão do filme.

Teresa Palmer e Nicholas Hoult em MEU NAMORADO É UM ZUMBI (Warm Bodies)