28 de fevereiro de 2013

Crítica | Colegas

Ariel Goldenberg, Breno Viola e Rita Pokk em COLEGAS

por Eduardo Monteiro

Colegas, Brasil, 2012 | Duração: 1h42m44s | Lançado no Brasil em 1º de Março de 2013, nos cinemas | Escrito por Marcelo Galvão | Dirigido por Marcelo Galvão | Com Ariel Goldenberg, Rita Pokk, Breno Viola, Lima Duarte, Deto Montenegro, Rui Unas, Leonargo Miggiorin, Amélia Bittencourt, Christiano Cochrane, Daniele Valente, Juliana Didone, Marco Luque, Theodoro Cochrane, Maytê Piragibe, Nill Marcondes, Otávio Mesquita, Daniela Galli, Oswaldo Lot, Anna Ludmila, Germano Pereira, J. Peron.

Pôster e crítica de COLEGAS
Embora tenha adquirido uma conotação pejorativa ao longo dos anos, a expressão "retardado mental", por incrível que pareça, continua designando pessoas acometidas por deficiências cognitivas - uma das características mais marcantes da Síndrome de Down. Isso, porém, não torna seus portadores pessoas inferiores, piores ou indignas de respeito - e não raramente, os esforços empregados na integração de indivíduos com Trissomia do Cromossomo 21 à sociedade miram equivocadamente em objetivos parvos e dispersivos, como a readequação de terminologias (trocar "diferentes" por "especiais" é a principal e mais tola delas). Embora as semelhanças sobressaiam, portadores da Síndrome são sim pessoas diferentes e, em muitos casos, precisam realmente de tratamentos diferenciados - mas isso, reforço, não é e não deve ser encarado como algo degradante.

No início do ano, um jovem Down de 26 anos morreu asfixiado em um cinema dos Estados Unidos depois que, decidido a permanecer na sala após o fim da sessão para rever o filme, teve que ser retirado à força pela polícia - uma tragédia que, obviamente, denuncia o mais absoluto despreparo dos policiais. O que dizer então dos três jovens com Down que, inspirados por Thelma & Louise, fogem da Instituição em que vivem, roubam um carro e, com uma arma de brinquedo, percorrem estradas brasileiras propiciando acidentes automobilísticos, desafiando as autoridades, invadindo festas e cometendo assaltos?

Stalone (Ariel Goldenberg), Aninha (Rita Pokk) e Márcio (Breno Viola), ao que tudo indica, não possuem más intenções; eles só querem se divertir, e não parecem enxergar problemas em coagir terceiros para alcançar seus objetivos. É evidente que o trio não está preparado para se lançar no mundo sem supervisão: incapazes de separar a ficção da realidade, os jovens passam a reproduzir de forma inconsequente cenas de seus filmes favoritos, como - vejam só! - Pulp Fiction - Tempo de Violência. Dessa forma, a pequena aventura do trio se revela uma sucessão de riscos não só para eles, como também para as pessoas com quem interagem - e basta imaginar como a história poderia acabar caso alguma das vítimas do trio estivesse armada e resolvesse reagir ou se o ônibus repleto de jovens escoteiros acidentasse graças à imprudência dos personagens principais.

Todavia, Marcelo Galvão parece enxergar um absurdo potencial cômico na trajetória dos personagens e tenta convencer o espectador que uma viagem perigosa, aborrecida e imprudente é na verdade uma espécie de jornada de libertação e descobertas - algo que o diretor expressa sem a menor sutileza através dos vários planos em que o trio surge berrando de braços abertos no carro em movimento ou - pior ainda - na cena em que a garota liberta um pássaro em meio a uma plantação de girassóis após urinar ("Aninha não gostava de ver nenhum animal preso. Ela sabia como era ruim se sentir assim", enfatiza a narração de Lima Duarte).

Ariel Goldenberg em COLEGAS

Para piorar, Galvão arruína a naturalmente frágil estrutura de road movie com séries de acontecimentos absolutamente arbitrários e ilógicos: a aparentemente implacável diarreia de Stalone, por exemplo, só é introduzida para permitir que o personagem visite um banheiro no qual encontrará o véu perfeito para a fantasia de noiva de Aninha - e benditos sejam os figurantes que utilizam cortinas de chuveiro feitas de tricô! Ainda nesse sentido, a cena de amor ocorrida no palheiro da carroceria do caminhão de um buffet (repetindo: no palheiro da carroceria do caminhão de um buffet) só não é pior que a batida montagem em que o trio surge experimentando roupas em uma boutique ou a sequência do interrogatório que reduz portadores de Síndrome de Down a loucos desvairados.

E o trio principal não fica muito atrás: figuras unidimensionais definidas exclusivamente por seus sonhos (conhecer o mar, voar e casar-se com um cantor), Stalone, Márcio e Aninha frequentemente tomam atitudes randômicas (por que um deles insiste em carregar tochas furtadas de uma festa?) e são vividos por seus respectivos intérpretes com algumas limitações esperadas: além dos vários diálogos ininteligíveis (algo que confere naturalidade aos personagens, ao mesmo tempo que compromete a narrativa), a química entre os atores é deficitária, de modo que a paixão de Stalone por Aninha, por exemplo, precisa ser explicitada através de mais uma das embaraçosas intervenções em off de Lima Duarte ("Agora, Stalone e Raul Seixas eram inimigos inseparáveis").

Repleto de canções de Raul Seixas e referências cinematográficas soltas (todas elas listadas nos créditos finais), o filme busca um tom levemente fabulesco que aposta em uma atemporalidade estranha (as TVs são antiquadas e Raul Seixas ainda está vivo, mas Cidade de Deus é referenciado) e personagens secundários exagerados (ainda assim, responsáveis pelos pouquíssimos momentos divertidos do longa), mas falha em amenizar a gravidade das ações do trio, que permanece intacta sob qualquer ângulo de análise. Para completar, o filme ainda elabora uma crítica desonesta à intolerância: não parece existir distinção entre aqueles que simplesmente se sentem amolados pelas aporrinhações do trio (um direito, vale mencionar, absolutamente legítimo) e as caricaturas repulsivas que discriminam os personagens centrais por falha de caráter.

Fazendo cento e poucos minutos parecerem uma sessão tripla, Colegas é um projeto que se apoia na existência de um público sedento por afirmar a própria tolerância com relação às diferenças (vide o sucesso da campanha de marketing que, de tão apelativa, poderia ter sido lançada diretamente no programa do Gugu) e, consequentemente, disposto a engolir qualquer porcaria estrelado por atores com Síndrome de Down. A intenção pode até ter sido boa, mas o resultado, infelizmente, é pra lá de indigesto.

Rita Pokk, Breno Viola e Ariel Goldenberg em COLEGAS