28 de janeiro de 2013

De Pernas Pro Ar 2

Eduardo Mello, Ingrid Guimarães, Bruno Garcia e Cristina Pereira em DE PERNAS PRO AR 2

A novela exibida pela Rede Globo na faixa das 21h é, há anos, o carro-chefe da emissora e registra seus maiores índices de audiência, superando em 40% os números alcançados por qualquer outro programa da grade de programação (e quando digo "qualquer outro programa", tomo como base o Big Brother, as outras duas principais novelas e o Jornal Nacional, que alcançam resultados parecidos e ficam praticamente empatados em segundo lugar). Não é um equívoco, portanto, afirmar que o público brasileiro simplesmente ama novelas globais e suas narrativas pobres, maniqueístas e, acima de tudo, repetitivas. Muito repetitivas. Afinal, por que os produtores iriam mexer em um time que está ganhando? Por que inovar, se o tradicional, o que já foi testado incontáveis vezes, prova-se constantemente uma aposta certeira?

O triste disso tudo, porém, é a transferência dessa lógica para a produção cinematográfica. Em 2011, a maior bilheteria de uma produção nacional foi conquistada por um filme chamado De Pernas Pro Ar, que levou mais de 3,5 milhões de brasileiros aos cinemas. A continuação, há exato um mês em cartaz no país, já ultrapassou essa marca, tendo liderado as bilheterias de todos os fins de semana desde a estreia. E não para por aí: em menos de quatro semanas, De Pernas Pro Ar 2 conseguiu superar a maior bilheteria nacional de todo o ano passado, conquistada pela pavorosa comédia Até Que a Sorte Nos Separe - dirigida por, não surpreendentemente, o mesmo Roberto Santucci que comandou os dois De Pernas Pro Ar.

Dirigindo os filmes como se fossem especiais de final de ano para a Globo, Santucci consegue a proeza de produzir múltiplas obras a partir de uma premissa única - e o mais interessante: convencendo parte do público de que isto não está acontecendo. Por questões financeiras, o protagonista de cada uma das suas últimas obras se envolve em uma série de confusões e trapalhadas dignas de Zorra Total para esconder um segredo da família - e quando a situação fica insustentável e a verdade vem à tona, uma crise familiar é articulada para, minutos depois, ser superada de forma artificial e arbitrária. Foi assim em De Pernas Pro Ar e em Até Que a Sorte Nos Separe - e em De Pernas Pro Ar 2 não é diferente.

Santucci é astuto e se aproveita do déficit de atenção de seu público para lançar um filme que não só repete a mesmíssima estrutura do anterior, como também tecnicamente pedestre. Pra início de conversa, a ambição de filmar em Nova York é maior que o orçamento do projeto, de modo que as questões logísticas envolvidas no processo saltam aos olhos e transformam o resultado final em uma fonte inesgotável de constrangimento: não há uma cena sequer rodada em locações nova-iorquinas que não traga algum pedestre olhando na direção da câmera, o que sempre surge como uma distração grave. Além disso, o uso de CGI é excessivo - e se em carros ou locações complexas o uso do chroma key é até compreensível, em cenários como o banheiro do hotel, por exemplo, a técnica cria uma artificialidade alarmante.

Além disso, a necessidade de extrair humor de cada fotograma do longa frequentemente atinge níveis patéticos - e como se ver a empregada da família caindo incessantemente em uma pista de patinação já não fosse sem graça o bastante, um derradeiro efeito sonoro de baque é inserido segundos antes do corte final da cena, ignorando o fato de que, embora a atriz se encontre fora do quadro (o que de fato permitiria que um último tombo da mulher fosse construído apenas através do som), Paulinho (Eduardo Mello) continua olhando para ela, isto é, fitando-a horizontalmente (o que indica que a última queda da personagem, tão desnecessária quanto todas as outras, foi uma decisão de pós-produção). Por fim, o momento máximo da cara-de-pau ocorre na cena em que, julgando que uma mulher tentando disfarçar um orgasmo é algo histericamente engraçado, o filme tenta reproduzir a passagem semelhante do longa anterior em circunstâncias absolutamente implausíveis: para evitar que João (Bruno Garcia) veja um vibrador, Alice (Ingrid Guimarães) recolhe rapidamente o objeto, cai na cama e se cobre com um edredom; mas quando o brinquedo é acionado remota e acidentalmente pelo marido, por que a protagonista simplesmente não afasta o objeto da virilha, já que a operação seria naturalmente encoberta pelo edredom?

Não precisa fazer sentido, basta ser histérico ou absurdo - e quando Alice anda por uma área arborizada falando ao celular e de repente perde o sinal, ao invés de regredir alguns passos pelo caminho que vinha trilhando, ela decide subir na copa de uma árvore após ser informada que, ali, a recepção é boa. Como ela faz isso? Não faço a menor ideia - e talvez aí resida a graça que ainda não consegui encontrar. E o que dizer do momento em que a protagonista analisa uma lista de possíveis novos produtos para a sex shop e chega àquele intitulado "A Cópula do Mundo é Nossa", que simplesmente jamais é mostrado? Afinal, se o nome bolado pelos roteiristas é engraçadíssimo (?), por que estragar a piada tendo que conceber um objeto que exija algum sentido do nome, não é verdade?

Aliás, não é só em função de piadas que a lógica é ferida em De Pernas Pro Ar 2: sentindo-se na obrigação de encaixar em algum momento da projeção um travelling circular de algum personagem deslumbrado com as luzes da Times Square (afinal, filmar em Nova York sem um travelling circular na Times Square é como filmar no Rio de Janeiro sem um plano aéreo do Cristo Redentor), Santucci coloca Alice para protagonizar a cena instantes depois da grande crise familiar da trama, quando João e Paulinho regressam às pressas para o Brasil para se afastar da mulher - e por alguns segundos, alimentei uma ínfima esperança de que o roteiro estaria se enveredando para rumos diferentes e ambiciosos: mantendo a coerência com tudo que fora construído até então, Alice finalmente estaria caindo na real e reconhecendo que, para ela, a carreira e o sucesso profissional definitivamente vêm antes da família.

Tolice da minha parte. Três milhões e meio de pessoas já legitimaram o repeteco comandado por Santucci - e mal posso esperar para rever o mesmíssimo arco da incorrigível Alice e sua família condescendente no final de 2015. Sim, De Pernas Pro Ar 3 vem aí!


De Pernas Pro Ar 2, Brasil, 2012 | Roteiro de Marcelo Saback e Paulo Cursino | Dirigido por Roberto Santucci | Com Ingrid Guimarães, Bruno Garcia, Maria Paula, Eriberto Leão, Eduardo Mello, Denise Weinberg, Cristina Pereira, Christine Fernandes, Tatá Werneck e Luís Miranda.