10 de janeiro de 2013

Crítica | Uma Família em Apuros

por Eduardo Monteiro

Parental Guidance, EUA, 2012 | Duração: 1h44m32s | Lançado no Brasil em 11 de Janeiro de 2013, nos cinemas | Escrito por Lisa Addario & Joe Syracuse | Dirigido por Andy Fickman | Com Billy Crystal, Bette Midler, Marisa Tomei, Tom Everett Scott, Bailee Madison, Joshua Rush, Kyle Harrison Breitkopf, Jennifer Crystal Foley, Rhoda Griffis, Gedde Watanabe, Madison Lintz, Mavrick Moreno, Cade Jones e Tony Hawk.

Sempre de forma controlada e em doses homeopáticas, crianças têm que fazer bagunça, brincar, correr, pular, gritar e gargalhar; têm que comer chocolates, balas, pirulitos, salgadinhos e outras besteiras; têm que falar besteiras, e falar de boca cheia enquanto comem besteiras; têm que subir em árvores, matar insetos, destruir plantas, engolir água de piscina, comer terra, se sujar, tropeçar, ralar os joelhos e cotovelos; têm que pintar a cara, vestir a roupa do avesso e pisar na lama com aquele tênis branco novinho; têm que fazer guerra de comida, de água, de bolas de neve, de travesseiro; têm que ir a festas, parques, fliperamas, cinemas; têm que ouvir "sim", têm que ouvir "não"; e claro, crianças precisam sair de casa e conhecer o mundo, nem que seja pra fazer coisas que poderiam ser feitas no conforto do lar.

É provavelmente com base nesta última ideia que Uma Família em Apuros chega aos cinemas brasileiros na próxima sexta-feira oferecendo, em termos artísticos e narrativos, algo que muito provavelmente pode ser encontrado gratuita e diariamente na programação da tevê. Escrito por Lisa Addario e Joe Syracuse, o filme traz Billy Crystal como o veterano narrador de beisebol Artie Decker, que, logo após ser demitido do cargo por falta de apelo para com as novas gerações, é convocado pela filha Alice (Tomei) para tomar conta dos netos durante uma rara e providencial viagem sua com o marido, Phil (Everett Scott). Assim, Artie e a esposa Diane (Midler) se deslocam até a casa da família Simmons e se deparam com Harper (Madison), Turner (Rush) e Barker (Breitkopf), três crianças criadas por Alice e Phil sob rigorosos protocolos comportamentais, isto é, privadas da maior parte das atividades citadas no parágrafo anterior. Nesse contexto, o embate entre os avós liberais e a família metódica passa a tomar conta da rotina daquela casa.

Iniciado estabelecendo um óbvio paralelo entre a dispensa de Artie do emprego e o prestígio cada vez menor de seu intérprete (que não emplacava um papel relevante desde a sequência de Máfia no Divã, em 2002), Uma Família em Apuros transforma a discussão indireta sobre a situação de artistas como Crystal e Midler em um tema periférico e se rende às ainda mais óbvias gags típicas das comédias familiares dos anos 80, popularizadas por comediantes como o próprio Billy Crystal. Dessa forma, quando vemos as atrizes Marisa Tomei e Bailee Madison fazendo cabo de guerra com um prato de bolo, é de uma facilidade absoluta prever o desfecho da disputa - e nesse sentido, é surpreendente que Addario e Syracuse não tenham incluído na trama um cachorro capaz de protagonizar momentos engraçadinhos. Além disso, os roteiristas não se intimidam em criar gags que dependam de séries absolutamente improváveis de fatores, como aquela que envolve o caçula Barker urinando em uma rampa de skate.

Pra piorar, o filme não é mais feliz em seu desenvolvimento dramático - e a obviedade do resgate de uma antiga indisposição entre Artie e Alice, por exemplo, também pode ser atribuída ao relacionamento inconstante dos avós com os netos. Por outro lado, o roteiro também possui sua parcela de boas ideias - a começar pela cena em que Diane deixa marcas de batom nas bochechas dos três netos, situação que certamente despertará a identificação de uma massiva parcela do público. Além disso, os roteiristas conseguem criar uma boa dose de diálogos inspirados: é divertido, por exemplo, o momento em que a personagem de Bette Midler tenta consolar o de Billy Crystal dizendo-lhe que as crianças não o conhecem o bastante para odiá-lo, de forma ingênua o bastante para não perceber que o comentário parece insinuar que, para odiar Artie, basta conhecê-lo suficientemente bem. Para completar, a mensagem transmitida pelo filme é doce o bastante para que relevemos parte dos erros cometidos em seu desenrolar.

Todavia, se há um aspecto do filme que nos motiva a ser condescendentes é o elenco. Conferindo ao projeto um ar saudosista, os sexagenários Billy Crystal e Bette Midler conseguem brincar com a idade avançada ao mesmo tempo que esbanjam vivacidade e carisma - e Midler, em particular, merece destaque pela a proeza de conquistar o espectador tendo como veículo uma personagem absolutamente sem personalidade. Exibindo um timing cômico apropriado, Marisa Tomei vive a sistemática mãe de família com a competência corriqueira e se destaca por detalhes menores da composição, como o momento em que, com os braços ocupados por bolsa e casaco, Alice salta desajeitadamente em genuína comemoração de certa conquista de Turner. Para completar, os atores mirins não se deixam intimidar pelo elenco adulto e, frequentemente, roubam a cena: enquanto o jovem caçula Kyle Harrison Breitkopf surge como um adorável alívio cômico com seu jeito sapeca e seus impulsos capitalistas, o talentoso Joshua Rush é ligeiramente prejudicado pela obrigação de simular gagueira e a ótima Bailee Madison volta a demonstrar (como já havia feito no estúpido Esposa de Mentirinha) que tem todas as qualidades necessárias para se tornar uma grande atriz.

Dirigido pelo medíocre Andy Fickman (responsável por Ela é o Cara, Treinando o Papai e A Montanha Enfeitiçada), Uma Família em Apuros é uma comédia familiar que merece alguma atenção por, basicamente, conseguir divertir sem ser ofensiva. E se a ida ao cinema estiver contribuindo para a construção de laços comoventes como os vistos nas fotos exibidas ao longo dos créditos finais, a produção do filme já terá valido a pena.

Obs.: ao final dos créditos, há uma foto reunindo boa parte dos envolvidos na produção, seguida por uma cena extra.