5 de janeiro de 2013

Crítica | Sete Psicopatas e um Shih Tzu

por Eduardo Monteiro

Seven Psychopaths, Reino Unido, 2012 | Duração: 1h50m04s | Lançado no Brasil em 4 de Janeiro de 2013, nos cinemas | Escrito por Martin McDonagh | Dirigido por Martin McDonagh | Com Colin Farrell, Sam Rockwell, Christopher Walken, Woody Harrelson, Abbie Cornish, Tom Waits, Linda Bright Clay, Harry Dean Stanton, Zeljko Ivanek, Olga Kurylenko, Kevin Corrigan, Long Nguyen, Gabourey Sidibe, Michael Pitt e Michael Stuhlbarg.

A ideia era clara, e o local, propício: em Hollywood, Martin manifesta seu desejo de escrever um bom filme focado em psicopatas atípicos - sete, mais precisamente, embora, a princípio, lhe falte inspiração para conceber mais da metade deles. Sem querer gerar qualquer spoiler nocivo, afirmo que, no final das contas, ele consegue realizar a tarefa - e aqui me refiro não só ao roteirista vivido por Colin Farrell, que a certa altura digita T-H-E E-N-D em seu texto, mas também ao cineasta Martin McDonagh, que empresta seu nome ao protagonista no intuito de construir, com o auxílio da metalinguagem, uma crítica ao convencionalismo que domina parte da produção cinematográfica atual, enquanto ele próprio conduz um projeto que tenta - e a meu ver, consegue - fugir desse paradigma.

"Esta é a ideia mais idiota que já ouvi", aponta Billy (Rockwell), em certo momento, depois que Marty (Farrell) expõe sua intenção de dar continuidade ao roteiro com pouca ação e muito diálogo - ou, em suas palavras, com "seres humanos apenas conversando". O que diabos poderia haver de errado nisso? O que nós, espectadores, devemos esperar de um filme chamado Sete Psicopatas? Perseguições, tiroteios e mortes? Aliás, por que nos vemos no direito de esperar algo específico de um filme com um título desses e, eventualmente, menosprezá-lo por não corresponder às nossas expectativas pessoais? E se, para completar, a distribuidora nacional achasse prudente ressaltar no título do filme a participação de um cachorrinho, comprometendo a natureza metalinguística da produção (não há o menor indício de que o shih tzu esteja presente no roteiro escrito pelo personagem de Farrell) apenas para tentar atrair um público indolente que deveria ir correndo rever De Pernas Pro Ar 2?

Felizmente, o longa não se rende à visão do personagem de Sam Rockwell, que, de certa forma, representa a faceta conservadora e pouco ambiciosa do meio cinematográfico - e a oportunidade que ele ganha de articular um desfecho para o roteiro de Marty resulta não só na sequência mais divertida do filme, como também em um show de comentários sobre a arte de escrever roteiros, especialmente no que diz respeito à dificuldade de amarrar pontas soltas mantendo o mínimo de lógica e, não menos importante, agradando o público. Martin McDonagh consegue cumprir bem essa tarefa, apostando principalmente na quebra de expectativas (como ocorre no confronto entre Farrell, Rockwell e Woody Harrelson) - e confesso que, depois de Billy destacar que animais nunca devem ser mortos em filmes (algo que Fora de Controle, de Barry Levinson, já havia discutido), fui impulsionado a torcer contra a sobrevivência da pobre shih tzu Bonny.

A principal inspiração para o trabalho de Marty, por outro lado, vem como cortesia de seu amigo Billy: dividindo com o polonês Hans (Walken) um negócio ilícito de sequestro de cachorros, que se aproveita de recompensas polpudas dos donos ingênuos, o homem desperta a fúria do mafioso Charlie (Harrelson) ao raptar sua adora Bonny, da raça shih tzu. Enquanto se esquivam do criminoso, Marty, Billy e Hans também são apresentados à história - com toques cômicos de romance - do serial killer de serial killers Zachariah (Waits), tentam encontrar um final adequado para a fictícia trama de um padre vietnamita vingativo (Nguyen) e acompanham, pela imprensa, a ação de um ambicioso assassino em série, que tem eliminado um expressivo número de mafiosos locais.

Em seu segundo trabalho com longas-metragens (o anterior foi o excelente Na Mira do Chefe), Martin McDonagh entrega uma comédia de humor negro que possivelmente não funcionaria sem um elenco competente - e mesmo com poucos nomes do alto escalão, o casting reunido pelo cineasta é admirável e irrepreensível. Repetindo a parceria com o diretor, Colin Farrell transforma Martin em um homem cujas ansiedades e covardias nada mais são que respostas às imprevisibilidades de sua vida e dos personagens que o cercam, como o inconsequente e inconstante Billy vivido com a habitual competência por Sam Rockwell. E se Christopher Walken volta a brilhar em uma atuação divertida, embora mais contida, Woody Harrelson se destaca por transformar Charlie em um homem essencialmente imprevisível, oscilando entre ameaçador, sensível, perigoso ou vulnerável com talento e segurança. Para completar, Michael Pitt e Michael Stuhlbarg introduzem o espectador de forma eficaz na atmosfera do filme, enquanto Abbie Cornish e Olga Kurylenko servem como meros suportes para uma crítica curiosamente autoaplicável ao machismo no Cinema.

Mesmo repleto de intromissões (sejam elas por flashbacks, mudanças de foco da narrativa ou encenações de ideias para o roteiro), Sete Psicopatas e um Shih Tzu é conduzido por McDonagh com segurança e bom humor e conta com boas doses de diálogos afiados, gags discretas e piadas que não se intimidam em pegar pesado abraçando o politicamente incorreto, como ao relacionar de modo recorrente o alcoolismo de Marty à sua origem irlandesa. Aliás, o longa também é bem sucedido em suas investidas dramáticas - e com o auxílio da trilha de Carter Burwell, que convida o espectador a deixar de lado o humor por alguns instantes, Farrell, Rockwell e, principalmente, Walken protagonizam alguns momentos verdadeiramente tocantes.

Encontrando um eco curiosamente forte no curta Morte Cega, do crítico de cinema Pablo Villaça, e marcado ainda por participações divertidas de Gabourey Sidibe (Preciosa - Uma História de Esperança) e Harry Dean Stanton, o longa é um retorno definitivamente satisfatório de Martin McDonagh para detrás das câmeras - e que bom que ele tenha optado por desenvolver Sete Psicopatas (e um Shih Tzu. Droga!) e não o filme de nome extenso que Billy ironicamente sugere em algum momento e que, já em seu titulo, reúne os piores truques, convenções, muletas e clichês que já estamos mais que cansados de conferir na tela grande.