9 de janeiro de 2013

Crítica | Jack Reacher - O Último Tiro

por Eduardo Monteiro

Jack Reacher, EUA, 2012 | Duração: 2h10m10s | Lançado no Brasil em 11 de Janeiro de 2013, nos cinemas | Baseado no livro "Um Tiro" de Lee Child. Escrito por Christopher McQuarrie | Dirigido por Christopher McQuarrie | Com Tom Cruise, Rosamund Pike, Richard Jenkins, David Oyelowo, Werner Herzog, Jai Courtney, Joseph Sikora, Michael Raymond-James, Alexia Fast e Robert Duvall.

Ao longo de toda a projeção de Jack Reacher - O Último Tiro, há um esforço exagerado de estabelecer o personagem-título como um sujeito implacável e invulnerável, algo prejudicial não só por praticamente anular o risco de suas ações como também pelo incômodo da repetição em si, que transforma a autoconfiança do homem em uma espécie desnecessária e maçante de arrogância. Para completar, a ênfase dada à infalibilidade de Jack Reacher soa ainda mais redundante quando o ator escalado para lhe dar vida é ninguém menos que Tom Cruise, cujo histórico em papéis como os de Encontro Explosivo, Operação Valquíria, Minority Report - A Nova Lei ou da franquia Missão: Impossível responde por metade de sua composição e cria uma zona de conforto que, por muito pouco, não relega sua atuação ao piloto automático.

Escrito pelo diretor Christopher McQuarrie (vencedor do Oscar pelo roteiro de Os Suspeitos) com base no livro Um Tiro - o nono protagonizado pelo personagem criado por Lee Child e um dos poucos lançados no Brasil -, Jack Reacher - O Último Tiro é iniciado de forma tensa transportando o espectador para o ponto de vista de um atirador de elite que, em um dia como outro qualquer, dispara contra pedestres de modo aparentemente randômico, matando cinco deles. Identificado pelas autoridades como autor dos disparos e dono de um histórico que corrobora a acusação, o ex-militar James Barr (Sikora) é localizado, detido e, depois de recusar respostas às perguntas do policial Emerson (Oyelowo) e do promotor público Alex Rodin (Jenkins), solicita que encontrem e tragam um homem chamado Jack Reacher. Com uma ficha repleta de pontas soltas e lacunas a serem preenchidas, Reacher se apresenta antes mesmo de ser convocado - e embora julgue que Barr seja culpado, em virtude de um contato anterior com o rapaz e da riqueza das provas, o homem tem sua convicção abalada pelo intenso comprometimento da advogada de defesa Helen Rodin (Pike) com o caso.

Aos poucos, a parcela essencial da personalidade enigmática de Jack Reacher vai sendo apresentada ao público: antes um militar premiado, o homem se tornou um misterioso e quase lendário andarilho que, com um código de conduta particular (e de certa forma, questionável), age como um tipo singular de justiceiro em casos que demandam medidas extraordinárias - algo que, como ele próprio acrescenta, "começou como um exercício e se tornou um vício". Dono de literalmente uma muda de roupa (que permanece com uma discreta e insistente mancha de sangue na gola dias após o personagem ter recebido uma pancada na nuca), Reacher possui uma admirável gama de habilidades físicas e mentais que o transformam em uma espécie de Jason Bourne metido a Sherlock Holmes - e mais interessantes que suas esnobes e não raras frases de efeito são as ocasiões em que seus métodos são apresentados de forma mais sutil, como as várias deduções curiosas extraídas de fatos aparentemente triviais ou o instante em que é deixado em um local por Helen e, perguntado se um retorno para buscá-lo será necessário, responde negativamente após uma breve olhadela nos carros ali estacionados. Para completar, é interessante observar o modo inconstante como o protagonista lida com o isolamento emocional que se propõe a adotar - e nesse sentido, o momento em que Reacher muda de posicionamento ao longo de certos telefonemas enfurecidos, iniciados e encerrados de forma impulsiva, é um dos mais reveladores.

Atuando também como produtor, Tom Cruise transita entre as diversas particularidades do protagonista com uma segurança quase mecânica, conferindo ao personagem a expressividade necessária e imprimindo a intensidade habitual às cenas de luta ou perseguição. Acompanhando o astro em boa parte do tempo, a bela Rosamund Pike transforma Helen em uma mulher adequadamente inteligente e competente, embora, pontualmente, exagere um pouco nas reações da advogada (os olhos arregalados são recorrentes). Já o cineasta veterano Werner Herzog mantém um semblante severo e empresta sua voz rouca e carregada ao vilão Zec, que consegue fugir da caricatura, essencialmente, graças ao reduzido tempo de tela, enquanto Robert Duvall vive o típico militar aposentado que faz questão de ressaltar o próprio divertimento ao ser trazido de volta à ação (bem como o personagem de Albert Finney em 007 - Operação Skyfall).

Retornando à direção mais de uma década após sua pouco repercutida estreia na função, Christopher McQuarrie aposta em um ritmo relativamente lento que privilegia o desenvolvimento dos personagens e do caso central - e é admirável que até mesmo passagens aparentemente sem importância (como a briga do bar ou a caracterização detalhada de todas as vítimas do atentado) revelam-se fundamentais para revelações posteriores da narrativa. Ainda nesse sentido, o cineasta é hábil ao aproveitar o desconhecimento e a relativa distração do espectador para plantar, logo nos primeiros minutos de projeção, uma série de pistas importantes para o desvendamento do mistério (como o rápido aparecimento de uma luva de látex), de modo que até a análise exageradamente expositiva e didática da cena do crime revela-se proposital e ganha um novo sentido mais adiante. Além disso, o diretor usa estratégias extremamente simples de montagem ou movimentação de câmera para extrair tensão de determinadas cenas, como a panorâmica que demora a revelar certos personagens em dois momentos distintos do longa ou o plano que acompanha a porta de um elevador fechando vagarosamente.

No que diz respeito à ação, McQuarrie também não decepciona. Iniciada com um curioso duelo digno de faroestes, a grande perseguição de carro de Jack Reacher se destaca tanto pelo eficiente jogo de gato e rato quanto pela preocupação do diretor em mostrar que os carros não estão sendo conduzidos por dublês, mesmo que isto seja uma enorme falácia. Entretanto, a decisão mais interessante da sequência é dispensar os usuais comentários dos personagens sobre o que está acontecendo, o que também beneficia imensamente o eficiente tiroteio do terceiro ato. Infelizmente, McQuarrie falha na tarefa de conferir um ritmo adequado à narrativa e, embora o problema diminua consideravelmente na reta final, o longa enfrenta certa dificuldade de avançar em seu ínterim - e basta observar, por exemplo, a longa distância entre o momento em que Reacher lança a ideia de investigar clubes de tiro até o instante em que finalmente visita um. Por fim, a ótima trilha do desconhecido Joe Kramer acerta por investir em acordes longos e graves que ajudam a criar um apropriado clima de suspense para a narrativa.

Ainda que deixe a desejar em uma série de aspectos, Jack Reacher - O Último Tiro desponta como o promissor início de uma franquia que, caso de fato se concretize, tem potencial suficiente para se tornar um grande sucesso. Inspirando-se em uma série que já acumula dezessete livros publicados, história a ser contada é que não deve faltar.