



Django Unchained, EUA, 2012 | Duração: 2h45m09s | Lançado no Brasil em 18 de Janeiro de 2013, nos cinemas | Escrito por Quentin Tarantino | Dirigido por Quentin Tarantino | Com Christoph Waltz, Jamie Foxx, Leonardo DiCaprio, Kerry Washington, Samuel L. Jackson, Walton Goggins, Dennis Christopher, James Remar, Laura Cayouette, Don Johnson, Jonah Hill, Zoe Bell, James Parks, Tom Savini, Michael Parks, Franco Nero e Quentin Tarantino.
Oitavo longa do diretor, Django Livre regressa às vésperas da Guerra Civil Americana e nos apresenta ao ex-dentista e caçador de recompensas alemão Dr. King Schultz (Waltz), que compra e liberta o escravo Django (Foxx) em troca de auxílio na identificação e localização dos procurados irmãos Brittle. Percebendo o potencial da parceria, Schultz propõe que esta seja estendida e promete a Django ajudá-lo a encontrar sua esposa, a escrava Broomhilda (Washington), e libertá-la em situação oportuna - o que leva ambos de encontro ao pomposo financiador de lutas de mandingos e rico proprietário de terras monsieur Calvin Candie (DiCaprio).
Mais extenso trabalho de Tarantino até agora, o longa traz, já em seus primeiros minutos, todas as principais marcas do cineasta: créditos iniciais com tipografia retrô, boa música e zooms exagerados logo dão lugar a confrontos repentinos e sanguinários e diálogos permeados por seu humor peculiar. Ao longo do restante da projeção, porém, as dosagens deixam bastante a desejar: a certa altura, um zoom abrupto e sonorizado acaba sendo desperdiçado em um momento pouco inspirado, enquanto o excesso e despropósito de certos diálogos e passagens do final da primeira hora de projeção prejudicam sensivelmente o ritmo, que só é recuperado muito vagarosamente após a introdução do personagem de Leonardo DiCaprio. Em suma, o que sobra a Tarantino em termos de estilo lhe falta em ponderação e disciplina - e embora a sequência envolvendo cavaleiros encapuzados seja divertida, é também mais longa que o ideal e poderia ser eliminada do corte final sem maiores prejuízos.
Por outro lado, o cineasta continua a exibir uma habilidade excepcional na concepção de quadros, dentre os quais pode ser destacado aquele em que Django é visto chegando a uma cidade (onde será hostilizado pelos habitantes) e sua cabeça passa por uma forca posicionada em primeiro plano. Não menos eficientes, como era de se esperar, são os tiroteios orquestrados por Tarantino: recorrendo à câmera lenta em mais ocasiões que o habitual, o diretor transforma os banhos de sangue e as chuvas de destroços em verdadeiros espetáculos visuais, abrindo mão da lógica em prol do puro divertimento - e ao ser baleada a partir de um ângulo alto, por exemplo, certa personagem é lançada horizontalmente em uma direção completamente incoerente com o disparo, apenas para atravessar uma porta e sumir de vista. Para completar, Tarantino também não deixa de brindar o espectador mais atento com detalhes inseridos sem qualquer tipo de alarde, como no instante em que o som discreto de uma arma sendo desengatilhada é estrategicamente sobreposto pelo grito de um dos convidados de um jantar.
E já que mencionei essa cena, vale mencionar que sua longa e desnecessária duração (os personagens devem permanecer naquele cômodo por pelo menos 40 minutos) é compensada pelas ótimas atuações: repetindo a parceria com o diretor que o ajudou a emergir, Christoph Waltz (o coronel Hans Landa de Bastardos Inglórios) rouba a cena com um personagem que parece se divertir imensamente com suas notáveis inteligência e perspicácia, sendo capaz de prever ou reverter situações delicadas com uma habilidade ímpar. No papel-título (que, apesar disso, não desempenha as funções mais importantes da trama), Jamie Foxx volta a ficar em evidência após um considerável período sem papéis relevantes e confere carisma e veracidade ao superficial escravo alforriado, enquanto Leonardo DiCaprio deixa de lado os personagens soturnos que marcaram a última década de sua carreira e, surgindo com os dentes sujos, um penteado divertido e os olhos levemente delineados, exibe um timing cômico apropriado e transforma Candie no típico antagonista cuja natureza ameaçadora não dá as caras pelas vias convencionais. Para completar, Tarantino escala Samuel L. Jackson para um papel rabugento obviamente escrito com o ator em mente e completa o elenco de apoio com nomes recorrentes em sua filmografia como Michael Parks, Michael Bowen ou a dublê Zoe Bell, dando-se ao luxo ainda de homenagear o western clássico Django ao trazer Franco Nero em uma breve participação ou de colocar a si mesmo em uma ponta curiosa.
Repleto de diálogos afiados que conseguem até mesmo trazer escravocratas reconhecendo o absurdo dos fundamentos do regime, o filme faz jus aos estouros de orçamento e arrebenta tecnicamente: enquanto a fotografia do aclamado e premiado Robert Richardson registra com elegância tanto os bem selecionados ambientes externos quanto os ótimos cenários concebidos pela equipe de direção de arte, a maquiagem e o figurino também não fazem feio e ganham a chance de emplacar suas próprias brincadeiras, como as cafonas vestes azuis de Django ou o uniforme indecoroso de determinada escrava. Já a montagem de Raskin (que trabalhara com Menke como assistente de montagem em Kill Bill), como mencionado, é comprometida por sucessivos tropeços: os flashbacks, por exemplo, raramente surgem orgânicos à narrativa, chegando ao cúmulo de interromper a progressão do desfecho para resgatar um comentário absolutamente dispensável de Schultz, que divide espaço com um igualmente incompreensível exibicionismo equino. Para completar, o terceiro ato acaba soando um pouco repetitivo, o que não é nada positivo para um filme de quase três horas de duração (cabendo aqui a menção a uma cena extra ao final dos créditos).
Tendo ainda o privilégio de contar com composições do maestro Ennio Morricone em seu repertório, Django Livre surge como mais um bom filme de Quentin Tarantino, embora acabe ficando atrás de trabalhos de diretores que eventualmente tenham se influenciado por seu estilo - e Sete Psicopatas e um Shih Tzu, ainda em cartaz, está aí pra não me deixar mentir.
