



Wreck-It Ralph, EUA, 2012 | Duração: 1h41m06s | Lançado no Brasil em 4 de Janeiro de 2013, nos cinemas | História de Rich Moore & Phil Johnston & Jim Reardon. Roteiro de Jennifer Lee e Phil Johnston | Dirigido por Rich Moore | Com as vozes de John C. Reilly, Sarah Silverman, Jack McBrayer, Jane Lynch, Alan Tudyk e Mindy Kaling.

Digo isso porque o ator Tiago Abravanel, a apresentadora MariMoon e o comediante Rafael Cortez - estes dois últimos, em especial, vistos com especial desconfiança pelos palpiteiros de plantão, em decorrência dos cargos que ocupam no showbiz - fazem um trabalho de dublagem surpreendentemente competente na versão nacional da animação. Enquanto Abravanel dá voz a Ralph com a expressividade e o comprometimento de um ator talentoso em plena ascensão, Cortez contorna seu óbvio problema de dicção e altera o tom de voz de forma curiosa para interpretar Conserta Félix Jr. e MariMoon abrange todas as nuances da hiperativa Vanellope com a competência de uma profissional do ramo, arriscando uma entonação infantil dificílima sem deixar transparecer qualquer esforço.
Aliás, não é só em relação à dublagem que expectativas e prejulgamentos podem comprometer a experiência de assistir ao filme: apesar de ambientado no universo dos videogames, Detona Ralph não é exatamente uma homenagem aos jogos clássicos com uma enxurrada de referências e a participação fundamental de personagens cultuados, como a campanha de marketing fez muitos acreditarem. Escrita por Jennifer Lee e Phil Johnston a partir de uma história criada por ele mesmo em parceria com Jim Reardon e o diretor Rich Moore, a animação acompanha o drama de Detona Ralph (Reilly), o vilão de um jogo em 8-bits que, encarregado de destruir o prédio que deve ser reconstruído pelo aclamado mocinho Conserta Félix Jr. (McBrayer), leva uma existência de poucas regalias e muita solidão. Quando descobre que ganhar uma medalha pode melhorar seu status naquele universo, Ralph se infiltra no jogo de ação sci-fi Missão de Herói e acaba atraindo perigosos insetrônicos para outro game, o Corrida Doce. Lá, o brutamontes conhece Vanellope (Silverman), uma entusiasmada garotinha que vive marginalizada por ser classificada como um bug, um erro de sistema - e a improvável amizade desenvolvida entre ele pode ser fundamental para a descoberta de uma conspiração que coloca em risco a vida de vários avatares daquele fliperama.
Apesar de, como mencionei, não se prender às homenagens aos games, Detona Ralph explora de forma bastante imaginativa a essência daquele universo, tomando uma série de liberdades artísticas cuja eventual falta de lógica é compensada pela criatividade e pelo divertimento alcançado - como é o caso da hilária movimentação truncada dos moradores do prédio do Conserta Félix Jr., que reflete a limitação técnica dos jogos antigos, embora não seja compartilhada por Félix ou Ralph. Ainda nesse sentido, mesmo que absurda, a interconexão dos jogos através de cabos de energia surge como um ótimo pretexto não só para transformar um filtro de linha do fliperama em uma curiosa versão da Estação Central de Nova York, onde personagens famosos dos mais variados têm a chance de interagir, como também para que conceitos plausíveis e fundamentais para o desenrolar da trama sejam criados, como a inviabilidade de um personagem ressuscitar em jogos alheios. Como não poderia deixar de ser, as criações originais da produção são repletas de influências de jogos clássicos - e enquanto a Corrida Doce revela-se uma óbvia versão açucarada do aclamado Mário Kart (algo que fica ainda mais evidente quando certos detalhes sobre a monarquia daquele mundo são apresentados), o design de Félix Jr. mistura traços do ator Jack McBrayer com o físico dos irmãos Mário sem esquecer, é claro, do tradicional bonezinho.
E já que mencionei o design dos personagens, é perceptível que, no processo de criação dos modelos, os artistas da Disney usaram como parâmetro a aparência dos intérpretes de cada personagem na versão original: a sargento Calhoun, oriunda do Missão de Herói, é exatamente o que Jane Lynch seria caso fosse mais jovem, bruta e estivesse presa em um videogame matando alienígenas, ao passo que Ralph herda a feiura e o penteado de John C. Reilly e Vanellope, com seus cabelos negros e lisos e bom humor contagiante, é quase que literalmente uma versão reduzida da comediante Sarah Silverman. Além disso, a equipe de design de produção acerta ao conceber o mundo do Conserta Félix Jr. de forma modesta e enriquecê-lo com detalhes triviais (como o contorno pixelizado de escombros ou de bolo esparramado), bem como ao reservar para a passagem curta e extenuante pelo Missão de Herói alguns abusos desnecessários cometidos por programadores de jogos de ficção científica em alta definição. Para completar, o universo vibrante do Corrida Doce - que sedia a parte mais importante da narrativa - merece aplausos tanto pela riqueza de detalhes (a dupla de tiras formada por um donut e um bolinho recheado é uma sacada particularmente impagável) quanto pela qualidade das texturas, capazes de levar o espectador da fome inesperada à gula compulsiva.
No que diz respeito à história propriamente dita, o único aspecto que pode ser encarado como uma verdadeira homenagem aos videogames clássicos é o perigo iminente de desligamento da máquina de Conserta Félix Jr., que resistiu décadas alegrando crianças e adultos de gerações distintas. No mais, o longa usa o universo dos videogames e o espetáculo visual como panos de fundo para uma história que honra as tradições da Disney: convencional e repleta de seres desajustados e lições de moral, mas que se salva pela doçura da abordagem, pelo carisma dos personagens e pela inventividade e competência técnica.
Tendo seu ritmo prejudicado pelas constantes mudanças de foco, em decorrência do excesso de objetivos a serem alcançados (ganhar uma medalha, eliminar insetrônicos, recuperar a medalha, vencer uma corrida, evitar o desligamento do Conserta Félix Jr., e por aí vai), Detona Ralph é uma animação adorável que, através de referências das mais variadas (como a trilha ou os efeitos sonoros, que remetem à sonoplastia de jogos clássicos), consegue com facilidade despertar o sentimento de nostalgia nos amantes de videogame e convida os demais espectadores a se aventurar por esse universo - e seja em versão legendada ou dublada, aqueles que procurarem o filme sem grandes expectativas, quaisquer que elas sejam, poderão ter uma experiência bastante compensadora.
