


Amour, França/Alemanha/Áustria, 2012 | Duração: 2h07m00s | Lançado no Brasil em 18 de Janeiro de 2013, nos cinemas | Roteiro de Michael Haneke | Dirigido por Michael Haneke | Com Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert, Alexandre Tharaud, William Shimell.
Inseridas em um projeto como Amor, novo longa do cineasta alemão Michael Haneke (Caché, A Fita Branca), essas passagens admitem diversas interpretações - e uma delas é que nossas vidas, vacilantes e imprevisíveis como o comportamento de uma pomba, terão um resultado único e inevitável, não cabendo às estratégias assumidas ao longo da trajetória alterá-lo, mas sim adiá-lo, adiantá-lo, facilitá-lo ou dificultá-lo, embora a relação entre as medidas tomadas para isso e suas consequências nem sempre corresponda às expectativas.
Escrito pelo próprio Haneke, o roteiro acompanha o casal de idosos Georges (Trintignant) e Anne (Riva) - nomes recorrentes na filmografia do cineasta -, que tem sua rotina alterada quando a mulher sofre um derrame e fica com o lado direito do corpo paralisado. O marido, dedicado, reúne forças e se empenha em tratar a enfermidade dentro do próprio lar (já que ela se recusa a ser levada para um hospital), vendo-se obrigado a testemunhar o definhamento da esposa, cujo estado de saúde (física e mental) agrava gradativamente - e ter que finalmente encarar a proximidade da morte mergulha Georges e Anne em um oceano de melancolia e os obriga a visualizar a vida e o mundo sob novos prismas.
Iniciado com um prólogo que separa com apenas um corte seco um cadáver em decomposição do sugestivo título do filme, Amor revela o pessimismo habitual do cineasta ao se propor a estudar um caso amoroso a partir do instante em que esse passa a ser comprometido por forças maiores, internas e indomáveis. Assim, anos de boa convivência são deixados para trás após a breve introdução do companheirismo do casal e dão lugar à doença, que chega sem avisos (em uma ótima cena, que ainda encontra oportunidade para comentar brevemente o machismo do homem), lança os personagens em um estado crescente de melancolia e ainda faz Anne integrar o pequeno grupo estatístico de pacientes cuja intervenção cirúrgica não é bem sucedida. Com isso, o amor é deixado praticamente subentendido na dedicação incondicional de Georges e, fora isso, é renegado a momentos pontuais e não menos tristes, como aqueles em que o erguimento da mulher para se sentar ou levantar da cadeira de rodas é transformado em abraços involuntários, numa troca de carícias quase forçada, ou, claro, o derradeiro contato do casal.
Rompendo um hiato de nove anos sem atuar (excluindo duas participações em dublagens), Jean-Louis Trintignant transforma Georges em um homem amargurado pela irreversibilidade da condição da mulher, algo que o condena a jamais ter novos momentos áureos com a esposa e a viver de cuidados para, a certa altura, mantê-la viva em um estado de baixíssima consciência, impossibilitando até mesmo que ela retribua seus gestos - e nesse sentido, a passagem em que as súplicas de Anne são silenciadas por um caso contado pelo homem exprime uma bilateralidade rara e, por isso mesmo, tocante. Dividindo a cena com o ator e auxiliada por um bom trabalho de maquiagem, Emmanuelle Riva cria uma personagem complexa (repare como, surpreendentemente, ela consegue encontrar alguma diversão em uma cadeira de rodas motorizada, mesmo com tudo que a introdução daquele objeto em sua vida representa) e deixa de lado a doçura dos momentos iniciais para simular a degeneração progressiva de Anne com imensa competência, conseguindo despertar uma compaixão genuína no espectador. Fechando o elenco, no papel da filha do casal, Isabelle Huppert é prejudicada por uma personagem que jamais diz a que veio, alternando posturas de imensa insensibilidade com outras cujas intenções ou função sequer ficam claras.
Infelizmente, o potencial da premissa e do elenco é desperdiçado em um roteiro que, carente de sensibilidade e empatia, aposta todas as suas fichas na tragédia dos personagens e acaba caindo em uma incômoda e fria espiral de sofrimento. Embora traga uma boa quantidade de simbolismos em sua primeira metade e seja todo permeado por boas ideias (como uma inofensiva consulta ao horóscopo se transformando em motivo de esmorecimento), o filme levanta discussões naturalmente instintivas de forma superficial, abraçando o lugar-comum e assim permanecendo até próximo ao desfecho. Para completar, a crueza habitual de Haneke (como a ausência de trilha e a fotografia naturalista) acaba se convertendo em uma espécie de frieza, que definitivamente não beneficia um projeto como esse.
E embora não seja um grande admirador da obra do cineasta (a versão americana de Violência Gratuita continua sendo seu filme de que mais gosto), torço para que seus projetos futuros voltem à linha que o consagrou e que os erros de Amor não sejam repetidos, de modo que não seja necessário que eu reinterprete as cenas da pomba de forma mais incisiva e colocando a carreira de Haneke em evidência.
