
Se não tivesse levado o Oscar de Melhor Filme num ano em que O Pianista e O Senhor dos Anéis - As Duas Torres também disputavam a estatueta, Chicago seria menos rejeitado pelo público e mais reconhecido como o bom filme que é. Longe de representar uma sacudida no gênero como foi vendido na época do lançamento, o musical ainda assim conta com uma narrativa interessante e números musicais bastante eficientes - e Cell Block Tango (ou o Tango do Pavilhão) talvez seja o melhor deles.
A função da sequência é descrever para o público (e para a personagem de Renée Zewellger) os crimes que resultaram no encarceramento de algumas das mulheres daquele presídio, muito embora sejam contados através de um prisma bastante peculiar: com altas doses de sarcasmo, as prisioneiras se colocam como as verdadeiras vítimas dos delitos e atribuem a responsabilidade de seus crimes às posturas de seu ex-parceiros. Dessa forma, após relatar o péssimo hábito do marido de fazer e estourar bolas de chiclete enquanto masca, por exemplo, Liz (Susan Misner) conclui apontando as consequências: "Então eu peguei a espingarda na parede e disparei dois tiros de alerta... bem na cabeça dele". "Ele fez por merecer" é o que cada uma das mulheres faz questão de destacar durante o refrão; "Foi um assassinato, mas não um crime".

A intensidade natural do tango, evidentemente, reflete a personalidade agressiva das mulheres e apenas contribui para o número, que também conta com coreografias e encenações inventivas: o uso de panos vermelhos para representar os ferimentos das vítimas, por exemplo, é uma ótima sacada (repare a intensa hemorragia que fica insinuada em um dos relatos). Além disso, a menção da inocência de uma das mulheres não só cria uma bem vindo contraponto aos demais casos, como também é deixada no ar para, posteriormente, ser usada para estabelecer um importante senso de urgência à narrativa.
Catherine Zeta-Jones - vencedora do Oscar pelo papel - surge como um destaque óbvio e consegue conferir, na medida certa, desdém ao relato de seu crime e furor à coreografia. O elo fraco, por outro lado, fica a cargo de Mýa Harrison: com uma voz vacilante que falha em transmitir a intensidade da descrição, a cantora esbanja artificialidade e inexpressividade e cria um buraco negro na metade final do número. Felizmente, as demais mulheres conseguem reassumir o controle do espetáculo em segundos e encerram a sequência com a eficácia que vinha sendo apresentada desde o início.