31 de janeiro de 2013

Crítica | O Lado Bom da Vida

Jennifer Lawrence e Bradley Cooper em O LADO BOM DA VIDA (Silver Linings Playbook)

por Eduardo Monteiro

Silver Linings Playbook, EUA, 2012 | Duração: 2h01m56s | Lançado no Brasil em 1º de Fevereiro de 2013, nos cinemas | Baseado no livro de Matthew Quick. Roteiro de David O. Russell | Dirigido por David O. Russell | Com Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Robert De Niro, Jacki Weaver, Chris Tucker, John Ortiz, Julia Stiles, Shea Whigham, Anupam Kher, Dash Mihok, Brea Bee.

Pôster nacional e crítica de O LADO BOM DA VIDA (Silver Linings Playbook)
Dezenas, quiçá centenas de comédias dramáticas são lançadas todos os anos nos cinemas - e cabe a cada uma delas se desdobrar para driblar a concorrência, provar seu valor e se sobressair. Produzida pelos irmãos Weinstein e dirigida e roteirizada pelo outrora ambicioso David O. Russell (responsável pela boa comédia existencialista Huckabees - A Vida é uma Comédia e pelo excelente Três Reis) com base no livro de Matthew Quick, O Lado Bom da Vida conta ainda com boas atuações de um casal de talentosos atores veteranos e de um outro formado por jovens queridinhos e ascendentes, que até pouco menos de cinco anos atrás não passavam de meros coadjuvantes desconhecidos. Nota-se, portanto, que, ao menos do ponto de vista mercadológico, a comédia é um grande acerto - e é uma pena que a reunião de talentos sirva a um roteiro que rebaixa o projeto ao nível de tantas comédias similares e genéricas, deixando a desejar artisticamente.

No filme, Pat Solitano (Bradley Cooper) é um homem que acaba de sair de uma clínica psiquiatra após oito meses supostamente empregados ao tratamento de uma crise nervosa, desencadeada pela descoberta de uma traição da esposa, Nikki (Brea Bee). Acolhido pelos pais (Robert De Niro e Jacki Weaver) e impedido por uma ordem de restrição de contatar ou se aproximar da esposa, Pat pouco se esforça para controlar seu temperamento bipolar até conhecer Tiffany (Jennifer Lawrence), uma jovem viúva com sua parcela particular de distúrbios psicológicos. Entre patadas e alfinetadas espalhadas por uma convivência estranhamente forçada, Pat e Tiffany firmam um acordo de benefício mútuo: se ele acompanhá-la em uma competição de dança para casais, ela promete entregar uma carta dele para Nikki.

Sim, a velha história de uma competição que pode redefinir a trajetória de vários personagens é contada mais uma vez aqui: o patriarca Patrizio Sr. aposta todas suas economias no desempenho de Pat Jr., que por sua vez tem a chance provar uma mudança comportamental à esposa, à nova amiga e à família. Infelizmente, os conflitos e as resoluções do terceiro ato são o que o longa tem de pior: a pontuação dos jurados para a performance opta pela mais tola das opções (isso sem mencionar a opção de associar o anúncio das notas com risadas do público ao redor), ao passo que o conflito principal e sua resolução soam como uma desnecessária e evitável provocação, que afronta o bom senso.

Bom senso, aliás, é algo que os personagens de O Lado Bom da Vida não se intimidam em abdicar em ocasiões convenientes: quando Pat fica incomunicável e não aparece para um ensaio após semanas de dedicação irrestrita, por exemplo, Tiffany adota uma postura agressiva que reflete mais seu julgamento da suposta falta de compromisso do rapaz do que alguma preocupação com um incidente imprevisto que possa ter ocorrido com ele. Aliás, apesar de interpretada com dignidade pela talentosa Jennifer Lawrence (Um Novo Despertar), Tiffany é uma incógnita que o roteiro jamais se preocupa em desvendar, julgando que o comportamento imprevisível da garota compõe suficientemente bem sua personalidade e justifica posturas injustificáveis - e sua insistência em se aproximar de Pat em um momento inicial é algo que nunca fica claro, embora uma explicação ineficaz seja alocada em um breve diálogo entre as personagens de Lawrence e Weaver.

Bradley Cooper e Robert De Niro em O LADO BOM DA VIDA (Silver Linings Playbook)

Bradley Cooper (Se Beber, Não Case! Parte II), por outro lado, tem maiores chances de comprovar seu talento: a bipolaridade e a hiperatividade de Patrick são expressas com bastante competência pelo ator, que constantemente faz graça com a falação incessante do personagem, além da impulsividade e da falta de filtro e censura com relação ao que sai de sua boca. E enquanto Jacki Weaver (Cinco Anos de Noivado) vive Dolores Solitano como uma mãe ao mesmo tempo amorosa e apreensiva, Robert De Niro (Poder Paranormal) volta a ficar em evidência após uma longa sequência de porcarias e transforma Patrizio em um homem sistemático que parece incapaz de desistir dos filhos, protagonizando, com igual competência, momentos tocantes e divertidos.

Já o roteiro, em particular, é muito mais bem sucedido nas tentativas de divertir do que nas de emocionar - e ver uma atriz jovem como Jennifer Lawrence peitando um monstro do Cinema como Robert De Niro é tão divertido que quase nos leva a esquecer que tanto o domínio exagerado de Tiffany sobre um tema que odeia quanto a alienação de Patrizio em relação àquelas informações não fazem o menor sentido. A manutenção do ritmo e do timing cômico, vale aponta, é o grande mérito da direção de David O. Russell, já que, se por um lado o cineasta é competente o suficiente para, diferentemente de outros profissionais da área, adotar lentes grande-angulares com propósitos narrativos claros (como na cena em que Pat fica transtornado ao ouvir uma música na rua), por outro peca ao subestimar a inteligência do espectador de forma quase ofensiva em situações específicas, como no instante em que Jennifer Lawrence altera sua expressão ao avistar os personagens de John Ortiz e Julia Stiles chegando a um determinado local acompanhados por uma terceira pessoa e, embora seja perfeitamente possível deduzir de quem se trata pelo contexto, Tiffany diz em voz alta para si mesma o nome da tal pessoa - duas vezes.

Trazendo poucas ou nenhuma novidade em relação a personagens desajustados encontrando os silver linings do título original, O Lado Bom da Vida é uma comédia dramática romântica apenas mediana que, justamente por isso, deverá permanecer na mente do espectador apenas até que a próxima minimamente eficiente entre em cartaz nos cinemas.

Bradley Cooper e Jennifer Lawrence em O LADO BOM DA VIDA (Silver Linings Playbook)

30 de janeiro de 2013

Crítica | Os Miseráveis

Hugh Jackman em OS MISERÁVEIS (Les Miserábles)

por Eduardo Monteiro

Les Misérables, Reino Unido, 2012 | Duração: 2h37m54s | Lançado no Brasil em 1º de Fevereiro de 2013, nos cinemas | Baseado na peça musical original de Alain Boublil e Claude-Michel Schönberg. Roteiro de William Nicholson, Alain Boublil, Claude-Michel Schönberg e Herbert Kretzmer | Dirigido por Tom Hooper | Com Hugh Jackman, Russell Crowe, Anne Hathaway, Eddie Redmayne, Amanda Seyfried, Sacha Baron Cohen, Helena Bonham Carter, Aaron Tveit, Samantha Barks, Daniel Huttlestone, Colm Wilkinson, Isabelle Allen.

Pôster nacional e crítica de OS MISERÁVEIS (Les Miserábles)
Publicado há mais de um século e meio, Os Miseráveis, de Victor Hugo, é uma das grandes obras da literatura mundial e já foi adaptado dezenas de vezes para o cinema (a mais recente delas, salvo engano, está pra completar quinze anos e trazia Liam Neeson, Geoffrey Rush, Uma Thurman e Claire Danes nos papéis principais). No teatro, em 1980, a obra ganhou uma versão musical composta por Claude-Michel Schönberg e letrada por Alain Boublil que, poucos anos mais tarde, veio a ser adaptada para os palcos londrinos sob a tutela do produtor Cameron Mackintosh e do letrista Herbert Kretzmer. Agora, Mackintosh produz a versão cinematográfica do musical, em uma manobra ousada e arriscada: se uma expressiva fatia do público de Cinema já rejeita musicais em que os personagens param para cantar a cada cinco minutos, o que dizer de um filme em que eles não param de cantar por cinco minutos sequer?

Cento e cinquenta minutos de cantoria quase ininterrupta é o que aguarda o espectador que se aventurar em uma sessão desta nova versão da história clássica, dessa vez comandada por Tom Hooper (O Discurso do Rei, Maldito Futebol Clube). No roteiro, escrito por William Nicholson com base na peça musical, Jean Valjean (Hugh Jackman) é um ex-prisioneiro que, um quarto de século após o início da Revolução Francesa, é libertado em condicional após cumprir dezenove anos de pena pelo roubo de um pão para saciar a fome da irmã e dos sobrinhos. Depois de enfrentar dificuldades para se reintegrar à sociedade, Valjean se estabelece como proprietário de uma fábrica e compadece pela história de uma das operárias, a miserável Fantine (Anne Hathaway), que, no leito de morte, pede que o homem encontre e cuide de sua filha, Cosette (vivida por Isabelle Allen e Amanda Seyfried em épocas distintas). Constantemente perseguido pelo inspetor de polícia Javert (Russell Crowe), que transformou a captura do ex-presidiário em uma verdadeira obsessão, Valjean adota Cosette como filha e, em um momento posterior, presta assistência a um pretendente (Eddie Redmayne) da garota durante uma batalha popular revolucionária.

Primeiro trabalho de Tom Hooper após ser premiado com um controverso Oscar de Melhor Direção, Os Miseráveis ajuda a alimentar a polêmica graças à reincidência do excesso de maneirismos do pouco experiente diretor. Além do uso abusivo e frequentemente inoportuno de lentes grande-angulares, que deformam os atores e os cenários, Hooper inexplicavelmente volta a criar composições que relegam os atores às quinas ou extremidades do quadro e os obrigam a ceder espaço de tela para muros, paredes, objetos ou outras partes aleatórias dos cenários - o que só não é pior, claro, que os recorrentes planos inclinados, que, usados na maioria das vezes sem qualquer propósito narrativo, parecem adotados apenas para ressaltar que há um trabalho de direção sendo feito.

Por outro lado, Hooper consegue fazer alguns bons trabalhos de câmera, como os passeios aéreos que ajudam a conferir fluidez aos saltos temporais mais longos ou exploram os majestosos cenários criados pela equipe de design de produção. E ainda que peque ao transformar a apresentação dos Thénardier (Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen) em um espetáculo repetitivo de furtos pouco críveis ou ao insistir em afastar-se dos personagens quando estes atingem os ápices de suas canções, o diretor acerta ao manter a câmera no rosto dos atores em boa parte do tempo - e é impossível tocar nesse ponto sem mencionar o soberbo e longo close que, mantendo o foco na expressão sofrida de Anne Hathaway (Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge) através de uma profundidade pequena de campo, traz um desabafo absolutamente devastador da derrotada e desiludida Fantine.

Anne Hathaway em OS MISERÁVEIS (Les Miserábles)

Aliás, o impressionante trabalho vocal (com desafinadas e engasgos de choro evidentemente favoráveis ao propósito da cena) e o domínio sobre as emoções adequadas a cada verso de "I Dreamed a Dream" transformam a atriz no destaque absoluto do longa. Não que o desempenho do restante do elenco seja insatisfatório: todos os atores conseguem incorporar a natureza cantante dos personagens com bastante veracidade - até mesmo Russell Crowe (O Homem Com Punhos de Ferro), que, além de cantar mal, interpreta o sujeito que estaria menos disposto a soltar o gogó em circunstâncias convencionais. E enquanto Amanda Seyfried (O Preço do Amanhã) não aparece em cena por tempo suficiente para se destacar ou comprometer o longa e o talentoso Hugh Jackman abraça com vigor o personagem icônico, conferindo intensidade às várias fases de Jean Valjean, Eddie Redmayne consegue segurar bem as pontas no papel de Marius (embora balance exageradamente a cabeça ao prolongar certas notas), ao passo que Sacha Baron Cohen e Helena Bonham Carter, como alívios cômicos tolos, são prejudicados por uma caracterização que remete demasiadamente a Sweeney Todd - O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, longa musical do qual ambos participaram (e no qual Bonham Carter também interpretava a descabelada e mesquinha proprietária de uma espelunca). Fechando o elenco, estão nomes oriundos do espetáculo teatral, como Samantha Barks (que volta a interpretar Éponine) e Colm Wilkinson (que viveu o Jean Valjean da formação original londrina e, no filme, dá vida ao Bispo).

Infelizmente, a natureza musical da produção não favorece homogeneamente a narrativa: as canções não raramente soam demasiadamente expositivas (embora isto seja uma característica natural do gênero) e, muitas vezes, redundantes - e se, em um longa convencional, um conjunto específico de expressões faciais e corporais conseguiria exprimir o conflito moral de Valjean ao ser informado que um inocente estava sendo julgado por seus crimes, aqui o dilema é esmiuçado e reiterado em uma canção de três ou quatro minutos. Dessa forma, o filme acaba se tornando mais longo que o necessário - e a experiência torna-se particularmente torturante quando coincidências pipocam em excesso na tela e doses significativas de atenção são voltadas para o triângulo amoroso formado por Cosette, Marius e Éponine. Por outro lado, os poucos momentos falados do filme geralmente vêm associados a uma apropriada (mesmo que, por vezes, discreta) carga dramática - o que cria um interessante contraponto com a ocasião em que Valjean propõe que a filha adotiva se afaste da cidade e, ao notar a resistência da garota, começa a cantar, como se a eloquência tornasse sua argumentação mais convincente. Por fim, vale mencionar ainda que a produção utiliza e reutiliza com inteligência as melodias de "Look Down" e "I Dreamed a Dream" para desenvolver o tema central da história.

Irrepreensível em termos de maquiagem, figurinos, efeitos visuais e direção de arte, Os Miseráveis é um filme longo que, com uma abertura e um encerramento mais marcantes que aquilo que se encontra entre eles, ao menos consegue manter a essência e a força de uma obra que ainda consegue despertar o fascínio e interesse do público mais de cento e cinquenta anos após sua publicação - ainda que a musicalidade possa dividir opiniões.

Samantha Barks e Eddie Redmayne em OS MISERÁVEIS (Les Misérables)

29 de janeiro de 2013

Cena em Destaque | Roubando bebidas

Jonah Hill em SUPERBAD - É HOJE (Superbad)

Em Superbad - É Hoje - a melhor comédia produzida por Judd Apatow até hoje -, os personagens de Jonah Hill, Michael Cera e Christopher Mintz-Plasse são perdedores que, tentando impressionar algumas garotas do colégio, se oferecem para comprar as bebidas de uma festa organizada por uma delas. Como não têm os 21 anos necessários para realizar a compra, os rapazes precisam se desdobrar para não decepcionar as garotas - o que gera uma série de contratempos hilários.

O primeiro deles, na verdade, não chega a ser um contratempo, mas diverte pela fertilidade da imaginação de Seth (Hill): crente que a carteira falsa de Fogell (Mintz-Plasse) não os ajudará em nada, o personagem decide roubar bebidas em um supermercado. Ao entrar no estabelecimento tomado por nervosismo, porém, Seth formula mentalmente cenários que, de tão improváveis, assumem contornos absurdos - como a intimidade que desenvolve com uma idosa ou a nota de US$80 que utiliza para pagar uma conta daquele exato valor.

SUPERBAD - É HOJE (Superbad)

A pontada de exagero da reação de Seth em cada um dos três casos imaginados pontua bem a natureza fantasiosa dos acontecimentos e convida o espectador a embarcar de cabeça na brincadeira. O mais extremo, todavia, é o pior cenário conjeturado pelo personagem: o temor de ser flagrado pelo segurança da loja é tamanho que o rapaz tem um delírio sanguinário, que encerra perfeitamente bem a cena.

28 de janeiro de 2013

De Pernas Pro Ar 2

Eduardo Mello, Ingrid Guimarães, Bruno Garcia e Cristina Pereira em DE PERNAS PRO AR 2

A novela exibida pela Rede Globo na faixa das 21h é, há anos, o carro-chefe da emissora e registra seus maiores índices de audiência, superando em 40% os números alcançados por qualquer outro programa da grade de programação (e quando digo "qualquer outro programa", tomo como base o Big Brother, as outras duas principais novelas e o Jornal Nacional, que alcançam resultados parecidos e ficam praticamente empatados em segundo lugar). Não é um equívoco, portanto, afirmar que o público brasileiro simplesmente ama novelas globais e suas narrativas pobres, maniqueístas e, acima de tudo, repetitivas. Muito repetitivas. Afinal, por que os produtores iriam mexer em um time que está ganhando? Por que inovar, se o tradicional, o que já foi testado incontáveis vezes, prova-se constantemente uma aposta certeira?

O triste disso tudo, porém, é a transferência dessa lógica para a produção cinematográfica. Em 2011, a maior bilheteria de uma produção nacional foi conquistada por um filme chamado De Pernas Pro Ar, que levou mais de 3,5 milhões de brasileiros aos cinemas. A continuação, há exato um mês em cartaz no país, já ultrapassou essa marca, tendo liderado as bilheterias de todos os fins de semana desde a estreia. E não para por aí: em menos de quatro semanas, De Pernas Pro Ar 2 conseguiu superar a maior bilheteria nacional de todo o ano passado, conquistada pela pavorosa comédia Até Que a Sorte Nos Separe - dirigida por, não surpreendentemente, o mesmo Roberto Santucci que comandou os dois De Pernas Pro Ar.

Dirigindo os filmes como se fossem especiais de final de ano para a Globo, Santucci consegue a proeza de produzir múltiplas obras a partir de uma premissa única - e o mais interessante: convencendo parte do público de que isto não está acontecendo. Por questões financeiras, o protagonista de cada uma das suas últimas obras se envolve em uma série de confusões e trapalhadas dignas de Zorra Total para esconder um segredo da família - e quando a situação fica insustentável e a verdade vem à tona, uma crise familiar é articulada para, minutos depois, ser superada de forma artificial e arbitrária. Foi assim em De Pernas Pro Ar e em Até Que a Sorte Nos Separe - e em De Pernas Pro Ar 2 não é diferente.

Santucci é astuto e se aproveita do déficit de atenção de seu público para lançar um filme que não só repete a mesmíssima estrutura do anterior, como também tecnicamente pedestre. Pra início de conversa, a ambição de filmar em Nova York é maior que o orçamento do projeto, de modo que as questões logísticas envolvidas no processo saltam aos olhos e transformam o resultado final em uma fonte inesgotável de constrangimento: não há uma cena sequer rodada em locações nova-iorquinas que não traga algum pedestre olhando na direção da câmera, o que sempre surge como uma distração grave. Além disso, o uso de CGI é excessivo - e se em carros ou locações complexas o uso do chroma key é até compreensível, em cenários como o banheiro do hotel, por exemplo, a técnica cria uma artificialidade alarmante.

Além disso, a necessidade de extrair humor de cada fotograma do longa frequentemente atinge níveis patéticos - e como se ver a empregada da família caindo incessantemente em uma pista de patinação já não fosse sem graça o bastante, um derradeiro efeito sonoro de baque é inserido segundos antes do corte final da cena, ignorando o fato de que, embora a atriz se encontre fora do quadro (o que de fato permitiria que um último tombo da mulher fosse construído apenas através do som), Paulinho (Eduardo Mello) continua olhando para ela, isto é, fitando-a horizontalmente (o que indica que a última queda da personagem, tão desnecessária quanto todas as outras, foi uma decisão de pós-produção). Por fim, o momento máximo da cara-de-pau ocorre na cena em que, julgando que uma mulher tentando disfarçar um orgasmo é algo histericamente engraçado, o filme tenta reproduzir a passagem semelhante do longa anterior em circunstâncias absolutamente implausíveis: para evitar que João (Bruno Garcia) veja um vibrador, Alice (Ingrid Guimarães) recolhe rapidamente o objeto, cai na cama e se cobre com um edredom; mas quando o brinquedo é acionado remota e acidentalmente pelo marido, por que a protagonista simplesmente não afasta o objeto da virilha, já que a operação seria naturalmente encoberta pelo edredom?

Não precisa fazer sentido, basta ser histérico ou absurdo - e quando Alice anda por uma área arborizada falando ao celular e de repente perde o sinal, ao invés de regredir alguns passos pelo caminho que vinha trilhando, ela decide subir na copa de uma árvore após ser informada que, ali, a recepção é boa. Como ela faz isso? Não faço a menor ideia - e talvez aí resida a graça que ainda não consegui encontrar. E o que dizer do momento em que a protagonista analisa uma lista de possíveis novos produtos para a sex shop e chega àquele intitulado "A Cópula do Mundo é Nossa", que simplesmente jamais é mostrado? Afinal, se o nome bolado pelos roteiristas é engraçadíssimo (?), por que estragar a piada tendo que conceber um objeto que exija algum sentido do nome, não é verdade?

Aliás, não é só em função de piadas que a lógica é ferida em De Pernas Pro Ar 2: sentindo-se na obrigação de encaixar em algum momento da projeção um travelling circular de algum personagem deslumbrado com as luzes da Times Square (afinal, filmar em Nova York sem um travelling circular na Times Square é como filmar no Rio de Janeiro sem um plano aéreo do Cristo Redentor), Santucci coloca Alice para protagonizar a cena instantes depois da grande crise familiar da trama, quando João e Paulinho regressam às pressas para o Brasil para se afastar da mulher - e por alguns segundos, alimentei uma ínfima esperança de que o roteiro estaria se enveredando para rumos diferentes e ambiciosos: mantendo a coerência com tudo que fora construído até então, Alice finalmente estaria caindo na real e reconhecendo que, para ela, a carreira e o sucesso profissional definitivamente vêm antes da família.

Tolice da minha parte. Três milhões e meio de pessoas já legitimaram o repeteco comandado por Santucci - e mal posso esperar para rever o mesmíssimo arco da incorrigível Alice e sua família condescendente no final de 2015. Sim, De Pernas Pro Ar 3 vem aí!


De Pernas Pro Ar 2, Brasil, 2012 | Roteiro de Marcelo Saback e Paulo Cursino | Dirigido por Roberto Santucci | Com Ingrid Guimarães, Bruno Garcia, Maria Paula, Eriberto Leão, Eduardo Mello, Denise Weinberg, Cristina Pereira, Christine Fernandes, Tatá Werneck e Luís Miranda.

27 de janeiro de 2013

Curta | Fresh Guacamole

FRESH GUACAMOLE

Abacate, cebola, tomate, nachos, pimenta e mais alguns outros temperos são suficientes para produzir uma porção de guacamole fresco - mas estes mesmos ingredientes são suficientes para produzir um curta metragem?

Com uma pitada de inventividade, a resposta é sim. Escrito e dirigido pelo americano PES (nome artístico de Adam Pesapane), Fresh Guacamole mostra o preparo da típica iguaria mexicana de um modo curioso: através de animação em stop motion, o curta recria a receita utilizando objetos inusitados como matéria-prima - e enquanto uma granada revela-se um abacate (com uma inusitada bola de sinuca como caroço), uma bola de beisebol encardida é "descascada" como uma cebola e picada em pequenos cubos, que assumem a forma de dados.

O que impressiona, de fato, é a fluidez da animação, que consegue fazer, por exemplo, o corte de uma lâmpada ao meio soar como uma operação trivial - algo que PES já havia demonstrado em curtas anteriores (desde 2002, ele lança uma produção a cada dois anos), como o semelhante Western Spaghetti (que exibia uma pratada de macarrão sendo preparada). Infelizmente, a inventividade e o preciosismo técnico jamais justificam a indicação ao Oscar que o filme conquistou; a narrativa pobre e a falta de propósito o colocam imediatamente abaixo dos demais concorrentes, como o ótimo O Avião de Papel. Além disso, em uma análise mais exigente, o curta também decepciona pela repetição, como ao representar o corte em cubos tanto da "cebola" quanto do "tomate" através de dados.

Diretor de curtas e comerciais, PES terá em breve a chance de emprestar sua criatividade a um projeto maior e mais ambicioso: uma adaptação em longa-metragem das controversas figurinhas Garbage Pail Kids (Gang do Lixo, como eram conhecidas no Brasil) está sob sua alçada. Aí então, quem sabe, uma mera curiosidade poderá ser convertida em interesse genuíno.

Fresh Guacamole, EUA, 2012 | Escrito por PES | Dirigido por PES.

26 de janeiro de 2013

Juventude em Fúria

Joseph Gordon-Levitt em JUVENTUDE EM FÚRIA (Hesher)

Hesher (Joseph Gordon-Levitt) é a encarnação do caos. Em suas primeiras aparições em Juventude em Fúria, sequer é possível ter certeza de que se trata de um personagem real, ao invés de uma mera visão demoníaca do perturbado garoto T.J. (Devin Brochu). Entretanto, Hesher logo se revela um ser de carne-e-osso imprevisível, anárquico e errante que, sem residência fixa ou fonte de renda e com um passado pra lá de obscuro, carrega sua afinidade pela desordem para um ambiente familiar estagnado após uma tragédia e acaba promovendo uma mudança por meios inusitados.

No filme, escrito por Brian Charles Frank, David Michôd (Reino Animal) e Spencer Susser e dirigido por este último, T.J. é um jovem introvertido que, pouco depois do falecimento da mãe em um acidente de carro, vive com o pai Paul (Rainn Wilson) e a avó (Piper Laurie) em uma casa desorganizada e escurecida por venezianas sempre fechadas, num visível contraponto ao ambiente antes claro e aconchegante vislumbrado em um flashback. Involuntariamente, o garoto acaba atraindo o misterioso metaleiro que dá nome originalmente ao filme (esqueçamos a terrível tradução brasileira), que se instala na residência e transforma a vida do garoto em um inferno ainda maior.

Tutor dos mais improváveis, Hesher impulsiona uma mudança na postura de T.J. com relação à própria vida de uma forma bastante peculiar: quando uma discussão agressiva entre o garoto e o pai é iniciada durante um jantar (ocasião normalmente marcada pelo silêncio sepulcral), por exemplo, Hesher não toma partido de nenhum dos dois lados (embora confesse posteriormente concordar com o garoto) e sequer esconde o contentamento com a repentina instauração da desordem, já que a ocasião pode funcionar não só como uma oportunidade para T.J. abandonar sua postura passiva e se impor, mas também como um raro momento de desabafo tanto para o pai quanto para o filho. Ainda nesse sentido, ao mesmo tempo em que realiza uma fantasia íntima do garoto ao incendiar o carro de um valentão do colégio (embora T.J. tente impedi-lo de cometer a transgressão), Hesher o abandona no local para experimentar o temor pela consequência de atos como esse - uma atitude que, embora extrema e sociopata, não deixa de ter um cunho educativo.

Mesmo assim, analisada por um prisma lógico, a permanência de Hesher na residência é deveras absurda - e embora a inércia de Paul seja obviamente um dos temas do filme, é inexplicável que, depois de um primeiro momento, o homem nunca volte a questionar a estadia do metaleiro na residência. Ainda nesse sentido, tanto a amizade de T.J. com a caixa de supermercado Nicole (Natalie Portman) quanto a atração da mulher pelo metaleiro soam forçadas, já que as circunstâncias normalmente apontariam para direções exatamente contrárias.

Mas o que realmente importa é que, através do caos e a duras penas, as vidas de T.J. e Paul dão uma guinada providencial: nas imediações do desfecho, o mais velho finalmente faz a barba (símbolo máximo de sua inação), recupera a força de vontade e volta a assumir o comando do lar, enquanto o mais novo, agora mais corajoso e menos impassível, parece estar bem encaminhado no processo de superação da morte da mãe após deixar de lado a culpa pelo acidente (o que naturalmente torna o plano final do filme tão tolo). Hesher de fato passou por ali e deixou (literalmente) a sua marca - e aqui me refiro especificamente ao personagem, já que o filme em si deixa um pouco a desejar.


Hesher, EUA, 2010 | História de Brian Charles Frank. Escrito por Spencer Susser & David Michôd | Dirigido por Spencer Susser | Com Devin Brochu, Joseph Gordon-Levitt, Rainn Wilson, Piper Laurie, Natalie Portman, Brendan Hill, John Carroll Lynch.

25 de janeiro de 2013

Bad Ass - Acima da Lei

Danny Trejo em BAD ASS - ACIMA DA LEI (Bad Ass)

Danny Trejo bancando um veterano de guerra que resolve fazer justiça com as próprias mãos e vira hit na internet é algo que até poderia ter dado certo. Infelizmente, o autor da premissa (em parceria com o estreante Elliot Tishman) é o cidadão responsável por atrocidades como Um Virgem de 41 Anos Ligeiramente em Apuros e A Saga Molusco - Anoitecer, o que diminui sensivelmente as chances de sair algo que realmente preste - e de fato, embora Bad Ass - Acima da Lei seja seu melhor filme até agora, está anos-luz de ser bom.

Popularmente conhecido como Bad Ass após desbancar skinheads em um ônibus, Frank Vega (Danny Trejo) vive da pensão que recebe por invalidez e da venda de hot dogs na rua, agora decadente com a chegada de trailers e carrinhos com lanches mais interessantes. Quando seu melhor amigo, Klondike (Harrison Page), é assassinado por criminosos e a polícia faz pouco caso do crime, Vega decide investigar por conta própria e executar sua vingança.

E essa busca nos lança em uma espiral de tédio quando o diretor e roteirista Craig Moss decide levar Frank a locais onde, após serem colocadas contra a parede, pessoas indicam novos locais em que o responsável pelo crime pode estar - o que se estende ao longo de boa parte dos noventa minutos do filme. Além disso, um romance do protagonista com a vizinha é iniciado com um objetivo que qualquer um que tenha visto meia dúzia de suspenses policiais pode antecipar - e que, claro, se confirma.

O pior, porém, é a facilidade com que os realizadores desperdiçam o potencial da premissa e de seu personagem central: vivido com carisma pelo carrancudo Danny Trejo, Frank é um perdedor que, livre dos luxos dos vingadores convencionais, é obrigado a se deslocar pela cidade de ônibus e aparenta possuir praticamente duas mudas de roupa: uma para o dia-a-dia (bermudão, boné e casaco militar camuflado) e uma para ocasiões especiais (um terno azul claro). Ainda nesse sentido, a cena em que uma alegria quase infantil é estampada no rosto enrugado de Trejo enquanto o personagem se arruma para um encontro ressalta ainda mais o potencial desperdiçado, já que surge como um dos raríssimos momentos em que o óbvio humor da premissa é explorado de forma decente.

Pra piorar, Moss jamais parece cansar de se provar um diretor patético: além de erros triviais de continuísmo cometidos graças a uma decupagem incompetente (como a ocasião em que uma carona é oferecida ao protagonista por carregar um saco de compras, mas o volume não é mais visto quando o homem sai do carro), há uma evidente incompatibilidade de tom entre a atmosfera da cena em que Frank visita o local onde o amigo foi assassinado e o hip hop que a acompanha. Além disso, a trama inteira é estúpida ao extremo - e é preciso muita boa vontade para aceitar de bom grado mais uma história sobre criminosos em busca de um pen drive com informações confidenciais.

Transformando seu terceiro longa em uma espécie de superposição entre Kick-Ass - Quebrando Tudo e Machete ao chupar elementos de ambos (ou vocês acham que a ideia de colocar Danny Trejo como um leigo em novas tecnologias surgiu do roteirista? "Machete don't text"? "O que é um pen drive?" Alguma relação?), Craig Moss surge como um nome que, seguindo o que comentei no texto sobre A Saga Molusco - Anoitecer, merece continuar a ser observado - no pior sentido que a expressão pode ter.


Bad Ass, EUA, 2012 | Escrito por Craig Moss e Elliot Tishman | Dirigido por Craig Moss | Com Danny Trejo, Charles S. Dutton, Patrick Fabian, Joyful Drake, John Duffy, Harrison Page, Richard Riehle, Andy Davoli, Tonita Castro e Ron Perlman.

24 de janeiro de 2013

Crítica | O Resgate

por Eduardo Monteiro

Stolen, EUA, 2012 | Duração: 1h33m29s | Lançado no Brasil em 25 de Janeiro de 2013, nos cinemas | Escrito por David Guggenheim | Dirigido por Simon West | Com Nicolas Cage, Josh Lucas, Danny Huston, Sami Gayle, Malin Åkerman, Edrick Browne, Mark Valley, Barry Shabaka Henley e M.C. Gainey.

Quando escrevi brevemente sobre Poder Paranormal, comentei que a incompatibilidade entre a ordenação dos nomes dos atores nos créditos iniciais e a importância que determinada personagem demonstrava na primeira parte do filme fatalmente denunciava sua saída precoce da narrativa. Em O Resgate, algo semelhante acontece: depois de ser deixado por último na listagem da abertura do longa, Josh Lucas surge como o segundo personagem mais importante em cena - e não demora muito para que o filme avance um punhado de anos e ele seja dado como morto. Entretanto, os personagens não batem insistentemente na tecla da morte do companheiro à toa: quando este retorna, transformado, para assumir o posto de vilão do filme, a ideia é que fiquemos estarrecidos com a reviravolta ou algo parecido - embora a questão do nome do ator nos créditos iniciais passe a fazer mais sentido (no final das contas, fomos induzidos a acreditar que sua participação seria pequena para que seu retorno constituísse uma surpresa).

Este talvez seja o truque mais eficiente do roteiro risível de David Guggeheim (Protegendo o Inimigo), que, no restante do tempo, investe em uma série de induções ridículas que podem ser facilmente desvendadas pelo espectador. A começar pelo prólogo: prestes a executar um grande roubo, Will Montgomery (Cage) é vigiado por uma equipe do FBI, comandada pelo agente Tim Harland (Huston) - que, a certa altura, destaca a estranheza da situação, já que a captura dos criminosos parece fácil demais. Quando a equipe do FBI invade uma joalheria (o que é estranho, já que antes havíamos visto Will percorrendo uma loja de brinquedos) e vai de encontro ao protagonista, descobrimos que - uau! - Harland estava vigiando o local errado! Sem jamais entrar em detalhes sobre como o erro foi cometido (quem era e o que aconteceu, afinal, com a pessoa que saiu da van fajuta e entrou na joalheria?), o filme parte para um corre-corre burocrático permeado por desavenças entre Will e seu parceiro, Vincent (Lucas), e que culmina na prisão do personagem de Cage e no sumiço dos dez milhões de dólares roubados. Oito anos depois, no exato dia em que sai da prisão, Will vê sua filha Alison (Gayle) ser sequestrada pelo antigo e supostamente falecido parceiro - e, enquanto circula por Nova Orleans com a garota presa no porta-malas de um táxi, o homem exige o dinheiro desaparecido como resgate.

Tentando conferir veracidade a uma história que já foi contada incontáveis vezes, Nicolas Cage lança mão do mais absoluto piloto automático e empresta seu famoso overacting a Josh Lucas, que, perneta, cabeludo, sujo e com uma expressão de constante psicopatia, transforma Vincent em um vilão vergonhoso e patético e afunda mais alguns centímetros de sua já pouco promissora carreira. E enquanto Malin Åkerman se revela um zero à esquerda belo em suas curvaturas, Danny Huston é obrigado a alimentar uma admiração grotesca pelo protagonista, ficando responsável por falas ridículas como "Admirar não é o mesmo que gostar". Por fim, Sami Gayle vive Alison como a filha chatinha, frígida e emburrada de sempre, que, em situação oportuna, surge como a reencarnação do MacGyver - ou sou só eu que acho impossível alguém, de dentro do porta-malas de um táxi, alcançar um celular errante no banco de trás do carro e, com apenas dois dedos, digitar 911 em um teclado QWERTY?

Embalado por uma trilha sonora que parece disposta a reconhecer a natureza B do projeto, O Resgate é conduzido sempre de forma burocrática por Simon West (do incompreensivelmente superestimando Os Mercenários 2) e avança sempre de forma desinteressante, arbitrária e previsível, revelando-se ainda excessivamente expositivo - e o momento em que Vincent explica para Alison como forjou a própria morte é completamente inapropriado e não faz o menor sentido. Para completar, o terceiro ato traz um roubo ofensivamente trivial, motivado por um comportamento absolutamente injustificável do protagonista: antes mesmo que Vincent dê as novas diretrizes para o sequestro ao se convencer de que o dinheiro do roubo anterior realmente não existe mais, Will toma a frente da situação e se propõe a realizar um novo golpe para obter a quantia - e ímpeto do personagem em prolongar o sequestro da filha em prol de uma sacudida na narrativa é comovente.

Reservando mais duas ou três induções idiotas para os minutos finais (envolvendo morte, cemitério e um objeto a ser lançado no mar), O Resgate é, assim como O Último Desafio, mais um filme que poderia ser lançado diretamente em vídeo caso não trouxesse o apelo da presença do ator central - e aqui o que fala mais alto não é nem o retorno carismático de um astro de ação, mas o amor que os brasileiros, em especial, ainda parecem alimentar por Nicolas Cage e sua corriqueira sequência de porcarias.

23 de janeiro de 2013

Bem-Vindo à Vida


Presenças recorrentes em projetos de Michael Bay e, principalmente, J.J. Abrams, os roteiristas Alex Kurtzman e Roberto Orci construíram uma carreira irregular escrevendo filmes como A Ilha, Missão: Impossível III, Cowboys & Aliens, Transformers e sua primeira continuação, A Lenda do Zorro e Star Trek, além da série de TV Fringe. O que todos têm em comum? Nenhum deles é um drama.

Primeira incursão da dupla no gênero, Bem-Vindo à Vida traz Chris Pine como Sam, um homem que se vê obrigado a viajar para sua cidade natal com a namorada (Wilde) em decorrência do falecimento do pai - com quem, acreditem se quiser, ele não tinha uma boa relação, algo (nada) raro no gênero. Contando com o dinheiro da herança para quitar dívidas e salvar seu emprego, Sam é surpreendido pelo advogado da família ao receber, fora dos registros, uma bolsa contendo 150 mil dólares, um endereço e a orientação, assinada pelo próprio pai, de entregar a tal quantia a uma pessoa chamada Josh. É então que o homem descobre um braço da família que até então desconhecia, formado por sua meia-irmã, a mãe solteira, garçonete e alcoólatra em tratamento Frankie (Banks), e o filho dela, o insubordinado Josh (D'Addario).

É aí que Kurtzman, Orci e o estreante Jody Lambert plantam a semente do conflito central do filme, que apela para um dos piores clichês do gênero: sem saber como abordar a irmã, Sam se aproxima de Frankie e Josh sem abrir o jogo sobre os laços sanguíneos e constrói uma relação com ambos a partir de encontros supostamente casuais. Assim, depois que começa a ficar claro que aquela mentira (ou omissão) será sustentada pelo protagonista por tempo indeterminado, a bola de neve despenca morro abaixo e passa a crescer descontroladamente - e é torturante acompanhar a narrativa na expectativa pelo óbvio e previsível choque de uma mãe solteira carente e um garoto necessitado de uma figura paterna com um homem gentil e extraordinariamente solícito que omite seu parentesco.

Embora formulaico e repleto de clichês (a doença de certa personagem é inserida e arrancada da trama com igual arbitrariedade), o roteiro possui lá sua carga de sensibilidade e consegue explorá-la suficientemente bem, com respaldo do elenco formado pela sempre bela e competente Elizabeth Banks, pelo talentoso e ainda promissor Chris Pine e pela irrepreensível veterana Michelle Pfeiffer, no papel da mãe do protagonista. Dirigido por Alex Kurtzman, o filme desenvolve com competência a delicada temática familiar em seus altos e baixos e é arrematado com uma ideia ligeiramente artificial, mas que resulta em uma cena graciosa, emblemática e, sobretudo, comovente.

People Like Us, EUA, 2012 | Escrito por Alex Kurtzman & Roberto Orci & Jody Lambert | Dirigido por Alex Kurtzman | Com Chris Pine, Elizabeth Banks, Michael Hall D'Addario, Michelle Pfeiffer, Olivia Wilde, Mark Duplass, Philip Baker Hall e Jon Favreau.

22 de janeiro de 2013

Cena em Destaque | O banho de Giselle


Quantos processos e mecanismos são necessários para que água potável seja captada, tratada e transportada até a torneira de nossas casas? O número, devo imaginar, é inversamente proporcional à quantidade de vezes que paramos para pensar no conforto que cada um deles nos proporciona - a não ser, é claro, que fiquemos alguns dias privados desse tipo de mordomia.

Em último caso, você também poderia pensar no assunto caso fosse um forasteiro que nunca tenha tido contato com tais tecnologias. Vivida por Amy Adams no relativamente subestimado Encantada, Giselle é uma princesa saída direta e literalmente do universo dos contos de fadas que, deslumbrada com a funcionalidade de um banheiro, afirma com inexorável doçura: "Este é um cômodo mágico" - pensamento que ela sustenta mesmo depois que Robert (Patrick Dempsey) lhe explica brevemente o sistema. Apesar de aparentemente bobo, esse tipo de comportamento da princesa é o que transforma o longa em um projeto tão interessante e fascinante: dona de uma extraordinária visão otimista do mundo ao redor, Giselle consegue enxergar beleza e magia nos pequenos detalhes do cotidiano, o que a transforma em um contraponto imediato ao cético, impassível e atarefado ser humano real vivido por Dempsey.


Mas a cena não é memorável apenas graças a isso: a ingenuidade incorrigível de Giselle atinge patamares altíssimos e adoráveis durante seu primeiro encontro com Nancy (Idina Menzel), namorada de Robert. Enquanto o homem tenta controlar a situação e explicar por que há uma bela mulher de toalha em seu apartamento, a princesa exibe uma alegria absolutamente genuína enquanto tenta passar uma boa impressão e insiste em compartilhar com Nancy sua história de vida e as maravilhas de um chuveiro. Incapaz (ainda) de ter sentimentos negativos, Giselle completa com igual sinceridade após a conturbada passagem da mulher pelo apartamento: "Ela é adorável!".

21 de janeiro de 2013

Os Três Patetas


As primeiras notícias sobre a produção de um longa inspirado n'Os Três Patetas surgiram em meados de 2003 e, de lá pra cá, o filme passou por cinco estúdios diferentes, saiu e voltou para as mãos dos irmãos Farrelly e teve atores como Jim Carrey, Sean Penn, Benicio Del Toro, Russel Crowe e Paul Giamatti apontados como escolhas para os papéis principais. Aparentemente, o arco do roteiro escrito por Mike Cerrone e pelos Farrelly foi preservado ao longo da última década, embora algumas adaptações naturalmente tenham sido feitas (como menções às redes sociais) antes das fatídicas filmagens. Infelizmente, o fanatismo dos diretores pelo trio de paspalhos e a persistência em realizar um projeto amplamente renegado não suavizam o desgosto de um roteiro fraco, que não consegue adaptar o estilo de humor dos personagens clássicos para o cinema dos dias atuais.

Lançado no Brasil diretamente em vídeo em decorrência da péssima repercussão internacional, Os Três Patetas conta a história de um trio de garotos travessos que, (literalmente) jogados às portas de um convento ainda bebês, são incessantemente rejeitados pelos casais que procuram a instituição dispostos à adoção. Quando o acúmulo de dívidas coloca o local em leilão e ameaça o futuro de crianças que ali ainda vivem, os então adultos Moe (Diamantopoulos), Larry (Hayes) e Curly (Sasso) vão para a cidade grande em busca dos US$830.000 necessários para quitar a dívida - e, assim que chegam, recebem da bela e inescrupulosa Lydia (Vergara) a proposta de eliminar um alguém indesejado.

Vividos pelos pouco conhecidos Chris Diamantopoulos, Sean Hayes e Will Sasso, os três patetas são os típicos idiotas que, de tão pouco engraçados, precisam do auxílio da sonoplastia (na mesma linha usada nos antigos filmes do trio) para que os momentos em que tropeçam ou se estapeiam tenham alguma chance de arrancar risadas do espectador - o que, vale apontar, funciona em raríssimas ocasiões. Dentre os atores, Diamantopoulos é o que demonstra maior controle sobre os trejeitos de Moe e exibe o melhor timing cômico do trio, seguido de perto por Will Sasso e deixando o fraco Sean Hayes no chinelo. Infelizmente, as gags que realmente funcionam (geralmente abusando do tom cartunesco da produção, com destaque para a participação de Moe no seriado Jersey Shore) são escassas - e embora o roteiro seja bem amarradinho em diversos aspectos (o mínimo que era de se esperar de um filme desenvolvido ao longo de mais de 10 anos), cenas engraçadinhas que pouco ou nada contribuem para o avanço da narrativa são mais recorrentes que o ideal.

Com Sofía Vergara diminuindo as chances de ser respeitada como atriz, Jane Lynch limitada por um hábito e Larry David se divertindo à beça no papel de uma freira, Os Três Patetas é uma prova concreta de que certas adaptações precisam ser muito bem pensadas antes de sair do papel - e que a qualidade desse desenvolvimento certamente não é uma questão exclusiva de tempo.

The Three Stooges, EUA, 2012 | Escrito por Mike Cerrone e Bobby Farrelly e Peter Farrelly | Dirigido por Bobby Farrelly e Peter Farrelly | Com Chris Diamantopoulos, Sean Hayes, Will Sasso, Jane Lynch, Sofía Vergara, Jennifer Hudson, Craig Bierko, Stephen Collins, Larry David, Kirby Heyborne, Avalon Robbins, Max Charles.

20 de janeiro de 2013

Curta | Tarantino's Mind


Em Tarantino's Mind, Selton Mello e Seu Jorge vivem dois amigos que, sentados em uma mesa de bar, partem de assuntos inusitados para teorias sobre conexões entre os filmes de Quentin Tarantino - e a grande graça do projeto reside justamente aí: apropriadamente, o filme é uma clara recriação de uma cena tipicamente tarantinesca, exibindo uma linguagem bastante semelhante à do cineasta cuja carreira está sendo comentada ou, pode-se dizer ainda, homenageada.

O que a princípio soa como apenas a vontade de um grupo de expressar publicamente o tal Código Tarantino, porém, vai além: escrito e dirigido coletivamente pelo 300mL, o curta consegue estabelecer os personagens como seres divertidos a seu modo, mas certamente não é recomendado para os desconhecedores da carreira de Tarantino por razões simples: spoilers são lançados sem qualquer censura ou pudor e as conexões só despertam a curiosidade, obviamente, de quem conhece bem os filmes. Para completar, os realizadores também conseguem incluir referências voltadas exclusivamente para os fãs do cineasta - e só aqueles que não cultuam os diálogos de Pulp Fiction - Tempo de Violência não esboçarão um leve sorriso quando o personagem de Seu Jorge questiona a origem do termo em inglês para batatas fritas, French Fries.

Tarantino's Mind, Brasil, 2006 | Escrito coletivamente pela 300 mL | Dirigido coletivamente pela 300 mL | Com Selton Mello e Seu Jorge.

19 de janeiro de 2013

Tainá - A Origem


Começo esse texto propondo o seguinte exercício mental: pegue Avatar, adicione toques de Os Goonies, insira animais engraçadinhos, amarre tudo em uma trama maniqueísta e transporte para a Amazônia. Se você foi capaz de juntas todas as peças, então já tem uma boa ideia do que esperar de Tainá - A Origem, prequel dos longas infantis brasileiros Tainá - Uma Aventura na Amazônia e Tainá 2 - A Aventura Continua.

Escrito por Cláudia Levay (autora também dos dois primeiros filmes), Tainá - A Origem tem início com o Vô Tigê (Gracindo Júnior) encontrando a personagem-título, ainda bebê, às margens de uma majestosa e mítica árvore sagrada. Anos depois, Tainá (Tembé) é levada à aldeia de seu povo para assistir ao ritual de escolha do grande guerreiro que protegerá a tribo da encarnação do Mal, conhecida como Jurupari. É então que a pequena índia, contrariando os costumes, se intromete no processo e vence a competição proposta, embora sua vitória não seja reconhecida pelo cacique. A partir daí, Tainá se lança na floresta com o objetivo de descobrir um pouco mais sobre seu passado e proteger a Grande Árvore de piratas da biodiversidade, liderados pelo maléfico Vitor (Berenguer).

No processo, a indiazinha encontra Laurinha (Noskoski), uma garota da cidade que, de férias na casa do biólogo Vô Téo (Leal Maia), acaba perdida na floresta depois de tentar pregar uma peça no avô. A relação entre Tainá e Laurinha, apesar de explorar um tema batido (o contato entre nativos e civilizados), é o que o filme tem de mais interessante, mérito especialmente das atrizes mirins: enquanto Beatriz Noskoski consegue transformar a menina da cidade em uma patricinha divertida a seu modo e surpreendentemente pouco antipática, a indiazinha Wiranu Tembé, selecionada entre mais de duas mil candidatas antes mesmo de aprender a falar o português, encanta com um olhar forte e a expressividade necessária para carregar o projeto, demonstrando um bom domínio sobre a personagem e conseguindo conferir até mesmo uma divertida espirituosidade a Tainá - como vista nos vários momentos em que parece debochar das frescuras de Laurinha.

Entretanto, bem como a participação do índio nerd e informatizado Gobi (Ozzy), a relação das garotas praticamente não interfere na trama principal, que envolve os esforços de Vitor e seus comparsas (cujas motivações jamais ficam claras) para derrubar a Grande Árvore. Embora as crianças sejam constantemente perseguidas pelo vilão (cuja maldade é expressa por uma ridícula e repetitiva mudança da cor da íris), falta perigo à jornada delas, o que fatalmente compromete o clímax, com o fatídico e tolo encontro entre Tainá e o Jurupari. Há ainda a tentativa de forçar uma conexão entre as crianças e a natureza, mas a realidade é que a participação de papagaios, macacos, aranhas, tartarugas ou de um filhote de onça servem apenas para encher os olhos do público com as belezas naturais do Brasil e, eventualmente, despertar o riso das crianças por atribuir aos animais comportamentos humanos.

Para completar, quando o conflito central finalmente é resolvido, todas as subtramas são jogadas para o alto e encerradas de forma corrida e arbitrária, para agilizar a chegada dos créditos finais - que, honestamente, chegam em boa hora.

Tainá - A Origem, Brasil, 2013 | Roteiro de Cláudia Levay | Dirigido por Rosane Svartman | Com Wiranu Tembé, Beatriz Noskoski, Igor Ozzy, Gracindo Júnior, Nuno Leal Maia, Guilherme Berenguer, Laila Zaid, Leon Goes, Mayara Bentes e Fidélis Baniwa.

18 de janeiro de 2013

Fuga Implacável

Henry Cavill em FUGA IMPLACÁVEL (The Cold Light of Day)

Lançado direta e merecidamente em home video, Fuga Implacável é um filme de ação tão genérico quanto seu título nacional - mas, pior que isso, é testemunhar mais uma vez atores veteranos como Bruce Willis e Sigourney Weaver (Poder Paranormal) desperdiçando insistentemente seus talentos em troca de um embolso garantido no final do mês. Isso, claro, sem falar de Henry Cavill, que, prestes a encarnar um dos super-heróis mais icônicos do planeta, prova-se mais uma vez um ator medíocre - e se ao menos os executivos da DC Comics tivessem observado seu surpreendente e intenso desempenho nas cenas de corrida deste filme, teriam guardado o ator para um projeto futuro baseado no personagem Flash.

Escrito por Scott Wiper e John Petro e dirigido por Mabrouk El Mechri (JCVD), o filme traz Cavill como Will, um jovem empresário workaholic que vê sua família ser sequestrada na Espanha durante as férias que tirou a contragosto. É aí que Will descobre que seu pai é um agente secreto a serviço da embaixada americana (o que demonstra a total falta de perspicácia do protagonista, já que o homem é vivido por Bruce Willis) e passa a ser perseguido por uma de suas colegas (Sigourney Weaver), que intenciona resgatar uma importante e misteriosa maleta confiscada pelo personagem de Willis.

Henry Cavill em FUGA IMPLACÁVEL (The Cold Light of Day)

Insatisfeito em apenas repetir a premissa do homem desorientado sendo perseguido na Europa, Fuga Implacável conta também com cenas de ação visivelmente inspiradas na trilogia Bourne, como as perseguições de carro que atravessam becos e escadarias ou os saltos e embates corporais sediados em imóveis com arquitetura europeia tradicional. Todavia, as sequências de ação são extremamente aborrecidas em sua maioria - e movimentos ou posicionamentos divertidos de câmera (como aqueles que utilizam bem reflexos em espelhos ou janelas) ou pontuais cenas mais eficientes (como o agitado e emergencial tratamento de uma ferida) não são suficientes para diminuir o aborrecimento. Para completar, a valorização do mistério em torno do que há no interior da fatídica maleta soa patética pela falta de talento dos realizadores de conceber um suspense respeitável - e se há um MacGuffin que não me despertou a menor curiosidade, certamente é este.

Um dos méritos do filme, porém, é tornar o protagonista mais real conferindo-lhe alguma vulnerabilidade, rara em personagens do tipo. Entretanto, próximo ao final dos inchados 89 minutos, a vilã do filme se torna o ser mais ponderado em cena com uma fala simples, mas que diz tudo: "Cansei disso".

★★

The Cold Light of Day, EUA/Espanha, 2012 | Escrito por Scott Wiper & John Petro | Dirigido por Mabrouk El Mechri | Com Henry Cavill, Sigourney Weaver, Bruce Willis, Verónica Echegui, Joseph Mawle, Caroline Goodall, Rafi Gavron, Emma Hamilton, Roschdy Zem e Colm Meaney.

17 de janeiro de 2013

Pom Wonderful Apresenta: O Maior Filme Jamais Vendido


Em determinada passagem de Se Eu Fosse Você 2, ao longo de um diálogo que em nada contribui para o andamento da narrativa, o personagem de Cássio Gabus Mendes explica detalhadamente ao de Tony Ramos os benefícios de certa provedora de TV por assinatura - mas o que muitos não devem notar é que, a partir de certo ponto do discurso (em torno de algo como "...e ainda dá pra pausar a programação ao vivo e..."), a voz do ator (que, a esta altura, já se encontra fora de campo) perde sensivelmente a naturalidade. A provável explicação para o que ocorre não é de difícil compreensão: possivelmente insatisfeitos com a carga de informações transmitida pelo personagem durante a filmagem oficial, os produtores devem ter ordenado que um adendo fosse gravado em estúdio, sem se importar que, com um trabalho descuidado de mixagem de som, o acréscimo de informações destoasse do restante da fala e ressaltasse ainda mais a artificialidade da publicidade.

A completa falta de sutileza de momentos como esse (algo que já abordei em textos sobre Um Show de Verão ou Os Penetras) prova que, ao menos no quesito product placement, o cinema brasileiro ainda está engatinhando - diferentemente do norte-americano, que, de modo geral, já consegue integrar esse tipo de publicidade ao sistema de produção de forma mais orgânica. E é isso que O Maior Filme Jamais Vendido, de Morgan Spurlock, se propõe a documentar, através de uma proposta curiosamente metalinguística: visitando empresas das mais diversas, o diretor busca patrocinadores para financiar um documentário sobre a própria busca por patrocinadores. Dessa forma, Spurlock precisa convencer grandes executivos que associar suas marcas ao filme será um investimento oportuno e fecha acordos que transformam o filme em uma salada de frutas de anúncios.

O que, curiosamente, é ao mesmo tempo positivo e negativo. Se por um lado as esporádicas interrupções para vinhetas de alguns dos produtos incomodam pela própria intrusão, por outro oferecem sua contribuição ao filme no que diz respeito ao conteúdo - isto é, a inserção de um anúncio intrusivo não deixa de ser um comentário sobre a intrusão de anúncios em filmes. Além disso, à medida que acordos são fechados, o documentário vai sendo moldado pelas diversas e distintas exigências dos anunciantes, levando Spurlock a utilizar roupas, visitar locais e consumir bebidas de marcas específicas enquanto entrevista diversos profissionais da área, bem como a remover qualquer menção às concorrentes. Para completar, o diretor acerta ao abrir o documentário com a enxurrada de respostas negativas que recebeu de grandes marcas, fazendo com que o espectador desenvolva uma tímida afeição por aquelas que confiaram em suas boas intenções - o que cria uma imagem positiva das marcas e, de certo modo, compensa o fato de o filme não ter alcançado o sucesso pretendido. Ainda nesse sentido, o documentário falha por seguir um rumo que, para ter suas pontas bem amarradas, demandaria uma documentação da repercussão pós-lançamento, além de não deixar clara a relação das empresas com o produto final ao apontar, sem maiores explicações, que "nenhuma das marcas aprovou o filme".

Por fim, O Maior Filme Jamais Vendido também dedica algum tempo à publicidade criada para divulgar o filme propriamente dito, recorrendo até mesmo a escolas que disponibilizam suas fachadas em troca de verba para incrementar suas finanças. Antes disso, porém, o diretor faz uma rápida visita a São Paulo para, com um evidente espanto, conferir o resultado da Lei Cidade Limpa (que proíbe outdoors, placas e letreiros de anúncios no interior da cidade desde que foi sancionada no início de 2007) e entender como o comércio local lida com isso.

Vindo de um diretor que tentou provar que viver comendo apenas fast food faz mal, Pom Wonderful (marca de suco que pegou a cota de patrocínio principal) Apresenta: O Maior Filme Jamais Vendido é nada menos que uma boa surpresa.

The Greatest Movie Ever Sold, EUA, 2011 | Escrito por Jeremy Chilnick e Morgan Spurlock | Dirigido por Morgan Spurlock.

16 de janeiro de 2013

Crítica | Django Livre

por Eduardo Monteiro

Django Unchained, EUA, 2012 | Duração: 2h45m09s | Lançado no Brasil em 18 de Janeiro de 2013, nos cinemas | Escrito por Quentin Tarantino | Dirigido por Quentin Tarantino | Com Christoph Waltz, Jamie Foxx, Leonardo DiCaprio, Kerry Washington, Samuel L. Jackson, Walton Goggins, Dennis Christopher, James Remar, Laura Cayouette, Don Johnson, Jonah Hill, Zoe Bell, James Parks, Tom Savini, Michael Parks, Franco Nero e Quentin Tarantino.

Há um certo comichão por parte da crítica especializada de atribuir uma parcela significativa dos problemas de Django Livre ao montador Fred Raskin, que assumiu o cargo após o falecimento da colaboradora de longa data do cineasta Quentin Tarantino, Sally Menke. Sim, a montagem é um dos grandes problemas do longa, mas não creio que Menke seria capaz de contorná-lo em sua totalidade, já que a autoindulgência do roteiro de Tarantino impõe obstáculos para o ritmo do filme que montador nenhum no mundo conseguiria suprimir.

Oitavo longa do diretor, Django Livre regressa às vésperas da Guerra Civil Americana e nos apresenta ao ex-dentista e caçador de recompensas alemão Dr. King Schultz (Waltz), que compra e liberta o escravo Django (Foxx) em troca de auxílio na identificação e localização dos procurados irmãos Brittle. Percebendo o potencial da parceria, Schultz propõe que esta seja estendida e promete a Django ajudá-lo a encontrar sua esposa, a escrava Broomhilda (Washington), e libertá-la em situação oportuna - o que leva ambos de encontro ao pomposo financiador de lutas de mandingos e rico proprietário de terras monsieur Calvin Candie (DiCaprio).

Mais extenso trabalho de Tarantino até agora, o longa traz, já em seus primeiros minutos, todas as principais marcas do cineasta: créditos iniciais com tipografia retrô, boa música e zooms exagerados logo dão lugar a confrontos repentinos e sanguinários e diálogos permeados por seu humor peculiar. Ao longo do restante da projeção, porém, as dosagens deixam bastante a desejar: a certa altura, um zoom abrupto e sonorizado acaba sendo desperdiçado em um momento pouco inspirado, enquanto o excesso e despropósito de certos diálogos e passagens do final da primeira hora de projeção prejudicam sensivelmente o ritmo, que só é recuperado muito vagarosamente após a introdução do personagem de Leonardo DiCaprio. Em suma, o que sobra a Tarantino em termos de estilo lhe falta em ponderação e disciplina - e embora a sequência envolvendo cavaleiros encapuzados seja divertida, é também mais longa que o ideal e poderia ser eliminada do corte final sem maiores prejuízos.

Por outro lado, o cineasta continua a exibir uma habilidade excepcional na concepção de quadros, dentre os quais pode ser destacado aquele em que Django é visto chegando a uma cidade (onde será hostilizado pelos habitantes) e sua cabeça passa por uma forca posicionada em primeiro plano. Não menos eficientes, como era de se esperar, são os tiroteios orquestrados por Tarantino: recorrendo à câmera lenta em mais ocasiões que o habitual, o diretor transforma os banhos de sangue e as chuvas de destroços em verdadeiros espetáculos visuais, abrindo mão da lógica em prol do puro divertimento - e ao ser baleada a partir de um ângulo alto, por exemplo, certa personagem é lançada horizontalmente em uma direção completamente incoerente com o disparo, apenas para atravessar uma porta e sumir de vista. Para completar, Tarantino também não deixa de brindar o espectador mais atento com detalhes inseridos sem qualquer tipo de alarde, como no instante em que o som discreto de uma arma sendo desengatilhada é estrategicamente sobreposto pelo grito de um dos convidados de um jantar.

E já que mencionei essa cena, vale mencionar que sua longa e desnecessária duração (os personagens devem permanecer naquele cômodo por pelo menos 40 minutos) é compensada pelas ótimas atuações: repetindo a parceria com o diretor que o ajudou a emergir, Christoph Waltz (o coronel Hans Landa de Bastardos Inglórios) rouba a cena com um personagem que parece se divertir imensamente com suas notáveis inteligência e perspicácia, sendo capaz de prever ou reverter situações delicadas com uma habilidade ímpar. No papel-título (que, apesar disso, não desempenha as funções mais importantes da trama), Jamie Foxx volta a ficar em evidência após um considerável período sem papéis relevantes e confere carisma e veracidade ao superficial escravo alforriado, enquanto Leonardo DiCaprio deixa de lado os personagens soturnos que marcaram a última década de sua carreira e, surgindo com os dentes sujos, um penteado divertido e os olhos levemente delineados, exibe um timing cômico apropriado e transforma Candie no típico antagonista cuja natureza ameaçadora não dá as caras pelas vias convencionais. Para completar, Tarantino escala Samuel L. Jackson para um papel rabugento obviamente escrito com o ator em mente e completa o elenco de apoio com nomes recorrentes em sua filmografia como Michael Parks, Michael Bowen ou a dublê Zoe Bell, dando-se ao luxo ainda de homenagear o western clássico Django ao trazer Franco Nero em uma breve participação ou de colocar a si mesmo em uma ponta curiosa.

Repleto de diálogos afiados que conseguem até mesmo trazer escravocratas reconhecendo o absurdo dos fundamentos do regime, o filme faz jus aos estouros de orçamento e arrebenta tecnicamente: enquanto a fotografia do aclamado e premiado Robert Richardson registra com elegância tanto os bem selecionados ambientes externos quanto os ótimos cenários concebidos pela equipe de direção de arte, a maquiagem e o figurino também não fazem feio e ganham a chance de emplacar suas próprias brincadeiras, como as cafonas vestes azuis de Django ou o uniforme indecoroso de determinada escrava. Já a montagem de Raskin (que trabalhara com Menke como assistente de montagem em Kill Bill), como mencionado, é comprometida por sucessivos tropeços: os flashbacks, por exemplo, raramente surgem orgânicos à narrativa, chegando ao cúmulo de interromper a progressão do desfecho para resgatar um comentário absolutamente dispensável de Schultz, que divide espaço com um igualmente incompreensível exibicionismo equino. Para completar, o terceiro ato acaba soando um pouco repetitivo, o que não é nada positivo para um filme de quase três horas de duração (cabendo aqui a menção a uma cena extra ao final dos créditos).

Tendo ainda o privilégio de contar com composições do maestro Ennio Morricone em seu repertório, Django Livre surge como mais um bom filme de Quentin Tarantino, embora acabe ficando atrás de trabalhos de diretores que eventualmente tenham se influenciado por seu estilo - e Sete Psicopatas e um Shih Tzu, ainda em cartaz, está aí pra não me deixar mentir.

15 de janeiro de 2013

Cena em Destaque | Cell Block Tango

CHICAGO

Se não tivesse levado o Oscar de Melhor Filme num ano em que O Pianista e O Senhor dos Anéis - As Duas Torres também disputavam a estatueta, Chicago seria menos rejeitado pelo público e mais reconhecido como o bom filme que é. Longe de representar uma sacudida no gênero como foi vendido na época do lançamento, o musical ainda assim conta com uma narrativa interessante e números musicais bastante eficientes - e Cell Block Tango (ou o Tango do Pavilhão) talvez seja o melhor deles.

A função da sequência é descrever para o público (e para a personagem de Renée Zewellger) os crimes que resultaram no encarceramento de algumas das mulheres daquele presídio, muito embora sejam contados através de um prisma bastante peculiar: com altas doses de sarcasmo, as prisioneiras se colocam como as verdadeiras vítimas dos delitos e atribuem a responsabilidade de seus crimes às posturas de seu ex-parceiros. Dessa forma, após relatar o péssimo hábito do marido de fazer e estourar bolas de chiclete enquanto masca, por exemplo, Liz (Susan Misner) conclui apontando as consequências: "Então eu peguei a espingarda na parede e disparei dois tiros de alerta... bem na cabeça dele". "Ele fez por merecer" é o que cada uma das mulheres faz questão de destacar durante o refrão; "Foi um assassinato, mas não um crime".

CHICAGO

A intensidade natural do tango, evidentemente, reflete a personalidade agressiva das mulheres e apenas contribui para o número, que também conta com coreografias e encenações inventivas: o uso de panos vermelhos para representar os ferimentos das vítimas, por exemplo, é uma ótima sacada (repare a intensa hemorragia que fica insinuada em um dos relatos). Além disso, a menção da inocência de uma das mulheres não só cria uma bem vindo contraponto aos demais casos, como também é deixada no ar para, posteriormente, ser usada para estabelecer um importante senso de urgência à narrativa.

Catherine Zeta-Jones - vencedora do Oscar pelo papel - surge como um destaque óbvio e consegue conferir, na medida certa, desdém ao relato de seu crime e furor à coreografia. O elo fraco, por outro lado, fica a cargo de Mýa Harrison: com uma voz vacilante que falha em transmitir a intensidade da descrição, a cantora esbanja artificialidade e inexpressividade e cria um buraco negro na metade final do número. Felizmente, as demais mulheres conseguem reassumir o controle do espetáculo em segundos e encerram a sequência com a eficácia que vinha sendo apresentada desde o início.

14 de janeiro de 2013

Crítica | Amor

por Eduardo Monteiro

Amour, França/Alemanha/Áustria, 2012 | Duração: 2h07m00s | Lançado no Brasil em 18 de Janeiro de 2013, nos cinemas | Roteiro de Michael Haneke | Dirigido por Michael Haneke | Com Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert, Alexandre Tharaud, William Shimell.

Quando uma pomba invade a residência dos Laurent, o dono da casa mantém a janela aberta e, com movimentos executados sem qualquer tipo de premeditação, afugenta a ave, que rapidamente encontra seu caminho e parte. Quando as mesmas circunstâncias se repetem posteriormente, porém, o homem estabelece algumas estratégias para lidar com a situação: fecha a janela, apanha um cobertor e tenta encurralar o animal, o que ironicamente não torna sua captura mais rápida ou fácil. Correndo o risco de ser sufocada pelos panos, a pomba é apreendida e libertada, seguindo novamente seu rumo natural.

Inseridas em um projeto como Amor, novo longa do cineasta alemão Michael Haneke (Caché, A Fita Branca), essas passagens admitem diversas interpretações - e uma delas é que nossas vidas, vacilantes e imprevisíveis como o comportamento de uma pomba, terão um resultado único e inevitável, não cabendo às estratégias assumidas ao longo da trajetória alterá-lo, mas sim adiá-lo, adiantá-lo, facilitá-lo ou dificultá-lo, embora a relação entre as medidas tomadas para isso e suas consequências nem sempre corresponda às expectativas.

Escrito pelo próprio Haneke, o roteiro acompanha o casal de idosos Georges (Trintignant) e Anne (Riva) - nomes recorrentes na filmografia do cineasta -, que tem sua rotina alterada quando a mulher sofre um derrame e fica com o lado direito do corpo paralisado. O marido, dedicado, reúne forças e se empenha em tratar a enfermidade dentro do próprio lar (já que ela se recusa a ser levada para um hospital), vendo-se obrigado a testemunhar o definhamento da esposa, cujo estado de saúde (física e mental) agrava gradativamente - e ter que finalmente encarar a proximidade da morte mergulha Georges e Anne em um oceano de melancolia e os obriga a visualizar a vida e o mundo sob novos prismas.

Iniciado com um prólogo que separa com apenas um corte seco um cadáver em decomposição do sugestivo título do filme, Amor revela o pessimismo habitual do cineasta ao se propor a estudar um caso amoroso a partir do instante em que esse passa a ser comprometido por forças maiores, internas e indomáveis. Assim, anos de boa convivência são deixados para trás após a breve introdução do companheirismo do casal e dão lugar à doença, que chega sem avisos (em uma ótima cena, que ainda encontra oportunidade para comentar brevemente o machismo do homem), lança os personagens em um estado crescente de melancolia e ainda faz Anne integrar o pequeno grupo estatístico de pacientes cuja intervenção cirúrgica não é bem sucedida. Com isso, o amor é deixado praticamente subentendido na dedicação incondicional de Georges e, fora isso, é renegado a momentos pontuais e não menos tristes, como aqueles em que o erguimento da mulher para se sentar ou levantar da cadeira de rodas é transformado em abraços involuntários, numa troca de carícias quase forçada, ou, claro, o derradeiro contato do casal.

Rompendo um hiato de nove anos sem atuar (excluindo duas participações em dublagens), Jean-Louis Trintignant transforma Georges em um homem amargurado pela irreversibilidade da condição da mulher, algo que o condena a jamais ter novos momentos áureos com a esposa e a viver de cuidados para, a certa altura, mantê-la viva em um estado de baixíssima consciência, impossibilitando até mesmo que ela retribua seus gestos - e nesse sentido, a passagem em que as súplicas de Anne são silenciadas por um caso contado pelo homem exprime uma bilateralidade rara e, por isso mesmo, tocante. Dividindo a cena com o ator e auxiliada por um bom trabalho de maquiagem, Emmanuelle Riva cria uma personagem complexa (repare como, surpreendentemente, ela consegue encontrar alguma diversão em uma cadeira de rodas motorizada, mesmo com tudo que a introdução daquele objeto em sua vida representa) e deixa de lado a doçura dos momentos iniciais para simular a degeneração progressiva de Anne com imensa competência, conseguindo despertar uma compaixão genuína no espectador. Fechando o elenco, no papel da filha do casal, Isabelle Huppert é prejudicada por uma personagem que jamais diz a que veio, alternando posturas de imensa insensibilidade com outras cujas intenções ou função sequer ficam claras.

Infelizmente, o potencial da premissa e do elenco é desperdiçado em um roteiro que, carente de sensibilidade e empatia, aposta todas as suas fichas na tragédia dos personagens e acaba caindo em uma incômoda e fria espiral de sofrimento. Embora traga uma boa quantidade de simbolismos em sua primeira metade e seja todo permeado por boas ideias (como uma inofensiva consulta ao horóscopo se transformando em motivo de esmorecimento), o filme levanta discussões naturalmente instintivas de forma superficial, abraçando o lugar-comum e assim permanecendo até próximo ao desfecho. Para completar, a crueza habitual de Haneke (como a ausência de trilha e a fotografia naturalista) acaba se convertendo em uma espécie de frieza, que definitivamente não beneficia um projeto como esse.

E embora não seja um grande admirador da obra do cineasta (a versão americana de Violência Gratuita continua sendo seu filme de que mais gosto), torço para que seus projetos futuros voltem à linha que o consagrou e que os erros de Amor não sejam repetidos, de modo que não seja necessário que eu reinterprete as cenas da pomba de forma mais incisiva e colocando a carreira de Haneke em evidência.