
por Eduardo Monteiro



Silver Linings Playbook, EUA, 2012 | Duração: 2h01m56s | Lançado no Brasil em 1º de Fevereiro de 2013, nos cinemas | Baseado no livro de Matthew Quick. Roteiro de David O. Russell | Dirigido por David O. Russell | Com Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Robert De Niro, Jacki Weaver, Chris Tucker, John Ortiz, Julia Stiles, Shea Whigham, Anupam Kher, Dash Mihok, Brea Bee.
Dezenas, quiçá centenas de comédias dramáticas são lançadas todos os anos nos cinemas - e cabe a cada uma delas se desdobrar para driblar a concorrência, provar seu valor e se sobressair. Produzida pelos irmãos Weinstein e dirigida e roteirizada pelo outrora ambicioso David O. Russell (responsável pela boa comédia existencialista Huckabees - A Vida é uma Comédia e pelo excelente Três Reis) com base no livro de Matthew Quick, O Lado Bom da Vida conta ainda com boas atuações de um casal de talentosos atores veteranos e de um outro formado por jovens queridinhos e ascendentes, que até pouco menos de cinco anos atrás não passavam de meros coadjuvantes desconhecidos. Nota-se, portanto, que, ao menos do ponto de vista mercadológico, a comédia é um grande acerto - e é uma pena que a reunião de talentos sirva a um roteiro que rebaixa o projeto ao nível de tantas comédias similares e genéricas, deixando a desejar artisticamente.
No filme, Pat Solitano (Bradley Cooper) é um homem que acaba de sair de uma clínica psiquiatra após oito meses supostamente empregados ao tratamento de uma crise nervosa, desencadeada pela descoberta de uma traição da esposa, Nikki (Brea Bee). Acolhido pelos pais (Robert De Niro e Jacki Weaver) e impedido por uma ordem de restrição de contatar ou se aproximar da esposa, Pat pouco se esforça para controlar seu temperamento bipolar até conhecer Tiffany (Jennifer Lawrence), uma jovem viúva com sua parcela particular de distúrbios psicológicos. Entre patadas e alfinetadas espalhadas por uma convivência estranhamente forçada, Pat e Tiffany firmam um acordo de benefício mútuo: se ele acompanhá-la em uma competição de dança para casais, ela promete entregar uma carta dele para Nikki.
Sim, a velha história de uma competição que pode redefinir a trajetória de vários personagens é contada mais uma vez aqui: o patriarca Patrizio Sr. aposta todas suas economias no desempenho de Pat Jr., que por sua vez tem a chance provar uma mudança comportamental à esposa, à nova amiga e à família. Infelizmente, os conflitos e as resoluções do terceiro ato são o que o longa tem de pior: a pontuação dos jurados para a performance opta pela mais tola das opções (isso sem mencionar a opção de associar o anúncio das notas com risadas do público ao redor), ao passo que o conflito principal e sua resolução soam como uma desnecessária e evitável provocação, que afronta o bom senso.
Bom senso, aliás, é algo que os personagens de O Lado Bom da Vida não se intimidam em abdicar em ocasiões convenientes: quando Pat fica incomunicável e não aparece para um ensaio após semanas de dedicação irrestrita, por exemplo, Tiffany adota uma postura agressiva que reflete mais seu julgamento da suposta falta de compromisso do rapaz do que alguma preocupação com um incidente imprevisto que possa ter ocorrido com ele. Aliás, apesar de interpretada com dignidade pela talentosa Jennifer Lawrence (Um Novo Despertar), Tiffany é uma incógnita que o roteiro jamais se preocupa em desvendar, julgando que o comportamento imprevisível da garota compõe suficientemente bem sua personalidade e justifica posturas injustificáveis - e sua insistência em se aproximar de Pat em um momento inicial é algo que nunca fica claro, embora uma explicação ineficaz seja alocada em um breve diálogo entre as personagens de Lawrence e Weaver.

Bradley Cooper (Se Beber, Não Case! Parte II), por outro lado, tem maiores chances de comprovar seu talento: a bipolaridade e a hiperatividade de Patrick são expressas com bastante competência pelo ator, que constantemente faz graça com a falação incessante do personagem, além da impulsividade e da falta de filtro e censura com relação ao que sai de sua boca. E enquanto Jacki Weaver (Cinco Anos de Noivado) vive Dolores Solitano como uma mãe ao mesmo tempo amorosa e apreensiva, Robert De Niro (Poder Paranormal) volta a ficar em evidência após uma longa sequência de porcarias e transforma Patrizio em um homem sistemático que parece incapaz de desistir dos filhos, protagonizando, com igual competência, momentos tocantes e divertidos.
Já o roteiro, em particular, é muito mais bem sucedido nas tentativas de divertir do que nas de emocionar - e ver uma atriz jovem como Jennifer Lawrence peitando um monstro do Cinema como Robert De Niro é tão divertido que quase nos leva a esquecer que tanto o domínio exagerado de Tiffany sobre um tema que odeia quanto a alienação de Patrizio em relação àquelas informações não fazem o menor sentido. A manutenção do ritmo e do timing cômico, vale aponta, é o grande mérito da direção de David O. Russell, já que, se por um lado o cineasta é competente o suficiente para, diferentemente de outros profissionais da área, adotar lentes grande-angulares com propósitos narrativos claros (como na cena em que Pat fica transtornado ao ouvir uma música na rua), por outro peca ao subestimar a inteligência do espectador de forma quase ofensiva em situações específicas, como no instante em que Jennifer Lawrence altera sua expressão ao avistar os personagens de John Ortiz e Julia Stiles chegando a um determinado local acompanhados por uma terceira pessoa e, embora seja perfeitamente possível deduzir de quem se trata pelo contexto, Tiffany diz em voz alta para si mesma o nome da tal pessoa - duas vezes.
Trazendo poucas ou nenhuma novidade em relação a personagens desajustados encontrando os silver linings do título original, O Lado Bom da Vida é uma comédia dramática romântica apenas mediana que, justamente por isso, deverá permanecer na mente do espectador apenas até que a próxima minimamente eficiente entre em cartaz nos cinemas.
