27 de novembro de 2012

Crítica | Os Penetras

por Eduardo Monteiro

Os Penetras, Brasil, 2012 | Duração: 1h35m28s | Lançado no Brasil em 30 de Novembro de 2012, nos cinemas | História original de Andrucha Waddington. Roteiro de Marcelo Vindicatto | Dirigido por Andrucha Waddington | Com Marcelo Adnet, Eduardo Sterblitch, Mariana Ximenes, Stepan Nercessian, Luis Gustavo, Elena Sopova, Susana Vieira, Luiz Carlos Miele, Babu Santana, Xando Graça, Augusto Madeira, Juliana Schalch e Andréa Beltrão.

Marcelo Adnet e Eduardo Sterblitch são dois dos mais talentosos comediantes brasileiros da atualidade. Enquanto o primeiro é o carro-chefe do segmento de comédia da MTV Brasil e anualmente recusa propostas polpudas de emissoras de grande porte, onde teria sua liberdade artística suprimida, o segundo foi revelado ao grande público pelo humorístico Pânico e, a despeito da exposição negativa que os excessos ditados pela atração possam eventualmente acarretar, é provavelmente o integrante mais bem sucedido em projetos paralelos, como monólogos cômicos no teatro. É uma pena, portanto, que a participação de ambos no roteiro de Os Penetras tenha sido apenas colaborativa, já que o filme só se torna realmente divertido quando Adnet e Sterblitch ganham total liberdade - e o grande problema é que isso só ocorre nas cenas de bastidores ao longo dos créditos finais.

Escrito por Marcelo Vindicatto (que trabalhou com Selton Mello em Feliz Natal e O Palhaço) com a já mencionada colaboração da dupla de humoristas e de Fernanda Torres (esposa do diretor e argumentista Andrucha Waddington), Os Penetras traz Marcelo Adnet como um malandro carioca que vive de pequenos golpes e se aproveita da carência e instabilidade emocional de Beto (Sterblitch), um jovem que acaba de chegar ao Rio de Janeiro, para extorqui-lo. Apaixonado, ingênuo e acometido por uma desilusão amorosa, Beto oferta algumas garoupas para que Marco Polo (Adnet) encontre e transmita um recado à mulher que o largou - mas ao se deparar com a beleza estonteante de Laura (Ximenes), o trambiqueiro não só deixa de lado o serviço, como também passa a cortejar a mulher.

Percebam como sequer mencionei as festas em que Marco Polo e Beto se infiltram, já que estas, por incrível que pareça, contribuem pouquíssimo para a narrativa e servem de palco para o que o longa tem de pior: a falta de assunto e de ação. Assim, enquanto a segunda festa apenas protela a amarração de um ou dois pares de pontas soltas, a primeira é responsável quase que exclusivamente por introduzir meia dúzia de personagens carentes de função narrativa, deixando no ar a expectativa por um grande acontecimento que jamais se concretiza - e a inexplicável e abrupta decisão de Nelson (Nercessian), comparsa de Marco Polo, de drogar Beto e a bailarina russa Svetlana (Sopova), apenas evidencia a falta de rumo do roteiro, que se apoia no êxtase causado pelo alucinógeno para encerrar a sequência com uma arbitrariedade atrás da outra.

Trazendo de volta o diretor Andrucha Waddington ao Rio de Janeiro após sua passagem pelo nordeste brasileiro (Eu Tu Eles, Viva São João! e Casa de Areia) e pela Espanha (Lope), Os Penetras soa como uma reunião infeliz de ótimos profissionais: o normalmente eficiente Marcelo Vindicatto não consegue desenvolver a trama explorando a proposta de forma interessante e concebe uma narrativa com personagens e arcos dramáticos pobres, ao passo que Andrucha, em sua primeira comédia, raramente consegue extrair humor do roteiro ou do elenco, exibindo pouquíssima desenvoltura na criação de gags e errando a mão até mesmo nas cenas envolvendo product placement, como aquela em que Marco Polo atende o já característico telefone celular diante de um ostensivo letreiro com a logomarca do patrocinador. Tecnicamente, por outro lado, o filme não deixa a desejar - e o eficiente trabalho de direção de arte de Marlise Storchi chama atenção, por exemplo, na concepção do lar de Marco Polo, tomado por objetos (possivelmente furtados) que jamais se encaixam em um padrão, como uma pilha de toalhas absolutamente distintas umas das outras.

Veterana no cinema, Mariana Ximenes surge tão bela e enigmática quanto desinteressante como Laura, ainda que, em sua primeira aparição, consiga agarrar a oportunidade de exibir seu talento como atriz através de nuances do comportamento da personagem, que contribuem para a composição e antecipam uma revelação posterior. E enquanto Andréa Beltrão se destaca por segurar nas costas uma das poucas cenas realmente divertidas de uma comédia estrelada por dois humoristas em ascensão, o estreante Eduardo Sterblitch acerta ao conferir carisma e ingenuidade a Beto através de sua dicção atropelada e seu jeito amalucado, sendo prejudicado apenas pela mudança grosseira de personalidade do personagem entre uma festa e outra e, de certa forma, pelo companheiro de cena.

Porque infelizmente, dando continuidade a uma carreira cinematográfica marcada por pontas em atrocidades como O Diário de Tati e Muita Calma Nessa Hora, Marcelo Adnet transforma seu segundo protagonista em uma figura quase tão antipática quanto o primeiro (o personagem-título de As Aventuras de Agamenon, o Repórter), graças à composição carregada que raramente permite que acreditemos em suas boas intenções ou que esqueçamos que o comediante está, na realidade, atuando - ainda que ele consiga entregar cenas divertidas, como a do tour pelo Rio de Janeiro (uma de suas principais e mais evidentes contribuições para o roteiro). Além disso, a atuação de Adnet nas cenas de maior carga emocional deixa evidente que o papel exigiria um ator um pouco mais talentoso e expressivo, de modo que a relação entre Marco Polo e Beto - o centro emocional do filme - acaba irremediavelmente comprometida.

Com um terceiro ato digno da falta de assunto dos dois primeiros, Os Penetras é uma reunião de talentos tão desajeitada quanto o primeiro encontro de Beto e Marco Polo - e o que tinha de tudo para ser a melhor comédia brasileira do ano (o que não era tão difícil, com Até Que a Sorte Nos Separe, Totalmente Inocentes ou E Aí... Comeu? no páreo), acabou se revelando apenas uma enorme provação.