3 de outubro de 2012

Crítica | Ruby Sparks - A Namorada Perfeita

por Eduardo Monteiro

Ruby Sparks, EUA, 2012 | Duração: 1h43m55s | Lançado no Brasil em 12 de Outubro de 2012, nos cinemas | Escrito por Zoe Kazan | Dirigido por Jonathan Dayton e Valerie Faris | Com Paul Dano, Zoe Kazan, Chris Messina, Steve Coogan, Annette Bening, Antonio Banderas, Toni Trucks, Aasif Mandvi, Alia Shawkat e Elliott Gould.

Para embarcar de cabeça em Ruby Sparks - A Namorada Perfeita, mais importante que comprar o caráter fantasioso da narrativa é aceitar que o protagonista Calvin Weir-Fields (Dano) possui um gosto, digamos, um pouco duvidoso. Afinal, quando tem a chance de fantasiar e idealizar uma mulher perfeita, o rapaz concebe Ruby Sparks (Kazan), um clichê indie de meias-calças roxas, pés levemente para dentro e franja quase tocando os olhos, com gostos e manias pra lá de peculiares e que, em um dos primeiros encontros físicos com Calvin, faz questão de apontar, com certo gozo, que ele foge completamente do tipo de homem que a atrai e que ela própria é, em suas palavras, "uma bagunça". Admitindo que esta seja uma idealização possível vinda de um homem discreto, recatado e insistentemente chamado de "gênio" pelas pessoas ao redor, o filme torna-se uma experiência extremamente compensadora que, na maior parte do tempo, utiliza muitíssimo bem o próprio conceito para estudar a condição psicológica e a personalidade de seu protagonista.

Escrito por Zoe "Ruby Sparks" Kazan (neta do cineasta Elia Kazan e filha dos roteiristas Nicholas Kazan e Robin Swicord), o roteiro apresenta Calvin como um escritor jovem e promissor que, após despontar e enriquecer com um livro de grande sucesso, encontra-se solitário e - adivinhem! - em plena crise criativa. Seguindo um exercício proposto por seu analista (Gould), o rapaz redige um conto envolvendo um princípio de romance entre seu próprio alterego e uma garota fictícia chamada Ruby Sparks - e a inesperada produtividade que o exercício acaba gerando o estimula a transformar a curta história em seu próximo livro. Todavia, como que por mágica, a garota se materializa da noite para o dia na casa do rapaz, tal qual descrita no texto e tratando Calvin como seu namorado. Porém, além de não ter consciência de sua origem, Ruby passa a exibir cada vez mais vontades próprias, o que estremece a relação e leva o controlador Calvin a eventualmente resgatar o manuscrito original e impor sobre a namorada algumas de suas próprias vontades.

Felizmente, essas intervenções ocorrem de forma moderada e sempre com alguma função narrativa, o que ajuda a afastar da mente do espectador questionamentos sobre a possibilidade de Calvin redigir coisas como "... e Ruby Sparks descobriu a cura para a AIDS" ou "... e Ruby Sparks passou a agir de modo a tornar o relacionamento com Calvin o melhor possível", conjeturas pertinentes que impossibilitariam o desenvolvimento da proposta ou levariam o longa para outros rumos. Ainda nesse sentido, a escassez e o primitivismo das modificações impostas pelo escritor são quase tão emblemáticos quanto seus resultados indesejados, ressaltando a contribuição das adversidades cotidianas para a saúde de um relacionamento e, ainda, sustentando a hipótese de que tudo aquilo pode ter sido uma grande alucinação esquizofrênica de Calvin, numa metáfora para seu amadurecimento emocional. Dessa forma, à medida que os estímulos do mundo físico tornam Ruby uma pessoa mais real (incluindo defeitos não descritos em sua concepção), a insegurança de Calvin na relação aumenta, fazendo com que ele, no auge de sua onipotência, manifeste sua imaturidade tentando eliminar suas insatisfações, ao invés de enfrentá-las ou contorná-las.

Repetindo a parceria com o casal de diretores Jonathan Dayton e Valerie Faris, Paul Dano carrega a narrativa com bastante segurança e empresta seu tipo físico nerd a um homem rabugento e inerte que, não raramente, exibe comportamentos indignos de admiração do espectador - e contribuindo para a eficiente química que o ator exibe com Zoe Kazan entra o fato de que ambos também formam um casal na vida real. A garota, vale mencionar, também se sai bem e acerta tanto ao abandonar gradativamente a excentricidade inicial de Ruby Sparks quanto na intensidade forçada que confere aos momentos em que a personagem tem suas diretrizes alteradas, enquanto Chris Messina vive de forma correta o irmão do protagonista, contrapondo bem a incredulidade inicial com palpites machistas e eventuais conselhos sinceros. Para completar, Annette Bening e Antonio Banderas, dando vida à mãe e ao padrasto de Calvin, se divertem com seus tipos hippies despojados, mesmo que suas participações não se mostrem imprescindíveis para a trama.

Retornando à direção seis longos anos após a estreia na função com o excelente Pequena Miss Sunshine, Jonathan Dayton e Valerie Faris conferem ao longa um ritmo eficiente e conseguem criar alguns simbolismos interessantes, como as teclas emperradas da máquina de escrever ou o desafio representado por uma bola de golfe envolta por grama alta instantes após Calvin tomar uma importante decisão. Por outro lado, é impossível não mencionar o absurdo ponto de virada do terceiro ato, cujos excessos (de responsabilidade compartilhada por Dayton, Faris e Kazan -  esta última como roteirista, em particular) destroem o peso dramático que a situação poderia e deveria ter. No restante do tempo, porém, a sensibilidade e a coesão do roteiro de estreia da garota revelam-se gratas surpresas - e dele ainda podemos extrair subtextos e reflexões sobre crise criativa (que tornou a concretização dessa crítica uma questão de honra) ou até mesmo sobre o poder das palavras, literalmente exercido por Calvin em sua máquina de escrever e figurativamente praticado em falas impulsivas e imprudentes como "Não preciso de mais ninguém, já que tenho você". Por fim, o design de produção acerta ao conceber a casa de Calvin como um local espaçoso (até demais, para uma pessoa sozinha) e pouco ornamentado, imprimindo bem o desinteresse e a riqueza repentina do personagem, ao passo que a boa e atípica trilha sonora consegue evocar lembranças do filme anterior da dupla de diretores, mesmo que o compositor Nick Urata não tenha trabalhado nele.

Divertido e sensível, Ruby Sparks - A Namorada Perfeita é uma comédia dramática que, com um diálogo ambíguo e emblemático, ainda é arrematada de forma satisfatória e, sobretudo, bastante otimista - o que combina muito bem com a torcida e as expectativas para as carreiras futuras de Dayton, Faris e Kazan.