
por Eduardo Monteiro

Até Que a Sorte Nos Separe, Brasil, 2012 | Duração: 1h42m18s | Lançado no Brasil em 5 de Outubro de 2012, nos cinemas | Livremente inspirado no livro "Casais Inteligentes Enriquecem Juntos", de Gustavo Cerbasi. Roteiro de Paulo Cursino e Angélica Lopes | Dirigido por Roberto Santucci | Com Leandro Hassum, Danielle Winits, Kiko Mascarenhas, Rita Elmôr, Julia Dalavia, Vitor Mayer, Aílton Graça, Julio Braga, Marcelo Saback, Carlos Bonow, Rodrigo Sant’anna, Henry Fiuka e Maurício Sherman.
Mais fácil que a fortuna que os personagens de Leandro Hassum e Danielle Winits ganharam com um bilhete de loteria premiado, só mesmo o dinheiro que Gustavo Cerbasi recebeu pelos direitos de transformar Casais Inteligentes Enriquecem Juntos em Até Que a Sorte Nos Separe. Ora, se há um modo de enriquecer que dispensa conselhos financeiros como os fornecidos pelo guia de Cerbasi é justamente ganhando uma bolada na loteria, o que me leva a crer que, caso o livro tenha realmente servido como inspiração para os roteiristas Paulo Cursino (O Diário de Tati) e Angélica Lopes, foi exclusivamente como fonte de contraexemplos - o que não diminui sua irrelevância para o desenvolvimento do roteiro, já que não é necessário o mínimo conhecimento específico para enumerar modos variados de casais burros empobrecerem juntos. E como nem para incrementar a composição do conselheiro financeiro vivido por Kiko Mascarenhas o livro se faz útil, a dúvida que paira em minha mente é uma só: para a atual fase do Zorra Total, quanto a Rede Globo estaria pagando de direitos de adaptação aos produtores de O Sequestro do Metrô 1 2 3?
No longa, Leandro Hassum sai dos humorísticos televisivos para o Cinema, mas os humorísticos não saem dele: aos berros, o comediante dá vida a Tino, um homem que, quinze anos após faturar uma centena de milhões de reais na Mega Sena, encontra-se completamente falido - e minha incredulidade quanto à velocidade com que a conta milionária é esgotada caiu por terra no instante em que sua esposa, Jane (Danielle Winits), disputando um item em um leilão com outra perua, oferece duzentas mil pratas sob a singela alegação de não ter ido "com a cara daquela velha escrota". Na verdade, testemunhando a naturalidade com que a mulher abre mão de um quinto de milhão para realizar um capricho e supondo que este valor pode representar razoavelmente bem o gasto diário médio da família, é possível concluir que a fortuna não duraria sequer dois anos - mas isso pouco importa, já que a recém descoberta gravidez de risco de Jane obriga Tino a se entregar a histrionismos diversos para impedir que as saúdes da esposa e do feto sejam comprometidas pelo choque da descoberta da falência. Desse modo, o filme se transforma na típica comédia de situações em que a exaustiva manutenção de um segredo apenas prepara o terreno para um conflito previsível e, no caso, ofensivamente absurdo - e ao invés de explicar como uma consumista compulsiva consegue ficar semanas impedida de exercer seu vício sem desconfiar de nada, o roteiro opta por gastar tempo com bobagens como detalhes da vida conjugal dos vizinhos, Amauri (Kiko Mascarenhas) e Laura (Rita Elmôr), um idoso derrotando um jovem em uma partida de tênis, a obesidade de Hassum a serviço de uma referência barata a Flashdance, um esboço de romance conturbado entre vizinhos adolescentes e - pela segunda vez na mesma semana - um personagem deslocando-se até o aeroporto no terceiro ato para impedir que eu encerre esse parágrafo com minha sanidade intacta.
Dirigido a toque de caixa por Roberto Santucci (De Pernas Pro Ar 2), Até Que a Sorte Nos Separe exala a todo momento a falta de cuidado do diretor com a decupagem: em mais de uma ocasião, por exemplo, Santucci opta por closes que, não executados in loco por falta de planejamento, resultam em uma significativa perda de resolução, que salta aos olhos. Aliás, o filme inteiro é uma enorme decepção do ponto de vista técnico: as montagens que inserem Hassum e Winits em fotos de viagens do casal são assustadoramente falsas, resquícios de blue screen transparecem no contorno dos atores em cenas que utilizam o artifício (repare nas entranhas azuladas do cabelo de Hassum durante as câmeras lentas da partida de tênis), a trilha composta pelo grupo Bandeira8 é equivocada (uma cena de separação traz acordes que mais parecem evocar reconciliação) e a fotografia de Juarez Pavelak, quando não investe em saturações óbvias para ressaltar sonhos ou fantasias, permite que diferenças gritantes na coloração persistam entre cortes (repare as constantes mudanças de tonalidade do batom e das lentes de contato da personagem de Danielle Winits dentro de uma mesma cena). Por outro lado, a direção de arte de Claudio Amaral Peixoto e Ula Schiemann é o único departamento que chega próximo da redenção ao, por exemplo, projetar o rigor e a frieza da dinâmica familiar de Amauri na decoração da residência ou nos figurinos da família.
Pra piorar, o roteiro comete o grave erro de incluir um evento de duração conhecida (a gravidez de Jane) transcorrendo ao longo da narrativa, que funciona como um referencial instintivo para acompanharmos a passagem de tempo - o que não seria um grande problema, caso Santucci tivesse competência para fazer os vários meses que se passam não soarem como apenas algumas semanas. E ainda que acerte ao introduzir o longa com uma atmosfera de comercial de margarina, simbolizando a visão romantizada que o casal possui do próprio passado, o diretor erra ao jamais desenvolver os personagens ou as situações de forma interessante, sacrificando a veracidade daquele universo em função de gags. Dessa forma, o filme espera que acreditemos que um hospital de luxo deixaria pacientes abandonados em macas nos corredores; que Jane é uma mulher humilde, após incontáveis evidências do contrário; que uma pancada causaria vermelhidão instantânea; que forjar pessoalmente o roubo do próprio cofre é menos inteligente que contratar um idiota para fazer o serviço; ou, ainda, que Tino continue a exibir um deslumbramento imaturo e uma ostentação exagerada mesmo após quinze longos anos de riqueza.
Com uma carreira cinematográfica construída em torno de participações pequenas em atrocidades colossais como Muita Calma Nessa Hora e uma porção de filmes da Xuxa, Leandro Hassum mostra-se incapaz de adequar seu tipo de humor ao Cinema e constrói o personagem sempre na base do grito, do improviso e de excessos. Mesmo assim, o talento de Hassum para a comédia é suficiente para que o humorista seja responsável pelos raros bons momentos do longa, como a cena em que Tino tenta justificar seus gastos faraônicos ou o desfecho do diálogo com uma balconista do aeroporto. Por outro lado, Danielle Winits (Odeio o Dia dos Namorados) incorpora perfeitamente bem a perua chamativa de origem humilde e tenta, em vão, escapar das arapucas do roteiro, enquanto é no mínimo curioso que Kiko Mascarenhas pareça bem mais à vontade como o travesti traficante do recente Totalmente Inocentes do que como o pai de família sistemático Amauri. Por fim, Aílton Graça interpreta o personagem mais irreal e caricato na subtrama mais absurda e desnecessária do longa, enquanto Rodrigo Sant'anna repete o mesmo perfil do pobre analfabeto que, surpreendentemente, vem lhe rendendo múltiplos quadros em programas humorísticos.
Contando ainda com uma pequena participação de Maurício Sherman (que, aos 81 anos, continua no comando do Zorra Total), Até Que a Sorte Nos Separe jamais se preocupa em detalhar a dimensão da dívida e ignora categoricamente as circunstâncias de sua quitação - o que acaba sendo um grande acerto, não por ressaltar a importância primordial dos laços familiares, mas por evitar que a tortura se prolongue por mais alguns segundos preciosos. Se tempo realmente for dinheiro, creio que sai da sessão substancialmente mais pobre.
Mais fácil que a fortuna que os personagens de Leandro Hassum e Danielle Winits ganharam com um bilhete de loteria premiado, só mesmo o dinheiro que Gustavo Cerbasi recebeu pelos direitos de transformar Casais Inteligentes Enriquecem Juntos em Até Que a Sorte Nos Separe. Ora, se há um modo de enriquecer que dispensa conselhos financeiros como os fornecidos pelo guia de Cerbasi é justamente ganhando uma bolada na loteria, o que me leva a crer que, caso o livro tenha realmente servido como inspiração para os roteiristas Paulo Cursino (O Diário de Tati) e Angélica Lopes, foi exclusivamente como fonte de contraexemplos - o que não diminui sua irrelevância para o desenvolvimento do roteiro, já que não é necessário o mínimo conhecimento específico para enumerar modos variados de casais burros empobrecerem juntos. E como nem para incrementar a composição do conselheiro financeiro vivido por Kiko Mascarenhas o livro se faz útil, a dúvida que paira em minha mente é uma só: para a atual fase do Zorra Total, quanto a Rede Globo estaria pagando de direitos de adaptação aos produtores de O Sequestro do Metrô 1 2 3?
No longa, Leandro Hassum sai dos humorísticos televisivos para o Cinema, mas os humorísticos não saem dele: aos berros, o comediante dá vida a Tino, um homem que, quinze anos após faturar uma centena de milhões de reais na Mega Sena, encontra-se completamente falido - e minha incredulidade quanto à velocidade com que a conta milionária é esgotada caiu por terra no instante em que sua esposa, Jane (Danielle Winits), disputando um item em um leilão com outra perua, oferece duzentas mil pratas sob a singela alegação de não ter ido "com a cara daquela velha escrota". Na verdade, testemunhando a naturalidade com que a mulher abre mão de um quinto de milhão para realizar um capricho e supondo que este valor pode representar razoavelmente bem o gasto diário médio da família, é possível concluir que a fortuna não duraria sequer dois anos - mas isso pouco importa, já que a recém descoberta gravidez de risco de Jane obriga Tino a se entregar a histrionismos diversos para impedir que as saúdes da esposa e do feto sejam comprometidas pelo choque da descoberta da falência. Desse modo, o filme se transforma na típica comédia de situações em que a exaustiva manutenção de um segredo apenas prepara o terreno para um conflito previsível e, no caso, ofensivamente absurdo - e ao invés de explicar como uma consumista compulsiva consegue ficar semanas impedida de exercer seu vício sem desconfiar de nada, o roteiro opta por gastar tempo com bobagens como detalhes da vida conjugal dos vizinhos, Amauri (Kiko Mascarenhas) e Laura (Rita Elmôr), um idoso derrotando um jovem em uma partida de tênis, a obesidade de Hassum a serviço de uma referência barata a Flashdance, um esboço de romance conturbado entre vizinhos adolescentes e - pela segunda vez na mesma semana - um personagem deslocando-se até o aeroporto no terceiro ato para impedir que eu encerre esse parágrafo com minha sanidade intacta.
Dirigido a toque de caixa por Roberto Santucci (De Pernas Pro Ar 2), Até Que a Sorte Nos Separe exala a todo momento a falta de cuidado do diretor com a decupagem: em mais de uma ocasião, por exemplo, Santucci opta por closes que, não executados in loco por falta de planejamento, resultam em uma significativa perda de resolução, que salta aos olhos. Aliás, o filme inteiro é uma enorme decepção do ponto de vista técnico: as montagens que inserem Hassum e Winits em fotos de viagens do casal são assustadoramente falsas, resquícios de blue screen transparecem no contorno dos atores em cenas que utilizam o artifício (repare nas entranhas azuladas do cabelo de Hassum durante as câmeras lentas da partida de tênis), a trilha composta pelo grupo Bandeira8 é equivocada (uma cena de separação traz acordes que mais parecem evocar reconciliação) e a fotografia de Juarez Pavelak, quando não investe em saturações óbvias para ressaltar sonhos ou fantasias, permite que diferenças gritantes na coloração persistam entre cortes (repare as constantes mudanças de tonalidade do batom e das lentes de contato da personagem de Danielle Winits dentro de uma mesma cena). Por outro lado, a direção de arte de Claudio Amaral Peixoto e Ula Schiemann é o único departamento que chega próximo da redenção ao, por exemplo, projetar o rigor e a frieza da dinâmica familiar de Amauri na decoração da residência ou nos figurinos da família.

Pra piorar, o roteiro comete o grave erro de incluir um evento de duração conhecida (a gravidez de Jane) transcorrendo ao longo da narrativa, que funciona como um referencial instintivo para acompanharmos a passagem de tempo - o que não seria um grande problema, caso Santucci tivesse competência para fazer os vários meses que se passam não soarem como apenas algumas semanas. E ainda que acerte ao introduzir o longa com uma atmosfera de comercial de margarina, simbolizando a visão romantizada que o casal possui do próprio passado, o diretor erra ao jamais desenvolver os personagens ou as situações de forma interessante, sacrificando a veracidade daquele universo em função de gags. Dessa forma, o filme espera que acreditemos que um hospital de luxo deixaria pacientes abandonados em macas nos corredores; que Jane é uma mulher humilde, após incontáveis evidências do contrário; que uma pancada causaria vermelhidão instantânea; que forjar pessoalmente o roubo do próprio cofre é menos inteligente que contratar um idiota para fazer o serviço; ou, ainda, que Tino continue a exibir um deslumbramento imaturo e uma ostentação exagerada mesmo após quinze longos anos de riqueza.
Com uma carreira cinematográfica construída em torno de participações pequenas em atrocidades colossais como Muita Calma Nessa Hora e uma porção de filmes da Xuxa, Leandro Hassum mostra-se incapaz de adequar seu tipo de humor ao Cinema e constrói o personagem sempre na base do grito, do improviso e de excessos. Mesmo assim, o talento de Hassum para a comédia é suficiente para que o humorista seja responsável pelos raros bons momentos do longa, como a cena em que Tino tenta justificar seus gastos faraônicos ou o desfecho do diálogo com uma balconista do aeroporto. Por outro lado, Danielle Winits (Odeio o Dia dos Namorados) incorpora perfeitamente bem a perua chamativa de origem humilde e tenta, em vão, escapar das arapucas do roteiro, enquanto é no mínimo curioso que Kiko Mascarenhas pareça bem mais à vontade como o travesti traficante do recente Totalmente Inocentes do que como o pai de família sistemático Amauri. Por fim, Aílton Graça interpreta o personagem mais irreal e caricato na subtrama mais absurda e desnecessária do longa, enquanto Rodrigo Sant'anna repete o mesmo perfil do pobre analfabeto que, surpreendentemente, vem lhe rendendo múltiplos quadros em programas humorísticos.
Contando ainda com uma pequena participação de Maurício Sherman (que, aos 81 anos, continua no comando do Zorra Total), Até Que a Sorte Nos Separe jamais se preocupa em detalhar a dimensão da dívida e ignora categoricamente as circunstâncias de sua quitação - o que acaba sendo um grande acerto, não por ressaltar a importância primordial dos laços familiares, mas por evitar que a tortura se prolongue por mais alguns segundos preciosos. Se tempo realmente for dinheiro, creio que sai da sessão substancialmente mais pobre.
