29 de outubro de 2012

Desaparecidos


Numa aproximação grosseira e bondosa, três quartos de Desaparecidos são dedicados aos personagens andando perdidos por uma floresta de Ilhabela à noite. Por essa razão, se você se interessar por botânica (e em particular pelos hábitos noturnos de plantas tropicais), há alguma chance de que o filhe lhe agrade; se seu interesse é por um suspense eficiente ou ao menos tolerável em found footage, desista e vá rever A Bruxa de Blair.

Dirigido por David Schurmann, o filme se apoia em um conceito transmídia até ambicioso, mas que jamais justifica a baixa qualidade do produto. Claramente inspirados pela publicidade do lançamento de A Bruxa de Blair, os produtores investiram em uma campanha viral, com direito a perfis falsos dos personagens em redes sociais e notícias fictícias veiculando os desaparecimentos. A ideia era levantar uma reflexão sobre a barreira entre realidade e ficção em relação ao que circula na internet; o resultado é um longo e exaustivo teste de paciência.

No filme, um grupo de jovens comparece a uma festa cujo convite é uma câmera em alta definição que, pendurada no pescoço, registra imagens em intervalos regulares - algo absolutamente irrelevante, mas que o roteiro faz questão de usar para explicar a edição do longa. Entre uma estupidez pra cá e um esquecimento de remédio de asma pra lá, os amigos se jogam em uma floresta nas redondezas, onde logo se veem perdidos e passam a ser assombrados por algum ser misterioso - e pela histeria dos jovens, a torcida é que todos morram logo. A fotografia - que aparentemente investe na técnica de noite americana para simular o período noturno - é tão cansativa quanto o roteiro, que literalmente determina, na maior parte do tempo, que os personagens permaneçam andando errantes pela floresta sem que nada aconteça.

Sem conseguir extrair qualquer tensão da situação dos personagens, Desaparecidos apenas aborrece. Pelo que parece, infelizmente, o Brasil conseguiu lançar o pior found footage já produzido.

Desaparecidos, Brasil, 2011 | Escrito por Rafael Blecher e David Schurmann | Dirigido por David Schurmann | Com Charlene Chagas, Natalia Vidal, Pedro Urizzi, André Madrini, Fernanda Peviani, Adriana Veraldi.

Triângulo do Medo


Baixo orçamento, tradução de título tendendo a genérica, lançamento direto para home video, diretor com pouca credibilidade, Melissa George como protagonista... Por tudo isso, à primeira vista, Triângulo do Medo parece um filme daqueles que merecem sumir embaixo de uma camada grossa de poeira nas prateleiras das locadoras. Entretanto, contrariando tudo isso, a complexidade instigante do roteiro e da direção do cineasta Christopher Smith transformam o filme em um dos melhores e mais subestimados thrillers dos últimos anos.

No longa, durante um passeio de veleiro, um grupo de amigos é acometido por uma inusitada e violenta tempestade, que tomba a embarcação. Pouco tempo depois, os náufragos são resgatados por um navio imponente e aparentemente deserto, onde misteriosos eventos desencadeiam um ciclo de tragédias que transformam a vida da protagonista em um verdadeiro pesadelo.

Conferindo um tom opressivo à narrativa, Smith consegue prender constantemente a atenção do público com um roteiro que jamais subestima a inteligência do espectador, levando-nos a triplicar a atenção sempre que novos elementos são apresentados. Ainda nesse sentido, o roteiro consegue reservar para o terceiro ato surpresas que conferem um viés psicológico à provação vivida pela personagem de Melissa George, encerrando o longa de forma melancólica e, sobretudo, extremamente coerente.

Uma revisão também é mais que recomendada e apenas engrandece a experiência, mesmo que alguns furos - pecadilhos perdoáveis - fiquem evidentes.

Triangle, Reino Unido/Austrália, 2009 | Escrito por Christopher Smith | Dirigido por Christopher Smith | Com Melissa George, Joshua McIvor, Jack Taylor, Liam Hemsworth, Michael Dorman, Henry Nixon, Rachael Carpani, Emma Lung.

22 de outubro de 2012

Deu a Louca nos Nazis


A premissa de Deu a Louca nos Nazis é naturalmente intrigante e divertida: derrotados na Terra, os nazistas teriam se refugiado na Lua, onde criaram uma base militar e desempenharam sua própria evolução tecnológica. Após raptarem um astronauta negro em uma missão espacial e descobrirem que um telefone celular consegue armazenar uma quantidade expressiva de energia (em relação aos parâmetros de seu robusto e atrasado aparato tecnológico), eles planejam seu triunfal retorno à Terra para coletar alguns desses aparelhos.

Infelizmente, o potencial da proposta é desperdiçado com uma narrativa desnecessariamente confusa e repleta de mudanças de foco pouco elegantes. O filme, dirigido por Timo Vuorensola, foi produzido com base em um processo colaborativo que, ao que parece, permitiu que os membros da comunidade on-line participassem tanto do angariamento de fundos quanto do desenvolvimento artistico do projeto. Talvez tenha sido essa a razão para que o resultado final não exiba o frescor que a proposta permitiria, já que, chegando à Terra, os nazistas alteram seus objetivos e se envolvem em conflitos que jamais soam suficientemente interessantes. Já na reta final, a caricatura de Sarah Palin como presidente dos Estados Unidos e a abordagem da questão energética alcançam resultados mais interessantes, apesar do desperdício de tempo com batalhas que, mesmo bem realizadas tecnicamente, soam demasiadamente genéricas e não conseguem empolgar.

O que afasta a produção do desastre, porém, é a inversão de papéis proposta pelo roteiro: moldados pela filosofia ultrapassada de seus antepassados e privados do contato com a humanidade, os jovens nazistas são apenas vítimas de alienação, no sentido mais literal que o termo pode ter (para eles, a cena do globo de O Grande Ditador é um curta em que Charles Chaplin homenagea Hitler). Dessa forma, quando alguns desses alienígenas são confrontados pela realidade terráquea, acabam impulsionados a reavaliar os próprios princípios e valores e, frente à ganância dos humanos no comando das grandes nações mundiais, acabam se tornando as verdadeiras vítimas da história. Com isso, o excepcional plano final de Deu a Louca Nos Nazis se transforma em um último lamento do espectador pelo potencial desperdiçado.

Iron Sky, Finlândia/Alemanha/Austrália, 2012 | Conceito original de Jarmo Puskala. História original de Johanna Sinisalo. Escrito por Timo Vuorensola. Roteiro de Michael Kalesniko | Dirigido por Timo Vuorensola | Com Julia Dietze, Christopher Kirby, Götz Otto, Udo Kier, Peta Sergeant, Stephanie Paul.

Os Candidatos


Os pouco mais de 20 anos de carreira do diretor Jay Roach foram dedicados essencialmente às comédias, incluindo as lucrativas franquias Austin Powers e Entrando Numa Fria. Entretanto, em 2008, Roach deu uma escapada do gênero que o lançou e encontrou tempo para dirigir, para a televisão, o drama político Recontagem - algo que voltou a fazer este ano, ao lançar Virada no Jogo. Agora, com Os Candidatos, Roach une com eficiência os dois extremos de sua carreira - a comédia e a política -, fechando seu ano com uma dobradinha curiosa.

Escrito por Chris Henchy (Os Outros Caras) e pelo estreante Shawn Harwell, o roteiro acompanha o experiente e arrogante deputado Cam Brady (Will Ferrell) tendo sua reeleição ameaçada por Marty Huggins (Galifianakis), candidato construído do zero em função de interesses obscuros de uma dupla de empresários, vividos por John Lithgow e Dan Aykroyd. Ao longo do filme, acompanhamos as estratégias e as alterações na rotina de cada um dos candidatos, com o exagero necessário para satirizar o processo eleitoral sem afrontar ou entediar o público.

Desenvolvendo o humor essencialmente em torno da demagogia dos candidados e dos absurdos ataques promovidos pelas campanhas de cada um, o filme é beneficiado pelas atuações eficazes da dupla central, que conseguem contornar o desgaste das imagens de Will Ferrel e Zach Galifianakis: enquanto o primeiro encontra-se ligeiramente mais contido que o habitual (o que já é um tremendo mérito), o segundo volta a interpretar um tipo ingênuo e afeminado, cujos comportamentos, transformações e relacionamento com a família nunca deixam de divertir.

Alfinetando certeiramente governo, religião, mídia, eleitores e grandes corporações, Os Candidatos também é capaz de extrair o riso com um humor mais escrachado: o lance envolvendo um bebê e um cachorro, por exemplo, é impagável. Além disso, a comédia de constrangimento também não é deixada de lado, como prova a hilária cena do jantar da família do personagem de Zach Galifianakis.

The Campaign, EUA, 2012 | História de Adam McKay & Chris Henchy & Shawn Harwell. Roteiro de Chris Henchy & Shawn Harwell | Dirigido por Jay Roach | Com Will Ferrell, Zach Galifianakis, Jason Sudeikis, Dylan McDermott, Katherine LaNasa, Sarah Baker, John Lithgow, Dan Aykroyd, Brian Cox, Karen Maruyama, Jack McBrayer.

20 de outubro de 2012

Crítica | Atividade Paranormal 4

Kathryn Newton em ATIVIDADE PARANORMAL 4 (Paranormal Activity 4)


Paranormal Activity 4, EUA, 2012 | Duração: 1h27m29s | Lançado no Brasil em 19 de outubro de 2012, nos cinemas | Escrito por Zack Estrin e Christopher Landon | Dirigido por Henry Joost e Ariel Schulman | Com Kathryn Newton, Brady Allen, Aiden Lovekamp, Alexondra Lee, Matt Shively, Stephen Dunham e Katie Featherston.

Pôster/capa/cartaz nacional de ATIVIDADE PARANORMAL 4 (Paranormal Activity 4)
Durante uma partida de futebol infantil apresentada nos primeiros segundos de Atividade Paranormal 4, um garoto que observa de longe a movimentação chama a atenção não só por suas roupas amarronzadas, que destoam dos uniformes coloridos das demais crianças, mas também por seu sumiço misterioso entre idas e vindas panorâmicas da câmera. A razão e as circunstâncias do desaparecimento repentino nunca são esclarecidas, mas a mensagem é clara: estamos diante de uma criança demoníaca. Mas como, afinal de contas, uma franquia iniciada de modo tão eficiente e aterrorizador com apenas duas pessoas comuns, uma câmera e sutis fenômenos misteriosos chegou ao ponto de necessitar recorrer a um dos mais batidos arquétipos do terror pra sustentar a própria existência?

Dirigido novamente por Henry Joost e Ariel Schulman (que até haviam feito um bom trabalho no filme anterior), Atividade Paranormal 4 volta a ignorar vinhetas de produtoras ou créditos iniciais e começa de forma seca relembrando brevemente o rapto do bebê Hunter pela tia possuída Katie (Katie Featherston) - algo que, de cara, diminui substancialmente uma série de mistérios da nova trama, como a identidade de uma personagem que demora a dar as caras. Em seguida, o filme avança cinco anos e nos leva ao lar de uma família da cidade de Henderson, no estado de Nevada, onde a adolescente Alex (Kathryn Newton) utiliza as webcams de todos os notebooks da casa, sem o consentimento dos familiares, para registrar os estranhos fenômenos que passam a ocorrer a partir do momento em que a família decide acolher o sinistro Robbie (Brady Allen), depois que sua mãe, recém-chegada na vizinhança, é internada por motivos de saúde desconhecidos.

Sabotado pela decisão de manter o foco de toda a franquia sob uma mesma assombração, o roteiro de Christopher Landon (Atividade Paranormal 2 e 3) não consegue criar qualquer tensão em torno do "medo do desconhecido", já que de desconhecido o demônio não tem nada: Toby (sim, sabemos até seu nome!), como já pudemos constatar, gosta de mover objetos, abrir e fechar portas, hipnotizar crianças e, desde o último filme, tem exibido uma engenhosidade admirável para uma assombração - e, não à toa, é neste exemplar que ele parece mais presente fisicamente, haja vista o número de vezes que seu vulto surge em tentativas estúpidas de susto. Entretanto, conferir tamanha lucidez a um fantasma nos leva a questionar quase involuntariamente suas ações: por que, afinal, ele se manifesta sempre tão lentamente, permitindo que suas vítimas o temam e tenham a chance de fugir? Sim, o roteiro de Landon até tenta explicar essa lentidão ao introduzir um "passo-a-passo da possessão", que tem a aceitação como fase intermediária; mas se o mesmo princípio também informa que a conclusão do ritual deve envolver o sacrifício de uma alma virginal, como explicar o desfecho do filme anterior?

E esta é apenas uma das várias perguntas sem resposta que pipocam na mente do espectador ao longo da projeção - suficientes para preencher um parágrafo inteiro. Como e com que objetivo Katie fez o que fez com Hunter após seu rapto? O que havia dentro do compartimento trancado com cadeado na casa do outro lado da rua? Qual a função do garfo diferenciado que Robbie leva consigo ao mudar-se para a casa dos vizinhos? Por que o anúncio sonoro de "porta aberta" não é acionado quando determinada pessoa entra na casa? O que realmente aconteceu com o pequeno Wyatt (Aiden Lovekamp) na banheira? Por que o garoto eleva a irmã da cama? De onde surgiram tantos... tantas... de onde vieram... o que são... digo, o que o último plano do filme quer nos dizer, sem que sejamos obrigados a assistir a Atividade Paranormal 5? E por que Alex não olha para os dois lados antes de atravessar a rua?

Aiden Lovekamp em ATIVIDADE PARANORMAL 4 (Paranormal Activity 4)

Essa última questão é mais fácil de ser respondida: incapazes de extrair uma lasca de tensão dos quase noventa minutos de projeção, Joost e Schulman são obrigados a criar pequenos sustos, que surgem ainda mais tolos que os do trabalho anterior, ainda que utilizem basicamente os mesmos princípios. Assim, além dos já mencionados vultos de Toby e aparições sinistras de Robbie, o filme tenta catapultar o espectador da poltrona através de cortes secos entre um plano mais silencioso e outro barulhento ou tolices como gatos esbarrando nas câmeras ou alguém atravessando a rua sem olhar para os dois lados. Além disso, mesmo revelando-se pouco funcional para a narrativa, a única novidade realmente interessante deste quarto filme diz respeito à iluminação de pontos projetada pelo rastreador de movimentos Kinect flagrada com a câmera no modo de visão noturna, já que o uso de webcams - apesar de razoavelmente bem explicado - revela-se problemático, por dificultar a análise constante e cuidadosa dos quadros estáticos em busca de alterações que indiquem as tais atividades do título, graças à baixa resolução das imagens - o que não chega a ser um problema, já que Joost e Schulman não criam um plano sequer que aposte em sutilezas. Por fim, o único momento em que os diretores parecem acertar de verdade é em uma divertida referência a O Iluminado, mas que também não passa disso.

Marcado ainda por atuações irregulares do elenco (a jovem Kathryn Newton está correta, a mãe vivida por Alexondra Lee surge como a mais natural e as crianças até se esforçam - em vão - para fazer seus personagens soarem reais), Atividade Paranormal 4 parece confiar tão intensamente no sucesso da própria mitologia que chega a exibir Katie Featherston andando lentamente por algum cômodo acreditando que isso, por si só, é algo suficientemente assustador. A realidade, por outro lado, é que a tensão apresentada no longa original da franquia vem decaindo juntamente com a qualidade dos roteiros, provando que Atividade Paranormal está preenchendo o vácuo deixado pelo fim (temporário, todos podemos supor) de Jogos Mortais não só com a metódica dos apressados lançamentos anuais próximos ao Halloween, mas também com o fantasma da repetição e da decadência artística que assombrava aquela franquia. E se a única fala que consegui compreender (já que a tradutora decidiu não assistir ao filme até o final dos créditos) da breve, tola e deslocada cena adicional for emblemática como parece, não nos faltam motivos para temer: "Esto es apenas el comienzo".

Katie Featherston em ATIVIDADE PARANORMAL 4 (Paranormal Activity 4)

16 de outubro de 2012

Crítica | As Vantagens de Ser Invisível

Erin Wilhelmi, Logan Lerman e Mae Whitman em AS VANTAGENS DE SER INVISÍVEL (The Perks of Being a Wallflower)

★★★★★

The Perks of Being a Wallflower, EUA, 2012 | Duração: 1h42m30s | Lançado no Brasil em 19 de outubro de 2012, nos cinemas | Escrito por Stephen Chbosky | Dirigido por Stephen Chbosky | Com Logan Lerman, Ezra Miller, Emma Watson, Mae Whitman, Nina Dobrev, Johnny Simmons, Paul Rudd, Dylan McDermott, Kate Walsh, Melanie Lynskey, Erin Wilhelmi, Adam Hagenbuch, Nicholas Braun, Reece Thompson, Tom Savini e Joan Cusack.

Pôster nacional e crítica de AS VANTAGENS DE SER INVISÍVEL (The Perks of Being a Wallflower)
16 de Outubro de 2012

Queridos amigos,

Já se vão alguns dias desde que conferi As Vantagens de Ser Invisível no cinema e ainda enfrento dificuldades de expulsá-lo de minha mente. Não se trata de um filme revolucionário e tampouco pode ser considerado original, mas algo ali, entre a força da temática e o bom desempenho do elenco, faz com que o longa se sobressaia diante de produções semelhantes.

Como comentei ao escrever sobre Griff, O Invisível, em tempos de bullying, introversão não mais implica em pouca visibilidade. Prestes a ingressar no Ensino Médio, o acanhado Charlie (Logan Lerman) não parece preocupado em esconder, ao longo da carta que escreve a um amigo (que na realidade sequer deve existir), a própria hesitação em relação aos dias de calouro que o aguardam - e o rapaz, inteligente, solitário e assombrado pelo suicídio recente do melhor amigo e por traumas obscuros do passado, logo se confirma como uma vítima fácil dos valentões do colégio. Porém, o que talvez o afaste de um esperado quadro depressivo é seu empenho tímido, mas aparentemente genuíno, de mudar a própria vida, sem o qual provavelmente não criaria as chances de conhecer e se aproximar dos meios-irmãos Sam (Emma Watson) e Patrick (Ezra Miller) e dar início a amizades capazes de redefinir sua adolescência.

Escrito e dirigido por Stephen Chbosky com base no romance homônimo de sua própria autoria, As Vantagens de Ser Invisível se vale do caráter intimista da estrutura epistolar da obra original (que reúne as tais cartas escritas pelo protagonista) para narrar de forma sensível o ano em que Charlie cria novos e importantes vínculos pessoais e se vê obrigado a enfrentar os próprios demônios. Sem uma trama muito bem definida, o longa acompanha a evolução da desenvoltura social do rapaz em casa, no colégio ou em festas e ainda encontra tempo para abordar os dramas particulares dos personagens secundários, como os percalços acadêmicos de Sam ou a rejeição que Patrick sofre por sua personalidade excêntrica e sua homossexualidade.

Liderando o elenco, Logan Lerman desponta como o grande destaque do projeto, imprimindo com admirável competência a ingenuidade e o caráter bondoso de Charlie e esbanjando expressividade em uma performance extremamente sensível - e basta observar a naturalidade e afabilidade com que o rapaz consola Patrick após certa extrapolação de intimidade deste último para perceber que Lerman é um nome a ser observado nos próximos anos. Aliás, são as sutilezas e as nuances da atuação do jovem ator que surpreendem e comprovam o pleno controle que possui sobre o personagem: a postura distante e melancólica ao longo do relacionamento com Mary Elizabeth (Mae Whitman) ou o modo ao mesmo tempo tímido e decidido como se aproxima de uma agitada pista de dança, por exemplo, são reveladores sem a necessidade de excessos.

Ezra Miller e Emma Watson em AS VANTAGENS DE SER INVISÍVEL (The Perks of Being a Wallflower)

Menos sutil, por outro lado, é o trabalho de Ezra Miller, que empresta a Patrick o desprendimento e a hiperatividade que o ator costuma exibir em entrevistas e, ainda assim, consegue se sair bem em momentos mais dramáticos e transformar o excêntrico personagem em uma figura suficientemente amigável. Por fim, é uma pena que a personagem de Emma Watson surja como a menos interessante do trio, comprometendo as oportunidades da atriz de comprovar seu talento: a única faceta de Sam que renderia um bom estudo é extremamente mal trabalhada, dando lugar a pequenos e abruptos ataques histéricos diante de certas músicas e a dois ou três conflitos inseridos como entraves óbvios à consumação do romance com Charlie.

Aliás, apesar da dificuldade de contornar diversas obviedades, o interesse de Charlie pela garota é fundamental para as discussões sobre felicidade e amor próprio que o roteiro levanta no terceiro ato, rendendo diálogos ricos e precisos. Como era de se esperar, Chbosky conhece como ninguém os personagens e seus dilemas e, felizmente, consegue transmitir a sinceridade de sua obra e conduzir com segurança o projeto que vinha idealizando há anos, embora, como diretor e roteirista, falhe ao incluir algumas passagens redundantes e, vez ou outra, executar elipses de forma relapsa, prejudicando pontualmente o ritmo. Além disso, mesmo moldando o conteúdo sob a exigência de uma classificação etária mais abrangente, o filme não deixa de tocar com franqueza nos assuntos polêmicos que levaram o livro a ser proibido em alguns lugares do mundo, como suicídio, consumo de drogas por menores ou abuso sexual.

Com uma seleção musical extremamente evocativa e um elenco de apoio que inclui nomes como Paul Rudd, Tom Savani e Joan Cusack, As Vantagens de Ser Invisível é emotivo na medida certa e traz uma história de amizade delicada e inspiradora em uma fase naturalmente dramática na vida de qualquer um - e, por isso, não é muito difícil imaginar as razões que fizeram o livro tocar intimamente tantas pessoas desde seu lançamento. Agora, o caminho está aberto para que a adaptação cinematográfica faça o mesmo.

Com amor,
Eduardo.

Logan Lerman, Ezra Miller e Emma Watson em AS VANTAGENS DE SER INVISÍVEL (The Perks of Being a Wallflower)

15 de outubro de 2012

Mais um Besteirol ao Extremo


Se não estivesse sentado durante os créditos iniciais de Mais um Besteirol ao Extremo, eu certamente teria caído para trás. Sabendo apenas se tratar de uma comédia besteirol (duh!), fui pego de surpresa quando o filme me informou que nada menos que dez roteiristas estavam envolvidos na produção. O choque, porém, logo deu lugar ao aborrecimento: a estrutura de antologia, com vários esquetes, justifica a quantidade de roteiristas, mas faz com que o filme naufrague artisticamente.

Dirigido por Adam Jay Epstein e Andrew Jacobson (Não é Mais um Besteirol Americano) e co-escrito pelos próprios e por roteiristas do Saturday Night Live e de produções para a MTV, o filme constrói pequenos esquetes que, de modo geral, fazem graça com a sexualidade de jovens estudantes do mesmo colégio de  Mike (Ryan Pinkston), que acaba se estabelecendo como protagonista. Infelizmente, a maioria delas revela-se previsível, sem graça e incompatível com a linguagem cinematográfica.

Os interlúdios com conselhos de Matthew Lillard interpretando a si mesmo, em particular, são provavelmente o que o filme possui de pior. Por outro lado, um dos primeiros esquetes consegue se sobressair e, apesar do desfecho insatisfatório, desponta como o grande destaque do longa: aos 32 anos de idade, o ator Andy Milionakis vive de forma extremamente convincente um adolescente que vive um romance com uma vagina de borracha e, após se envolver com uma garota do colégio, passa a ser vítima do ciúme obsessivo do brinquedo sexual. O caráter nonsense de opções como o zoom rápido que revela a vagina de borracha dentro de um táxi espionando um encontro entre o garoto e seu novo affair consegue arrancar boas risadas.

Extreme Movie, EUA, 2008 | Escrito por Adam Jay Epstein & Andrew Jacobson, Will Forte & John Solomon, Andy Samberg & Akiva Schaffer & Jorma Taccone, Erica Rivinoja e Phil Lord & Chris Miller | Dirigido por Adam Jay Epstein e Andrew Jacobson | Com Ryan Pinkston, Michael Cera, Frankie Muniz, Andy Milonakis, Nicholas D'Agosto, Kevin Hart, Meagen Fay, Ben Feldman e Matthew Lillard.

A Garota Morta


Três anos após encarnar a personagem-título de A Garota Morta, por ironia do destino, a atriz Brittany Murphy teve sua vida interrompida precocemente. A morbidez em torno desse fato - algo que certamente atraiu e fatalmente atrairá algum público -, porém,  não aumenta e nem diminui a eficiência do longa, que se revela um sensível estudo de personagens relacionados, de alguma forma, à morte de Krista (Brittany Murphy).

A divisão do longa em capítulos permite não só que a diretora e roteirista Karen Moncrieff estude gradualmente as circunstâncias do assassinato da garota, como também dê atenção às vidas sofridas e aos dramas particulares de cada um dos indivíduos envolvidos no caso, da mulher que encontrou o corpo ao assassino ou à médica legista, passando pela família e, claro, pela própria garota. Rodado de forma crua e intimista por Moncrieff, o filme ainda é engrandecido pelas ótimas atuações do elenco, que inclui nomes de peso como Toni Colette, Marcia Gay Harden e Josh Brolin. Em menor grau, os rostos conhecidos de Rose Byrne, James Franco e Kerry Washington facilitam a identificação do espectador com seus personagens, algo fundamental para uma antologia de histórias pequenas e corridas.

Já Brittany Murphy, cuja carreira encontrava-se rumo ao fundo do poço, exibe aqui um dos últimos respiros de talento, compondo com competência uma mulher sofrida e arruinada naquele que, possivelmente, é um dos segmentos mais fortes e melancólicos do longa. O clima de morte iminente, nesse trecho, transcende e é fortalecido pela tragédia real.

The Dead Girl, EUA, 2006 | Escrito por Karen Moncrieff | Dirigido por Karen Moncrieff | Com Brittany Murphy, Marcia Gay Harden, Rose Byrne, Toni Collette, Josh Brolin, Kerry Washington, Giovanni Ribisi, Mary Steenburgen, Bruce Davison, James Franco, Nick Searcy, Mary Beth Hurt, Piper Laurie.

8 de outubro de 2012

O Segredo


Sou um entusiasta confesso do positivismo, por razões óbvias. É natural que uma pessoa pessimista acabe abandonando atitudes que poderiam recompensá-la com coisas boas, além de criar obstáculos ou simplesmente tornar-se incapaz de identificar quando oportunidades generosas batem à porta. Também acredito que o pensamento positivo tem o poder de atrair coisas boas - e, até algum tempo atrás, julgava desnecessário ressaltar que essa crença pertence ao campo figurativo.

Eis que assisto a O Segredo e sou confrontado por uma gangue de charlatões afirmando categoricamente que essa atração possui uma base científica, obviamente incomprovada. E ainda: minha inteligência é afrontada pela afirmação de que grandes sábios da humanidade conheciam e aplicavam esse princípio e passaram séculos mantendo-o em segredo (entendeu?). Só não foram sábios o bastante (tolinhos!), claro, para evitar que, séculos depois, caísse nas mãos de... de quem mesmo?

Pouco importa, já que é necessária uma dose cavalar de ingenuidade para acreditar em pelo menos 1% do que os autores e divulgadores da chamada Lei da Atração pregam, utilizando termos físicos como "energia", "ondas" e "frequência" sem qualquer respaldo científico e jamais se preocupando em explicar, por exemplo, o que diferencia fisiologicamente um pensamento positivo de um negativo - o que seria fundamental para explicar a proposição de que um único pensamento negativo é capaz de derrubar o investimento empregado em uma longa sequência de positivos. Aliás, positivismo e negativismo não são criações da mente humana? E não cabe aí um espaço para a subjetividade, que permite que um mesmo pensamento possa ser positivo para uma pessoa e negativo para outra?

Nessas circunstâncias, os "documentaristas" recorrem a "casos verídicos" para tentar comprovar o princípio, e é aí que a coisa desanda de vez. Em um deles, um homem sorridente comenta que nunca demora mais que um par de minutos para encontrar vagas em estacionamentos, mesmo lotados. Como? Mentalizando com muito empenho. Simples assim. De dar inveja a qualquer Harry Potter. Ainda segundo o longa, pensar em dívidas apenas faz com que estas reajam como Gremlins expostos à água (e eu achando que endividamentos aconteciam quando as pessoas não pagavam suas contas!) - e o contrafeitiço para elas, vocês devem imaginar, é trivial (e não, não envolve "diminuir gastos supérfluos e trabalhar para quitá-las"). Em outro momento, alguém afirma que, se um candidato supostamente dono da preferência da minoria vence uma eleição, a responsabilidade cabe à mentalidade dos eleitores, que desejaram sua derrota com maior vigor do que aspiraram a vitória do opositor, ignorando completamente o ato em si de votar (se um candidato é a preferência da maioria, ele vencerá. Ponto).

Assassinando sem dó o livre arbítrio, O Segredo ainda ignora os conflitos que naturalmente surgiriam caso toda a população mundial aplicasse o fantasioso método: se a humanidade inteira desejasse ser rica, não haveria dinheiro suficiente para atender a todos; se duas pessoas ambicionassem um mesmo objetivo, a técnica invariavelmente falharia para (pelo menos) uma delas; desejar com muito empenho que um objeto caia para cima não alterará a força de atração exercida pela Terra, independente da intensidade de sua atividade cerebral. Com tantos furos, chega a ser até engraçadinho o esforço de criar explicações que preencham as avantajadas lacunas da teoria - em particular, quando descobrimos que não é possível precisar o tempo necessário para que as solicitações sejam realizadas, tudo fica claro: se você desejar algo e não for atendido em vida, é porque morreu antes que acontecesse. A culpa é sua, não do cosmos.

Por essas e outras, O Segredo é uma pavorosa sessão de autoajuda pra pessoas que, no fundo, precisam mesmo é da ajuda de um profissional - da psiquiatria, para ser mais exato.

The Secret, Austrália/EUA, 2006 | Conceito original de Rhonda Byrne | Dirigido por Drew Heriot, Sean Byrne, Marc Goldenfein e Damien Mclindon.

Quem Se Importa

QUEM SE IMPORTA

Poucos filmes mexeram comigo da forma que Quem Se Importa o fez. Pra início de conversa, assisti ao filme sozinho na cabine de imprensa realizada em Belo Horizonte - e, guardadas as devidas proporções, a comparação com o prestígio que Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge teve em sua sessão para a imprensa por aqui esboça um triste retrato das prioridades dos veículos em geral, contrariando de forma irônica o próprio título do documentário. Aliás, é lamentável vislumbrar a displicência dos vários veículos de comunicação que insistem em adicionar uma interrogação ao título do filme; é imperativo que ele seja afirmativo, e não interrogativo, bem como o documentário discute logo em sua introdução.

Comandado por Mara Mourão (Doutores da Alegria), Quem Se Importa apresenta, como o próprio título sugere, pessoas que se importam - em uma boa generalização - com o futuro do planeta. Eles são os chamados empreendedores sociais, pessoas que medem o sucesso pessoal com base não no acúmulo de bens, mas na importância dos benefícios que suas ações podem trazer para a sociedade. Assim, conhecemos a história de pessoas altruístas que, na maioria dos casos, enfrentaram o preconceito dos amigos e familiares e abriram mão de oportunidades financeiramente tentadoras para se dedicar a causas e grupos menos privilegiados, nos mais diversos cantos do planeta.

O resultado disso tudo é que, após uma hora e meia de projeção, saí do cinema me sentindo um inútil. O ponto comum enfatizado por todos os entrevistados é que não são necessárias grandes atitudes (como as deles, por exemplo) para promover mudanças relevantes - e preciso confessar que foram bastante convincentes. A velha máxima do "cada um deve fazer a sua parte para tornar o mundo um lugar melhor" serve como ponto de partida para uma série de exemplos verídicos que atingem o espectador acomodado como um tapa de luvas. Cinematograficamente, o filme deixa a desejar em termos de estrutura, por exemplo, que se embaralha na metade final, em particular - mas o conteúdo é poderosíssimo e deve ser reconhecidamente aplaudido.

Para completar, em um dos relatos, a descrição do projeto da entrevistada ressalta o papel do Cinema como um veículo transformador. Meu estado de espírito na saída da sessão corroborava essa teoria. Foi a cereja do bolo.

Aqueles que deixaram passar a oportunidade de ver o filme no cinema poderão conferi-lo em breve em DVD, que será lançado em 11 de outubro de 2012. Mais informações sobre o movimento ou como assistir ao filme podem ser obtidas clicando aqui.

★★★★★

Quem Se Importa, Brasil/EUA/Tanzânia/Suíça/Peru/Alemanha/Canadá, 2012 | Escrito por Mara Mourão | Dirigido por Mara Mourão.

3 de outubro de 2012

Crítica | Ruby Sparks - A Namorada Perfeita

por Eduardo Monteiro

Ruby Sparks, EUA, 2012 | Duração: 1h43m55s | Lançado no Brasil em 12 de Outubro de 2012, nos cinemas | Escrito por Zoe Kazan | Dirigido por Jonathan Dayton e Valerie Faris | Com Paul Dano, Zoe Kazan, Chris Messina, Steve Coogan, Annette Bening, Antonio Banderas, Toni Trucks, Aasif Mandvi, Alia Shawkat e Elliott Gould.

Para embarcar de cabeça em Ruby Sparks - A Namorada Perfeita, mais importante que comprar o caráter fantasioso da narrativa é aceitar que o protagonista Calvin Weir-Fields (Dano) possui um gosto, digamos, um pouco duvidoso. Afinal, quando tem a chance de fantasiar e idealizar uma mulher perfeita, o rapaz concebe Ruby Sparks (Kazan), um clichê indie de meias-calças roxas, pés levemente para dentro e franja quase tocando os olhos, com gostos e manias pra lá de peculiares e que, em um dos primeiros encontros físicos com Calvin, faz questão de apontar, com certo gozo, que ele foge completamente do tipo de homem que a atrai e que ela própria é, em suas palavras, "uma bagunça". Admitindo que esta seja uma idealização possível vinda de um homem discreto, recatado e insistentemente chamado de "gênio" pelas pessoas ao redor, o filme torna-se uma experiência extremamente compensadora que, na maior parte do tempo, utiliza muitíssimo bem o próprio conceito para estudar a condição psicológica e a personalidade de seu protagonista.

Escrito por Zoe "Ruby Sparks" Kazan (neta do cineasta Elia Kazan e filha dos roteiristas Nicholas Kazan e Robin Swicord), o roteiro apresenta Calvin como um escritor jovem e promissor que, após despontar e enriquecer com um livro de grande sucesso, encontra-se solitário e - adivinhem! - em plena crise criativa. Seguindo um exercício proposto por seu analista (Gould), o rapaz redige um conto envolvendo um princípio de romance entre seu próprio alterego e uma garota fictícia chamada Ruby Sparks - e a inesperada produtividade que o exercício acaba gerando o estimula a transformar a curta história em seu próximo livro. Todavia, como que por mágica, a garota se materializa da noite para o dia na casa do rapaz, tal qual descrita no texto e tratando Calvin como seu namorado. Porém, além de não ter consciência de sua origem, Ruby passa a exibir cada vez mais vontades próprias, o que estremece a relação e leva o controlador Calvin a eventualmente resgatar o manuscrito original e impor sobre a namorada algumas de suas próprias vontades.

Felizmente, essas intervenções ocorrem de forma moderada e sempre com alguma função narrativa, o que ajuda a afastar da mente do espectador questionamentos sobre a possibilidade de Calvin redigir coisas como "... e Ruby Sparks descobriu a cura para a AIDS" ou "... e Ruby Sparks passou a agir de modo a tornar o relacionamento com Calvin o melhor possível", conjeturas pertinentes que impossibilitariam o desenvolvimento da proposta ou levariam o longa para outros rumos. Ainda nesse sentido, a escassez e o primitivismo das modificações impostas pelo escritor são quase tão emblemáticos quanto seus resultados indesejados, ressaltando a contribuição das adversidades cotidianas para a saúde de um relacionamento e, ainda, sustentando a hipótese de que tudo aquilo pode ter sido uma grande alucinação esquizofrênica de Calvin, numa metáfora para seu amadurecimento emocional. Dessa forma, à medida que os estímulos do mundo físico tornam Ruby uma pessoa mais real (incluindo defeitos não descritos em sua concepção), a insegurança de Calvin na relação aumenta, fazendo com que ele, no auge de sua onipotência, manifeste sua imaturidade tentando eliminar suas insatisfações, ao invés de enfrentá-las ou contorná-las.

Repetindo a parceria com o casal de diretores Jonathan Dayton e Valerie Faris, Paul Dano carrega a narrativa com bastante segurança e empresta seu tipo físico nerd a um homem rabugento e inerte que, não raramente, exibe comportamentos indignos de admiração do espectador - e contribuindo para a eficiente química que o ator exibe com Zoe Kazan entra o fato de que ambos também formam um casal na vida real. A garota, vale mencionar, também se sai bem e acerta tanto ao abandonar gradativamente a excentricidade inicial de Ruby Sparks quanto na intensidade forçada que confere aos momentos em que a personagem tem suas diretrizes alteradas, enquanto Chris Messina vive de forma correta o irmão do protagonista, contrapondo bem a incredulidade inicial com palpites machistas e eventuais conselhos sinceros. Para completar, Annette Bening e Antonio Banderas, dando vida à mãe e ao padrasto de Calvin, se divertem com seus tipos hippies despojados, mesmo que suas participações não se mostrem imprescindíveis para a trama.

Retornando à direção seis longos anos após a estreia na função com o excelente Pequena Miss Sunshine, Jonathan Dayton e Valerie Faris conferem ao longa um ritmo eficiente e conseguem criar alguns simbolismos interessantes, como as teclas emperradas da máquina de escrever ou o desafio representado por uma bola de golfe envolta por grama alta instantes após Calvin tomar uma importante decisão. Por outro lado, é impossível não mencionar o absurdo ponto de virada do terceiro ato, cujos excessos (de responsabilidade compartilhada por Dayton, Faris e Kazan -  esta última como roteirista, em particular) destroem o peso dramático que a situação poderia e deveria ter. No restante do tempo, porém, a sensibilidade e a coesão do roteiro de estreia da garota revelam-se gratas surpresas - e dele ainda podemos extrair subtextos e reflexões sobre crise criativa (que tornou a concretização dessa crítica uma questão de honra) ou até mesmo sobre o poder das palavras, literalmente exercido por Calvin em sua máquina de escrever e figurativamente praticado em falas impulsivas e imprudentes como "Não preciso de mais ninguém, já que tenho você". Por fim, o design de produção acerta ao conceber a casa de Calvin como um local espaçoso (até demais, para uma pessoa sozinha) e pouco ornamentado, imprimindo bem o desinteresse e a riqueza repentina do personagem, ao passo que a boa e atípica trilha sonora consegue evocar lembranças do filme anterior da dupla de diretores, mesmo que o compositor Nick Urata não tenha trabalhado nele.

Divertido e sensível, Ruby Sparks - A Namorada Perfeita é uma comédia dramática que, com um diálogo ambíguo e emblemático, ainda é arrematada de forma satisfatória e, sobretudo, bastante otimista - o que combina muito bem com a torcida e as expectativas para as carreiras futuras de Dayton, Faris e Kazan.

2 de outubro de 2012

Crítica | Até Que a Sorte Nos Separe

Aílton Graça, Leandro Hassum e Danielle Winits em ATÉ QUE A SORTE NOS SEPARE

por Eduardo Monteiro

Até Que a Sorte Nos Separe, Brasil, 2012 | Duração: 1h42m18s | Lançado no Brasil em 5 de Outubro de 2012, nos cinemas | Livremente inspirado no livro "Casais Inteligentes Enriquecem Juntos", de Gustavo Cerbasi. Roteiro de Paulo Cursino e Angélica Lopes | Dirigido por Roberto Santucci | Com Leandro Hassum, Danielle Winits, Kiko Mascarenhas, Rita Elmôr, Julia Dalavia, Vitor Mayer, Aílton Graça, Julio Braga, Marcelo Saback, Carlos Bonow, Rodrigo Sant’anna, Henry Fiuka e Maurício Sherman.

Pôster e crítica de ATÉ QUE A SORTE NOS SEPARE
Mais fácil que a fortuna que os personagens de Leandro Hassum e Danielle Winits ganharam com um bilhete de loteria premiado, só mesmo o dinheiro que Gustavo Cerbasi recebeu pelos direitos de transformar Casais Inteligentes Enriquecem Juntos em Até Que a Sorte Nos Separe. Ora, se há um modo de enriquecer que dispensa conselhos financeiros como os fornecidos pelo guia de Cerbasi é justamente ganhando uma bolada na loteria, o que me leva a crer que, caso o livro tenha realmente servido como inspiração para os roteiristas Paulo Cursino (O Diário de Tati) e Angélica Lopes, foi exclusivamente como fonte de contraexemplos - o que não diminui sua irrelevância para o desenvolvimento do roteiro, já que não é necessário o mínimo conhecimento específico para enumerar modos variados de casais burros empobrecerem juntos. E como nem para incrementar a composição do conselheiro financeiro vivido por Kiko Mascarenhas o livro se faz útil, a dúvida que paira em minha mente é uma só: para a atual fase do Zorra Total, quanto a Rede Globo estaria pagando de direitos de adaptação aos produtores de O Sequestro do Metrô 1 2 3?

No longa, Leandro Hassum sai dos humorísticos televisivos para o Cinema, mas os humorísticos não saem dele: aos berros, o comediante dá vida a Tino, um homem que, quinze anos após faturar uma centena de milhões de reais na Mega Sena, encontra-se completamente falido - e minha incredulidade quanto à velocidade com que a conta milionária é esgotada caiu por terra no instante em que sua esposa, Jane (Danielle Winits), disputando um item em um leilão com outra perua, oferece duzentas mil pratas sob a singela alegação de não ter ido "com a cara daquela velha escrota". Na verdade, testemunhando a naturalidade com que a mulher abre mão de um quinto de milhão para realizar um capricho e supondo que este valor pode representar razoavelmente bem o gasto diário médio da família, é possível concluir que a fortuna não duraria sequer dois anos - mas isso pouco importa, já que a recém descoberta gravidez de risco de Jane obriga Tino a se entregar a histrionismos diversos para impedir que as saúdes da esposa e do feto sejam comprometidas pelo choque da descoberta da falência. Desse modo, o filme se transforma na típica comédia de situações em que a exaustiva manutenção de um segredo apenas prepara o terreno para um conflito previsível e, no caso, ofensivamente absurdo - e ao invés de explicar como uma consumista compulsiva consegue ficar semanas impedida de exercer seu vício sem desconfiar de nada, o roteiro opta por gastar tempo com bobagens como detalhes da vida conjugal dos vizinhos, Amauri (Kiko Mascarenhas) e Laura (Rita Elmôr), um idoso derrotando um jovem em uma partida de tênis, a obesidade de Hassum a serviço de uma referência barata a Flashdance, um esboço de romance conturbado entre vizinhos adolescentes e - pela segunda vez na mesma semana - um personagem deslocando-se até o aeroporto no terceiro ato para impedir que eu encerre esse parágrafo com minha sanidade intacta.

Dirigido a toque de caixa por Roberto Santucci (De Pernas Pro Ar 2), Até Que a Sorte Nos Separe exala a todo momento a falta de cuidado do diretor com a decupagem: em mais de uma ocasião, por exemplo, Santucci opta por closes que, não executados in loco por falta de planejamento, resultam em uma significativa perda de resolução, que salta aos olhos. Aliás, o filme inteiro é uma enorme decepção do ponto de vista técnico: as montagens que inserem Hassum e Winits em fotos de viagens do casal são assustadoramente falsas, resquícios de blue screen transparecem no contorno dos atores em cenas que utilizam o artifício (repare nas entranhas azuladas do cabelo de Hassum durante as câmeras lentas da partida de tênis), a trilha composta pelo grupo Bandeira8 é equivocada (uma cena de separação traz acordes que mais parecem evocar reconciliação) e a fotografia de Juarez Pavelak, quando não investe em saturações óbvias para ressaltar sonhos ou fantasias, permite que diferenças gritantes na coloração persistam entre cortes (repare as constantes mudanças de tonalidade do batom e das lentes de contato da personagem de Danielle Winits dentro de uma mesma cena). Por outro lado, a direção de arte de Claudio Amaral Peixoto e Ula Schiemann é o único departamento que chega próximo da redenção ao, por exemplo, projetar o rigor e a frieza da dinâmica familiar de Amauri na decoração da residência ou nos figurinos da família.

Kiko Mascarenhas e Leandro Hassum em ATÉ QUE A SORTE NOS SEPARE

Pra piorar, o roteiro comete o grave erro de incluir um evento de duração conhecida (a gravidez de Jane) transcorrendo ao longo da narrativa, que funciona como um referencial instintivo para acompanharmos a passagem de tempo - o que não seria um grande problema, caso Santucci tivesse competência para fazer os vários meses que se passam não soarem como apenas algumas semanas. E ainda que acerte ao introduzir o longa com uma atmosfera de comercial de margarina, simbolizando a visão romantizada que o casal possui do próprio passado, o diretor erra ao jamais desenvolver os personagens ou as situações de forma interessante, sacrificando a veracidade daquele universo em função de gags. Dessa forma, o filme espera que acreditemos que um hospital de luxo deixaria pacientes abandonados em macas nos corredores; que Jane é uma mulher humilde, após incontáveis evidências do contrário; que uma pancada causaria vermelhidão instantânea; que forjar pessoalmente o roubo do próprio cofre é menos inteligente que contratar um idiota para fazer o serviço; ou, ainda, que Tino continue a exibir um deslumbramento imaturo e uma ostentação exagerada mesmo após quinze longos anos de riqueza.

Com uma carreira cinematográfica construída em torno de participações pequenas em atrocidades colossais como Muita Calma Nessa Hora e uma porção de filmes da Xuxa, Leandro Hassum mostra-se incapaz de adequar seu tipo de humor ao Cinema e constrói o personagem sempre na base do grito, do improviso e de excessos. Mesmo assim, o talento de Hassum para a comédia é suficiente para que o humorista seja responsável pelos raros bons momentos do longa, como a cena em que Tino tenta justificar seus gastos faraônicos ou o desfecho do diálogo com uma balconista do aeroporto. Por outro lado, Danielle Winits (Odeio o Dia dos Namorados) incorpora perfeitamente bem a perua chamativa de origem humilde e tenta, em vão, escapar das arapucas do roteiro, enquanto é no mínimo curioso que Kiko Mascarenhas pareça bem mais à vontade como o travesti traficante do recente Totalmente Inocentes do que como o pai de família sistemático Amauri. Por fim, Aílton Graça interpreta o personagem mais irreal e caricato na subtrama mais absurda e desnecessária do longa, enquanto Rodrigo Sant'anna repete o mesmo perfil do pobre analfabeto que, surpreendentemente, vem lhe rendendo múltiplos quadros em programas humorísticos.

Contando ainda com uma pequena participação de Maurício Sherman (que, aos 81 anos, continua no comando do Zorra Total), Até Que a Sorte Nos Separe jamais se preocupa em detalhar a dimensão da dívida e ignora categoricamente as circunstâncias de sua quitação - o que acaba sendo um grande acerto, não por ressaltar a importância primordial dos laços familiares, mas por evitar que a tortura se prolongue por mais alguns segundos preciosos. Se tempo realmente for dinheiro, creio que sai da sessão substancialmente mais pobre.

Danielle Winits, Leandro Hassum, Henry Fiuka e Julia Dalavia em ATÉ QUE A SORTE NOS SEPARE

1 de outubro de 2012

Um Show de Verão

Angélica e Luciano Huck em UM SHOW DE VERÃO

Logo no início de Um Show de Verão, enquanto acompanhamos a protagonista Andréa (Angélica) a caminho da praia, vemos algumas imagens da apresentação de uma banda famosa, cuja inserção naquele instante jamais é explicada. Quando a mulher chega ao local, o diretor Moacyr Góes (Trair e Coçar É Só Começar) salta para outra rodinha de banhistas, onde vemos a personagem da (prestem muita atenção na descrição a seguir!) assistente de palco de Luciano Huck, Dany Bananinha, envolvida em um diálogo que começa com "Como faz para acessar o 'Oi Paquera'?" e termina com "É muito fácil! Basta pegar seu Oi, acessar o 'Menu', em seguida 'Serviços Oi' e, por fim, clicar em 'Oi Paquera'". Sim, com apenas cinco minutos de projeção, já é possível detectar o tripé que sustenta metade dos programas de entretenimento que preenchem a grade dos canais de televisão brasileiros: presença de celebridades (ou subcelebridades), apresentações musicais e intervalos comerciais - estrutura esta que é mantida até o final da projeção.

Dessa forma, o grande desafio do roteirista Flávio de Souza (parceiro de Didi e Xuxa na última década) é inventar uma trama que comporte razoavelmente bem a inclusão de trechos de apresentações de Lulu Santos, Capital Inicial, Jota Quest, Cidade Negra, Detonautas, CPM 22, MC Andinho, DJ Marlboro, Felipe Dylon, Pedro Sol, Super Fly e Gabriel, O Pensador. O resultado, claro, é absolutamente desastroso: enquanto o personagem de Luciano Huck deveria estar trabalhando para transformar a humilde Andréa em artista, o casal passa a frequentar e/ou comentar a cena musical carioca, apenas para que os interlúdios musicais pareçam ter alguma lógica interna - e a picaretagem do roteirista é tamanha que, em certo momento, a dupla vai assistir a uma apresentação de Gabriel, O Pensador em uma boate... de striptease, o que simplesmente não faz o menor sentido. Dessa forma, um filme completamente pudico consegue até mesmo glorificar um paradigma que o cinema nacional vem se esforçando cada vez mais para derrubar: o da nudez gratuita.

Pra piorar, a trama (que me recuso a descrever) é repleta de piadas ruins e datadas, como aquela envolvendo o relacionamento de Gisele Bündchen e Leonardo DiCaprio, encerrado há anos. Grosso modo, o filme pode ser considerado o último episódio da trilogia da "loirinha pobrinha que se acha talentosinha e tenta alcançar a fama", que já rendeu Lua de Cristal, estrelado pela Xuxa, e Cinderela Baiana, com Carla Perez no papel central - e por incrível que pareça, os dois primeiros conseguiram disfarçar melhor a óbvia autopromoção de suas estrelas com alguma ambição artística.


Um Show de Verão, Brasil, 2004 | Escrito por Flávio de Souza | Dirigido por Moacyr Góes | Com Angélica, Luciano Huck, Thiago Fragoso, Tonico Pereira, Márcia Cabrita, Maria Clara Gueiros, Ingrid Guimarães, Eliana Fonseca, José Mojica Marins, Serginho Hondjakoff, Debby Lagranha, Carol Castro, Letícia Colin, Lui Mendes, Cláudio Gabriel, Leon Goes, Tony Tornado, Otávio Mesquita, Marcos Mion, Dany Bananinha, Felipe Dylon, D.J. Marlboro, Dinho Ouro Preto, Gabriel O Pensador.

A Casa de Alice


Acompanhar o comportamento de uma família do subúrbio de São Paulo em sua rotina diária é o suficiente para tornar A Casa de Alice um excelente estudo de personagens. Observando de perto as pequenas ações de cada um e negando ao espectador respostas fáceis para várias dessas atitudes, o diretor e roteirista Chico Teixeira constrói personagens reais e complexos, sendo beneficiado pelas excelentes atuações do elenco, dominado por rostos pouco conhecidos e liderado pela soberba Carla Ribas. Dessa forma, logo percebemos que, apesar das ocasionais demonstrações de carinho entre seus membros, a relativa frieza e os segredos que guardam uns dos outros colocam a harmonia da casa próxima do colapso.

A ausência de trilha sonora, o grão grosso da excelente fotografia de Mauro Pinheiro Jr. e a montagem de planos longos e cortes secos de Vânia Debs conferem uma crueza que muito contribui à narrativa, mas é a construção realista e sem didatismos das relações díspares entre os familiares que impressiona. Como o título sugere, a maior parte das demandas da casa acaba passando por Alice - e, talvez por isso, o final pareça um pouco abrupto, já que, apesar de propositalmente inconclusivo, encerra de forma melancólica o arco da personagem central, mas não finaliza de forma tão satisfatória os dos demais.

A Casa de Alice, Brasil, 2007 | Escrito por Chico Teixeira | Dirigido por Chico Teixeira | Com Carla Ribas, Berta Zemel, Vinicius Zinn, Ricardo Vilaça, Felipe Massuia, Zé Carlos Machado, Renata Zhaneta e Luciano Quirino.