7 de setembro de 2012

Crítica | O Legado Bourne

por Eduardo Monteiro

The Bourne Legacy, EUA, 2012 | Duração: 2h14m53s | Lançado no Brasil em 7 de Setembro de 2012, nos cinemas | Escrito por Tony Gilroy. Roteiro de Tony Gilroy e Dan Gilroy | Dirigido por Tony Gilroy | Com Jeremy Renner, Rachel Weisz, Edward Norton, Oscar Isaac, Donna Murphy, Michael Chernus, Stacy Keach, Zeljko Ivanek, Scott Glenn, Paddy Considine, Albert Finney, David Strathairn e Joan Allen.

Nos meados da década passada, a trilogia estrelada por Matt Damon no papel do espião desmemoriado Jason Bourne tornou-se uma referência para as novas produções de ação e espionagem, compensando a repetição da própria fórmula com conflitos plausíveis conduzidos de forma segura e conseguindo construir um arco geral coeso sem a necessidade de encerrar os episódios com ganchos forçados ou assuntos importantes inacabados. Por tudo isso, é frustrante constatar que o legado mencionado no título deste novo exemplar diga mais respeito ao simples resgate do universo criado pela trilogia inicial do que à reprise de seus acertos, já que a ligeira reformulação é equivocada e não consegue dar início a uma nova fase da franquia sem desrespeitar o espectador.

Dirigido por Tony Gilroy (único roteirista envolvido nos quatro longas) e escrito em parceria com seu irmão Dan, O Legado Bourne traz o coronel reformado Eric Byer (Norton) colhendo os frutos da exposição pública de escusos programas da CIA (Treadstone e Blackbriar) promovida por Jason Bourne no final de O Ultimato Bourne. Temendo que as investigações alcancem proporções catastróficas, Byer ordena que o programa de aperfeiçoamento genético Outcome seja desmantelado e que todos os envolvidos no projeto sejam executados, de modo a eliminar qualquer rastro que leve à divulgação de suas atividades ilegais. Entretanto, o agente Aaron Cross (Renner) consegue sobreviver ao atentado contra seu posto de treinamento no Alasca e se transforma em um verdadeiro estorvo para a equipe de Byer, especialmente depois que salva a vida e auxilia a fuga de uma das principais cientistas envolvidas no programa, a Dra. Marta Shearing (Weisz).

Tentando emular de forma embaraçosa características marcantes dos filmes anteriores desde seu plano inicial, O Legado Bourne lança seu protagonista em um contexto essencialmente distinto daquele vivenciado pelo personagem de Matt Damon: ciente de sua própria identidade, Cross não parece minimamente interessado em descobrir as razões da perseguição promovida pela agência ou em acuar os responsáveis, limitando-se a buscar compensações medicinais por razões que jamais ficam completamente claras (a interrupção do consumo dos comprimidos do programa causaria algum tipo de efeito colateral grave?). Por isso, são tolas as tentativas de reprisar alguns traços de personalidade de Bourne (como sua compaixão por crianças, vista no momento em que Aaron aborta um disparo a um lobo com filhotes durante uma caça), enquanto os lapsos de memória que surgem a partir de certa altura da projeção constituem uma verdadeira afronta ao espectador, já que carecem de função narrativa e seus fundamentos são deixados para serem explorados em uma possível continuação. Para completar, o roteiro falha ao estabelecer um objetivo central pobre, insípido e, de certa forma, alheio às motivações dos vilões, tornando anticlimática sua resolução e dando abertura para um desfecho abrupto.

Para piorar, o roteiro dos irmãos Gilroy parece julgar que o espectador é tão estúpido quanto seus personagens - e apenas para introduzir a discussão, vale apontar que em certo instante somos obrigados a acreditar que um percurso possivelmente extenso percorrido por Aaron e Marta é facilmente remontado com o auxílio de cães farejadores. Reforçando seu talento para encarnar tipos durões (de Guerra ao Terror e Atração Perigosa a Missão: Impossível 4 e Os Vingadores), Jeremy Renner confere a Aaron Cross boas doses energia e destreza que, ainda assim, não compensam sua duvidosa perspicácia: ao mesmo tempo em que somos surpreendidos por sua habilidade de improvisar um bloqueio para o sinal de um rastreador localizado em seu quadril, questionamos a funcionalidade do artefato caso o personagem gire em torno do próprio eixo, da mesma forma que é no mínimo curioso que um sujeito capaz de escutar a aproximação de um míssil em meio a uma nevasca não consiga notar que uma tocaia esteja sendo montada em torno de sua estalagem (sua suposta debilitação física no momento, claro, não é justificativa, como a fuga consequente comprova), necessitando que a personagem de Weisz o alerte com um berro que compromete definitivamente qualquer disfarce que ainda pudesse existir.

A personagem Marta, vale ressaltar, surge como um acerto quase involuntário: vivida pela bela Rachel Weisz, a doutora se comporta em boa parte do tempo como uma legítima civil lançada inadvertidamente em um filme de ação, sentindo dor ao levar pancadas, agindo de forma estúpida diante de circunstâncias perigosas e, claro, atrapalhando frequentemente o protagonista - e fica evidente que os dois formam um belo casal de idiotas quando, após infiltrarem-se em um laboratório em busca exclusivamente de uma injeção, Shearing e Cross optam por permanecer ali mesmo depois da aplicação, tornando-se naturalmente vítimas fáceis. Por fim, o excelente Edward Norton é desperdiçado com um personagem que, antes de ser categoricamente ignorado próximo ao desfecho, limita-se a reencenar a postura impiedosa de Noah Vosen em O Ultimato Bourne (nos demais filmes, os antagonistas ainda se preocupavam em criar desculpas para disfarçar suas motivações pessoais), ordenando assassinatos a uma equipe cuja incompetência ele faz questão de ressaltar sempre que necessário. Por fim, as pontas de Joan Allen e David Strathairn apenas reforçam a ambição dos produtores de criar a todo custo um contexto que possibilite mais continuações.

Trabalhando pela terceira vez na direção, Tony Gilroy (Conduta de Risco, Duplicidade) comanda um primeiro ato truncado, que parece não sair do lugar (nem a insossa sequência envolvendo caças teleguiados se salva), apenas para, mas adiante, criar bons momentos mesmo quando as circunstâncias não ficam exatamente claras, como a tensa cena do atentado em um laboratório (com uma atmosfera que evoca tragédias como a de Columbine ou Aurora). Livre de maiores exercícios estilísticos (o curioso plano que acompanha a ágil escalada de Aaron pela fachada de uma casa é o máximo que o diretor se arrisca a fazer), Gilroy compensa seus equívocos como roteirista com uma condução suficientemente competente da narrativa, incluindo as sequências de ação - e nem a montagem entrecortada de John Gilroy (também irmão de Tony e Dan) chega a comprometer a longa e eficiente sequência de perseguição final (mesmo reciclando uma infinidade de ideias usadas na trilogia inicial), cujo maior problema reside em não soar como derradeira de fato.

Longo demais para história de menos, O Legado Bourne ainda se sujeita a introduzir personagens que jamais dizem a que vieram e ignora completamente os diversos interesses externos que naturalmente surgiriam graças à eficácia cientificamente comprovada dos comprimidos do programa Outcome, ainda que o aperfeiçoamento da inteligência de suas cobaias, em especial, seja bastante questionável. Se uma continuação for mesmo acontecer, que os produtores tomem algumas das pílulas azuis para aperfeiçoar suas ideias ou que desenvolvam e ofereçam ao público um comprimido de esquecimento - se este efeito, claro, não acabar surgindo naturalmente com o tempo.