30 de setembro de 2012

Crítica | Hotel Transilvânia

por Eduardo Monteiro


Hotel Transylvania, EUA, 2012 | Duração: 1h31m22s | Lançado no Brasil em 5 de Outubro de 2012, nos cinemas | História de Todd Durham e Dan Hageman & Kevin Hageman. Roteiro de Peter Baynham e Robert Smigel | Dirigido por Genndy Tartakovsky | Com as vozes de Adam Sandler, Andy Samberg, Selena Gomez, Kevin James, Fran Drescher, Steve Buscemi, Molly Shannon, David Spade, CeeLo Green, Jon Lovitz, Brian George e Luenell.

Em certo momento de Hotel Transilvânia, o jovem humano Jonathan (Samberg), infiltrado na hospedaria exclusiva para monstros sob o disfarce de primo distante de Frankenstein (James), é desafiado a assustar outro personagem para provar sua monstruosidade. A ideia, claro, seria perfeitamente aceitável e coerente, caso o roteiro não tivesse desenvolvido até então uma inversão na perspectiva sobre a natureza dos monstros: no filme, eles são vistos como seres amigáveis, injustiçados e incompreendidos, que rejeitam e, principalmente, temem os humanos. Sim, o roteiro sugere que assustar também é uma vocação de monstros, mas isso apenas aumenta a incoerência: toda a desmistificação criada em torno de vampiros ou zumbis, por exemplo, cai por terra (a perseguição por parte dos humanos faria sentido e não consistiria mais em uma injustiça) e, se a tarefa de assustar puder caracterizar ambos, o teste mencionado no início desse parágrafo perde completamente o sentido.

E essa é apenas uma das várias incoerências que o roteiro, escrito por meia dezena de pessoas, se propõe a sustentar para que o esboço de trama se prolongue até um desfecho que - pasmem! - envolve a corrida de um personagem rumo ao aeroporto para impedir a partida de alguém. Antes que o clichê dos clichês ganhe tela, porém, vemos Drácula (Sandler) recebendo seus amigos monstros para uma estadia no Hotel Transilvânia, a fim de comemorar os 118 anos de sua única filha, Mavis (Gomez). Em meio à histeria do check-in, o vampiro se dá conta de que o mochileiro humano Jonathan conseguiu descobrir a localização do castelo e adentrar na propriedade - e para evitar o descontentamento dos hóspedes, o garoto é submetido a um disfarce de monstro, que Drácula se desdobra para tornar convincente. Paralelamente, o vampiro permite que a filha explore as redondezas da propriedade, mas secretamente arma um plano para que a garota nunca mais deseje sair do castelo. Além disso, as atividades propostas pelo inquieto humano acabam agradando mais que a programação planejada pelo anfitrião, ferindo seu orgulho.

Pra início de conversa, vale apontar que é no mínimo curioso que um filme que alfineta Crepúsculo ouse repetir um de seus grandes problemas: bem como Edward Cullen, Mavis é uma vampira centenária com a personalidade de uma adolescente, algo que não faz o menor sentido e tampouco é engraçado. E nem mesmo o tom despretensioso de paródia diminui a ineficácia da infinidade de decisões ruins como essa: será que os roteiristas esperam mesmo que aceitemos de bom grado que, com apenas o olfato, uma lobinha consiga descrever detalhadamente o percurso que certo personagem percorreu de um ponto em diante? Aliás, o roteiro exibe uma inclinação descomunal para piadas nonsense ruins: o homem invisível, por exemplo, gera uma única piada que, com roupagens ligeiramente diferentes, é repetida exaustivamente ao longo da projeção - e a participação do monstro em um jogo de mímica ou sua nudez são mais imbecis em sua falta de lógica do que engraçadas. Ainda nesse sentido, os roteiristas parecem sempre dispostos a usar a liberdade criativa oriunda da abordagem fantasiosa da forma que lhes for conveniente - e tão questionável quanto a necessidade de conferir vida até às mesas do salão de festas é o fato de Mavis conseguir enxergar o nascer-do-sol mesmo estando posicionada atrás de um anteparo que a protege justamente dos raios solares, o que fere leis básicas da ótica.

O pior, porém, é a falta de foco do roteiro: em um primeiro momento, o longa parece disposto a explorar a relação entre Drácula e Mavis, mas o assunto é engavetado quando a histeria excessiva dos monstros ou a presença indesejada de Jonathan no castelo se tornam o centro da narrativa e passam a tomar um enorme tempo de tela, sem contribuir para o andamento do longa. Em meio a uma ampla galeria de personagens cuja única função é fazer uma gracinha atrás da outra, o jovem humano recebe maior destaque sem jamais dizer a que veio e tem sua estadia na estalagem estendida sem qualquer razão aparente - a não ser, é claro, para ser usado como motivador dos conflitos centrais do filme posteriormente. Para completar, o contato dos monstros com um grupo maior de humanos é apressado, desajeitado e, por isso mesmo, decepcionante, enquanto a decisão batida de encerrar o longa com um número musical é uma clara estratégia para atrair a massiva legião de fãs de Selena Gomez, dubladora na versão original de Mavis.

Tecnicamente, por outro lado, o filme não deixa a desejar: a animação é bem realizada, os personagens possuem traços adequados ao público infantil, os detalhes da adaptação do hotel para o universo dos monstros eventualmente divertem e o 3D não chama atenção e nem distrai, o que pode ser considerado um mérito. Já a dublagem da versão nacional consegue causar alguns incômodos maiores: regionalismos como sotaques nordestino e paulistano ou a menção a um festival sertanejo, bem como a substituição do termo interno "zing" por "tchan", não caem bem e surgem como distrações desnecessárias. Além disso, enquanto a voz brasileira de Jonathan parece mais apropriada à jovialidade do personagem que a original de Andy Samberg, a escalação do dublador oficial de Adam Sandler (e também de Ben Stiller) para Drácula, apesar de instintiva, não é exatamente apropriada, já que a composição vocal de Alexandre Moreno parece se distanciar significativamente daquela feita originalmente por Sandler.

Dirigido pelo russo Genndy Tartakovsky (de animações do Cartoon Network) e produzido por Adam Sandler - que traz para o projeto parceiros como o roteirista Robert Smigel (Zohan - O Agente Bom de Corte) ou os atores Kevin James, David Spade, Steve Buscemi e Andy Samberg (com quem Sandler contracenou em Este é o Meu Garoto, cujo lançamento nos cinemas brasileiros foi cancelado) -, Hotel Transilvânia consegue desperdiçar a reunião de monstros clássicos e mancha a filmografia recente da Sony Pictures Animation (de Piratas Pirados! e Operação Presente). A decepção é grande, mas o susto não: se há algo que definitivamente não consegue causar assombro em mais ninguém é o insucesso de um filme com o dedo de Sandler.