30 de setembro de 2012

Crítica | Hotel Transilvânia

por Eduardo Monteiro


Hotel Transylvania, EUA, 2012 | Duração: 1h31m22s | Lançado no Brasil em 5 de Outubro de 2012, nos cinemas | História de Todd Durham e Dan Hageman & Kevin Hageman. Roteiro de Peter Baynham e Robert Smigel | Dirigido por Genndy Tartakovsky | Com as vozes de Adam Sandler, Andy Samberg, Selena Gomez, Kevin James, Fran Drescher, Steve Buscemi, Molly Shannon, David Spade, CeeLo Green, Jon Lovitz, Brian George e Luenell.

Em certo momento de Hotel Transilvânia, o jovem humano Jonathan (Samberg), infiltrado na hospedaria exclusiva para monstros sob o disfarce de primo distante de Frankenstein (James), é desafiado a assustar outro personagem para provar sua monstruosidade. A ideia, claro, seria perfeitamente aceitável e coerente, caso o roteiro não tivesse desenvolvido até então uma inversão na perspectiva sobre a natureza dos monstros: no filme, eles são vistos como seres amigáveis, injustiçados e incompreendidos, que rejeitam e, principalmente, temem os humanos. Sim, o roteiro sugere que assustar também é uma vocação de monstros, mas isso apenas aumenta a incoerência: toda a desmistificação criada em torno de vampiros ou zumbis, por exemplo, cai por terra (a perseguição por parte dos humanos faria sentido e não consistiria mais em uma injustiça) e, se a tarefa de assustar puder caracterizar ambos, o teste mencionado no início desse parágrafo perde completamente o sentido.

E essa é apenas uma das várias incoerências que o roteiro, escrito por meia dezena de pessoas, se propõe a sustentar para que o esboço de trama se prolongue até um desfecho que - pasmem! - envolve a corrida de um personagem rumo ao aeroporto para impedir a partida de alguém. Antes que o clichê dos clichês ganhe tela, porém, vemos Drácula (Sandler) recebendo seus amigos monstros para uma estadia no Hotel Transilvânia, a fim de comemorar os 118 anos de sua única filha, Mavis (Gomez). Em meio à histeria do check-in, o vampiro se dá conta de que o mochileiro humano Jonathan conseguiu descobrir a localização do castelo e adentrar na propriedade - e para evitar o descontentamento dos hóspedes, o garoto é submetido a um disfarce de monstro, que Drácula se desdobra para tornar convincente. Paralelamente, o vampiro permite que a filha explore as redondezas da propriedade, mas secretamente arma um plano para que a garota nunca mais deseje sair do castelo. Além disso, as atividades propostas pelo inquieto humano acabam agradando mais que a programação planejada pelo anfitrião, ferindo seu orgulho.

Pra início de conversa, vale apontar que é no mínimo curioso que um filme que alfineta Crepúsculo ouse repetir um de seus grandes problemas: bem como Edward Cullen, Mavis é uma vampira centenária com a personalidade de uma adolescente, algo que não faz o menor sentido e tampouco é engraçado. E nem mesmo o tom despretensioso de paródia diminui a ineficácia da infinidade de decisões ruins como essa: será que os roteiristas esperam mesmo que aceitemos de bom grado que, com apenas o olfato, uma lobinha consiga descrever detalhadamente o percurso que certo personagem percorreu de um ponto em diante? Aliás, o roteiro exibe uma inclinação descomunal para piadas nonsense ruins: o homem invisível, por exemplo, gera uma única piada que, com roupagens ligeiramente diferentes, é repetida exaustivamente ao longo da projeção - e a participação do monstro em um jogo de mímica ou sua nudez são mais imbecis em sua falta de lógica do que engraçadas. Ainda nesse sentido, os roteiristas parecem sempre dispostos a usar a liberdade criativa oriunda da abordagem fantasiosa da forma que lhes for conveniente - e tão questionável quanto a necessidade de conferir vida até às mesas do salão de festas é o fato de Mavis conseguir enxergar o nascer-do-sol mesmo estando posicionada atrás de um anteparo que a protege justamente dos raios solares, o que fere leis básicas da ótica.

O pior, porém, é a falta de foco do roteiro: em um primeiro momento, o longa parece disposto a explorar a relação entre Drácula e Mavis, mas o assunto é engavetado quando a histeria excessiva dos monstros ou a presença indesejada de Jonathan no castelo se tornam o centro da narrativa e passam a tomar um enorme tempo de tela, sem contribuir para o andamento do longa. Em meio a uma ampla galeria de personagens cuja única função é fazer uma gracinha atrás da outra, o jovem humano recebe maior destaque sem jamais dizer a que veio e tem sua estadia na estalagem estendida sem qualquer razão aparente - a não ser, é claro, para ser usado como motivador dos conflitos centrais do filme posteriormente. Para completar, o contato dos monstros com um grupo maior de humanos é apressado, desajeitado e, por isso mesmo, decepcionante, enquanto a decisão batida de encerrar o longa com um número musical é uma clara estratégia para atrair a massiva legião de fãs de Selena Gomez, dubladora na versão original de Mavis.

Tecnicamente, por outro lado, o filme não deixa a desejar: a animação é bem realizada, os personagens possuem traços adequados ao público infantil, os detalhes da adaptação do hotel para o universo dos monstros eventualmente divertem e o 3D não chama atenção e nem distrai, o que pode ser considerado um mérito. Já a dublagem da versão nacional consegue causar alguns incômodos maiores: regionalismos como sotaques nordestino e paulistano ou a menção a um festival sertanejo, bem como a substituição do termo interno "zing" por "tchan", não caem bem e surgem como distrações desnecessárias. Além disso, enquanto a voz brasileira de Jonathan parece mais apropriada à jovialidade do personagem que a original de Andy Samberg, a escalação do dublador oficial de Adam Sandler (e também de Ben Stiller) para Drácula, apesar de instintiva, não é exatamente apropriada, já que a composição vocal de Alexandre Moreno parece se distanciar significativamente daquela feita originalmente por Sandler.

Dirigido pelo russo Genndy Tartakovsky (de animações do Cartoon Network) e produzido por Adam Sandler - que traz para o projeto parceiros como o roteirista Robert Smigel (Zohan - O Agente Bom de Corte) ou os atores Kevin James, David Spade, Steve Buscemi e Andy Samberg (com quem Sandler contracenou em Este é o Meu Garoto, cujo lançamento nos cinemas brasileiros foi cancelado) -, Hotel Transilvânia consegue desperdiçar a reunião de monstros clássicos e mancha a filmografia recente da Sony Pictures Animation (de Piratas Pirados! e Operação Presente). A decepção é grande, mas o susto não: se há algo que definitivamente não consegue causar assombro em mais ninguém é o insucesso de um filme com o dedo de Sandler.

24 de setembro de 2012

Poder Paranormal


Com um grupo de personagens reunidos em torno de uma mesa para uma farsesca sessão mediúnica, Poder Paranormal tem início estabelecendo de imediato afinidade temática direta com o recente terror britânico O Despertar, que também era introduzido com uma sequência desse tipo e cuja protagonista, assim como os pesquisadores Margaret Matheson (Sigourney Weaver) e Tom Buckley (Cillian Murphy), tentava provar ao mundo a inexistência de fenômenos paranormais em meio a eventos de difícil explicação. Entretanto, havia uma boa razão para que aquele filme fosse ambientado na década de 20 do século passado: limitações tecnológicas da época dificultavam a tarefa da personagem de Rebecca Hall de provar sua tese tanto aos parceiros de cena quanto ao público, o que permitia que a real natureza dos misteriosos eventos que a cercavam permanecesse em aberto por um tempo maior. Assim, o único modo encontrado pelo diretor e roteirista espanhol Rodrigo Cortés de manter esse suspense ao transferir o conceito para os dias atuais é concebendo um mundo cujos melhores e mais bem preparados cientistas são seres humanos burros como portas.

Desse modo, quando são escalados para testar em um ambiente controlado os supostos poderes do médium Simon Silver (Robert De Niro), os especialistas adotam posturas assustadoramente negligentes e optam por experimentos simples que, rapidamente, revelam-se inconclusivos. Por que eles não realizam logo testes infalíveis, investigando, por exemplo, o poder telecinético que Silver exibe sem qualquer pudor em uma de suas apresentações? A explicação, claro, é que a conclusão encerraria o mistério em um momento anterior à vontade de Cortés; a lógica, nesse caso, é jogada para segundo plano. Ainda nesse sentido, um truque envolvendo um relógio de ponteiros capaz de enganar pessoas supostamente inteligentíssimas despertou em mim recordações do tempo de escola, quando colegas usavam o mesmo princípio como método infalível de cola e, a certa altura, meros professores de ensino médio foram capazes de desvendar e erradicar o comportamento.

É uma pena que o resultado final seja tão irregular e cheio de furos, já que Cortés parecia promissor no ótimo Enterrado Vivo e a primeira metade de Poder Paranormal até consegue desenvolver ideias interessantes - mas a partir do momento em que certo(a) personagem sai de cena (algo que poderia ser antecipado com base na estranha relação entre sua importância para a trama e a posição que seu(sua) intérprete ocupa na listagem do elenco), o filme finalmente se assume como um terror literal em que sustos e outras bizarrices se sucedem sustentados por uma explicação final furada que, de tão pouco instintiva, precisa ser narrada em off. A cereja do bolo, entretanto, fica por conta do plano extra incluído ao final dos créditos, que merece reconhecimento pela ousadia de recompensar o investimento de tempo, dinheiro e paciência do espectador com uma imagem aleatória e alheia a tudo que o filme havia apresentado.

Red Lights, Espanha/EUA, 2012 | Roteiro de Rodrigo Cortés | Dirigido por Rodrigo Cortés | Com Cillian Murphy, Sigourney Weaver, Robert De Niro, Toby Jones, Joely Richardson, Elizabeth Olsen, Craig Roberts.

Tucker & Dale Contra o Mal


Os momentos iniciais de Tucker & Dale Contra o Mal parecem apontar para uma direção bem clara: quando um grupo de amigos jovens e bonitos, a caminho de um acampamento de férias, para em um posto de combustível mal conservado e repleto de frequentadores estranhos e ansiosos - incluindo uma dupla de caipiras carregando seu veículo com ferramentas potencialmente perigosas como barras de ferro, alicates, pás e uma serra elétrica -, passamos a nos preparar para uma série de mortes violentas ancorando um terror típico. Em partes, essa suposição mostra-se correta: de fato, o grupo de jovens diminui gradativamente em generosos banhos de sangue, mas o filme não é um terror, tampouco um exemplar típico. Isso ocorre porque o diretor e roteirista Eli Craig (esta última tarefa, compartilhada com Morgan Jurgenson) inverte a perspectiva tradicional e nos leva ao ponto de vista dos supostos antagonistas, os caipiras Tucker (Tudyk) e Dale (Labine), que de ameaçadores não possuem nada.

Assim, Tucker & Dale Contra o Mal se revela uma hilária e surpreendente sátira a filmes de terror, baseando-se nas hipóteses de que os grandes vilões do gênero poderiam ser, em uma divertida extrapolação, indivíduos incompreendidos ou injustiçados e que os mocinhos e as mocinhas poderiam ser os grandes responsáveis pela criação de um contexto aterrorizador, simplesmente por... assistirem a filmes de terror demais.

Infelizmente, o longa não consegue manter o frescor da sátira até o fim, necessitando que as 'mortes acidentais que devem parecer assassinato' tornem-se excessivamente engenhosas ou exageradamente absurdas. Ainda assim, Craig e Jurgenson surpreendem pela ampla variedade de clichês que conseguem desconstruir - e até mesmo quando o mal entendido parece desfeito, os roteiristas conseguem dar seguimento à narrativa graças a uma explicação científica possível (mas, claro, errônea) levantada por uma das personagens.

Por tudo isso, Tucker & Dale Contra o Mal (junto com O Segredo da Cabana) representa uma das melhores brincadeiras com o gênero terror feita nos últimos tempos. Felizes dos cinéfilos que tiverem a chance de conferir ambos ainda esse ano.

Tucker & Dale vs. Evil, Canadá/EUA, 2010 | Escrito por Eli Craig & Morgan Jurgenson | Dirigido por Eli Craig | Com Alan Tudyk, Tyler Labine, Katrina Bowden, Jesse Moss, Philip Granger, Brandon McLaren, Christie Laing, Chelan Simmons, Travis Nelson, Alex Arsenault, Adam Beauchesne, Joseph Sutherland.

20 de setembro de 2012

Crítica | Ted

por Eduardo Monteiro

Ted, EUA, 2012 | Duração: 1h45m52s | Lançado no Brasil em 21 de Setembro de 2012, nos cinemas | História de Seth MacFarlane. Roteiro de Seth MacFarlane & Alec Sulkin & Wellesley Wild | Dirigido por Seth MacFarlane | Com Mark Wahlberg, Mila Kunis, Joel McHale, Giovanni Ribisi, Patrick Warburton, Matt Walsh, Bill Smitrovich, Aedin Mincks, Sam J. Jones, Norah Jones, Alex Borstein, Tom Skerritt, Ryan Reynolds e as vozes de Patrick Stewart e Seth MacFarlane.

Com tudo o que é apresentado nos 20 primeiros minutos de Ted, é perfeitamente possível antecipar com precisão as várias etapas do desenrolar da narrativa até que esta chegue a seu desfecho. Entretanto, o que nos leva a relevar a previsibilidade do roteiro e diferencia Ted de 90% das comédias despejadas semanalmente nos cinemas é o humor tipicamente ácido de Seth MacFarlane, que, em sua estreia no Cinema, reafirma o talento para a comédia adulta e escrachada que o roteirista, diretor, animador e dublador já havia demonstrado em Uma Família da Pesada, série animada que o alçou à fama e o transformou no roteirista de televisão mais bem pago dos Estados Unidos.

No filme, escrito pelo próprio MacFarlane juntamente com Alec Sulkin e Wellesley Wild (parceiros oriundos da tevê), John (Wahlberg) é um homem que, estagnado em um emprego ordinário e pressionado por sua bela namorada Lori (Kunis), precisa superar o bromance que vive com o amigo de infância e urso de pelúcia Ted (MacFarlane) - e a imaturidade de John, evidente em sua dificuldade crônica de acatar o pedido de Lori, é enfatizada de forma curiosa pelo fato quase alegórico de que seu colega de apartamento nada mais é que um brinquedo para crianças. Dessa forma, Ted é obrigado a procurar um emprego e um lugar para morar sozinho, tendo sua segurança eventualmente comprometida por um homem aparentemente instável (Ribisi) que demonstra um interesse obsessivo de presentear o filho com o urso de pelúcia falante.

Criado com o uso de computação gráfica, o personagem-título é uma criatura suficientemente convincente na maior parte do tempo (a cena em que Ted e John se estapeiam, mesmo absurda e abusando da sonoplastia, é um bom exemplo da eficácia do trabalho dos animadores) e, tirando a ligeira incompatibilidade entre sua boca e a ótima dublagem de MacFarlane, o boneco exibe movimentação e expressividade mais que apropriadas às exigências do personagem. Além disso, a gravação "Eu te amo!", que Ted repete involuntariamente sempre que comprimido, é uma ótima sacada e complementa maravilhosamente bem a composição do personagem, encaixando-se perfeitamente nos dois momentos distintos em que a fala surge durante a fase adulta de Ted e configurando seu apreço pelo dono (ou amigo, no caso) em um elemento quase intrínseco à sua personalidade (remetendo à vocação de entreter crianças exaltada pelos brinquedos de Toy Story).

Voltando a usar uma mente adulta presa em um corpo estranho como fonte de humor (o cachorro Brian e o bebê Stewie, de Uma Família da Pesada, valiam-se do mesmo princípio), os roteiristas preenchem o filme com uma série de piadas baseadas essencialmente na personalidade escrachada e na natureza inusitada de Ted, dos entraves que o personagem enfrenta como motorista às cartas atrevidas que diz ter enviado ao fabricante com reivindicações anatômicas. E se aceitamos que o ursinho consome e é afetado por drogas, satisfaz sexualmente mulheres e, eventualmente, se fere graças a rasgos ou arranhões, é porque o filme jamais tenta detalhar as regras que regem sua vida, um acerto tão essencial quanto a decisão correta de mencionar a fama e o interesse público em torno de Ted sem, contudo, valorizá-los demais.

Porém, a comédia certamente não seria tão divertida caso trouxesse um companheiro humano pouco competente ancorando a narrativa - e Mark Wahlberg, ator talentoso (com faro ruim para projetos, é verdade), retorna à comédia após o fraco Os Outros Caras emprestando seu carisma e porte físico a John, de modo que testemunhar um homem com duas toras como braços conversando com uma pelúcia ou lendo Tintim já é algo engraçado por si só. Completando o elenco, MacFarlane entrega a antigos parceiros de Uma Família da Pesada pequenos papeis que jamais se destacam - com exceção de Mila Kunis que, após dar voz ao longo de anos à execrada Meg, ganha aqui o papel de uma mulher apaixonada e, dentro dos limites cabíveis, compreensiva. Já Joel McHale, como o patrão de Lori, desce um tom da confiança inabalável do Jeff Winger de Community e, fora isso, atua em sua zona de conforto, enquanto Giovanni Ribisi se diverte com a brincadeira de gênero construída em torno de seu antagonista. Por fim, as pequenas participações especiais de figuras como Sam Jones, Tom Skerritt e Ryan Reynolds divertem e, evidentemente, revelam o bom humor dos artistas.

Estreando no comando de produções em live action, MacFarlane entrega uma direção discreta, raramente empregando algum movimento de câmera diferenciado (dentre as exceções, os travellings circulares que percorrem os dois sentidos de uma mesa e exprimem o êxtase de Ted e John sob o efeito de alucinógenos, por exemplo, funcionam bem) e fazendo uso de flashbacks de forma mais orgânica e contida do que em seus trabalhos televisivos - e tanto a ideia de John sobre a noite em que conheceu Lori quanto a limpeza que o casal promove no apartamento após uma farra de Ted são duas das cenas mais engraçadas do longa. Por outro lado, logo após introduzir a narrativa com uma abordagem propositalmente leve e infantil, que confronta de maneira divertida todo o restante do filme, o diretor opta por uma montagem absolutamente sem imaginação para representar a passagem de tempo (é realmente necessário mostrar a página do Facebook de John para que saibamos de seu relacionamento com Lori?) e, bem mais adiante, decepciona ao se entregar completamente à pieguice nos momentos finais da projeção. Além disso, ainda que o humor politicamente incorreto seja certeiro na maior parte do tempo, muitas piadas não funcionam como deveriam, e MacFarlane nem sempre possui total controle sobre o timing de suas gags: a imaginação de John no encontro com seu ídolo, por exemplo, não é mais surpreendente ou engraçada que os cabelos levemente esvoaçantes de ambos enquanto se aproximam, de modo que o nível constante de graça faz a piada parecer apenas longa.

Repleto de referências nostálgicas aos anos 80 e alfinetadas a elementos da cultura pop mais recente, o longa ainda pode funcionar aos olhos dos fãs de Uma Família da Pesada como uma releitura da relação entre Stewie e seu ursinho Rupert - mas a realidade é que, esteja o espectador habituado ou não ao trabalho de MacFarlane, a estreia no Cinema do diretor e roteirista é nada menos que bastante promissora.

17 de setembro de 2012

Jackass 3.5


Jackass 3 é o melhor longa da franquia - o que obviamente não quer dizer muita coisa. O deslumbramento com o efeito 3D somado a uma provável maturidade maior fez com que Jeff Tremaine e a trupe liderada por Johnny Knoxville investissem em brincadeiras muitas vezes mais ingênuas e seguras, abusando de câmeras lentas que registram fluidos diversos, objetos elásticos, partículas em suspensão e tudo mais que puder incrementar a experiência e criar planos plasticamente curiosos. Esse pequeno "sucesso" (as aspas, como sempre, se fazem necessárias), evidentemente, não foi exatamente calculado; o corte final de Jackass 3 reúne apenas as melhores realizações da trupe ao longo do período de filmagem.

Pois Jackass 3.5 mostra justamente o outro lado da moeda. Lançado diretamente em home video, o longa agrupa uma série de situações medíocres demais para entrar na versão final - e para os padrões de Jackass, essa é uma seleção naturalmente assustadora e desprezível. Assim, vemos uma porção de esquetes que não deram certo, que não foram bem pensados ou que são simplesmente estúpidos e inconsequentes demais, a ponto de não gerar risos nem mesmo em seus integrantes, algumas vezes em função das consequências desastrosas das ações. A graça que alguns ainda veem nas estripulias do grupo, aqui, é escassa, quase inexistente. E quando um filme de Jackass não tem potencial para agradar nem os próprios fãs, o melhor mesmo a fazer é correr para as montanhas.

Jackass 3.5, EUA, 2011 | Dirigido por Jeff Tremaine | Com Johnny Knoxville, Chris Pontius, Bam Margera, Steve-O, Jason 'Wee Man' Acuña, Ryan Dunn, Dave England, Preston Lacy, Danger Ehren.

Dear Zachary: Um Caso Chocante


De fato, Dear Zachary documenta um caso chocante. O título original do longa, entretanto, diz ao mesmo tempo mais e menos sobre seu conteúdo Dear Zachary: A Letter to a Son About His Father (Querido Zachary - Uma carta a um filho sobre seu pai) é um documentário passional dirigido por Kurt Kuenne sobre a trágica morte de um grande amigo, o Dr. Andrew Bagby, que, por ironia do destino, deixou uma nova vida sendo criada no ventre da mulher que tirou a sua própria. Nessas circunstâncias, Kuenne percorre uma variedade de cidades em busca de depoimentos de pessoas que conviveram com Andrew, com o objetivo de provar ao jovem Zachary a pessoa amada que seu pai fora.

Acontecimentos extraordinários levam o documentário para outros rumos e, plenamente convencidos que Andrew era um profissional dedicado e um homem extremamente querido (em certa montagem, por exemplo, ficamos admirados com a quantidade de pessoas que o queriam como padrinho de casamento), passamos a acompanhar os esforços dos pais do homem para garantir ao neto um ambiente familiar saudável, visto que Shirley, a assassina de Andrew, livra-se de punições pelo crime e permanece com a guarda da criança. O pequeno Zachary torna-se o centro de uma disputa extremamente delicada e desgastante, apresentada de forma bastante parcial e emotiva por Kuenne - algo justificável, diante das diversas peculiaridades que caracterizam o processo.

Dentre os artifícios utilizados pelo cineasta no ato final do longa, ao menos um chama a atenção, pela eficácia inusitada que alcança: a movimentação frenética da boca na foto de uma juíza enquanto sua absurda sentença é narrada ajuda a ressaltar o caráter patético da determinação - e quando a cena é reprisada em um momento posterior estratégico, o texto ganha um peso extra e a repetição salienta o quão pavoroso o conteúdo é.

Suponho que o caso seja bastante conhecido nos países que o sediaram e, dessa forma, as surpresas para essas audiências devem ser menos efetivas; para os demais, a experiência é um embarque em uma intensa montanha-russa emocional, com embrulho no estômago garantido.

Dear Zachary - A Letter to a Son About His Father, EUA, 2008 | Escrito por Kurt Kuenne | Dirigido por Kurt Kuenne.

10 de setembro de 2012

O Céu Não Pode Esperar


O Céu Não Pode Esperar é a concretização de um dos piores pesadelos que qualquer cinéfilo poderia ter: Rob Schneider atuando como diretor, produtor, roteirista e protagonista... de um drama. A surpresa fica por conta da função em que Schneider construiu sua duvidosa (pra usar um eufemismo simpático) carreira: anos-luz de apresentar um desempenho memorável, o ator tampouco compromete o longa com sua performance dramática. Indefensáveis, por outro lado, são a direção e o roteiro (escrito em parceria com Boon Collins), que partem de um argumento risível e não conseguem compatibilizar o drama pessoal do protagonista ou a pregação ambientalóide com o humor criado em torno da excentricidade de seus personagens ou do contato de homens nativos com os prazeres modernos.

Como diretor, Schneider ainda peca por desperdiçar intermináveis minutos com traduções entre o inglês e o idioma nativo, o que lamentavelmente prolonga a tortura. Dessa forma, uma centena de minutos é dedicada à tarefa de afundar alguns centímetros a mais a carreira de Steve Buscemi em um filme que tem a ousadia de trazer Rob Schneider encarnando, sob a máscara de um falso altruísmo, a única pessoa (o "escolhido" do título original) capaz de salvar o ninho de determinada ave em Nova York, evitando que, assim, o descongelamento de uma geleira na Colômbia dê início a um filme de Roland Emmerich. Pois é, exatamente! Vai encarar?

The Chosen One, EUA, 2010 | Escrito por Boon Collins e Rob Schneider | Dirigido por Rob Schneider | Com Rob Schneider, Carolina Gómez, Steve Buscemi, Holland Taylor, Jack McGee, Samantha Smith, Peter Riegert, George Dzundza, Marcus Giamatti, Michael Yama.

Ataque ao Prédio


Após assaltar a indefesa Sam (Whittaker) em uma fria noite londrina, um grupo de adolescentes é surpreendido pela queda meteórica de um estranho ser, que, após ferir Moses (Boyega), líder da gangue, acaba sendo aniquilado pelo bando. A atitude, porém, desencadeia uma violenta, imediata e localizada represália alienígena - e, com isso, Sam se vê obrigada a unir forças com o grupo de delinquentes juvenis para escapar com vida da ameaça, refugiando-se em um bloco de apartamentos da periferia de Londres.

Sem receio de abraçar o grafismo da violência ou de levar seus jovens personagens ao óbito, o cineasta Joe Cornish (um dos roteiristas de As Aventuras de Tintim) injeta uma pitada de comicidade à tensão da situação e consegue criar um clima bastante satisfatório para ambientar o embate (a trilha evocativa de Steven Price, por exemplo, que mistura hip hop com acordes tradicionalmente empregados em produções com extraterrestres, é um dos grandes acertos), apesar de tomar algumas decisões obviamente motivadas pela conveniência (como as profissões de alguns personagens, que se revelam fundamentais em momentos estratégicos da narrativa). Além disso, a opção (e provável limitação orçamentária) de concentrar o aspecto ameaçador das criaturas em suas presas fluorescentes, destacando-se da pelagem profundamente negra, acaba funcionando como um reflexo do desconhecimento dos personagens acerca da natureza daqueles seres, compensando sua movimentação por vezes desajeitada (em diversos instantes, é fácil identificar que as criaturas estão sendo incorporadas por dublês in loco).

O mais interessante de Ataque ao Prédio, porém, é na metáfora social proposta pelo roteiro de Cornish. O envolvimento improvável dos jovens com Sam, os momentos em que são confrontados por suas próprias posturas e, principalmente, os diálogos que estabelecem paralelos entre a invasão alienígena e a relação deles próprios com a polícia representam o que o longa tem de melhor, juntamente com os diversos instantes em que a vulnerabilidade dos garotos é exposta - em especial, quando somos convidados a adentrar em seus ambientes familiares e vislumbrar, mesmo que brevemente, pequenas amostras de suas intimidades. Nesse sentido, um dos momentos mais emblemáticos do longa é aquele em que, próximo ao desfecho (spoilers adiante, portanto), Moses encerra o confronto com os alienígenas se jogando de uma janela após incendiá-los e evita a longa queda apoiando-se em uma bandeira do Reino Unido, simbolizando a busca do rapaz, em uma situação delicada como aquela, de um suporte das autoridades que, como vemos mais adiante, ele simplesmente não terá.

Attack the Block, Reino Unido/França, 2011 | Escrito por Joe Cornish | Dirigido por Joe Cornish | Com John Boyega, Jodie Whittaker, Alex Esmail, Leeon Jones, Franz Drameh, Simon Howard, Luke Treadaway, Jumayn Hunter e Nick Frost.

8 de setembro de 2012

Crítica | Projeto Dinossauro

por Eduardo Monteiro

The Dinosaur Project, Reino Unido, 2012 | Duração: 1h22m47s | Lançado no Brasil em 7 de Setembro de 2012, nos cinemas | Escrito por Sid Bennett, Tom Pridham e Jay Basu | Dirigido por Sid Bennet | Com Matt Kane, Richard Dillane, Peter Brooke, Stephen Jennings e Natasha Loring.

Projeto Dinossauro é possivelmente o filme mais importante dos últimos tempos. Conforme informado por um letreiro que abre a projeção, o longa é resultado do compacto (sem modificações ou retoques) de mais 100 horas de filmagens realizadas durante uma expedição criptozoológica a uma área selvagem do Congo, em busca do mítico Mokele Mbembe, possível parente dos dinossauros cuja existência nunca havia sido comprovada. O que vemos, porém, é algo absolutamente surpreendente: contrariando décadas de pesquisas científicas, Jonathan Marchant (que lembra bastante o ator Richard Dillane) e sua equipe não só conseguem registrar imagens do lendário animal, como também derrubam um equívoco sustentado por 65 milhões de anos: a suposta extinção dos dinossauros.

Porém, o filme comete um erro incompreensível: tendo em mãos uma descoberta capaz de revolucionar a comunidade científica, o diretor Sid Bennett opta por dar ênfase aos trágicos acontecimentos que assolaram a expedição, algo que, além de desrespeitar a memória dos mortos, resulta em uma narrativa que, caso fosse fictícia, certamente seria massacrada por suas inúmeras irregularidades (não deixa de ser curioso, por exemplo, que o filme inclua figuras que mais parecem caricaturas saídas diretamente de uma ficção ruim, como o sujeito consumido por uma insanidade repentina ou a nativa que falta com a verdade e guarda segredos). Assim, acompanhamos o filho de Marchant, Luke (sósia do ator teen Matt Kane) embarcando clandestinamente no helicóptero a caminho da selva congolesa, e logo podemos notar o primeiro sintoma do infortúnio (ou incompetência, dependendo do ponto de vista) que marcará a viagem da equipe: quando ordena que a nave retorne para o desembarque do filho, Jonathan é informado que o nível de combustível não é suficiente para a manobra - isto é, o regresso do grupo pelas vias normais também já estava comprometido. Porém, um ataque de dinossauros alados lança o helicóptero ao chão, obrigando os sobreviventes a tentar acionar o resgate enquanto fogem dos répteis jurássicos.

Uma característica que chama a atenção desde o primeiro segundo de projeção é o formato de tela adotado pelos cinegrafistas (2.35:1, raramente usada em filmagens documentais), indicando que, por alguma razão misteriosa, eles talvez antecipassem que aquilo viria a ser projetado numa tela de cinema. Além disso, o trabalho de Bennett e do montador Ben Lester é beneficiado pelo estranho hábito dos expedicionários de registrar cada uma de suas ações por diversos ângulos e com movimentos de câmera repletos de significado, mesmo em situações de alto risco ou instantes após o falecimento de algum de seus companheiros. Ainda nesse aspecto, é assustadora a frieza de todos que em algum momento atuam como cinegrafistas, registrando imagens da Lua como se estivessem em uma agradável viagem de férias (planos esses utilizados para auxiliar o entendimento pleno da passagem de tempo, como se por alguma razão isso fosse necessário) ou enfocando de forma insensível as expressões de pânico dos companheiros em uma cabana cercada por dinossauros. Para completar, notamos que a sorte de Bennett alcança patamares assombrosos quando descobrimos que até mesmo os responsáveis por encontrar os registros da expedição boiando em um rio estavam munidos de câmeras de alta definição, registrando imagens sem as quais jamais saberíamos como o conteúdo foi encontrado.

Mesmo assim, o trabalho de Lester é pra lá de questionável - e só um montador extremamente incompetente entregaria um filme repleto de cenas incompreensíveis (por escuridão intensa, falhas constantes dos equipamentos ou agitação excessiva da câmera), irrelevantes (o close-up nas nádegas de uma mulher é dispensável) ou trechos que simplesmente causam profundo tédio, como todas as relações interpessoais e, em especial, o relacionamento conturbado e distante do filho rebelde com o pai workaholic (clichês da vida real!). Infelizmente, a eficiência do aparato tecnológico utilizado também deixa a desejar: ainda que capte diálogos com bastante clareza, o microfone parece completamente desregulado quando passa a ser usado como arma para afugentar os animais, enquanto as câmeras, mesmo captando imagens sempre nítidas, conferem um ar ligeiramente artificial especificamente aos dinossauros - e digo isso com base na ideia pessoal que tenho sobre os animais, já que nunca vi um pessoalmente. Por fim, o longa jamais parece interessado em investigar os acordes sonoros que surgem em diversos momentos da projeção: os sons são algum tipo de interferência? O problema pode ser da sala em que assisti ao filme? Os expedicionários executaram as músicas in loco? Ou o texto que isenta os produtores de responsabilidades por quaisquer modificações no conteúdo é mentiroso?

Enfim, por trazer imagens inéditas de animais que povoaram o imaginário humano ao longo de séculos, Projeto Dinossauro vale uma conferida. E vale também uma consulta ao dicionário no verbete "sarcasmo".

7 de setembro de 2012

Crítica | O Legado Bourne

por Eduardo Monteiro

The Bourne Legacy, EUA, 2012 | Duração: 2h14m53s | Lançado no Brasil em 7 de Setembro de 2012, nos cinemas | Escrito por Tony Gilroy. Roteiro de Tony Gilroy e Dan Gilroy | Dirigido por Tony Gilroy | Com Jeremy Renner, Rachel Weisz, Edward Norton, Oscar Isaac, Donna Murphy, Michael Chernus, Stacy Keach, Zeljko Ivanek, Scott Glenn, Paddy Considine, Albert Finney, David Strathairn e Joan Allen.

Nos meados da década passada, a trilogia estrelada por Matt Damon no papel do espião desmemoriado Jason Bourne tornou-se uma referência para as novas produções de ação e espionagem, compensando a repetição da própria fórmula com conflitos plausíveis conduzidos de forma segura e conseguindo construir um arco geral coeso sem a necessidade de encerrar os episódios com ganchos forçados ou assuntos importantes inacabados. Por tudo isso, é frustrante constatar que o legado mencionado no título deste novo exemplar diga mais respeito ao simples resgate do universo criado pela trilogia inicial do que à reprise de seus acertos, já que a ligeira reformulação é equivocada e não consegue dar início a uma nova fase da franquia sem desrespeitar o espectador.

Dirigido por Tony Gilroy (único roteirista envolvido nos quatro longas) e escrito em parceria com seu irmão Dan, O Legado Bourne traz o coronel reformado Eric Byer (Norton) colhendo os frutos da exposição pública de escusos programas da CIA (Treadstone e Blackbriar) promovida por Jason Bourne no final de O Ultimato Bourne. Temendo que as investigações alcancem proporções catastróficas, Byer ordena que o programa de aperfeiçoamento genético Outcome seja desmantelado e que todos os envolvidos no projeto sejam executados, de modo a eliminar qualquer rastro que leve à divulgação de suas atividades ilegais. Entretanto, o agente Aaron Cross (Renner) consegue sobreviver ao atentado contra seu posto de treinamento no Alasca e se transforma em um verdadeiro estorvo para a equipe de Byer, especialmente depois que salva a vida e auxilia a fuga de uma das principais cientistas envolvidas no programa, a Dra. Marta Shearing (Weisz).

Tentando emular de forma embaraçosa características marcantes dos filmes anteriores desde seu plano inicial, O Legado Bourne lança seu protagonista em um contexto essencialmente distinto daquele vivenciado pelo personagem de Matt Damon: ciente de sua própria identidade, Cross não parece minimamente interessado em descobrir as razões da perseguição promovida pela agência ou em acuar os responsáveis, limitando-se a buscar compensações medicinais por razões que jamais ficam completamente claras (a interrupção do consumo dos comprimidos do programa causaria algum tipo de efeito colateral grave?). Por isso, são tolas as tentativas de reprisar alguns traços de personalidade de Bourne (como sua compaixão por crianças, vista no momento em que Aaron aborta um disparo a um lobo com filhotes durante uma caça), enquanto os lapsos de memória que surgem a partir de certa altura da projeção constituem uma verdadeira afronta ao espectador, já que carecem de função narrativa e seus fundamentos são deixados para serem explorados em uma possível continuação. Para completar, o roteiro falha ao estabelecer um objetivo central pobre, insípido e, de certa forma, alheio às motivações dos vilões, tornando anticlimática sua resolução e dando abertura para um desfecho abrupto.

Para piorar, o roteiro dos irmãos Gilroy parece julgar que o espectador é tão estúpido quanto seus personagens - e apenas para introduzir a discussão, vale apontar que em certo instante somos obrigados a acreditar que um percurso possivelmente extenso percorrido por Aaron e Marta é facilmente remontado com o auxílio de cães farejadores. Reforçando seu talento para encarnar tipos durões (de Guerra ao Terror e Atração Perigosa a Missão: Impossível 4 e Os Vingadores), Jeremy Renner confere a Aaron Cross boas doses energia e destreza que, ainda assim, não compensam sua duvidosa perspicácia: ao mesmo tempo em que somos surpreendidos por sua habilidade de improvisar um bloqueio para o sinal de um rastreador localizado em seu quadril, questionamos a funcionalidade do artefato caso o personagem gire em torno do próprio eixo, da mesma forma que é no mínimo curioso que um sujeito capaz de escutar a aproximação de um míssil em meio a uma nevasca não consiga notar que uma tocaia esteja sendo montada em torno de sua estalagem (sua suposta debilitação física no momento, claro, não é justificativa, como a fuga consequente comprova), necessitando que a personagem de Weisz o alerte com um berro que compromete definitivamente qualquer disfarce que ainda pudesse existir.

A personagem Marta, vale ressaltar, surge como um acerto quase involuntário: vivida pela bela Rachel Weisz, a doutora se comporta em boa parte do tempo como uma legítima civil lançada inadvertidamente em um filme de ação, sentindo dor ao levar pancadas, agindo de forma estúpida diante de circunstâncias perigosas e, claro, atrapalhando frequentemente o protagonista - e fica evidente que os dois formam um belo casal de idiotas quando, após infiltrarem-se em um laboratório em busca exclusivamente de uma injeção, Shearing e Cross optam por permanecer ali mesmo depois da aplicação, tornando-se naturalmente vítimas fáceis. Por fim, o excelente Edward Norton é desperdiçado com um personagem que, antes de ser categoricamente ignorado próximo ao desfecho, limita-se a reencenar a postura impiedosa de Noah Vosen em O Ultimato Bourne (nos demais filmes, os antagonistas ainda se preocupavam em criar desculpas para disfarçar suas motivações pessoais), ordenando assassinatos a uma equipe cuja incompetência ele faz questão de ressaltar sempre que necessário. Por fim, as pontas de Joan Allen e David Strathairn apenas reforçam a ambição dos produtores de criar a todo custo um contexto que possibilite mais continuações.

Trabalhando pela terceira vez na direção, Tony Gilroy (Conduta de Risco, Duplicidade) comanda um primeiro ato truncado, que parece não sair do lugar (nem a insossa sequência envolvendo caças teleguiados se salva), apenas para, mas adiante, criar bons momentos mesmo quando as circunstâncias não ficam exatamente claras, como a tensa cena do atentado em um laboratório (com uma atmosfera que evoca tragédias como a de Columbine ou Aurora). Livre de maiores exercícios estilísticos (o curioso plano que acompanha a ágil escalada de Aaron pela fachada de uma casa é o máximo que o diretor se arrisca a fazer), Gilroy compensa seus equívocos como roteirista com uma condução suficientemente competente da narrativa, incluindo as sequências de ação - e nem a montagem entrecortada de John Gilroy (também irmão de Tony e Dan) chega a comprometer a longa e eficiente sequência de perseguição final (mesmo reciclando uma infinidade de ideias usadas na trilogia inicial), cujo maior problema reside em não soar como derradeira de fato.

Longo demais para história de menos, O Legado Bourne ainda se sujeita a introduzir personagens que jamais dizem a que vieram e ignora completamente os diversos interesses externos que naturalmente surgiriam graças à eficácia cientificamente comprovada dos comprimidos do programa Outcome, ainda que o aperfeiçoamento da inteligência de suas cobaias, em especial, seja bastante questionável. Se uma continuação for mesmo acontecer, que os produtores tomem algumas das pílulas azuis para aperfeiçoar suas ideias ou que desenvolvam e ofereçam ao público um comprimido de esquecimento - se este efeito, claro, não acabar surgindo naturalmente com o tempo.

3 de setembro de 2012

Coração de Guerreiro


Membros da família Cullen como Emmet ou Alice despertarem nossa atenção para suas atuações é algo improvável de acontecer; exigir que saibamos os nomes de seus intérpretes, então, é quase uma afronta. Para produtores de Hollywood, por outro lado, coadjuvantes de Crepúsculo são uma oportunidade de ouro (ao menos enquanto a febre durar), unindo baixos salários à publicidade espontânea. É o caso do incesto dos Cullen promovido pela união de Kellan Lutz e Ashley Greene em Coração de Guerreiro, um romance dramático esportivo cujo único diferencial em relação a tantos outros já lançados é a modalidade em pauta: lacrosse.

Greene vive uma personagem insípida responsável por uma narração em off patética e abraça alguns vícios da colega vampiresca Kristen Stewart, surgindo em diversos instantes como uma sósia absurdamente realista da atriz. Já a inexpressividade de Lutz compromete irremediavelmente o personagem, mas o contraluz em seu abdômen suado nos primeiros segundos do filme suplica desesperadamente ao público feminino que ignore suas limitações como ator.

Sim, ele é um atleta insubordinado com uma inabilidade particular a ser superada. Sim, ela é filha do treinador. Sim, eles se apaixonam à primeira vista após uma troca de olhares em meio a uma multidão. Sim, ele é a única esperança do time de conquistar um campeonato. Não, nada salva o filme.

A Warrior's Heart, EUA, 2011 | Roteiro de Martin Dugard | Dirigido por Mike Sears | Com Kellan Lutz, Ashley Greene, Gabrielle Anwar, Chord Overstreet, Adam Beach, William Mapother, Chris Potter.

Griff, O Invisível


Mescla dos protagonistas de Kick-Ass e A Garota Ideal, o personagem-título vivido por Ryan Kwanten (True Blood) no longa australiano Griff, O Invisível é um vigilante noturno cuja busca pela invisibilidade encontra eco em sua vida pessoal: em tempos de bullying, permanecer recluso em sua própria timidez não é suficiente para que Griff passe despercebido. Como bem aponta Gary (Webb), chefe do escritório em que trabalha - e onde é perseguido pelo colega Tony (Schmitz) -, o modo mais eficaz de não ser notado é agindo segundo o que é considerado normal, misturando-se às pessoas comuns - e a dificuldade do personagem em alcançar essa normalidade fica clara quando, na intenção de se camuflar especificamente à paisagem de um ponto de ônibus, Griff opta por sair de casa vestindo uma roupa chamativa, capaz de expô-lo em todos os demais cenários.

Quem assistir ao filme esperando uma história tradicional de super-herói irá se decepcionar: a identidade secreta de Griff é apenas o modo atípico que o bom-moço solitário encontrou para preencher a própria vida - e o diretor e roteirista Leon Ford acerta ao desvendar gradativamente a real natureza do vigilantismo do rapaz, contribuindo para o ritmo da narrativa e revelando bastante sobre o próprio protagonista. Positiva também é a escalação de Ryan Kwanten, que surpreende ao encarnar com competência e veracidade tanto a insegurança de Griff no social quanto sua confiança sob o uniforme.

Apesar de tropeçar feio e embaralhar-se no terceiro ato, quando opta por esnobar os riscos reais da vida dupla de Griff em prol de uma mensagem bonitinha sobre tolerância e aceitação, Ford volta a acertar na cena em que as mentes e os corações do protagonista e seu interesse amoroso, a bela Melody (Dermody), entram em sintonia de forma sensível e bastante emblemática, mantendo uma coerência admirável com o modo como as trajetórias de ambos foram trabalhadas até então.

Griff, O Invisível é, portanto, uma produção curiosa que infelizmente não ganhou a visibilidade que merecia - com o perdão pelo trocadilho.

Griff the Invisible, Austrália, 2010 | Escrito por Leon Ford | Dirigido por Leon Ford | Com Ryan Kwanten, Maeve Dermody, Patrick Brammall, Toby Schmitz, Marshall Napier, Heather Mitchell, David Webb e Anthony Phelan.