2 de agosto de 2012

Crítica | Katy Perry: Part of Me

Katy Perry em KATY PERRY: PART OF ME

★★★

Katy Perry: Part of Me, EUA, 2012 | Duração: 1h33m24s | Lançado no Brasil em 3 de agosto de 2012, nos cinemas | Dirigido por Dan Cutforth e Jane Lipsitz.

Pôster nacional e crítica de KATY PERRY: PART OF ME
No final de 2011, Justin Bieber: Never Say Never foi eleito o terceiro pior filme do ano em uma enquete aberta ao público de um grande site brasileiro de cinema. O resultado, naturalmente, não causou qualquer tipo de espanto nos responsáveis pela votação, que, como grande parte da população, tendem a menosprezar de antemão qualquer produto que traga a marca do cantor teen. Entretanto, é inegável que o resultado seja bastante duvidoso: considerando a hipótese remota de que todos os votantes assistiram ao filme (o mínimo que poderíamos esperar dos participantes de uma enquete como esta), o grupo que ajudou a eleger o documentário precisaria ser formado ou por fãs intensamente insatisfeitos ou por espectadores masoquistas que se sujeitaram a pagar para ver (em 3D e dublado, como era a grande maioria das cópias lançadas no país) um documentário focado em uma figura que assumidamente desprezam - e sabemos perfeitamente que esses dois perfis hipotéticos praticamente inexistem.

Desse modo, ao invés de darem uma chance ao documentário (que tem lá sua parcela de acertos), os disseminadores de ódio continuam a rebaixar a nota média do filme em qualquer site com sistema aberto de cotações, levantando como troféus os símbolos inequívocos de seus próprios preconceitos. Infelizmente, há grandes indícios de que situação semelhante ocorra com este Katy Perry: Part of Me, que, dirigido pelos mesmos Dan Cutforth e Jane Lipsitz que produziram Justin Bieber: Never Say Never, adota uma estrutura semelhante à vista naquele filme para contar a história do sucesso apoteótico e apresentar alguns números musicais de uma artista que, assim como Bieber, continua sendo vítima de preconceitos gratuitos e tendo seus talentos e méritos ofuscados pela rixa eterna entre os fãs e seus opositores.

Iniciado justamente com depoimentos de fãs que, indiretamente, reivindicam o direito de cultivarem a admiração pela cantora sem serem julgados por isso, o documentário acompanha um ano particularmente agitado da vida de Katy Perry: rodando o mundo com a maior turnê de sua breve carreira, a popstar logo se vê vítima de desilusões amorosas e da fadiga causada pelos esforços físicos demandados pelo ritmo intenso de viagens e shows. Paralelamente, Cutforth e Lipsitz regressam à infância de Katy e retraçam o caminho trilhado pela cantora californiana rumo ao estrelato.

Vale apontar, para início de conversa, que a tarefa dos diretores não é das mais difíceis, já que além de bonita, talentosa e carismática, Katy Perry possui uma trajetória cinematográfica por natureza: filha de fundamentalistas religiosos, a garota não teve muito suporte dos pais ou liberdade no ambiente familiar para desenvolver seus talentos, vindo a se emancipar apenas aos 17 anos, quando, inspirada pela autenticidade do trabalho de Alanis Morissette, saiu de casa para tentar a sorte em Los Angeles. Anos mais tarde, após ser esnobada por algumas gravadoras, Katy explodiria com o single "I Kissed a Girl" - e é bastante sintomático que, com outras opções de grande potencial em mãos (e que viriam a se tornar hits posteriormente), a cantora tenha escolhido justamente uma canção cuja letra afronta diretamente o conservadorismo que assombrou sua juventude, marcando de forma definitiva sua libertação.

Katy Perry em KATY PERRY: PART OF ME

Aliás, em momento algum o documentário tenta omitir a própria ambição de pintar uma imagem sempre positiva da cantora e da relação com as pessoas que a cercam, evitando se aprofundar em questões que poderiam ser mais controversas - e embora o amor de seus pais e a estima que demonstram pelo bem-estar da filha pareçam bastante autênticos, o apoio apenas condicional às decisões artísticas da cantora é algo que os genitores praticamente nem tentam esconder, deixando a sensação de que a fortuna acumulada por Katy é um motivo mais que suficiente para que abram mão de suas crenças e façam vista grossa em relação às letras despudoradas ou à decisão da filha de subir no palco com roupas curtas e provocantes.

Por outro lado, o documentário é hábil ao retratar o carinho e a atenção que a cantora dedica aos fãs, comprovando que o curto período de tempo que a separa do próprio anonimato lhe fornece uma compreensão expressiva do que o encontro com um ídolo pode representar - e apenas os mais céticos questionarão a veracidade de sua abnegação ao abrir mão de um cochilo providencial e restaurador para evitar a decepção de um pequeno grupo de fãs que a aguarda para o tradicional encontro antes da apresentação. Por essa razão, os momentos que antecedem o emblemático show realizado no Brasil se tornam ainda mais tocantes (a mudança de expressão de Katy segundos antes de entrar no palco é certamente uma das imagens mais marcantes do longa), expondo ao mesmo tempo seu profissionalismo e sua fragilidade - e esta última acaba sendo involuntariamente descortinada e prontamente recompensada quando a cantora é ovacionada pelo maior público da turnê.

Entretanto, o mais surpreendente de Katy Perry: Part of Me é a naturalidade com que a cantora permite que as equipes de filmagem adentrem em sua intimidade e registrem momentos em que surge completamente desprovida de vaidade, algo que contrasta com suas aparições públicas sempre exuberantes e inclui desde imagens variadas de arquivo pessoal (onde já podemos notar seu costume de alterar frequentemente o visual dos próprios cabelos) até cenas em que é flagrada passando desodorante nas axilas ou descabelada e sem qualquer maquiagem instantes após acordar. Assim, o empenho de humanizar a cantora (característica compartilhada com Justin Bieber: Never Say Never) é perfeitamente compreensível e se revela um dos pontos altos do projeto, já que independente da opinião que cada indivíduo possui sobre o trabalho da artista, Katheryn Elizabeth Hudson é um ser humano sujeito às mesmas emoções que eu ou você: a angústia pelo distanciamento do marido, o nervosismo antes de subir ao palco ou a satisfação de ver o público em polvorosa com suas performances.

Utilizando o 3D de forma parca (apenas os números musicais, fotos e algumas entrevistas possuem o efeito tridimensional, e a imersão nunca é satisfatória), Katy Perry: Part of Me ainda é beneficiado pela natureza performática das apresentações da cantora e por seu interessante repertório - distribuído de modo a pontuar com relativa eficiência as nuances da narrativa - e merece destaque por trazer, perdido em uma estrutura excessivamente tradicional e em uma seleção de imagens obviamente tendenciosa, o drama de uma mulher sonhadora que, vivendo através de sua carreira o conto de fadas que sua infância nunca foi ("Não posso ter uma criança, porque eu ainda sou uma", afirma, com naturalidade, a Katy adulta em certo momento), descobre da maneira mais difícil que a ilusão de felicidade fabulesca nem sempre se aplica à vida real da forma que desejamos.

Katy Perry em KATY PERRY: PART OF ME