10 de agosto de 2012

Crítica | À Beira do Caminho

por Eduardo Monteiro

À Beira do Caminho, Brasil, 2012 | Duração: 1h44m00s | Lançado no Brasil em 10 de Agosto de 2012, nos cinemas | Argumento de Léa Penteado. Roteiro de Patrícia Andrade | Dirigido por Breno Silveira | Com João Miguel, Vinicius Nascimento, Dira Paes, Ludmila Rosa, Ângelo Antônio, Denise Weinberg e Débora Spadaro.

Logo nos primeiros minutos de À Beira do Caminho, novo longa comandado pelo brasileiro Breno Silveira (2 Filhos de Francisco), o caminhão guiado pelo solitário João (Miguel) é enquadrado pelo cineasta de modo a revelar os dizeres "Mantenha distância" inscritos em sua traseira. Inofensiva a princípio, a frase ganha uma nova dimensão quando passamos a conhecer melhor o protagonista e nossa atenção é despertada para a tradição popular de registrar ditos e pensamentos em parachoques: mais que uma advertência aos demais motoristas, a mensagem gravada naquela carroceria sintetiza a filosofia pessoal de seu dono, um homem introspectivo, avesso à interação social e devastado por uma amargura cujas origens só descobriremos mais adiante. Todavia, suas perspectivas de vida podem estar prestes a se alterar graças a um encontro inesperado em meio à malha rodoviária de nosso país.

Escrito por Patrícia Andrade, o roteiro acompanha o caminhoneiro vivido por João Miguel levando uma existência triste e vazia pelas estradas brasileiras: preso a uma profissão solitária e extenuante por natureza, o homem encontra o garoto Duda (Nascimento) escondido na carroceria do caminhão e, sem enxergar outra saída, topa levá-lo a São Paulo para procurar o pai, que o abandonara antes mesmo do nascimento. Com o passar dos dias, o envolvimento improvável e crescente entre o caminhoneiro e o garoto acaba trazendo à tona conflitos internos que podem dar um novo significado àquela viagem - embalada essencialmente por músicas de Roberto Carlos, inspiração da argumentista Léa Penteado.

E como não poderia deixar de ser, as canções desempenham um papel fundamental na condução da narrativa: enquanto "Nossa Canção" se estabelece com naturalidade como o melancólico tema da relação entre João e a esposa Helena (Rosa), "O Portão" surge em instantes distintos e estratégicos da projeção, sendo que, em um deles, a gravação é interrompida pelo protagonista antes do emblemático refrão, demonstrando seu despreparo emocional para lidar com as ações ali sugeridas. Além disso, "Amigo" consegue pontuar perfeitamente bem a aproximação entre João e Duda: quando o garoto erra a sugestiva letra, o homem toma a iniciativa de corrigi-lo, rompendo a linha apática que vinha seguindo até então. Para completar, a trilha de Berna Ceppas ajuda a compor a emoção da jornada sem recorrer a exageros ou temas apelativos.

Liderado pelo ótimo João Miguel, o elenco de À Beira do Caminho faz jus à qualidade do roteiro: vivendo o personagem homônimo com um semblante fechado e uma aparência descuidada, João retrata bem a aflição crescente oriunda da necessidade cada vez mais tangível de enfrentar o próprio passado e desconstrói gradativamente a rispidez do caminhoneiro à medida que se vê envolvido em uma relação paternal com Duda, ainda que insista em manter um óbvio afastamento psicológico do garoto - algo implícito na impessoalidade de chamá-lo insistentemente de "moleque", e nunca pelo nome. Enquanto isso, o expressivo Vinicius Nascimento mostra-se extremamente à vontade em cena, demonstrando maturidade quando necessário, alcançando todas as emoções do personagem com a competência de um ator profissional e vivendo Duda como um garoto que parece usar sua hiperatividade juvenil (a cena em que imita João é deliciosa) como escudo e distração para as próprias angústias pessoais. Fechando o elenco principal, a sempre ótima Dira Paes vive Rosa como uma figura que traz um pouco de calor humano para a jornada de João e Duda, mas nada muito além disso.

Em seu terceiro trabalho na direção de longas para o Cinema, Breno Silveira volta a provar ser não só um diretor extremamente técnico (a ótima fotografia de Lula Carvalho é uma prova de seu olhar exigente como ex-profissional da função), mas também um excelente contador de histórias, conseguindo conferir ritmo e fluidez à narrativa e errando a mão apenas quando a revelação do mistério do passado do protagonista prolonga-se além do necessário e os flashbacks tornam-se excessivos, no final do segundo ato da projeção. Por outro lado, o roteiro de Patrícia Andrade acerta ao incluir percalços no percurso de João e Duda que tornam a jornada mais verossímil, desde o risco de assaltos a caminhões deixado no ar na primeira aparição do garoto até questões como a incerteza de trabalho de um caminhoneiro, a negligência de delegacias policiais interioranas ou a triste realidade da miséria e do abandono de menores levando-os a ingressar na criminalidade.

Sem recair na pieguice que sua proposta poderia impor, o filme ainda traz em sua essência uma mensagem bela, simples e universal: não devemos deixar que fantasmas do passado interfiram em nossa felicidade imediata e futura - e À Beira do Caminho é capaz de nos levar a esquecer o equívoco que Era Uma Vez... foi e considerar Breno Silveira como uma das grandes promessas do Cinema nacional para os próximos anos.