31 de agosto de 2012

Crítica | Procura-se um Amigo Para o Fim do Mundo

por Eduardo Monteiro

Seeking a Friend for the End of the World, EUA/Cingapura/Malásia/Indonésia, 2012 | Duração: 1h40m46s | Lançado no Brasil em 31 de Agosto de 2012, nos cinemas | Roteiro de Lorene Scafaria | Dirigido por Lorene Scafaria | Com Steve Carell, Keira Knightley, Tonita Castro, Derek Luke, Rob Corddry, Connie Britton, Adam Brody, William Petersen, T.J. Miller, Gillian Jacobs, Melanie Lynskey, Patton Oswalt, Rob Huebel e Martin Sheen.

Como a humanidade reagiria ao anúncio e à aproximação de seu fim? A resposta para essa pergunta, obviamente, é baseada em uma série de suposições lógicas: com a população afoita por aproveitar seus derradeiros dias e não tendo nada a perder, os serviços seriam suspensos, o dinheiro deixaria de ter valor e, com isso, a força se tornaria o principal meio usado para suprir necessidades ou vontades, quaisquer que elas sejam. Contrapondo ao caos materialista, a vontade de compartilhar os últimos momentos na Terra com pessoas queridas provavelmente promoveria reconciliações e fortalecimentos intensos de laços, manifestados nas mais diversas formas que o amor pode assumir. Mas qual seria a reação da humanidade caso esta estivesse confinada em uma dramédia indie norte-americana?

Lorene Scafaria dá seu palpite com este irregular Procura-se um Amigo Para o Fim do Mundo, concebendo um universo que, a algumas semanas do desfecho inevitável, é marcado por um positivismo absurdo contraposto a um caos ilógico - e a ideia seria até curiosa caso a diretora e roteirista conseguisse criar uma trama e personagens mais interessantes. Na história, Steve Carell vive o corretor de seguros Dodge (Carell), que é abandonado pela esposa (vivida em uma ponta pela mulher do próprio ator) assim que a colisão de um asteroide com a Terra é confirmada pelas autoridades e, desnorteado, preserva sua rotina de trabalho como se nada de errado estivesse para acontecer. Porém, quando um motim alcança os arredores de sua residência e ameaça sua segurança, Dodge se lança na estrada com a vizinha amalucada Penny (Knightley), ele em busca de um antigo amor nunca consolidado e ela motivada por um último reencontro com a família.

E até certo ponto da viagem, pode-se dizer que o filme funciona bem. Aproveitando que a maioria de seus personagens parece inabalada por considerar a ideia do fim do mundo complexa demais de se assimilar, o roteiro de Scafaria cria uma porção de situações e diálogos que divertem por satirizar narrativas apocalípticas, incluindo desde a fidelidade excessiva da faxineira Elsa (Castro) ou a subversão da figura do motorista ameaçador até a tentativa de Penny de sair de uma vaga em uma situação de emergência sem esbarrar em outros carros ou a ocasião em que declara que não irá furtar nada do apartamento de Dodge desde que o homem não a estupre. Entretanto, o roteiro falha por não conseguir criar qualquer ameaça consistente na trajetória dos personagens - e se já era patético exibir agitadores depredando carros sem nenhum propósito aparente, testemunhar o mesmo grupo usando o prédio de Dodge e Penny como palco de um motim incendiário igualmente despropositado (e ainda por cima ineficiente, já que verificamos posteriormente que nenhum dano é causado ao interior dos apartamentos) prova que Scafaria simplesmente não tinha ideia de como dar início à fase road movie do longa de forma razoável.

E infelizmente, é ao longo dessa etapa que Procura-se um Amigo Para o Fim do Mundo começa a desandar, especialmente depois que o casal interage com os exaltados personagens de T.J. Miller e Gillian Jacobs no restaurante Friendsy's. Novamente investindo em soluções tolas e infundadas para alterar o rumo da narrativa (como o confisco de um carro ou certa perda do controle do veículo), o roteiro desenvolve a amizade do casal central como algo inevitável e suficiente, não economizando na representação da displicência emocional da avoada Penny ou na exposição da importância para Dodge de sua antiga paixão e o imenso potencial de que ela se concretize (afinal, quantas pessoas no mundo entalham o nome de uma paixão adolescente na cabeceira da cama?). Assim, o romance entre Dodge e Penny revela-se desnecessário na teoria, inconsistente na prática e só piora à medida que o longa se aproxima do desfecho - e, pesando para o insucesso da empreitada, entra o fato de que Steve Carell e Keira Knightley simplesmente não funcionam como um casal. Além disso, em mais de uma ocasião e com participação da seleção musical, Scafaria cria planos que parecem indicar que o fim (não exatamente do mundo, mas do filme) está próximo, criando a incômoda sensação de que a projeção se prolonga muito mais do que o necessário.

Voltando a conferir traços cômicos a um papel dramático após ser desperdiçado em Um Divã Para Dois, Steve Carell vive um homem recatado e de poucas palavras que, por força das circunstâncias, se vê obrigado a sair de sua zona de conforto para viver uma transformação que jamais soa convincente, ao passo que Keira Knightley consegue a proeza de transformar em uma figura tolerável uma mulher descomedida e de personalidade peculiar que considera uma atitude ponderada andar de baixo pra cima com uma pilha de vinis a poucos dias do juízo final. No mais, o grande número de rostos conhecidos (como Patton Oswalt, Rob Huebel ou Rob Coddry) em participações pequenas e irrelevantes contribui para a sensação recorrente de que nada importante está sendo apresentado, enquanto o veterano Martin Sheen é escalado para protagonizar uma enfadonha e clichê subtrama a uma altura do longa em que a esperança de salvação do projeto já havia sido atingida pelo asteroide.

Incapaz sequer de encontrar uma função para o cachorrinho Sorry (pedir desculpas para o público pelas irregularidades seria uma boa), Procura-se um Amigo Para o Fim do Mundo é um longa maçante e visualmente desinteressante que, ao invés de propor reflexões e entreter uniformemente, consegue apenas despertar no espectador a vontade de desenvolver repentinamente o distúrbio de sono de Penny e saltar logo para o fatídico boom.

23 de agosto de 2012

Crítica | Rock of Ages: O Filme

por Eduardo Monteiro

Rock of Ages, EUA, 2012 | Duração: 2h03m08s | Lançado no Brasil em 24 de Agosto de 2012, nos cinemas | Baseado no livro de Chris D'Arienzo. Roteiro de Justin Theroux e Chris D'Arienzo e Allan Loeb | Dirigido por Adam Shankman | Com Julianne Hough, Diego Boneta, Russell Brand, Tom Cruise, Alec Baldwin, Catherine Zeta-Jones, Paul Giamatti, Malin Akerman, Mary J. Blige, Bryan Cranston, Will Forte, T.J. Miller.

Fama, Nine, Burlesque, Mamma Mia!, High School Musical 3. Salvo breves respiros proporcionados por produções da Disney como Encantada, Os Muppets e Winnie the Pooh, a lista de desastres que abre este texto reúne os principais musicais legítimos que chegaram ao grande público nos últimos anos, após a boa fase ocorrida há meia década com Across the Universe, Sweeney Todd e Hairspray. Nessas circunstâncias, o lançamento de Rock of Ages representa uma vitória para os fãs do gênero, já que, mesmo não se sobressaindo do ponto de vista narrativo, o longa merece reconhecimento por representar um cenário musical marcante de forma divertida e cativante.

Escrito por Justin Theroux, Chris D'Arienzo e Allan Loeb com base no musical homônimo da Broadway, o filme tem início com a chegada da sonhadora Sherrie (Hough) à Hollywood de 1987, onde o aspirante a cantor Drew (Boneta) lhe ajuda a conseguir um emprego no The Bourbon Room, rock bar localizado na Sunset Strip e comandado por Dennis Dupree (Baldwin). Atolado em dívidas e exorcizado pela primeira-dama da cidade Patricia Whitmore (Zeta-Jones), o estabelecimento aposta em uma apresentação do mega astro do rock Stacee Jaxx (Cruise) para sair do buraco - mas uma crise pessoal silenciosa do roqueiro, a ganância de seu produtor Paul Gill (Giamatti) e um desentendimento entre Sherrie e Drew podem comprometer os planos de Dupree de salvar o local.

Mesmo tendo o rock como tema central e defendendo-o com unhas e dentes, Rock of Ages opta por uma abordagem musical mais abrangente, recorrendo a baladas como I Wanna Know What Love Is e Every Rose Has Its Thorn, que se tornam mais acessíveis para uma parcela específica do público graças às regravações recentes feitas por Mariah Carey e Miley Cyrus, respectivamente. Aliás, a escolha da própria dupla central já sugere essa abertura dos produtores: Julianne Hough, além de dançarina profissional vencedora duas vezes do reality Dancing with the Stars (uma delas, formando par com o piloto brasileiro Hélio Castroneves), é também uma cantora country, enquanto o mexicano Diego Boneta pende para o pop, tendo sido alçado à fama por um papel secundário na novela Rebelde que lhe garantiu, por consequência, a chance de abrir os shows do RBD e lançar carreira própria. Entretanto, ambos compensam seus perfis destoantes com os esforços para soarem convincentes - e ainda que Boneta, em particular, encarne a faceta roqueira de Drew com mais empenho e eficiência, nenhum dos dois chega ao ponto de chamar a atenção.

Completando o elenco, Catherine Zeta-Jones retorna ao gênero que lhe rendeu um Oscar de atuação e não só consegue repetir o bom trabalho vocal e físico, como também se diverte compondo a caricatura de uma mulher que usa seu conservadorismo como máscara para ressentimentos ocultos, enquanto Bryan Cranston, no papel do prefeito Mike Whitmore, desperdiça mais uma vez seu talento com um personagem irrelevante que poderia perfeitamente ser dizimado do filme sem qualquer prejuízo. Por outro lado, o normalmente aborrecido Russell Brand surge como uma grata surpresa, divertindo no papel do despojado funcionário do Bourbon, Lenny, e protagonizando, ao lado de um Alec Baldwin ligeiramente constrangido (algo pontual), o melhor número musical do longa. Por fim, Tom Cruise surpreende pela composição vocal (confiando que os créditos dados às suas cantorias sejam verídicos) e pela performance de Stacee Jaxx no palco, mas transforma a maior parte das cenas de bastidores em um verdadeiro exercício de paciência, graças à marcha lenta que adota em sua composição e às falas desconexas que tentam estabelecer o personagem como um típico astro esnobe e excêntrico.

Aliás, um dos grandes problemas de Rock of Ages reside nas constantes mudanças de foco da narrativa, oriundas da quantidade de personagens e subtramas: em determinado momento, as dificuldades financeiras do Bourbon parecem ser o centro da narrativa; rapidamente, porém, as atenções voltam-se para a fobia de palco alimentada por Drew, que logo dá lugar à investigação da repórter Constance Sack (Akerman) sobre a personalidade de Stacee Jaxx, que é deixada de lado graças à crise entre o casal central, que por fim cede espaço novamente ao iminente encerramento das atividades do Bourbon, cuja resolução é demasiadamente trivial. Com as limitações naturais do roteiro, a montadora Emma E. Hickox consegue fazer um bom trabalho na naturalmente desafiadora montagem de musicais, falhando apenas por insistir em dar importância a Justice Charlier (vivida pela cantora Mary J. Blige) em números compartilhados por vários personagens, já que ela jamais se estabelece como uma figura particularmente interessante ou fundamental para a narrativa.

Incapaz de contornar os clichês do roteiro, o diretor Adam Shankman (Hairspray - Em Busca da Fama) apela repetidas vezes para recursos ultrapassados, como representar a hesitação de Drew e Sherrie antes do envolvimento amoroso através de cumprimentos constrangidos e desencontrados ou criar gags envolvendo homens com cabelos longos sendo confundidos com mulheres. Além disso, apostando que o espectador não é inteligente o bastante para notar a adoção do clichê da garota sonhadora mudando-se para a cidade grande como base da narrativa (Burlesque manda lembranças), o diretor insere logo nos primeiros segundos de projeção uma desnecessária narração em off da avó da protagonista desejando que "seu sonho se realize", o que é tão ofensivo quanto ver Sherrie, posteriormente, confirmando de forma excessivamente expositiva uma previsão de uma amiga ("O holofote. Ela estava certa"), não causando qualquer tipo de confusão em Drew mesmo que o comentário remeta a um diálogo que o rapaz não participou. Por outro lado, Shankman acerta ao incluir brincadeiras com o absurdo do próprio gênero, como no instante em que o repórter vivido por Will Forte se desdobra para registrar os posicionamentos contrários no mash-up de We Built This City e We're Not Gonna Take It ou quando o acompanhamento musical é interrompido bruscamente depois que Drew, pensando em Sherrie e possivelmente prestes a cantar, é surpreendido pela presença de outro personagem no recinto.

Brincando ainda com a ascensão das boy bands e dotado de uma direção de arte que evoca maravilhosamente bem o final dos anos 80, Rock of Ages constrói um olhar suavizado sobre o período, unindo saudosismo a uma abordagem pop sem medo de soar como uma enorme bobagem - a ser apreciada pela qualidade de seu repertório e por reacender a esperança do musical como gênero cinematográfico.

18 de agosto de 2012

Crítica | O Vingador do Futuro

por Eduardo Monteiro

Total Recall, EUA/Canadá, 2012 | Duração: 1h58m03s | Lançado no Brasil em 17 de Agosto de 2012, nos cinemas | Inspirado no conto "We Can Remember it for You Wholesale" de Philip K. Dick. História de Ronald Shusett & Dan O'Bannon e Jon Povill e Kurt Wimmer. Roteiro de Kurt Wimmer e Mark Bomback | Dirigido por Len Wiseman | Com Colin Farrell, Kate Beckinsale, Jessica Biel, Bryan Cranston, Bokeem Woodbine, Bill Nighy, John Cho, Dylan Scott Smith.

Independente de suas execuções, os roteiros de A Origem, K-PAX - O Caminho da Luz e O Vingador do Futuro merecem elogios por uma riqueza que possuem em comum: cada um consegue, a seu modo, fundamentar duas explicações distintas e plausíveis para a conjuntura em que seus protagonistas se encontram, tornando-se intrigantes justamente por adiar ou, principalmente, negar ao espectador uma resposta definitiva. Infelizmente, dentre os mencionados, o exemplar de O Vingador do Futuro produzido na última década do século passado é o que menos explora o potencial da ambiguidade de seu argumento - algo trabalhado de forma ainda menos satisfatória nesta reformulação comandada por Len Wiseman.

Aliás, do filme estrelado por Arnold Schwarzenegger, apenas o esqueleto é mantido: ambientado inteiramente na Terra, o remake introduz uma distopia futurista cuja ordem mundial é resumida à dominância da Federação Unida da Bretanha sobre a Colônia, territórios continentais livres de danos oriundos de uma devastadora guerra química e ligados pela Queda, meio de transporte em que uma enorme e veloz cápsula percorre um túnel que atravessa o interior do planeta. Nesse contexto, o operário Douglas Quaid (Farrell), atormentado por sonhos agitados e por sua rotina maçante, decide procurar a Rekall, uma empresa que oferece a seus clientes memórias personalizadas e realistas de situações que nunca tiveram a oportunidade de viver. Porém, logo que começa a receber recordações de uma carreira ilusória como agente secreto, o procedimento foge do controle e Doug é confundido com um espião de verdade, passando a ser perseguido por pessoas subordinadas ao misterioso chanceler Cohaagen (Cranston).

Mas qual é, afinal, a verdade sobre o protagonista? Quaid é um experiente agente secreto que teve suas experiências no ramo substituídas pela vivência ordinária de um operário ou toda a trama em que se envolve é fruto de distúrbios de sua mente frente a reações indesejadas do procedimento na Rekall? Diferentemente do filme de 90, que semeava a dúvida de forma esparsa (inclusive timidamente no desfecho), o roteiro de Kurt Wimmer (Salt) e Mark Bomback (Incontrolável) opta por conferir importância excessiva aos sonhos de Doug (o empenho da esposa em tentar interpretá-los é exagerado e deslocado) e enfatizar, através do personagem McClane (Cho), as possíveis implicações da inserção de uma memória que já tenha sido vivenciada pela mente, sustentando assim a hipótese de que tudo o que vemos é de fato real. Além disso, caso a perseguição fosse uma criação da mente de Quaid, qual o sentido de acompanharmos Lori (Beckinsale) tentando descobrir seu paradeiro - isto é, por que o homem teria uma vivência/memória de uma situação na qual ele próprio não se encontra? Assim, a hipótese fantasiosa é deliberadamente levantada apenas na eficiente cena de negociação transcorrida no saguão de um prédio - e mesmo que as duas possibilidades continuem válidas dali em diante, a discussão recai em reflexões tolas sobre identidade, jamais se equiparando em importância à ação desenfreada.

Neste aspecto, a escolha de Len Wiseman (Duro de Matar 4.0) para comandar a refilmagem revela-se um acerto. Sepultando a aborrecida luz estroboscópica (problema que apontei como uma marca da franquia Anjos da Noite, criada pelo diretor) logo após a sequência de abertura e abraçando a adoração de J.J. Abrams por flares, Wiseman conduz com bastante segurança as cenas de ação - algumas com inspiração clara na franquia Bourne (até um salto famoso durante uma perseguição por telhados de O Ultimato Bourne é reencenado) - e aproveita bem os cenários na criação da mise-en-scène da ação (como no apartamento do protagonista), merecendo destaque o movimento de câmera elaborado e calculado de um plano único (com cortes escondidos) que acompanha certo confronto de Doug na Rekall. Por outro lado, a sequência transcorrida no exterior do veículo da Queda causa irreparável embaraço pelo absurdo físico (velocidade, pressão, gravidade, tempo de percurso - todos são sumariamente ignorados), enquanto outras pecam pelo excesso de interrupções destinadas a frases de efeito - e, apenas para ilustrar, basta apontar que todas as piadas possíveis envolvendo o casamento farsesco de Douglas e Lori são feitas.

Enquanto isso, o design de produção de Patrick Tatopoulos e a direção de arte de Patrick Banister criam o mundo de O Vingador do Futuro como resultado da superpopulação mundial sendo obrigada a se adaptar a um espaço físico reduzido e limitado, concebendo a Colônia como um amontoado sujo e saturado de casas, pessoas e vielas enquanto a Federação, mesmo comportando prédios imponentes e espaços mais amplos e menos sufocantes, exibe uma estrutura baseada em camadas sobrepostas (repare, por exemplo, como a equipe de efeitos visuais transforma um possível jardim ou espelho d'água de certa locação em uma espécie de janela para o nível inferior, igualmente complexo e funcional). Somando-se ao aparato tecnológico amplamente explorado em outras ficções científicas, a equipe ainda concebe sua parcela de engenhocas originais (o telefone na palma da mão é uma boa sacada e substitui bem o rastreador do filme original) e acertam ao representar as áreas abandonadas do planeta não como ruínas, mas como paisagens afins à nossa realidade atual, porém desertas e dominadas uma espessa névoa química.

Infelizmente, toda essa eficiência técnica está a serviço de um roteiro pobre, que investe em uma conspiração pouco interessante e protela excessivamente algumas respostas com pistas sempre evasivas e incompletas, tornando irrelevantes todos os esboços de discussões políticas ou sociais. Nessas circunstâncias, os personagens são meras peças movendo-se em prol da construção do espetáculo: Colin Farrell - um ator competente em projetos apropriados - é um astro de ação inquestionavelmente eficaz, e o filme não exige dele nada além disso; o mesmo pode ser dito sobre Kate Beckinsale, que reprisa o vigor físico da franquia Anjos da Noite e desempenha a ação com competência, apesar de transformar Lori em uma figura caricatural cujas reais motivações nunca são esclarecidas. Fechando o elenco, Bill Nighy dando vida ao líder da resistência, ganha o posto de figurante de luxo do projeto, ao passo a Melina de Jessica Biel pouco tem a acrescentar à narrativa e, por fim, Bryan Cranston encarna Cohaagen como um vilão ausente e inescrupuloso que não exige um pingo de complexidade do talentoso ator.

Repleto de homenagens ao filme de 1990 (gosto particularmente da forma orgânica e funcional como aquela envolvendo um disfarce do protagonista é feita), este novo O Vingador do Futuro é um passatempo tolerável que, por mérito, representa uma experiência eficiente o bastante para não demandar que o espectador fantasie com a possibilidade de comparecer à Rekall com uma solicitação de remoção ou substituição - o que não impede que, com o tempo, o processo venha a ocorrer naturalmente.

15 de agosto de 2012

Crítica | Outback - Uma Galera Animal

por Eduardo Monteiro

The Outback, Coréia do Sul/EUA, 2012 | Duração: 1h25m27s | Lançado no Brasil em 17 de Agosto de 2012, nos cinemas | Escrito por Scott Clevenger, Chris Denk e Timothy Wayne Peternel | Dirigido por Kyung Ho Lee | Com as vozes de Rob Schneider, Bret McKenzie, Yvonne Strahovski, Alan Cumming, Tim Curry, Frank Welker, Eric Lopez.

"De todos os continentes da Terra, não há nenhum como a Austrália". Exatamente; contrariando todas as expectativas que eu pudesse ter sobre Outback - Uma Galera Animal, com apenas alguns segundos de projeção me vi mergulhado em um profundo estado reflexivo: seria a controversa contida na frase que abre o filme uma tentativa de humor (hipótese remota), um prejuízo da tradução ou apenas uma negligência dos roteiristas? A resposta a que cheguei algum tempo depois é tão simples quanto se poderia esperar: pouco importa, já que esse contrassenso é o menor dos problemas de um filme cujos deméritos poderiam ser facilmente antecipados analisando os currículos dos principais envolvidos na produção.

Comandado pelo codiretor de Garfield Cai na Real e escrito pelos roteiristas responsáveis por animações como O Mar Não Está Pra PeixeDeu a Louca na Branca de Neve e A Lady e o Lobo - O Bicho Tá Solto!, o longa traz Rob Schneider (interrompa a leitura desse texto por alguns segundos para assimilar melhor essa informação) dando voz a uma variedade de personagens secundários e ao protagonista Johnny, um coala albino que sonha em tornar-se parte do espetáculo circense principal de um parque itinerante depois de passados seus 15 minutos de fama como uma atração freak. Porém, Johnny, o diabo-da-tasmânia Hamish (McKenzie) e o macaco fotógrafo Higgins (Welker) acabam se desprendendo acidentalmente do restante da trupe e rapidamente se veem envolvidos em uma disputa territorial entre animais do deserto australiano (vulgo Outback).

Exibindo uma tendência de usurpar ideias de outros estúdios desde a vinheta da produtora coreana Lotte Entertainment (que, nos moldes da Walden Media, mostra uma pedra quicando na superfície de um lago), Outback consegue se distanciar de acusações de plágio graças ao péssimo uso de todas as suas influências: a festa dos animais inspirada em Madagascar é insossa, as referências a 300, Homem-Aranha e Harry Potter são deslocadas e a esperança depositada no falso heroísmo de um personagem oriundo do circo em um deserto (Rango e Vida de Inseto veem à mente e se misturam) é apenas uma desculpa para um arco dramático pedestre e cenas de ação ruins e despropositadas - e se trazer o protagonista salvando o dia repetidas vezes por acidente já não fosse suficientemente ofensivo, o roteiro ainda tem a ousadia de tentar extrair uma lição absurda e esquizofrênica disso: "não foi sorte, se foi você quem fez".

Aliás, Outback merece todas as menções negativas pela quantidade de clichês que consegue reunir em seus pouco mais de 80 minutos, do "protagonista patinho feio" ao "casal que briga, mas se ama", passando pela batida cena de ação transcorrida em uma ponte de cordas e madeira podres. Além disso, os realizadores frequentemente lançam mão de incoerências gritantes para fundamentar as ações dos personagens: o perigo de uma cena envolvendo um rolo compressor, por exemplo, simplesmente não existiria caso os animais optassem por escapar pelas laterais ao invés de fugir do artefato correndo insistentemente em sua direção, da mesma forma que somos obrigados a acreditar que uma corda projetada para sustentar um ser humano rompa com o peso de um coala, mas suporte um crocodilo obeso. Entretanto, em questão de ineficácia, nada supera a crise amorosa vivida pelo protagonista e pela coala lilás Miranda (Strahovski), que ocorre inteiramente em não muito mais que um par de minutos e investe em falas como "eu posso explicar" ou "eu confiei em você".

Do ponto de vista técnico, Outback revela-se adequado a seu reduzido orçamento, concebendo água, pelos e texturas de forma relativamente eficiente, mas encontrando eventualmente barreiras na falta de imaginação de seus animadores, que insistem, por exemplo, em exibir um urubu perdendo sistematicamente duas penas a cada vez que levanta voo. Quanto ao uso do 3D, não é uma surpresa muito grande que o diretor Kyung Ho Lee recorra à artificialidade de objetos sendo frequentemente lançados na direção do espectador ou adote a câmera subjetiva quando os personagens são levados por uma corredeira (criando a sensação de montanha-russa). Além disso, o efeito tridimensional chega até mesmo a causar desconforto quando o céu de certas cenas não parece encontrar-se de fato ao fundo.

Jamais conseguindo emplacar o macaco Higgins ou um grupo de ursinhos como alívios cômicos, Outback é uma animação frouxa e vazia que, em seus últimos minutos, ainda tenta nos convencer que um indivíduo pode ser digno de tornar-se a atração principal de um espetáculo circense mesmo após destruir seu picadeiro - e reajustando esta percepção ao adaptá-la à nossa posição de espectadores do próprio longa, o desastre que este representa apenas aumenta ainda mais nossa desconfiança em relação a seus realizadores.

10 de agosto de 2012

Crítica | À Beira do Caminho

por Eduardo Monteiro

À Beira do Caminho, Brasil, 2012 | Duração: 1h44m00s | Lançado no Brasil em 10 de Agosto de 2012, nos cinemas | Argumento de Léa Penteado. Roteiro de Patrícia Andrade | Dirigido por Breno Silveira | Com João Miguel, Vinicius Nascimento, Dira Paes, Ludmila Rosa, Ângelo Antônio, Denise Weinberg e Débora Spadaro.

Logo nos primeiros minutos de À Beira do Caminho, novo longa comandado pelo brasileiro Breno Silveira (2 Filhos de Francisco), o caminhão guiado pelo solitário João (Miguel) é enquadrado pelo cineasta de modo a revelar os dizeres "Mantenha distância" inscritos em sua traseira. Inofensiva a princípio, a frase ganha uma nova dimensão quando passamos a conhecer melhor o protagonista e nossa atenção é despertada para a tradição popular de registrar ditos e pensamentos em parachoques: mais que uma advertência aos demais motoristas, a mensagem gravada naquela carroceria sintetiza a filosofia pessoal de seu dono, um homem introspectivo, avesso à interação social e devastado por uma amargura cujas origens só descobriremos mais adiante. Todavia, suas perspectivas de vida podem estar prestes a se alterar graças a um encontro inesperado em meio à malha rodoviária de nosso país.

Escrito por Patrícia Andrade, o roteiro acompanha o caminhoneiro vivido por João Miguel levando uma existência triste e vazia pelas estradas brasileiras: preso a uma profissão solitária e extenuante por natureza, o homem encontra o garoto Duda (Nascimento) escondido na carroceria do caminhão e, sem enxergar outra saída, topa levá-lo a São Paulo para procurar o pai, que o abandonara antes mesmo do nascimento. Com o passar dos dias, o envolvimento improvável e crescente entre o caminhoneiro e o garoto acaba trazendo à tona conflitos internos que podem dar um novo significado àquela viagem - embalada essencialmente por músicas de Roberto Carlos, inspiração da argumentista Léa Penteado.

E como não poderia deixar de ser, as canções desempenham um papel fundamental na condução da narrativa: enquanto "Nossa Canção" se estabelece com naturalidade como o melancólico tema da relação entre João e a esposa Helena (Rosa), "O Portão" surge em instantes distintos e estratégicos da projeção, sendo que, em um deles, a gravação é interrompida pelo protagonista antes do emblemático refrão, demonstrando seu despreparo emocional para lidar com as ações ali sugeridas. Além disso, "Amigo" consegue pontuar perfeitamente bem a aproximação entre João e Duda: quando o garoto erra a sugestiva letra, o homem toma a iniciativa de corrigi-lo, rompendo a linha apática que vinha seguindo até então. Para completar, a trilha de Berna Ceppas ajuda a compor a emoção da jornada sem recorrer a exageros ou temas apelativos.

Liderado pelo ótimo João Miguel, o elenco de À Beira do Caminho faz jus à qualidade do roteiro: vivendo o personagem homônimo com um semblante fechado e uma aparência descuidada, João retrata bem a aflição crescente oriunda da necessidade cada vez mais tangível de enfrentar o próprio passado e desconstrói gradativamente a rispidez do caminhoneiro à medida que se vê envolvido em uma relação paternal com Duda, ainda que insista em manter um óbvio afastamento psicológico do garoto - algo implícito na impessoalidade de chamá-lo insistentemente de "moleque", e nunca pelo nome. Enquanto isso, o expressivo Vinicius Nascimento mostra-se extremamente à vontade em cena, demonstrando maturidade quando necessário, alcançando todas as emoções do personagem com a competência de um ator profissional e vivendo Duda como um garoto que parece usar sua hiperatividade juvenil (a cena em que imita João é deliciosa) como escudo e distração para as próprias angústias pessoais. Fechando o elenco principal, a sempre ótima Dira Paes vive Rosa como uma figura que traz um pouco de calor humano para a jornada de João e Duda, mas nada muito além disso.

Em seu terceiro trabalho na direção de longas para o Cinema, Breno Silveira volta a provar ser não só um diretor extremamente técnico (a ótima fotografia de Lula Carvalho é uma prova de seu olhar exigente como ex-profissional da função), mas também um excelente contador de histórias, conseguindo conferir ritmo e fluidez à narrativa e errando a mão apenas quando a revelação do mistério do passado do protagonista prolonga-se além do necessário e os flashbacks tornam-se excessivos, no final do segundo ato da projeção. Por outro lado, o roteiro de Patrícia Andrade acerta ao incluir percalços no percurso de João e Duda que tornam a jornada mais verossímil, desde o risco de assaltos a caminhões deixado no ar na primeira aparição do garoto até questões como a incerteza de trabalho de um caminhoneiro, a negligência de delegacias policiais interioranas ou a triste realidade da miséria e do abandono de menores levando-os a ingressar na criminalidade.

Sem recair na pieguice que sua proposta poderia impor, o filme ainda traz em sua essência uma mensagem bela, simples e universal: não devemos deixar que fantasmas do passado interfiram em nossa felicidade imediata e futura - e À Beira do Caminho é capaz de nos levar a esquecer o equívoco que Era Uma Vez... foi e considerar Breno Silveira como uma das grandes promessas do Cinema nacional para os próximos anos.

5 de agosto de 2012

Crítica | O Que Esperar Quando Você Está Esperando

por Eduardo Monteiro

What to Expect When You're Expecting, EUA, 2012 | Duração: 1h49m26s | Lançado no Brasil em 3 de Agosto de 2012, nos cinemas | Inspirado no livro de Heidi Murkoff. Escrito por Shauna Cross e Heather Hach | Dirigido por Kirk Jones | Com Elizabeth Banks, Cameron Diaz, Jennifer Lopez, Ben Falcone, Matthew Morrison, Rodrigo Santoro, Anna Kendrick, Chace Crawford, Dennis Quaid, Brooklyn Decker, Chris Rock, Thomas Lennon, Rob Huebel, Amir Talai, Joe Manganiello, Rebel Wilson, Wendi McLendon-Covey.

Com quase 800 páginas, o livro O Que Esperar Quando Você Está Esperando, de Heidi Murkoff, é um dos mais famosos e completos guias para grávidas de primeira viagem, abordando as mais diversas questões pertinentes ao período que vai desde as vésperas da concepção até os primeiros dias do pós-parto. É frustrante, portanto, que, tendo uma obra tão didática como fonte de inspiração, o roteiro escrito por Shauna Cross (Garota Fantástica) e Heather Hach (Sexta-Feira Muito Louca) opte por investir em dramas tolos e formulaicos, permitindo que a necessidade de fazer rir e amarrar diferentes tratamentos sobre maternidade transfira as peculiaridades das gestações propriamente ditas para segundo plano.

Dirigido pelo normalmente competente Kirk Jones (de Estão Todos Bem), o filme acompanha cinco casais que enfrentam adversidades particulares para se tornarem pais: Wendy (Banks), dona de um empreendimento voltado para mamães e bebês, tem dificuldades para engravidar e, até que consiga, não dará sossego para o marido Gary (Falcone); este, por sua vez, descobre que o pai, Ramsey (Quaid), também está prestes a aumentar a família, graças à gravidez da namorada Skyler (Decker), vários anos mais nova que ambos; Jules (Diaz), apresentadora de um reality show sobre emagrecimento de obesos, conheceu e engravidou de Evan (Morrison) durante uma competição de dança, mas os dois raramente conseguem chegar a um consenso em assuntos relacionados ao bebê que está para chegar; já a fotógrafa Holly (Lopez), devido a problemas de fertilidade, está decidida a adotar uma criança, mesmo sem o apoio irrestrito do marido Alex (Santoro); por fim, a jovem Rosie (Kendrick), após uma noitada com o antigo colega Marco (Crawford), se vê em uma gravidez de risco que, inadvertidamente, pode resultar na aproximação do casal.

Independentes em sua maioria, as subtramas do longa frequentemente colidem entre si, numa tentativa mal sucedida das roteiristas de conferir solidez e unidade à narrativa - e se a recomendação dos serviços da personagem de Holly feita por Wendy para Skyler, por exemplo, encontra respaldo no contexto das três personagens, a interseção acaba sendo desperdiçada quando se revela um mero pretexto para uma gag que em nada contribui para o desenvolvimento da trama ou dos personagens. Dessa forma, os esforços de Cross e Hach para unificar os arcos dramáticos acabam escancarados em vários momentos, como na desnecessária constatação de que um encontro inesperado entre Rosie e Marco ocorre em um bar nas proximidades do chá-de-bebê surpresa de Holly ou na absurda convergência dos personagens em determinado hospital - e trazer o primeiro contato entre os personagens de Jennifer Lopez e Rodrigo Santoro com o filho adotivo ocorrendo simultaneamente aos partos prova a noção das próprias roteiristas de que a proximidade física não se faz necessária quando os personagens já estão unidos pela temática, o que torna a coincidência ainda mais injustificável.

Outro aspecto do roteiro que salta aos olhos graças à falta de sutileza é a necessidade de construir gestações fundamentalmente distintas, o que fica bastante óbvio na montagem que retrata os exames de ultrassom das gestantes: descobrimos que um casal terá um garoto, outro espera uma menina, o terceiro não quer saber o sexo e no caso do último, não é possível identificar. Em particular, a gravidez da personagem de Brooklyn Decker revela-se um abuso com a paciência do espectador: dona de uma estúpida postura maternal na relação com o enteado Gary ("Meu bebê cresceu tão rápido!"), Skyler carrega gêmeos no ventre por nove meses de uma forma exageradamente serena, culminando em um parto absolutamente patético ("Atchim...") e servindo essencialmente como agravante para o drama vivido pela personagem de Banks. Aliás, é lamentável que o roteiro dê tanta importância à rixa e aos ciúmes que Wendy e Gary alimentam de Skyler e Ramsey, diminuindo a eficácia da subtrama com maior potencial dramático e única cujos maiores conflitos baseiam-se na gestação em si. Desse modo, o drama da personagem de Elizabeth Banks testemunhando a quebra do encanto que sempre atribuiu ao período gestacional é sabotado até mesmo em seu desfecho, quando uma circunstância potencialmente comovente é simplesmente contornada sem maiores explicações.

Nesse contexto, o elenco estelar pouco pode fazer para se sobressair - a título de exemplo, Anna Kendrick e Chace Crawford, formando o casal mais jovem da narrativa, conseguem conferir simpatia a seus personagens, mas não o suficiente para que seus conflitos soem convincentes (Kendrick, entretanto, protagoniza um momento particularmente tocante, que merece menção). E enquanto a assistente Janice vivida por Rebel Wilson rouba a cena com seu humor físico nonsense, o restante do elenco se mostra apenas correto em suas funções, ao passo que Cameron Diaz tem sua expressividade cada vez mais limitada pelo uso indiscriminado de Botox. Por fim, o brasileiro Rodrigo Santoro ganha a tarefa ingrata de dar vida a um personagem antipático por natureza, sujeito a uma mudança abrupta e forçada de comportamento e que merece compaixão apenas por ter de aguentar Chris Rock berrando em todas as cenas em que aparece.

Aliás, o grupo de pais liderado por Rock representa um dos principais exemplos do descaso das roteiristas com a coerência, já que o discurso feito por eles que altera a percepção do personagem de Santoro sobre paternidade, apesar de plenamente crível, foge do comportamento que vinham apresentando até então, incluindo especialmente a idolatria cega e exacerbada ao solteirão mulherengo vivido por Joe Manganiello. E como explicar, por exemplo, os convidados de uma festa comemorando efusivamente a vitória do personagem de Ben Falcone em uma corrida que eles sequem sabiam que estava ocorrendo e que quase o levou ao óbito? Em meio a essas e outras perguntas mal respondidas, o diretor Kirk Jones insere alguns elementos que tornam a experiência menos maçante, como as diversas transições elegantes (da calçada do parque para uma estrada da Etiópia, de um MINI Cooper em miniatura para um em tamanho real ou - a mais inspirada - de Elizabeth Banks prestes a vomitar para seu prato de comida minutos depois) ou a tela dividida durante uma conversa telefônica entre os personagens de Cameron Diaz e Matthew Morrison, quando, em seus respectivos estúdios de gravação, Jules e Evan ingerem alimentos com clara conotação sexual.

Negligente na passagem de tempo (só sabemos que nove meses se passaram por... bem, por motivos óbvios), O Que Esperar Quando Você Está Esperando traz, em seu próprio título, uma fonte inesgotável de piadas infames, que gentilmente reduzo a apenas uma: devemos esperar muito de empreitadas futuras de seus envolvidos? Gostaria de poder dizer enfaticamente que sim.

2 de agosto de 2012

Crítica | Katy Perry: Part of Me

Katy Perry em KATY PERRY: PART OF ME

★★★

Katy Perry: Part of Me, EUA, 2012 | Duração: 1h33m24s | Lançado no Brasil em 3 de agosto de 2012, nos cinemas | Dirigido por Dan Cutforth e Jane Lipsitz.

Pôster nacional e crítica de KATY PERRY: PART OF ME
No final de 2011, Justin Bieber: Never Say Never foi eleito o terceiro pior filme do ano em uma enquete aberta ao público de um grande site brasileiro de cinema. O resultado, naturalmente, não causou qualquer tipo de espanto nos responsáveis pela votação, que, como grande parte da população, tendem a menosprezar de antemão qualquer produto que traga a marca do cantor teen. Entretanto, é inegável que o resultado seja bastante duvidoso: considerando a hipótese remota de que todos os votantes assistiram ao filme (o mínimo que poderíamos esperar dos participantes de uma enquete como esta), o grupo que ajudou a eleger o documentário precisaria ser formado ou por fãs intensamente insatisfeitos ou por espectadores masoquistas que se sujeitaram a pagar para ver (em 3D e dublado, como era a grande maioria das cópias lançadas no país) um documentário focado em uma figura que assumidamente desprezam - e sabemos perfeitamente que esses dois perfis hipotéticos praticamente inexistem.

Desse modo, ao invés de darem uma chance ao documentário (que tem lá sua parcela de acertos), os disseminadores de ódio continuam a rebaixar a nota média do filme em qualquer site com sistema aberto de cotações, levantando como troféus os símbolos inequívocos de seus próprios preconceitos. Infelizmente, há grandes indícios de que situação semelhante ocorra com este Katy Perry: Part of Me, que, dirigido pelos mesmos Dan Cutforth e Jane Lipsitz que produziram Justin Bieber: Never Say Never, adota uma estrutura semelhante à vista naquele filme para contar a história do sucesso apoteótico e apresentar alguns números musicais de uma artista que, assim como Bieber, continua sendo vítima de preconceitos gratuitos e tendo seus talentos e méritos ofuscados pela rixa eterna entre os fãs e seus opositores.

Iniciado justamente com depoimentos de fãs que, indiretamente, reivindicam o direito de cultivarem a admiração pela cantora sem serem julgados por isso, o documentário acompanha um ano particularmente agitado da vida de Katy Perry: rodando o mundo com a maior turnê de sua breve carreira, a popstar logo se vê vítima de desilusões amorosas e da fadiga causada pelos esforços físicos demandados pelo ritmo intenso de viagens e shows. Paralelamente, Cutforth e Lipsitz regressam à infância de Katy e retraçam o caminho trilhado pela cantora californiana rumo ao estrelato.

Vale apontar, para início de conversa, que a tarefa dos diretores não é das mais difíceis, já que além de bonita, talentosa e carismática, Katy Perry possui uma trajetória cinematográfica por natureza: filha de fundamentalistas religiosos, a garota não teve muito suporte dos pais ou liberdade no ambiente familiar para desenvolver seus talentos, vindo a se emancipar apenas aos 17 anos, quando, inspirada pela autenticidade do trabalho de Alanis Morissette, saiu de casa para tentar a sorte em Los Angeles. Anos mais tarde, após ser esnobada por algumas gravadoras, Katy explodiria com o single "I Kissed a Girl" - e é bastante sintomático que, com outras opções de grande potencial em mãos (e que viriam a se tornar hits posteriormente), a cantora tenha escolhido justamente uma canção cuja letra afronta diretamente o conservadorismo que assombrou sua juventude, marcando de forma definitiva sua libertação.

Katy Perry em KATY PERRY: PART OF ME

Aliás, em momento algum o documentário tenta omitir a própria ambição de pintar uma imagem sempre positiva da cantora e da relação com as pessoas que a cercam, evitando se aprofundar em questões que poderiam ser mais controversas - e embora o amor de seus pais e a estima que demonstram pelo bem-estar da filha pareçam bastante autênticos, o apoio apenas condicional às decisões artísticas da cantora é algo que os genitores praticamente nem tentam esconder, deixando a sensação de que a fortuna acumulada por Katy é um motivo mais que suficiente para que abram mão de suas crenças e façam vista grossa em relação às letras despudoradas ou à decisão da filha de subir no palco com roupas curtas e provocantes.

Por outro lado, o documentário é hábil ao retratar o carinho e a atenção que a cantora dedica aos fãs, comprovando que o curto período de tempo que a separa do próprio anonimato lhe fornece uma compreensão expressiva do que o encontro com um ídolo pode representar - e apenas os mais céticos questionarão a veracidade de sua abnegação ao abrir mão de um cochilo providencial e restaurador para evitar a decepção de um pequeno grupo de fãs que a aguarda para o tradicional encontro antes da apresentação. Por essa razão, os momentos que antecedem o emblemático show realizado no Brasil se tornam ainda mais tocantes (a mudança de expressão de Katy segundos antes de entrar no palco é certamente uma das imagens mais marcantes do longa), expondo ao mesmo tempo seu profissionalismo e sua fragilidade - e esta última acaba sendo involuntariamente descortinada e prontamente recompensada quando a cantora é ovacionada pelo maior público da turnê.

Entretanto, o mais surpreendente de Katy Perry: Part of Me é a naturalidade com que a cantora permite que as equipes de filmagem adentrem em sua intimidade e registrem momentos em que surge completamente desprovida de vaidade, algo que contrasta com suas aparições públicas sempre exuberantes e inclui desde imagens variadas de arquivo pessoal (onde já podemos notar seu costume de alterar frequentemente o visual dos próprios cabelos) até cenas em que é flagrada passando desodorante nas axilas ou descabelada e sem qualquer maquiagem instantes após acordar. Assim, o empenho de humanizar a cantora (característica compartilhada com Justin Bieber: Never Say Never) é perfeitamente compreensível e se revela um dos pontos altos do projeto, já que independente da opinião que cada indivíduo possui sobre o trabalho da artista, Katheryn Elizabeth Hudson é um ser humano sujeito às mesmas emoções que eu ou você: a angústia pelo distanciamento do marido, o nervosismo antes de subir ao palco ou a satisfação de ver o público em polvorosa com suas performances.

Utilizando o 3D de forma parca (apenas os números musicais, fotos e algumas entrevistas possuem o efeito tridimensional, e a imersão nunca é satisfatória), Katy Perry: Part of Me ainda é beneficiado pela natureza performática das apresentações da cantora e por seu interessante repertório - distribuído de modo a pontuar com relativa eficiência as nuances da narrativa - e merece destaque por trazer, perdido em uma estrutura excessivamente tradicional e em uma seleção de imagens obviamente tendenciosa, o drama de uma mulher sonhadora que, vivendo através de sua carreira o conto de fadas que sua infância nunca foi ("Não posso ter uma criança, porque eu ainda sou uma", afirma, com naturalidade, a Katy adulta em certo momento), descobre da maneira mais difícil que a ilusão de felicidade fabulesca nem sempre se aplica à vida real da forma que desejamos.

Katy Perry em KATY PERRY: PART OF ME